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Sábado, 4 de junho de 2022 I Série — Número 21

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

REUNIÃOPLENÁRIADE3DEJUNHODE 2022

Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva

Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Lina Maria Cardoso Lopes Palmira Maciel Fernandes da Costa Helga Alexandra Freire Correia

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 5

minutos. Procedeu-se ao debate, na generalidade, dos Projetos

de Lei n.os 70/XV/1.ª (PSD) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da

oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, conformando-a com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, 79/XV/1.ª (CH) — Altera a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, por forma a harmonizá-la com os preceitos constitucionais em vigor e 100/XV/1.ª (PCP) — Altera a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, sobre conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de

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serviços de comunicações eletrónicas, em conjunto com a Proposta de Lei n.º 11/XV/1.ª (GOV) — Regula o acesso a metadados referentes a comunicações eletrónicas para fins de investigação criminal. Usaram da palavra, a diverso título, além da Ministra da Justiça (Catarina Sarmento e Castro), os Deputados Paulo Mota Pinto (PSD), que também encerrou o debate, Pedro Filipe Soares (BE), André Ventura (CH), Alma Rivera (PCP), Pedro Delgado Alves (PS), Patrícia Gilvaz (IL), Isabel Alves Moreira (PS), Inês de Sousa Real (PAN), Rui Tavares (L), Bernardo Blanco (IL), Alexandra Leitão (PS) e Rui Paulo Sousa (CH).

Foram, depois, aprovados requerimentos, apresentados, respetivamente, pelo PSD, pelo CH, pelo PCP e pelo PS, de baixa das referidas iniciativas à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sem votação.

Foram lidos os seguintes projetos de voto: N.º 72/XV/1.ª (apresentado pelo PSD) — De pesar pelo

falecimento de Manuel Fernandes Thomaz; N.º 76/XV/1.ª (apresentado pelo CH) — De pesar pelas

três vítimas mortais do acidente com um autocarro que transportava peregrinos até ao Santuário de Fátima;

N.º 80/XV/1.ª (apresentado pelo PS) — De pesar pelo falecimento de Raquel Seruca;

N.º 81/XV/1.ª (apresentado pelo PSD) — De pesar pelo falecimento de João Gomes Alves;

N.º 82/XV/1.ª (apresentado pelo PAR e subscrito pelo PS, pelo PSD, pelo CH, pelo IL, pelo PCP, pelo BE, pelo PAN e pelo L) — De pesar pelo falecimento de Mário Mesquita.

Após terem sido aprovadas as partes deliberativas (a) daqueles votos, a Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Foi lido o Projeto de Voto n.º 79/XV/1.ª (apresentado pela Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto e subscrito por uma Deputada do PSD) — De congratulação pela atribuição do Prémio LeYa 2021 ao poeta e escritor José Carlos Barros, tendo sido aprovada a respetiva parte deliberativa (a).

Foi lido o Projeto de Voto n.º 83/XV/1.ª (apresentado pelo PAR e subscrito pelo PS, pelo PSD, pelo CH, pelo IL, pelo BE, pelo PAN e pelo L) — De saudação pelo centenário de Gonçalo Ribeiro Telles, tendo usado da palavra os Deputados Bruno Coimbra (PSD), Inês de Sousa Real (PAN), Paula Santos (PCP), Rodrigo Saraiva (IL), Pedro dos Santos Frazão (CH), Rui Tavares (L), Hugo Pires (PS) e Pedro Filipe Soares (BE). Foi, depois, aprovada a respetiva parte deliberativa (a).

Foi aprovado o Projeto de Resolução n.º 73/XV/1.ª (PAR) — Composição da Comissão Permanente.

Foi aprovado o Projeto de Deliberação n.º 4/XV/1.ª (PAR) — Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República.

Foi rejeitado o Inquérito Parlamentar n.º 1/XV/1.ª (CH) — Comissão eventual de inquérito parlamentar à atuação do Estado português no estabelecimento de parcerias com associações de cidadãos russos no acolhimento e integração dos cidadãos ucranianos em Portugal, tendo o Deputado André Ventura (CH) proferido uma declaração de voto.

Após interpelação à Mesa do Deputado Pedro Filipe Soares (BE), foram aprovados requerimentos, apresentados pelo PS e pelo PAN, de baixa à Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, sem votação, da Proposta de Lei n.º 6/XV/1.ª (GOV) — Aprova a Lei das Comunicações Eletrónicas e transpõe a Diretiva (UE) 2018/1972, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (por 60 dias) e do Projeto de Lei n.º 89/XV/1.ª (PAN) — Reforça os direitos dos utilizadores

finais de serviços de comunicações eletrónicas (por 15 dias); apresentado pelo PS, também de baixa à Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, sem votação, da Proposta de Lei n.º 8/XV/1.ª (GOV) — Transpõe a Diretiva (UE) 2019/1, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantirem o bom funcionamento do mercado interno (por 60 dias); e, apresentado pelo L, de baixa à Comissão de Educação e Ciência, sem votação, do Projeto de Lei n.º 90/XV/1.ª (L) — Consagra o dever de as instituições procederem à abertura de procedimento concursal para as funções desempenhadas pelos doutorados, quando se verifique o termo do contrato (por 30 dias).

Foi aprovada, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 3/XV/1.ª (GOV) — Altera o Código de Processo Penal e a Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro.

Foram rejeitados, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 86/XV/1.ª (PAN) — Corrige a legislação que concretiza a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 e aprofunda as garantias de proteção dos denunciantes e 94/XV/1.ª (CH) — Criação do estatuto do arguido colaborador e agravamento das penas aplicáveis aos crimes de corrupção previstos no Código Penal.

Foi rejeitado o Projeto de Resolução n.º 53/XV/1.ª (PCP) — Recomenda a adoção de medidas para a dinamização do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, combatendo a precariedade e o subfinanciamento.

Foi aprovado o 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República para 2022.

Foi aprovado o ponto 1 e rejeitado o ponto 2 do Projeto de Resolução n.º 46/XV/1.ª (IL) — Recomenda ao Governo que defenda, no contexto da União Europeia, o fim da importação de gás da Rússia.

Foram rejeitados os Projetos de Resolução n.os 12/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo o cabal cumprimento da Diretiva 2002/49/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de junho de 2002, relativa à avaliação e gestão do ruído ambiente e 43/XV/1.ª (PSD) — Pôr em prática uma política de prevenção do ruído ambiente.

Foi aprovado o Projeto de Resolução n.º 6/XV/1.ª (L) — Instando as autoridades nacionais a participarem do esforço internacional de investigação, acusação, condenação e punição de todos os crimes de guerra na Ucrânia, na sequência da invasão lançada a 24 de fevereiro, sob a máxima responsabilidade de Vladimir Putin, presidente da Federação Russa.

Foi rejeitado o Projeto de Resolução n.º 17/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a revisão dos objetivos específicos da PEPAC.

Foi aprovado, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Ambiente e Energia, relativo ao Projeto de Resolução n.º 7/XV/1.ª (PAN) — Previsão no Programa Nacional de Reformas – 2022 de uma adaptação do Plano Nacional da Água às alterações climáticas, como medida de combate à seca.

Foram aprovados pareceres da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, autorizando o levantamento da imunidade parlamentar de Deputados do CH.

Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.

O Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 7 minutos.

(a) Estas votações tiveram lugar ao abrigo do n.º 10 do

artigo 75.º do Regimento.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, já temos quórum de funcionamento e todos os grupos parlamentares estão representados, de modo que vamos iniciar a nossa sessão plenária.

Eram 10 horas e 5 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público.

Este dia tem um significado adicional, porque é o Dia da Assembleia da República e teremos, aliás, o

prazer de receber várias escolas, que nesta tarde nos visitam.

O primeiro ponto da ordem do dia foi fixado por agendamento do PSD e consta do debate conjunto, na

generalidade, dos Projetos de Lei n.os 70/XV/1.ª (PSD) — Procede à segunda alteração à Lei n.º 32/2008, de

17 de julho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do

Conselho, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de

serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações,

conformando-a com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, 79/XV/1.ª (CH) — Altera a Lei

n.º 32/2008, de 17 de julho, por forma a harmonizá-la com os preceitos constitucionais em vigor, e 100/XV/1.ª

(PCP) — Altera a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, sobre conservação de dados gerados ou tratados no

contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas, e da Proposta de Lei n.º 11/XV/1.ª (GOV) —

Regula o acesso a metadados referentes a comunicações eletrónicas para fins de investigação criminal.

Para intervir e apresentar o Projeto de Lei n.º 70/XV/1.ª (PSD), tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Mota

Pinto.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia da República discute, por iniciativa do PSD, vários projetos destinados a resolver os problemas criados pela

inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional e pela contrariedade à Carta dos Direitos

Fundamentais da União Europeia e de disposições da Lei n.º 32/2008, relativa à conservação de dados

gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis

ou de redes públicas de comunicações, vulgo «metadados».

Trata-se dos metadados das comunicações eletrónicas ou das telecomunicações, entendidos como sendo

os dados gerados ou relacionados por estas comunicações, o que tanto inclui dados de base — dados de

identidade e outros dos titulares, dados de identificação dos aparelhos e dos cartões de dados — como dados

de tráfego, ou seja, informação sobre o dia, hora, duração e sujeitos da comunicação, geolocalização, etc.,

mas não inclui o próprio conteúdo da comunicação.

O Parlamento debate este tema por iniciativa legislativa do PSD, que, poucos dias depois de se ter tornado

público o Acórdão do Tribunal Constitucional, apresentou um projeto de lei para resolver grande parte dos

problemas suscitados por aquele. Isto, enquanto o Governo — que, durante anos, nada fez! — constituía um

grupo de trabalho e o PS, certamente para tentar disfarçar a sua inércia, dizia mal da iniciativa do PSD que

permitiu o agendamento de outras iniciativas conexas.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Assim, além deste agendamento potestativo da discussão do Projeto de Lei n.º 70/XV/1.ª (PSD), estão em debate no presente Plenário a Proposta de Lei n.º 11/XV/1.ª (GOV) e os

Projetos de Lei n.os 79/XV/1.ª (CH) e 100/XV/1.ª (PCP). Todas estas iniciativas afirmam ter como objetivo

principal conformar a lei em vigor com a Constituição, na sequência do Acórdão n.º 268/2022, que declarou

inconstitucional, com força obrigatória geral, normas dessa Lei n.º 32/2008.

No entanto, tal como direi a seguir, a verdade é que a iniciativa do Governo não pretende propriamente

expurgar, isto é, sanar ou eliminar uma inconstitucionalidade nessa lei. Antes, «deita a toalha ao chão»,

claudicando na previsão de um regime de conservação e acesso a metadados, até agora tido por todos — até

pelo próprio Governo — como de utilidade imprescindível, designadamente para o início do trabalho

investigatório dos órgãos de polícia criminal.

Era imprescindível, mas, sob a capa de uma alegada mudança de paradigma, apresentam-nos um projeto

que prescinde dele!

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Recorde-se que o Acórdão n.º 268/2022 considerou que o facto de a lei não prever a necessidade de

armazenar os dados no território da União Europeia punha em causa, designadamente, o artigo 35.º da

Constituição, que obriga a que esses dados possam ser controlados por uma entidade administrativa, que, no

caso, é a Comissão Nacional de Proteção de Dados.

Considerou, também, que não prever uma notificação ao visado de que os dados conservados tinham sido

acedidos pelas autoridades de investigação criminal violava o direito a uma correta utilização da informática e

as garantias de defesa do titular, que não era informado dessa cedência.

Considerou, em terceiro lugar, que uma conservação generalizada e indiferenciada, por um ano, dos dados

de tráfego e de localização violava o princípio da proporcionalidade, em conjugação com o direito à reserva

sobre a intimidade da vida privada.

Este acórdão, ao declarar a inconstitucionalidade, removeu da ordem jurídica, com efeitos retroativos, o

regime dos chamados «metadados». Ao fazê-lo, gerou gravidade e um alarme social indevidamente

empolado, inusitado e, perante o que estava em causa, até mesmo exagerado, sendo certo que, para o

passado, apenas podem ser afetados os processos — estejam eles pendentes ou já transitados em julgado —

em que o recurso a metadados tenha sido, efetivamente, o elemento decisivo para a condenação.

O PSD entende que é inadmissível, deve ser censurada e não contribui para a solução do problema uma

reação de criação de alarme social, mesmo quando, por vezes, ela provenha de magistrados ou, como talvez

seja mais expectável, de forças políticas que pretendem explorar esse tipo de sentimentos para tentarem

crescer com os seus pontos de vista extremistas.

Importa recordar — embora devesse ser desnecessário — que os agentes políticos não devem atuar como

incendiários, mas também não devem, designadamente quando têm funções de Governo e muito menos no

caso do Primeiro-Ministro, pôr-se a tentar ensinar aos tribunais a interpretação preferível de normas do Código

de Processo Penal. Muito menos devem recomendar aos advogados o que fazer, ou não, na defesa dos

interesses dos seus constituintes, como, infelizmente, neste caso, até o Primeiro-Ministro quis fazer e todo o

País assistiu.

Os agentes políticos devem resolver o problema ou tentar resolvê-lo, pelo menos, oferecendo propostas de

solução. Foi isso que o PSD fez, recusando, também, o demagógico ataque ao Tribunal Constitucional.

Aliás, é tentar fugir ao problema e não o querer resolver, pretendendo e insistindo que o Tribunal

Constitucional volte à questão dos efeitos retroativos da decisão quando, no Acórdão n.º 382/2022, a pedido

da Procuradoria-Geral da República, ele já se pronunciou sobre isso e disse que tem a faculdade, que usa

excecionalmente, de afastar a eficácia normal da inconstitucionalidade, afastando retroativamente a norma da

ordem jurídica. Se o fizesse, isso seria também incompatível com o direito da União Europeia e é verdade que

qualquer advogado poderia sempre suscitar a questão da contrariedade à Carta dos Direitos Fundamentais,

no Tribunal de Justiça da União Europeia.

Portanto, não só é uma tentativa fruste, essa insistência, como de nada adiantaria, sob o ponto de vista da

conservação do regime dos metadados.

Recorde-se que a origem do problema está na Diretiva 2006/24/CE, que, por sua vez, deu origem à Lei

n.º 32/2008, aprovada por um Governo socialista de que, aliás, fez parte o Primeiro-Ministro.

A verdade não pode ser escamoteada. Não obstante o teor deste acórdão de 2022 e de ele ter sido

proferido apenas agora, em abril, já pelo menos desde 2014 que se impunha a adaptação desta lei, face à

jurisprudência europeia, entretanto firmada em acórdãos do Tribunal de Justiça, designadamente: no acórdão

de 8 de abril de 2014, da Digital Rights Ireland, que invalidou grande parte desta diretiva; no acórdão de 21 de

dezembro de 2016, da Tele2, que invalidou o regime sueco; no acórdão de 6 de outubro de 2020, sobre os

regimes belga e francês; e, mais recentemente, num acórdão sobre o regime irlandês.

O Governo português apenas se pronunciou num destes acórdãos. Apesar de ter sido notificado, nem

sequer interveio nestes processos, mas já sabia deles, pois foi notificado desde, pelo menos, 2014. O Governo

português já sabia que existia um confronto discutido na jurisprudência entre a segurança e a prevenção e

esclarecimento de crimes, por um lado, e a proteção da privacidade e dos direitos fundamentais, por outro.

Esse direito à privacidade é, e cito, nas palavras do mais famoso artigo jurídico alguma vez escrito, de

Samuel Warren e Louis Brandeis, «um dos direitos mais importantes e mais valorizados pelas pessoas

civilizadas».

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A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Já se sabia que o Tribunal de Justiça da União Europeia tinha considerado que a diretiva — e, portanto, o regime português — era contrária ao princípio da

proporcionalidade nas suas vertentes de necessidade, não tanto na adequação e justa medida, pelo menos,

por considerá-lo desnecessário para essas finalidades de investigação criminal.

Tudo isto era, e é, bem sabido. Tudo isto o Governo poderia, nas suas consequências, antever. Não se

pode, por isso, deixar de lamentar o atraso na reação do Governo português, até quando comparamos com o

que aconteceu em outros países, como na Alemanha, onde, em 2015 — no ano seguinte ao primeiro acórdão

de 2014 —, foi logo aprovada uma alteração legislativa.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Foi o que qualificámos como «inércia negligente», como «omissão qualificada do legislador» e, desde logo, dos responsáveis, ao longo destes anos, pela política de justiça do

Governo, mesmo quando, durante anos, o Ministro da Justiça foi oriundo do Ministério Público.

Hoje, os portugueses pedem uma solução. Foi isso que o PSD quis oferecer, apresentando uma proposta

72 horas depois de ser conhecido o acórdão do Tribunal, enquanto o Governo, que esperou, pelo menos, sete

anos sem nada fazer, constituía um grupo de trabalho.

Vozes do PSD: — Bem lembrado!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Mas congratulamo-nos por o Governo e mais dois partidos, embora empurrados pelas circunstâncias e tardiamente, terem apresentado as suas propostas e por as podermos

discutir. O Primeiro-Ministro disse que seriam discutidas em junho. Passaram três dias de junho e o PSD

agendou este debate.

Vejamos as soluções em confronto: o projeto do PSD prevê a retenção dos dados em Portugal ou na União

Europeia, prevê a notificação dos interessados e reduz o prazo de conservação, em aplicação do princípio da

proporcionalidade. Congratulamo-nos por, como o próprio chefe do Governo esclareceu — designadamente

face a espíritos que necessitavam de ser esclarecidos, alguns da própria bancada do Partido Socialista —, o

projeto do PSD resolver grande parte, e eu diria mesmo que é a maior parte, dos problemas de

inconstitucionalidade detetados.

Vejamos como: os projetos do PSD, do Chega e do PCP optam por alterar a lei dos metadados para sanar

as inconstitucionalidades, enquanto a proposta de lei do Governo opta por outra abordagem, abandonando o

regime dos metadados. Como que claudica perante a dificuldade…

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — … e cria, antes, um regime autónomo de regras de acesso para fins de investigação criminal em relação a dados que são já tratados e conservados pelas operadoras que fornecem

redes ou serviços de comunicações eletrónicas.

Esta diferença de abordagem dificulta a comparação entre a proposta de lei do Governo e as outras

iniciativas legislativas, embora, como direi no final, não me pareça que elas sejam inteiramente inconciliáveis.

Há cinco temas fundamentais em que estes projetos podem ser analisados: no modo de conservação dos

dados, no prazo da conservação, na notificação ao visado, no local de armazenamento dos dados e no regime

de acesso por parte das entidades competentes.

Quanto à conservação de dados, os projetos de lei do PSD e do PCP mantêm a regra da conservação

generalizada e indiferenciada dos dados de base, de tráfego e de localização. Já a proposta de lei do Governo

quer eliminar esta regra, optando por aproveitar uma já existente conservação de dados de tráfego por parte

das operadoras, dados que elas conservam para efeitos de faturação e de pagamento de interligações.

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Quanto ao projeto de lei do Chega, também de forma surpreendente, diz que os dados não podem ser

conservados de forma generalizada, mas somente depois de um despacho fundamentado, em cada caso, pelo

juiz. Isto é, opta por prescindir da sua utilidade, digamos, preventiva.

A solução do Governo é diversa, mas insuficiente. Eu diria que é mesmo uma espécie de remendo, uma

solução de recurso. O Governo chegou tarde à problemática, atrasou-se e, agora, vem com um remendo.

Ao prever a utilização das bases de dados previstas na Lei n.º 41/2004, a solução do Governo não prevê

um regime de conservação dos metadados, mas, sim, a utilização de bases de dados criadas para outro

efeito, como que institucionalizando uma espécie de desvio de finalidade para a investigação criminal.

Aplausos do PSD.

Mais: prevê a utilização de bases de dados que são de criação e de conservação voluntárias pelas

operadoras.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — É dito na lei de 2014 que podem conservá-las por tempo incerto, um tempo que pode ir até seis meses, mas pode ser menor. Se desaparecerem os problemas de morosidade, se

uma operadora fizer um seguro de cobrança, pode passar a conservá-las por uma semana ou por um mês.

Além disso, o Governo prevê a utilização de bases de dados que não contêm localização geográfica nem,

sequer, dados de comunicações ou contactos que não geram faturação, como, por exemplo, chamadas

recebidas.

Portanto, parece-nos que é um projeto insuficiente.

O projeto do Chega, por outro lado, também elimina a conservação generalizada e a utilidade de uma

retenção preventiva dos dados, como que submetendo-os a um regime semelhante ao das escutas, com o

despacho de um juiz em cada caso. Isto é, o Chega «rasga as vestes», criando alarme social quanto aos

processos pendentes, mas quer eliminar a retenção de metadados para propiciar uma investigação criminal.

Isto é, por um lado, cria esse alarme social e, por outro, retira os instrumentos às polícias.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — No que respeita ao prazo da conservação de dados, o projeto de lei do PSD estabelece uma diferenciação entre dados de tráfego e localização, com um prazo de 12 semanas, e

outros dados, sendo que para estes mantém o prazo de um ano, como, aliás, é permitido pela jurisprudência.

Seguiu-se uma abordagem semelhante à da lei alemã, que prevê um prazo de até 10 semanas.

O projeto de lei do PCP, neste aspeto, é próximo da iniciativa do PSD, prevendo um prazo de conservação

de 90 dias, o que são quase 12 semanas, embora para todo o tipo de dados.

Já o projeto de lei do Chega fixa um prazo de seis meses para todo o tipo de dados.

Não vou fazer uma comparação fina de todos os aspetos, mas gostaria de dizer que, também aqui, a

proposta de lei do Governo se distingue, porque aproveita o prazo previsto no n.º 3 do artigo 6.º, esquecendo,

porém, que é um prazo máximo. O artigo 6.º da Lei n.º 41/2004 diz que os dados podem ser conservados até

ao final do período de faturação, isto é, as operadoras podem conservar os dados para faturação, mas o que o

Governo quer dizer é que as polícias passem a utilizá-los se e quando esses dados forem conservados para

efeitos de investigação criminal, com esse desvio de finalidade.

Há também diferenças, embora nos pareçam superáveis, quanto à entidade que faz a notificação ao

visado, ou seja, quanto à questão de saber se devem ser os próprios fornecedores dos serviços a notificar o

titular dos dados de que eles foram cedidos ou se deve ser a autoridade competente ou a autoridade judiciária.

Quanto ao local de armazenamento, o projeto de lei que o PSD apresentou prevê que eles sejam

conservados em Portugal ou noutro Estado-Membro da União Europeia e proíbe, portanto, a transmissão de

dados a autoridades judiciárias e a autoridades de polícia criminal de Estados que não sejam membros da

União Europeia. Todavia, não nos parece que seja necessário que eles sejam conservados em Portugal, na

medida em que outro Estado da União Europeia ofereça garantias semelhantes.

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Quanto ao acesso por parte das entidades competentes, é um aspeto que não está propriamente em

causa. Há ligeiras diferenças entre os projetos, mas vou saltar esse aspeto, uma vez que não nos parece que

seja o mais relevante.

Gostava também de dizer que o projeto de lei do PSD, assim como o do Chega, contém normas de direito

transitório. Fizemos um esforço por determinar a partir de quando é que os dados têm de ser destruídos e até,

eventualmente, por salvaguardar os processos pendentes em que já tenha sido deduzida acusação.

Temos consciência de que esta norma pode suscitar problemas de constitucionalidade e estamos

disponíveis para a rever ou alterar em conformidade.

Porque é que entendemos que a nossa proposta é a melhor? Parece-nos ser a mais equilibrada, porque:

não abdica de um regime de metadados, isto é, mantém a possibilidade de utilização desse instrumento que,

até há pouco tempo, o Governo, quando criticou o Tribunal Constitucional, dizia ser imprescindível; não prevê

um desvio de finalidade de bases de dados criadas para outros efeitos, com um prazo de conservação

meramente voluntário; e prevê a possibilidade de conservação, por um prazo mais curto, de geolocalização e

também de dados que não gerem faturação, isto é, não deixa a investigação criminal dependente de bases de

dados para faturação.

Penso que o Governo se terá deixado impressionar pela comparação com a permissão da conservação de

dados para efeitos de faturação e, por isso, entendeu que deveria recorrer a isso, mas essa abordagem é

insuficiente.

Aplausos do PSD.

Dito isto, gostava de acrescentar que temos consciência de que as diversas propostas — também a nossa

— podem, certamente, ser melhoradas em sede de especialidade. Isso mesmo resulta, aliás, da densificação

dos critérios da proporcionalidade que foi feita recentemente no acórdão, sobre o regime irlandês, do Tribunal

de Justiça da União Europeia, de 5 de abril de 2022.

Esse acórdão veio deixar claro que é possível uma conservação seletiva dos dados de tráfego e dos dados

de localização, desde que seja: com base em elementos objetivos e não discriminatórios, como, por exemplo,

em função das categorias de pessoas ou de um critério geográfico; e por um período temporalmente limitado

ao estritamente necessário. O acórdão veio, também, deixar claro que isto não viola o princípio da

proporcionalidade, uma vez que, para a investigação de certa criminalidade online, é indispensável a

conservação generalizada e indiferenciada dos endereços IP (Internet Protocol) atribuídos à fonte de uma

ligação.

Por isso, para a discussão na especialidade, temos já preparado um texto de substituição que: permite a

conservação dos endereços de protocolo IP atribuídos à fonte de uma ligação, como até agora, pelo prazo de

um ano; permite ao titular dos dados opor-se à conservação e, portanto, autoriza a sua conservação, salvo se

for exercido esse direito de opting out; não permite essa oposição quanto a dados colhidos em locais

estratégicos — aeroportos, estações, zonas de portagem, certas zonas turísticas — ou relativos a certas

pessoas que sejam suspeitos, arguidos ou já condenados pela prática de crimes graves, enquanto se mantiver

a responsabilidade criminal.

Esse texto, seguindo as indicações do acórdão de abril de 2022, diz que os locais e pessoas devem ser

selecionados com base em critérios objetivos e não discriminatórios, constando de um despacho

fundamentado que deveria ser emitido pelo Procurador-Geral da República. Pensamos que é um

aperfeiçoamento que elimina os problemas de uma conservação generalizada dos dados, ainda que por um

prazo mais curto, e que deverá poder ser discutido na especialidade.

Por isso, tendo em conta esta possibilidade de aproximação das abordagens dos diferentes projetos,

designadamente do projeto do PSD e da proposta do Governo — que, como disse, embora seja claudicante

quanto ao regime de metadados não é incompatível com o do PSD, podendo ambos ser como que reunidos

no mesmo texto, pensamos que é possível fazer isso na especialidade.

A nossa responsabilidade e a responsabilidade de todos os Deputados é a de tentar encontrar soluções

que sirvam o interesse público e o País.

O PSD não se especializou nem se especializa em fazer oposição de forma destrutiva, de forma estridente

ou a ver quem fala mais alto. Em vez disso, tentamos encontrar respostas viáveis e com credibilidade e, por

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isso, apresentámos este projeto. Também por isso, apresentámos um requerimento de baixa à Comissão sem

votação e estamos confiantes de que será possível encontrar uma solução.

Demos o nosso contributo, demos o primeiro passo para esta discussão e estamos, por isso, dispostos a

aperfeiçoar o projeto que apresentámos. Esperamos que os outros grupos parlamentares e o Governo

também estejam e saudamos a disponibilidade para esse trabalho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista a inscrição do Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, para pedir esclarecimentos.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Mota Pinto, agradeço-lhe pelo conteúdo da sua intervenção, porque, creio e acho que deve reconhecer-se, este não é um tema fácil e pode

ser dado a muitos populismos, mas creio que o tratou de forma séria, apesar das divergências de opinião que

temos em diversas das matérias.

Como sabe, o Bloco de Esquerda votou contra a lei que foi declarada inconstitucional pelo Tribunal

Constitucional. Há um certo «sacudir a água do capote» da parte do PSD, porque diz que o Governo não fez

nada, mas quando, já em 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou que esta diretiva e as leis

que lhe estavam conexas não respeitavam a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, quem

estava no poder era o PSD e não fez nada sobre a matéria.

Dessa altura até agora, o PSD, que defendia esta lei, não pretendeu alterá-la, mas, sobre essa matéria,

não quero meter a foice em guerra alheia, pois é um debate entre PS e PSD.

Sr. Deputado, queria, apenas, fazer-lhe uma pergunta muito direta sobre o projeto de lei que apresentam,

mas que, na prática, tanto é alargada ao projeto de lei do Chega como ao do PCP, porque em todos há a

indicação de que os dados devem ser guardados em território português ou europeu, no fundo, em território

cuja lei respeite a Constituição da República Portuguesa ou a Carta dos Direitos Fundamentais da União

Europeia.

Acompanhando a pretensão e direito dos cidadãos europeus e portugueses à salvaguarda dos seus dados,

creio que há aqui um problema real e, por isso, pergunto-lhe: tem capacidade de nos responder que existe

uma solução que permita implementar a lei que atualmente o PSD está a propor?

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Mota Pinto.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, sabemos que o Bloco de Esquerda tende a votar contra as iniciativas que garantam o direito à segurança,…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Não, pelo contrário, somos pela segurança dos direitos.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — … à investigação criminal e, portanto, à liberdade dos portugueses, porque não há liberdade sem segurança.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Não vou agora recordar a votação desta lei, quero apenas dizer que a generalidade dos países europeus tem leis semelhantes a esta e havia até uma diretiva nesse sentido, pelo

que se não tivesse sido aprovado um regime sobre os metadados o Estado português teria violado essa

diretiva. Portanto, esse voto contra do Bloco de Esquerda, provavelmente, teria acarretado essa violação da

diretiva de 2006, mas nós fomos responsáveis por isso não ter acontecido.

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Sr. Deputado, não concordo que o PSD esteja a «sacudir a água do capote», isto para usar a expressão

que utilizou. O acórdão que invalidou a diretiva é de abril de 2014, mas, nessa altura, não era ainda claro quais

seriam as consequências imediatas dessa decisão na legislação nacional.

Foi só em 2016 que a primeira lei nacional foi invalidada, a lei sueca, e, depois, há acórdãos posteriores, de

2020, sobre a lei belga e a lei francesa. Em 2019, a Provedora de Justiça apresentou no Tribunal

Constitucional o pedido de declaração de inconstitucionalidade.

Portanto, embora possamos dizer que, de certa forma, isto era previsível desde 2014, dizemo-lo a

posteriori. Penso que na altura, naquele ano em que o PSD ainda esteve no Governo, até ser afastado, em

2015, não era exigível que fosse logo tomada uma iniciativa, mas posteriormente, depois de 2016 ou, pelo

menos, depois de 2019, aí, sem dúvida, houve inércia negligente.

Quanto à pergunta que me fez, entendemos que o regime de conservação de dados noutros territórios da

União Europeia pode dar as mesmas garantias, desde que eles prevejam uma comissão de proteção de dados

como a que está prevista na Constituição portuguesa.

É esse o fundamento para a declaração de inconstitucionalidade neste aspeto da lei portuguesa, o de que

ela permite a transmissão para fora da União Europeia, mesmo para territórios onde não há organismos

administrativos de proteção de dados.

Portanto, pensamos que isso tem de ser avaliado caso a caso, estamos disponíveis para que seja incluído

na especialidade como uma restrição à transmissão, mas pensamos que não há necessidade para prever,

como numa espécie de assomo de nacionalismo que defende o PCP, que os dados tenham de ser

conservados em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 79/XV/1.ª (CH), tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Grupo Parlamentar do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É sabido que o acórdão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucional vários artigos da denominada «lei dos metadados» colocou várias

questões importantes e relevantes. Sobre isto, o primeiro ponto que gostava de referir é o de que não foram

restringidos os efeitos que este alcance poderia ter tido e, na nossa perspetiva, deveriam ter sido. Isto não é

querer dar indicações aos tribunais, é a opinião genuína de um agente político preocupado com a segurança

dos seus cidadãos.

Neste momento, são afetados processos pendentes e milhares de investigações, é colocada em causa a

recolha de prova e, sobretudo, a prisão preventiva. Muitos dos nossos compatriotas podem não ter noção da

importância que a decisão do Tribunal Constitucional teve para a manutenção, ou não, da prisão preventiva

em muitos dos processos sobre terrorismo, burlas e outros, em Portugal.

É verdade que o Governo deveria ter agido. Houve decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia em

2014, novamente em 2016 e, novamente, em 2020, mas o Governo nada fez.

Porém, Sr. Deputado Mota Pinto, deixe-me dizer-lhe que não é só o Governo que tem responsabilidade

sobre isto. Como já foi dito, em 2014 era o PSD que estava no Governo e nada fez, mas, em 2016, data da

nova decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, o PSD era o maior grupo parlamentar desta Casa —

repito, era o maior grupo parlamentar! — e não apresentou nenhuma iniciativa para corrigir este ponto.

Aplausos do CH.

Em 2019, a Sr.ª Provedora de Justiça alertou o Governo para este caso, nomeadamente a então Ministra

da Justiça, Francisca Van Dunem, que também nada fez.

Voltamos ao ponto inicial, antes de passarmos à apresentação deste projeto. Parece, hoje, evidente, pelo

menos para o Chega, que o Tribunal Constitucional deveria ter feito essa restrição de efeitos, nos termos do

n.º 4 do artigo 282.º da Constituição.

A Assembleia da República deveria ter feito esse pedido, aliás, conforme fica claro na decisão do Tribunal

Constitucional, no requerimento apresentado pela Sr.ª Procuradora-Geral da República. Esta Assembleia ficou

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em silêncio quando deveria ter pedido que, em casos graves, sobretudo relativamente à prisão preventiva,

pudessem ser restritos esses efeitos.

Sr. Deputado, não é extremista nem incendiário quem levanta o problema da segurança em Portugal e das

suas consequências.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ora aí está!

O Sr. André Ventura (CH): — Extremista é quem ignora a segurança de um povo e coloca qualquer artigo jurídico acima dela.

Para nós, a segurança dos portugueses estará sempre em primeiro lugar.

Aplausos do CH.

Os projetos aqui apresentados são muito diferentes. O projeto do PSD mantém a conservação

generalizada de dados, o que é curioso, porque a própria decisão do Tribunal Constitucional, a requerimento

de Maria Lúcia Amaral, Provedora de Justiça, diz o seguinte: «O projeto em causa, em lugar de uma

conservação seletiva, prevê uma conservação generalizada e indiferenciada de todos os dados de tráfego e

de todos os dados de localização de todos os assinantes. Não há qualquer dúvida de que viola o regime

estabelecido na Carta.»

Portanto, o PSD insiste no mesmo erro que a Provedora de Justiça já indicou que violava a Carta e, por

consequência, a Constituição.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — Não, Sr. Deputado, não somos nós que queremos pôr em causa as investigações, queremos é resolver, de uma vez por todas, um problema jurídico. Não queremos andar para

trás e para a frente com artimanhas jurídicas para que, daqui a um ano, tenhamos nova declaração de

inconstitucionalidade.

Aplausos do CH.

O mesmo erro tem o projeto do PSD quando, nas disposições transitórias, abrange novamente todos os

dados de forma generalizada e sem qualquer critério de seleção.

O Sr. Deputado disse que há dúvidas de constitucionalidade na norma transitória do PSD, mas não há

dúvidas. Para nós, que somos juristas, não há dúvida nenhuma de que a norma que o PSD apresenta é

inconstitucional.

A proposta do Governo é um pouco mais estranha, porque revoga toda a Lei n.º 32/2008, revoga toda a lei

dos metadados, e vem, em vez disso, fazer uma série de remendos consecutivos para resolver o problema.

Com um critério curioso: não define as sanções para quem viola o regime.

Portanto, quem lê fica sem saber qual é a sanção criminal ou contraordenacional prevista na proposta do

Governo. Foi lapso? Foi mera falha? Ou foi mesmo propositado que não haja regime sancionatório nesta

norma? Isto é algo a que a Sr.ª Ministra poderá responder.

A proposta do Governo não define qual é o regime sancionatório e, por isso, carece de regulamentação,

numa altura em que temos de resolver este assunto o mais rápido possível.

O projeto que o Chega apresenta a esta Casa visa, seriamente, resolver um problema jurídico e, sobretudo,

acautelar que os processos em curso não fiquem absolutamente inutilizados. Este projeto: acautela o

armazenamento de dados, não de forma generalizada, como faz o projeto do PSD, mas de forma proporcional,

com um despacho do juiz de instrução a exigir essa conservação; garante a intervenção da Comissão

Nacional de Proteção de Dados para o tratamento dos dados de natureza pessoal, como é exigido pelo

Tribunal Constitucional e pela própria Carta; garante o direito à informação dos seus titulares, sem colocar em

causa a investigação criminal nem os seus objetivos; estabelece um prazo para a conservação dos dados,

sem colocar em causa o rumo das investigações.

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É um projeto equilibrado, um projeto que visa resolver um problema premente e, sobretudo, acautelar a sua

constitucionalidade.

Estamos também de acordo que é em sede de especialidade que este projeto e esta discussão poderão

ser aprofundados, para que este problema seja rapidamente resolvido.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista a inscrição do Sr. Deputado Paulo Mota Pinto, do PSD, para pedir esclarecimentos.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Ventura, não vou entrar em discussão sobre as responsabilidades do passado, de 2016 — interessa-nos, sobretudo, resolver o problema

para o futuro —, mas, como insiste na restrição dos efeitos da inconstitucionalidade, queria perguntar-lhe o

seguinte: pensa dirigir o mesmo requerimento ao Tribunal de Justiça da União Europeia, no Luxemburgo?

Isto é, sabe que está em causa uma decisão que se baseia em acórdãos do Tribunal de Justiça e, mesmo

que não fosse invocada a inconstitucionalidade, qualquer advogado — e o Sr. Deputado sabe, porque foi

advogado — pode suscitar a questão diretamente no Tribunal de Justiça ou nos tribunais portugueses,

pedindo que a suscitem no Tribunal de Justiça. Aí não há, penso eu, limitação dos efeitos que nos valha!

Gostava de perceber como compatibiliza essa limitação e de saber se, no fundo, isso não é mais uma

cortina de fumo ou uma espécie de pretexto para atacar o Tribunal Constitucional, ou até para conseguir

algum efeito público.

Depois, queria dizer-lhe que, sim, considero que é extremista e incendiário vir gerar alarme social sem

esclarecer qual é o âmbito dos processos que podem estar em causa. Mas compreendo as motivações do

Chega, que se especializou nisso.

Quanto ao facto de prevermos uma conservação generalizada, já esclareci que, em sede de especialidade,

estamos disponíveis para definir critérios de conservação seletiva. Queria, portanto, perguntar-lhe se conhece

o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 5 de abril de 2022, que diz que não é contrária à Carta

dos Direitos Fundamentais uma conservação seletiva dos dados de tráfego e dos dados de localização em

função de certas categorias de pessoas ou de critérios geográficos, objetivos e não discriminatórios.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Já agora, aparece sempre como defensor das polícias e do trabalho das polícias, mas, pergunto-lhe: acha que o acesso apenas depois de se conhecer o facto, com um despacho do

juiz, preenche a função que os metadados de geolocalização ou de conhecimento das comunicações no

momento em que é praticado o ato têm preenchido? Não acha que, no fundo, está sempre a invocar as

polícias, mas, na prática, está a retirar-lhes instrumentos?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Mota Pinto, agradeço as suas questões. Repare, o que nós sabemos — e o Sr. Deputado também saberá, certamente — é que não é um exercício

hipotético que a prisão preventiva esteja em causa, é real.

Como sabe, no nosso sistema, ao contrário de noutros, a prisão preventiva pode prolongar-se por anos e

anos a fio. Como sabe, depois de uma condenação em primeira instância, continua a haver prisão preventiva

até ao trânsito em julgado. É verdade! Foi o sistema que definimos. O que significa que podem estar em causa

— não são dezenas! — muitas prisões preventivas em Portugal.

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Portanto, Sr. Deputado, entre acautelar a segurança jurídica e dos cidadãos e uma hipotética decisão que,

no futuro, viesse a ser tomada por força de uma decisão de 2020 ou de 2022 do Tribunal de Justiça da União

Europeia, eu direi que, sim, o Tribunal Constitucional deveria ter restringido os efeitos desta norma.

Sr. Deputado, é para isso que existe o n.º 4 do artigo 282.º da Constituição.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!

O Sr. André Ventura (CH): — É para isto que ele existe, para que o tribunal, em casos — e cito — «de segurança jurídica…», que era o caso aqui presente, «…e de interesse público», possa restringir os efeitos da

norma.

Em segundo lugar, Sr. Deputado, acho que, em matéria de polícia, o PSD tem mais a justificar do que o

Chega, porque foi o PSD que votou sistematicamente contra o Chega sempre que quisemos dar mais direitos

aos polícias ou protegê-los de processos que só os penalizavam e destruíam.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!

O Sr. André Ventura (CH): — O PSD esteve ao lado do PS e do Bloco de Esquerda em vez de defender os polícias.

Aplausos do CH.

Mas, já agora, não quero fugir à questão, Sr. Deputado. Nós não concordamos com este Acórdão do

Tribunal Constitucional e sempre o dissemos. E quando se põe em causa a segurança dos cidadãos, pode ter

a certeza de que estamos sempre do outro lado.

A diferença do PSD para nós é esta: o PSD volta a apresentar soluções inconstitucionais para que, daqui a

um ano, tenhamos o mesmo problema. O Chega apresenta uma solução que, ao menos, vai ao encontro do

que é constitucional.

O que o Sr. Deputado não pode é dizer que a Sr.ª Provedora de Justiça põe em causa a conservação

generalizada dos dados quando o PSD traz um projeto, novamente, com a conservação generalizada dos

dados e o senhor é obrigado a dizer, da tribuna, que vai resolver isso na especialidade.

Ó Sr. Deputado, vai resolver em sede de especialidade?! Porque é que não resolveu já e porque é que não

apresentou já o projeto? Era muito simples.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 100/XV/1.ª (PCP) — Altera a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, sobre conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de

comunicações eletrónicas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, Sr.as e Srs. Deputados: Como é do conhecimento geral, através do Acórdão n.º 268/2022, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais,

com força obrigatória geral, os artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, sobre conservação de dados gerados

ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas.

Em síntese, o Tribunal Constitucional considerou que a conservação generalizada, pelo período de um ano,

dos dados de tráfego e de localização, os chamados «metadados», de todos os utilizadores de comunicações

eletrónicas ultrapassa os limites da proporcionalidade na restrição de direitos fundamentais à reserva da

intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa, violando, assim, os n.os 1 e 4 do artigo 35.º e o

n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.

Mais decidiu o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade do artigo 9.º da referida lei, por não

prever, em momento algum, a necessidade de informar o titular dos dados que foram transmitidos no âmbito

de um processo criminal da existência desse procedimento, comprometendo a sua possibilidade de conhecer

a informação a que a autoridade pública acedeu a seu respeito e, ainda, a faculdade de defesa e de reação

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contra eventuais acessos ilegítimos a essa informação por violação do n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo

20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.

As consequências dessa decisão, cuja bondade constitucional não se questiona, não deixam de ser

relevantes em matéria de investigação da criminalidade mais grave, como foi salientado publicamente pela

Procuradora-Geral da República e por outras entidades intervenientes na investigação criminal.

A questão que se coloca, então, ao legislador, é a de procurar conciliar os objetivos de eficácia da

investigação da criminalidade mais grave, para a qual o acesso aos metadados se afigura muito relevante,

com a salvaguarda dos valores constitucionais violados pela lei em causa.

Logo que foi conhecida a decisão do Tribunal Constitucional — que, na verdade, não surpreendeu, depois

das decisões já assumidas sobre esta matéria pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pela Comissão

Nacional de Proteção de Dados —, o PCP manifestou a sua disponibilidade para apresentar uma iniciativa

legislativa com o objetivo de tentar resolver os problemas suscitados pelo Tribunal Constitucional.

Ao contrário da proposta do Governo, a que adiante me referirei, o PCP não propõe a revogação total da

Lei n.º 32/2008.

O que o PCP propõe é que haja uma limitação temporal significativa da conservação dos dados, que é

atualmente de um ano, para um prazo de 90 dias, após o qual eles devem ser destruídos pelos operadores.

Relativamente à questão da comunicação aos interessados da transmissão dos seus dados às autoridades

judiciárias, propõe-se que o juiz de instrução que autorizou a transmissão notifique os interessados desse

facto logo que considere que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a

vida ou a integridade física de terceiros.

Divergimos, neste ponto, da solução proposta pelo PSD, que incumbe o juiz de instrução que autorizou a

transmissão de dados de informar os fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas para que estes

notifiquem os titulares dos dados dessa transmissão. Consideramos mais lógico e funcional que seja o próprio

juiz de instrução a notificar os titulares dos dados, na medida em que lhe cabe decidir dessa notificação no

momento em que considere que ela não compromete a investigação criminal nem põe em risco a vida ou a

integridade física de terceiros.

Mais se propõe que a conservação de dados para efeitos da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, seja feita pelos

operadores em território nacional e que a respetiva transmissão a autoridades de outros Estados seja feita,

estritamente, em conformidade com o regime legal aplicável em matéria de cooperação judiciária internacional.

Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo submete a discussão, com o

propósito assumido das demais iniciativas em discussão de resolver os problemas decorrentes da declaração

de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional, suscita-nos sérias dúvidas e reservas quanto às soluções.

Senão, vejamos: o Governo propõe a revogação total da Lei n.º 32/2008. Não se circunscreve, portanto, à

alteração das normas declaradas inconstitucionais, mas pretende, segundo disse a Sr.ª Ministra na

apresentação pública da proposta, mudar o paradigma. Ou seja, deixa de haver uma base de dados recolhidos

pelos fornecedores de comunicações eletrónicas destinada a cumprir os pedidos formulados pelas autoridades

judiciárias nos termos da lei e passa a existir apenas a base de dados de que esses fornecedores dispõem

para efeitos contratuais, nos termos da Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto.

Esta opção contém dois problemas. O primeiro diz respeito à extensão permitida da utilização dos dados

recolhidos. A diferença entre os dados recolhidos ao abrigo da Lei n.º 32/2008, sobre a conservação de dados

a serem tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas — que foi declarada

inconstitucional —, e os dados recolhidos ao abrigo da Lei n.º 41/2004, sobre a proteção de dados pessoais e

privacidade nas telecomunicações, para a qual agora o Governo pretende remeter, não é muito significativa

quanto à sua extensão, apesar de a lei de 2004 utilizar o termo «designadamente» quanto às categorias de

dados a recolher.

A questão mais relevante é a de que se o Tribunal Constitucional considerou excessiva a recolha de dados

constantes da Lei n.º 32/2008, quanto à sua extensão e ao prazo de conservação de um ano, a lei de 2004

mantém uma extensão quase idêntica e é omissa quanto ao tempo de conservação.

Cumpre então perguntar por quanto tempo podem os fornecedores de serviços de comunicações

eletrónicas conservar os dados recolhidos, porque a lei nada determina. O que diz a lei é que o prazo é até ao

final do período, durante o qual a fatura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado.

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Não responder a esta questão e remetê-la para um qualquer regulamento é manter em aberto a

possibilidade de nova declaração de inconstitucionalidade, e, portanto, inutilizar toda a discussão que estamos

a fazer e o tempo que, entretanto, se despender.

Mas há mais, a lei de 2008, que o Governo propõe que seja revogada, circunscrevia a utilização dos

metadados à investigação de crimes graves, definidos no artigo 2.º da lei, tais como: terrorismo, criminalidade

violenta, criminalidade altamente organizada, sequestro, rapto e tomada de reféns, crimes contra a identidade

cultural e integridade pessoal, crimes contra a segurança do Estado, falsificação de moeda ou de títulos

equiparados a moeda, contrafação de cartões ou outros dispositivos de pagamento, uso de cartões ou outros

dispositivos de pagamento contrafeitos, aquisição de cartões e atos preparatórios da contrafação e crimes

abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.

A proposta de lei propõe que o acesso aos dados recolhidos possa ser feito estando em causa delitos

menos graves, como sejam todos os crimes punidos com pena de prisão até três anos ou mesmo até um ano,

no caso de crimes cometidos por meio de sistema informático. Ou seja, se já havia um problema quanto à

extensão da utilização dos metadados, essa extensão, na proposta do Governo, passa a ser ainda maior.

Há ainda outro problema com a proposta de lei, de sentido contrário e, porventura, até mais grave, que é o

seguinte: a recolha de dados prevista na lei de 2004 está dependente do consentimento do titular e a lei é

taxativa quanto a isso. Diz o n.º 4 do artigo 6.º, sobre os dados de tráfego, que estes só podem ser tratados se

o assinante ou utilizador a quem os dados digam respeito tiver dado o seu consentimento prévio e expresso,

podendo o consentimento ser retirado a todo o tempo. O mesmo se diz quanto aos dados de localização

previstos no n.º 3 do artigo 7.º

Ora, a proposta de lei permite às autoridades judiciárias solicitar o acesso aos dados tratados nos termos

do artigo 6.º, sendo que qualquer utilizador pode, pura e simplesmente, proibir previamente que os seus dados

sejam objeto de tratamento. Não se entende esta solução.

Se não é isto que o Governo pretende, é preciso que, na especialidade, o texto a aprovar seja alterado de

modo a não permitir tal absurdo.

Volto a sublinhar que a questão que se coloca ao legislador é a de procurar conciliar objetivos de eficácia

da investigação da criminalidade mais grave, para a qual o acesso aos metadados se afigura muitíssimo

relevante, com a salvaguarda dos valores constitucionais de maior dignidade.

Não nos parece que a proposta de lei do Governo resolva os problemas suscitados, mas estamos

naturalmente disponíveis para colaborar, na especialidade, para que se encontrem as melhores soluções.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Não se registando inscrições para pedir esclarecimentos, passamos à apresentação da Proposta de Lei n.º 11/XV/1.ª (GOV) — Regula o acesso a metadados referentes a Comunicações

Eletrónicas para fins de investigação criminal.

Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro.

A Sr.ª Ministra da Justiça (Catarina Sarmento e Castro): — Ex.mo Sr. Presidente, Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: É dever fundamental do Estado garantir que a

investigação criminal está dotada, a todo o tempo, de meios adequados e suficientes à realização da justiça,

ao mesmo tempo que lhe compete assegurar o respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais

dos cidadãos. A ponderação destas duas realidades demanda que a construção das soluções legais, neste

domínio, seja pautada por uma estrita proporcionalidade.

A proposta de lei que o Governo apresenta resulta da imposição evidente de dar resposta, urgente e

determinada, às necessidades da investigação, deteção e repressão da criminalidade que surgiram por força

da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas contidas na Lei n.º 32/2008, de

17 de julho, e que importa agora acautelar no respeito pela Constituição e pelo direito da União Europeia.

Como é consabido, esta lei transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2006/24/CE, do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativa, precisamente, à conservação de dados gerados ou

tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis, tendo em

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vista garantir a disponibilidade desses dados para efeitos de investigação, deteção e repressão de crimes

graves.

Tanto a lei de 2008 como a diretiva que a transpôs assentam no pressuposto de que se deve guardar um

conjunto de informação decorrente do uso de meios eletrónicos, de forma generalizada, por um determinado

período de tempo — no caso português, por um ano —, com a estrita finalidade de poder vir a ser utilizado no

âmbito da investigação criminal, em especial da criminalidade grave, como o terrorismo ou a criminalidade

organizada.

Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e da jurisprudência do Tribunal

Constitucional que o regime até agora vigente não poderá subsistir por estar em desalinho com o direito

constitucional português — como o Tribunal Constitucional, aliás, declarou —, mas também por se revelar

incompatível com o direito da União Europeia.

Este modelo foi posto em crise, quer pela declaração de invalidade da referida diretiva do Tribunal de

Justiça da União Europeia, quer, no plano interno, pela declaração de inconstitucionalidade das normas da Lei

n.º 32/200, que tornou inoperante o modelo de preservação de dados para fins exclusivos de investigação,

anteriormente gizado.

Este é, por isso, o momento de dar corpo a um novo modelo legislativo que traduza uma mudança de

paradigma, substituindo aquele outro por novas regras, agora de acesso a informação já preservada, no

âmbito da atividade comercial das operadoras.

Repare-se que, no sistema jurídico português vigente, as empresas que oferecem redes e ou serviços de

comunicações eletrónicas estão já obrigadas a conservar dados para fins de operacionalização da sua

atividade, incluindo a faturação aos seus clientes. Ora, nada parece obstar a que, com o necessário

enquadramento legal e no respeito pelos direitos fundamentais, se possa aceder a informação já preservada

pelas operadoras na atividade comercial corrente, tal como disposto na Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, que

regula o tratamento de dados pessoais e a proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas.

De acordo com a presente proposta, o acesso a este tipo de dados para fins de investigação criminal fica

restrito à investigação dos crimes relativamente aos quais o legislador já permite a realização de escutas

telefónicas, no âmbito do Código de Processo Penal, e que são os crimes mais graves, incluindo o terrorismo

ou o tráfico de estupefacientes, conforme consta do artigo 187.º do Código de Processo Penal, bem como

aqueles que, pela sua natureza, dependem destes meios eletrónicos de prova, como os crimes previstos na

Lei do Cibercrime — a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro — e ainda os que sejam cometidos por meio de

sistema informático, desde que puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a um ano.

Esta proposta de lei não preconiza um acesso indiscriminado aos dados. Na verdade, a autorização de

acesso é delimitada de modo rigoroso, impondo dois graus de verificação: primeiro, a autorização abarca um

leque tipificado e circunscrito de crimes; segundo, mesmo estando em causa um caso que se reconduza à

tipologia de crimes elencada, há que apurar se a concreta diligência requerida se revela indispensável à

descoberta da verdade, devendo ser negado o acesso sempre que tal não ocorra.

A competência para solicitar os dados previstos e tratados nos termos da Lei n.º 41/2004, já mencionada,

para investigação dos crimes que acabo de referir recai nas autoridades judiciais competentes, bem entendido,

nos termos que presidem, já hoje, a este tipo de intervenção, com primazia de juiz mas sem prejudicar as

circunstâncias — ainda que excecionais — em que já hoje se admite diferentemente, e, em todos os casos,

somente quando haja razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que

a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter. É, por isso, uma norma para ler no contexto

do sistema.

É também no contexto do sistema que encontramos previsto o acesso a dados de localização, que é

permitido no Código de Processo Penal e na Lei do Cibercrime, razão pela qual não se sentiu necessidade de

o repetir no projeto.

Também se estabelecem regras de notificação ao titular dos dados no despacho que autoriza a

transmissão dos mesmos, no prazo máximo de 10 dias após a respetiva prolação, ressalvando-se casos

especiais, como, por exemplo, aquele em que tal notificação no prazo mencionado possa pôr em causa a

investigação, circunstância em que a notificação deve efetuar-se no prazo máximo de 10 dias a contar da data

em que for proferido despacho de encerramento do inquérito ou, antes disso, logo que as razões que o

impõem não subsistam.

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O acesso a tratamento de dados pré-existente pressupõe que se acederá a um conjunto de dados cujo

prazo de conservação está pré-determinado na finalidade de origem. Esse prazo encontra-se legalmente

estabelecido para efeitos de conservação de dados pelas operadoras para fins de faturação na Lei dos

Serviços Públicos — a Lei n.º 23/96, de 26 de julho —, a propósito do direito de recebimento do preço do

serviço prestado que corresponde a seis meses.

Pré-determinado também estará o local de conservação destes dados, que só pode ser feito no respeito

pelas regras estabelecidas no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

A terminar, refiro a introdução de alterações na Lei n.º 41/2004, mais precisamente no artigo 6.º, onde se

adita um conjunto de dados que, em virtude de avanços tecnológicos, são hoje considerados essenciais para o

exercício da atividade comercial das operadoras que oferecem redes e/ou serviços de comunicações

eletrónicas, por forma a garantir a segurança da informação e a inviolabilidade das redes, já que, afinal, a

única modificação desta lei ocorreu há cerca de 10 anos, contribuindo também para a clareza das relações

contratuais entre as operadoras e os seus clientes.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo aqui apresenta é resultado de

trabalho conjunto do Ministério da Justiça, dos órgãos de polícia criminal e da Procuradoria-Geral da

República, assumindo natureza urgente. Impõe-se, no mais curto prazo possível, que se definam regras que

permitam a investigação criminal ancorada em meios de prova indispensáveis aos tempos de novas

tecnologias e a uma criminalidade cada vez mais tecnicizada, com respeito pelos direitos dos cidadãos no seu

desiderato de realização da justiça.

A mudança de paradigma que o Governo propõe é, no nosso entender, um caminho seguro para a

superação do impasse jurídico e operacional em que nos encontramos. São estes os termos da proposta de lei

que aqui vos trazemos.

É o que pede a realização da justiça e que não compromete os direitos, liberdades e garantias dos

cidadãos. E é a esse pedido que, assim, tem de se responder de forma célere.

Que possamos contar com uma maioria alargada na construção de um caminho, numa matéria

estruturante, é aquilo que desejo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Ministra, a Mesa regista a inscrição de quatro Srs. Deputados para lhe formularem pedidos de esclarecimento. Presumo que responda em blocos de dois?

Pausa.

A Sr.ª Ministra informou a Mesa de que responderá aos quatro pedidos em conjunto.

Para um primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de

Esquerda.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Justiça, queria, em primeiro lugar — e creio que esta é a pergunta que se deve fazer em primeiro

lugar ao Governo —, perguntar-lhe se a situação a que assistimos depois da decisão do Tribunal

Constitucional é de caos e de absoluta insegurança no País.

A nós, não nos parece, mas creio que o Governo tem de responder a essa pergunta, porque me pareceu

estranho, por exemplo, que a primeira reação do Sr. Primeiro-Ministro tivesse sido «então, vamos fazer uma

revisão constitucional».

Para nós, isso não faz sentido, porque, por um lado, há um enquadramento constitucional, por outro, há um

enquadramento, também, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o que estava em causa

feria não só a Constituição, mas também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Poderá ter sido algum voluntarismo do Sr. Primeiro-Ministro, eventualmente — aceito que possa ter

acontecido essa circunstância —, mas parece-me que é obrigatório o Governo dar essa informação para

percebermos se podemos sair das nossas casas em segurança ou se vivemos, de facto, num regime de uma

insegurança que ninguém antecipa.

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Creio que essa tranquilidade também nos permite discutir este tema com a frieza que é necessária e,

desse ponto de vista, parece-me que a proposta que o Governo traz a este debate é mais sensata que as

demais, porque não reproduz alguns dos problemas que já foram declarados inconstitucionais pelo Tribunal

Constitucional e porque, por outro lado, parece não acrescentar problemas técnicos aos problemas

constitucionais que pré-existiam.

Mas há questões que vale a pena abordar, porque a proposta, parecendo mais sensata, não nos parece

sê-lo neste contexto. Este debate pretende pôr numa balança, de equilíbrios sempre difíceis, os direitos, as

liberdades e a segurança, mas o Tribunal Constitucional veio dizer que os direitos estavam em causa com a

Lei n.º 32/2008. O que foi logo dito, também, foi que essa alteração à lei podia colocar em causa a segurança.

Na verdade, sabemos que muitos destes dados, ao poderem ser usados contra a nossa liberdade, podem

também ser usados contra a nossa segurança.

A resposta do Governo consiste em dar mais dados do que aqueles que a lei prevê às operadoras — numa

lógica posterior à decisão do Tribunal Constitucional — e, desse ponto de vista, há problemas de segurança,

de direitos e de liberdades sobre os quais também tenho de a questionar.

Primeiro, o Governo deve exigir, ou não, às operadoras que os dados sejam guardados em território

nacional ou em território em que a lei portuguesa tenha alguma validade?

Segundo, quais as garantias sobre a segurança desses dados? Isto porque, ainda não há muito tempo,

uma das grandes operadoras de telecomunicações em Portugal teve um ataque informático e não se sabe

qual foi a sua dimensão, mas poderá ter colocado em causa alguns dados. E isso, depois, também é um

problema de segurança dos cidadãos e das cidadãs. Se o Governo diz para dar «mais dados às companhias

de telecomunicações», então, tem de nos responder como é que garante a segurança desses dados para os

cidadãos e para as cidadãs.

Terceiro, sendo que creio que estas matérias devem ser também precisadas na especialidade, qual o

tempo aceitável para os dados lá ficarem? Percebemos que isso está previsto na lei, assim como sabemos

que está prevista na lei a questão da dimensão dos dados, de quem é que tem acesso aos mesmos e como é

que deve ser regulado esse acesso por parte das operadoras de comunicações. Mas também sabemos que a

vida, no concreto, às vezes, é diferente da lei e quando se aproxima um alinhamento de vontades, muitas

vezes, a lei até passa para segundo plano.

Creio que a proposta do Governo falha também nas salvaguardas que deveria dar, nas garantias sobre o

acesso a estes dados, mesmo do ponto de vista das operadoras. Certamente também se lembrará, que não

foi num outro país que não Portugal que tivemos casos, que foram julgados, em que profissionais das

operadoras foram subornados para haver acesso a este tipo de dados.

Creio que essas salvaguardas devem ser garantidas também aos cidadãos e cidadãs.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, tem agora a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Grupo Parlamentar do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, gostava de fazer esta nota prévia: de facto, a reação do Sr. Primeiro-Ministro, quando esta polémica surgiu, depois de conhecida a decisão do Tribunal

Constitucional, foi um pouco surpreendente e preocupante. A ideia de lançar imediatamente uma revisão

constitucional e ter de receber uma aula do Presidente da República sobre a inexistência, em Portugal, de

revisões cirúrgicas à Constituição é algo um pouco confrangedor.

Queria pegar na sua intervenção para lhe fazer quatro perguntas concretas sobre este regime. A primeira é

o porquê de o Partido Socialista e de o Governo, neste caso, terem entendido que a decisão do Tribunal

Constitucional não coloca em causa algumas normas desta lei, mas que coloca em causa todo o modelo

legislativo.

Em segundo lugar, porque é que não incluiu o regime sancionatório neste documento? Qual é o regime

sancionatório para as violações das normas que o Governo aqui define?

A terceira é uma questão um pouco mais técnica. O Governo opta por definir o tipo de crimes em que se

pode utilizar o recurso a este tipo de deteção e de conservação de dados, o que é um pouco contraditório. Por

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um lado, diz que o mesmo é para todos os casos em que seja indispensável à descoberta da verdade, mas,

depois, diz que é para um tipo específico de crimes.

Ora, penso que, se eles são indispensáveis para a descoberta da verdade, não faz sentido ter uma lista

taxativa a dizer quais são os crimes, até porque, nalguns deles, estamos a falar de crimes com penas de um

ano ou pouco mais, em relação ao Código Penal.

Portanto, aquilo com que o Governo se deveria ter preocupado era com a essencialidade desses dados

para a descoberta da verdade e não em fazer uma lista taxativa, do ponto de vista criminal.

Em quarto lugar, qual é a justificação que o Governo dá para definir, neste caso, um regime parecido, por

exemplo, com o do segredo de justiça, em que, em geral, mal seja feita esta conservação de dados, ou

melhor, a sua transmissão, o titular deve ser notificado. O Governo faz a regra ao contrário e diz: «Não, se

esses dados forem transmitidos às autoridades judiciárias, imediatamente o titular deve ser notificado.»

Isso não é uma boa técnica, porque não se justifica, neste caso, que a regra geral seja a de transmitir e, só

se o Ministério Público disser que não, é que não se transmite. Parece-nos que deveria ser precisamente o

contrário: deve ser o Ministério Público ou o juiz de instrução a decidir quando já se pode transmitir esses

dados, porque não comprometem a investigação criminal.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento à Sr.ª Ministra da Justiça, tem a palavra o Sr. Deputado do PSD Paulo Mota Pinto.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, queria manifestar o meu gosto por poder discutir consigo, neste contexto, esta matéria que sei que é da sua predileção.

Queria dizer-lhe que fiquei surpreendido com a abordagem do Governo, na medida em que ela, na

realidade, elimina a utilidade de um regime dos metadados, tal como, aliás, a proposta do Chega. Há aqui uma

espécie de interessante convergência. O Chega entende que se faça só com um despacho do juiz depois do

facto, para cada caso concreto, o Governo quer acabar com o regime dos metadados, sendo certo que sempre

seria possível recorrer à faturação. A lei aí está e pode continuar a ser utilizada.

Portanto, queria perguntar-lhe o seguinte, Sr.ª Ministra: como é que utiliza os dados da faturação para

investigar um criminoso que só receba chamadas? Como é que pode utilizar os dados de faturação para a

geolocalização?

O Sr. André Ventura (CH): — Não pode!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Será que não está aqui a haver um desvio de finalidade? Será que vão impor também às operadoras que mantenham esse regime? Se, de hoje para amanhã, uma operadora decidir

que deixa de manter esses dados, ou que os quer manter só durante um mês, como é que vão utilizar esses

dados?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do Partido Socialista.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.a Ministra, este debate convoca, de facto, muitas matérias, mas julgo que é fundamental que nos centremos naquelas que ele, efetivamente,

convoca.

A matéria da revisão constitucional, colocada pelo Sr. Deputado Pedro Filipe Soares e pelo Sr. Deputado

André Ventura, penso que já ficou bastante clara. Se, eventualmente, um dia, essa puder vir a ser necessária,

não é relativamente a esta matéria. Tivemos já a oportunidade de discutir o problema que os metadados

convocam em matéria de acesso pelos serviços de informações, mas não é esse o tema que estamos aqui a

abordar.

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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Diga isso ao Primeiro-Ministro!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Este é estrito, e no domínio da investigação criminal, e o Sr. Primeiro-Ministro foi bastante claro ao dizer que estava a avaliar o acórdão e, uma vez avaliado, a conclusão a que

chegamos é a possibilidade de o resolver com uma iniciativa legislativa que, essa, sim, era importante

debatermos. Portanto, foquemos o debate onde ele é importante.

Tenho só uma pergunta muito rápida para a Sr.ª Ministra, face ao que há pouco referia, quanto a um

elemento que é importante na especialidade e que tem que ver com um dos conceitos que consta da lei, que é

o de autoridade judiciária, como aquele que deve autorizar.

Parece-nos que não deve haver nenhuma situação de urgência em que se possa dispensar a intervenção

do juiz de instrução no quadro atual. Aliás, é o que resulta da lei que estamos a alterar. Parece-nos, também,

que o paralelo a encontrar nesta sede deve ser o da interceção das comunicações e não outros casos em que,

eventualmente, a legislação processual penal possa admitir situações de urgência validadas posteriormente.

Portanto, parece-nos que este é um tema importante e sensível que deve constar da lei que vier a ser

aprovada, a saber, a opção clara pela intervenção do juiz de instrução, ou de um magistrado judicial, em

sentido rigoroso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a ordem jurídica europeia e, na sequência, a ordem jurídica portuguesa não estão ainda estabilizadas, basta pensarmos no processo que corre, ainda, no

Tribunal de Justiça da União Europeia e olharmos para as observações do advogado geral.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já tínhamos reparado!

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Portanto, a solução do Governo é, neste momento, a solução possível neste contexto.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Está a subestimar-se!

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Relativamente à pergunta do Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, sobre se a situação a que assistimos depois da decisão do Tribunal Constitucional é de caos, na verdade, não é, de facto,

de caos.

Os metadados são um dos meios de prova que são admitidos e isso vale agora, neste momento, como

também vale nas situações anteriores e que aqui já têm vindo a ser referidas. Portanto, os metadados são um

dos mecanismos de prova que acrescem a outros mecanismos de prova e, nesse sentido, enfim, continua a

existir investigação criminal.

Relativamente à conservação dos dados em território nacional, verificou-se aquilo que qualificámos de

mudança de paradigma. Ou seja, na lei anterior, cujas normas foram declaradas inconstitucionais, como

estávamos a falar de uma base de dados específica, de facto, tinha de constar essa informação do local da

conservação dos dados, porém, em rigor, isso está noutro local do sistema.

O Regulamento Geral de Proteção de Dados é aplicável a todos os tratamentos de dados que sejam

realizados e, portanto, obriga a que os tratamentos de dados ocorram em território nacional, em território da

União Europeia ou num Estado que forneça um nível adequado de proteção. É esta, normalmente, a

linguagem que se utiliza.

Mas, enfim, se a Assembleia da República, que é soberana e que é quem tem a competência legislativa

nesta matéria, entender que deve precisar essa determinação legal, apesar de ela já se encontrar noutros

locais do sistema, não vejo porque é que essa determinação não possa ficar nesta lei. Isto para falar na

questão do território nacional.

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O Sr. Deputado também me perguntou relativamente às garantias. As garantias são aquelas que hoje

existem em relação aos tratamentos de dados em geral. Isto é, a Comissão Nacional de Proteção de Dados e

a ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações), desde logo, têm poder de fiscalização e de verificação

dos tratamentos de dados no nosso País. Além disso, os casos de violação são puníveis, designadamente nos

termos do Código de Processo Penal e nos termos do Código Penal. Portanto, é daí que resulta, digamos

assim, o conjunto das garantias.

O Sr. Deputado André Ventura questiona-me relativamente ao regime sancionatório. O regime

sancionatório está previsto na própria Lei n.º 41/2004 que, agora, também alteramos. Portanto, a lei das

comunicações eletrónicas prevê um conjunto de sanções relativas à utilização das informações das

telecomunicações.

A lista de crimes que refere é taxativa por uma questão de proporcionalidade. Foi a opção que se fez.

Quanto à notificação, ela foi uma exigência da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional e, portanto,

é daí que vem a necessidade de se firmar essa notificação e nos moldes em que é feita.

O Sr. Deputado Paulo Mota Pinto fez-me uma pergunta sobre geolocalização. Devo dizer que a

possibilidade de geolocalização está hoje prevista na lei da cibercriminalidade e no próprio Código de

Processo Penal, por conseguinte, são esses os dados que é possível utilizar.

Perguntou também porque é que tem de se manter esta informação. As regras comerciais assim o

obrigam, isto é, as regras relativas aos direitos do consumidor obrigam a que a operadora conserve esta

informação para efeitos de contestação, designadamente das faturas, porque se essa informação não estiver

lá, o consumidor não está, de facto, protegido.

O Sr. Deputado Pedro Delgado Alves levantou uma questão relativamente à autoridade judiciária e ao juiz.

Creio que, no meu discurso, já esclareci, de alguma forma, aquilo que entendia. Há, de facto, situações em

que hoje, por força da própria jurisprudência dos tribunais, se admite que a Procuradoria-Geral da República

possa aceder aos dados de base. É só por isso que devem entender-se como autoridades competentes.

No entanto, volto a dizer, este Parlamento é soberano, é nesta Casa que deve ser feita a legislação nesta

matéria. Esta foi a proposta que trouxemos, e gostávamos muito que, numa matéria estruturante como esta,

se pudesse encontrar aqui o consenso mais alargado possível. É o apelo que faço.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Passamos, agora, à fase das intervenções. Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz, em nome do Iniciativa Liberal.

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nas últimas semanas, a temática dos metadados tem sido amplamente discutida em diversos palcos.

É importante ficar claro, desde já, que o Iniciativa Liberal pugna pela defesa da privacidade, direito

fundamental que todos prezamos. A privacidade tem em si mesma uma dimensão de liberdade, uma liberdade

contra a ingerência do poder público na esfera pessoal e privada de cada um.

Por isso mesmo, a defesa da liberdade passa pela defesa intransigente da privacidade. A privacidade

pressupõe que estranhos não acedam a informações sobre uma esfera das nossas vidas que deve ser

preservada: a vida privada e familiar.

É certo que, pontualmente, a privacidade pode ser limitada para prossecução de interesses legítimos, como

a defesa da segurança nacional. No entanto, estas limitações devem estar previstas na lei, com a maior

determinabilidade e previsibilidade possível.

O Estado não tem apenas o dever de garantir a segurança pública, tem também o dever de não violar a

privacidade dos cidadãos e adotar mecanismos que impeçam esta violação. Só tendo critérios escritos e bem

definidos poderemos ter a certeza necessária e exigível para uma boa aplicação da lei. Só assim os

portugueses ficam protegidos contra eventuais abusos na esfera da sua privacidade.

O estado atual desta temática dos metadados é de total e absoluta incerteza, o que prejudica os cidadãos e

a sua confiança nas instituições.

O Governo português falhou ao não ter procedido à alteração legislativa necessária para conformar a

legislação portuguesa, após a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, em 2014, sobre metadados.

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Tivesse o Governo português agido de forma atempada e diligente e não teríamos tido uma declaração de

inconstitucionalidade e não estaríamos hoje a ter esta discussão.

Aliás, quando, no ano passado, o Governo português presidiu ao Conselho da União Europeia, coordenou

trabalhos nesta matéria, sabendo que a legislação portuguesa violava o direito europeu e os direitos

fundamentais dos portugueses, mas nada fez para alterar esta situação.

Criticável é também a reação do Governo à decisão do Tribunal Constitucional, tendo até chegado a

sugerir uma revisão constitucional cirúrgica, tendo em vista impedir que a decisão do Tribunal Constitucional

produzisse os seus efeitos. Pergunto: onde fica aqui a separação de poderes? Onde fica o respeito pelo caso

julgado?

Felizmente, o Governo recuperou dessa sua febre da revisão constitucional e vem agora apresentar uma

proposta de lei sobre esta matéria. No entanto, e mais uma vez, pecou pela falta de proteção da privacidade

dos cidadãos. A proposta de lei do Governo, apesar de não prever a conservação generalizada de dados,

aumenta o leque de dados que as operadoras podem conservar para efeitos de faturação, tais como a data e

hora das chamadas efetuadas e recebidas, o que permitirá o acesso a estes dados para combate à

criminalidade não grave, as chamadas «bagatelas penais».

Não podemos concordar com esta ingerência na privacidade dos cidadãos, sobretudo para a prossecução

de delitos de menor relevância. Além disso, a proposta do Governo não respeita a exigência de reserva de lei

nesta matéria, remetendo a regulamentação das condições de transmissão dos metadados para portaria

governamental, não passando esta discussão no crivo desta Casa.

Por outro lado, o projeto de lei do PSD também não nos merece especial adesão. Este documento peca

por permitir a conservação generalizada de dados, restringindo, inadmissível e desproporcionalmente, a

privacidade dos cidadãos, alterando apenas o limite temporal da conservação de dados para 12 semanas, em

nada mudando a extensão material da recolha.

Esta pode ser uma conservação generalizada e indiferenciada no menor espaço de tempo, mas continua a

ser uma conservação generalizada e indiferenciada dos dados de todos os portugueses.

No fundo, prever a conservação generalizada e indiferenciada dos dados dos cidadãos equivale a que as

operadoras, sem que haja qualquer suspeita em relação a qualquer conduta praticada por estes cidadãos,

sejam obrigadas a conservar estes dados. Esta conservação generalizada constitui, assim, uma presunção de

culpa que incide sobre todos os cidadãos, sejam criminosos ou não. Isto é inadmissível. Aliás, é o próprio

Tribunal de Justiça que não permite esta conservação generalizada.

A conservação generalizada é, inequivocamente, desproporcional e, mais uma vez, sujeitamo-nos a uma

decisão de inconstitucionalidade, caso seja solicitada a fiscalização preventiva ou sucessiva da

constitucionalidade do diploma, ou haja pedidos de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça por parte dos

tribunais nacionais, o que já sucedeu com a lei alemã, na qual o PSD se inspirou.

Ora, este projeto de lei não salvaguarda a segurança jurídica e, por isso, corremos o risco de voltarmos a

discutir esta matéria em breve.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista a inscrição do Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do PS, para pedir esclarecimentos. Faça favor.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada, esta não é a primeira intervenção desta manhã que é desresponsabilizadora da função parlamentar, ao ponto de se dizer,

numa matéria em que estamos perante reserva de competência da Assembleia da República, que é o

Governo que falha em não apresentar uma iniciativa, quando todos os grupos parlamentares que usaram

deste argumento têm representação parlamentar desde o momento em que o problema se colocou.

Aplausos do PS.

Portanto, a pergunta que lhe dirijo é a seguinte: uma vez que atacou todos os projetos apresentados e não

deu nenhuma resposta, qual é a solução do Iniciativa Liberal para este problema?

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Paulo Mota Pinto também se inscreveu para pedir esclarecimentos. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Sr. Presidente, queria só apresentar a seguinte questão: ouvimos aqui uma intervenção em que se criticam os projetos dos grupos parlamentares que tentaram apresentar uma

solução. O Iniciativa Liberal nada fez. No fundo, queria perguntar porque é que nada fez, se é uma

manifestação de incapacidade ou de falta de tentativa de resolver o problema.

Já agora, também queria esclarecer que a lei alemã não foi ainda julgada inconstitucional ou contrária à

Carta dos Direitos Fundamentais, embora exista essa possibilidade.

Por último, queria saber se o Iniciativa Liberal, apesar de não ter vindo a jogo, de não ter apresentado

nenhuma proposta, está disponível para contribuir, como nós dissemos que estávamos, para aperfeiçoar o

nosso projeto e também os dos outros partidos, na especialidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz.

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr. Presidente, uma vez que as perguntas são semelhantes, irei responder ao Sr. Deputado Pedro Delgado Alves e ao Sr. Deputado Paulo Mota Pinto em bloco.

O Iniciativa Liberal julga que este é um caso complexo e, por isso, não apresentou nenhum projeto,…

Risos de Deputados do PS, do PCP e do BE.

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — … mas estará, certamente, disponível para conseguirmos chegar a um consenso sobre esta matéria na especialidade e dará os seus contributos nessa fase.

No caso específico da declaração de inconstitucionalidade a que o Sr. Deputado Paulo Mota Pinto fez

alusão, o que eu referi na minha intervenção foi que o PSD se inspirou numa lei alemã, que não foi julgada

inconstitucional, mas em que houve um reenvio prejudicial. Foi isso que referi.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Moreira, do PS.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados: O Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 268/2022, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral,

de normas contidas na Lei n.º 32/2008, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE,

do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da

oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de

comunicações.

Especificamente, foram declaradas inconstitucionais a norma constante do artigo 4.º conjugada com a do

artigo 6.º e a norma constante do artigo 9.º, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os

dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que

tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou a integridade física de

terceiros.

Por sua vez, a diretiva acima mencionada já havia sido declarada inválida pelo Tribunal de Justiça da União

Europeia, por acórdão de 8 de abril de 2014. Foi entendido que aquela possibilitava uma ingerência nos

direitos fundamentais — no caso, a vida privada e familiar e a proteção de dados pessoais — da Carta dos

Direitos Fundamentais da União Europeia.

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Acresce ainda que, posteriormente, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu, no acórdão de 21 de

dezembro de 2016, que era incompatível com o direito da União Europeia uma regulamentação nacional que

previsse, para efeitos de luta contra a criminalidade, a conservação geral e indiscriminada dos dados de

tráfego e de localização dos assinantes e utilizadores registados em relação à totalidade dos meios de

comunicação.

Do direito constitucional português e do direito da União Europeia, parece resultar o entendimento de que é

proibida a conservação geral e indiscriminada de dados de tráfico e de localização dos assinantes e

utilizadores registados em relação à totalidade dos meios de comunicação, para fins específicos de

investigação, deteção e repressão de crimes, independentemente da sua natureza.

O armazenamento de dados tem de ser feito em território da União Europeia, questão que constitui um dos

fundamentos do chumbo do Tribunal Constitucional. Em segundo lugar, de acordo com a jurisprudência do

Tribunal de Justiça da União Europeia, esses dados apenas podem ser conservados, para efeitos de proteção

do consumidor, com algumas e importantes exceções, devidamente calibradas, que o nosso processo

legislativo deverá agora refletir.

Por outro lado, estas bases das operadoras dependem do consentimento prévio e expresso dos

utilizadores, que, nos termos da lei, pode ser retirado a qualquer momento. Também não incluem os dados da

geolocalização, que os agentes de investigação reputam de essenciais para certos crimes, e é discutível se se

pode acrescentá-los, uma vez que a sua natureza é estranha aos fins comerciais e de proteção do

consumidor.

Foi por não querer basear-se nas práticas dos operadores relativamente à conservação dos dados, com

vista à faturação e tratamento dos pedidos de informação dos clientes, que o Governo belga iniciou um

processo legislativo subsequente ao acórdão Digital Rights, que fosse claro e incluísse as garantias

necessárias à proteção da privacidade.

É fundamental sabermos ter em conta o diálogo necessário com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da

União Europeia. Isto, porque, além das duas decisões referidas e da decisão do Tribunal Constitucional, que

incorpora o parâmetro de proteção da jurisprudência europeia, há decisões subsequentes e em curso, como a

que se aguarda, agora, relativamente à legislação alemã. Está também pendente uma queixa constitucional

contra esta legislação junto do Tribunal Constitucional Federal alemão.

Temos, assim, em termos de direitos e princípios em presença, num quadro normativo que se quer

dialogante, muito a ter em conta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Mota Pinto.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Moreira, queria agradecer a sua intervenção e perguntar-lhe o seguinte: retirei da sua intervenção que a Sr.ª Deputada discorda da proposta do

Governo, na parte em que se baseia nos dados das operadoras. Não sei se entendi mal, por isso queria que,

se possível, explicitasse aqui, perante a Sr.ª Ministra, se realmente discorda da utilização das bases de dados

por meio da faturação, quer por ser o tal desvio de finalidade, quer por exigirem esse consentimento.

Por outro lado, queria só frisar que é evidente que esta matéria está e estará sempre em evolução. Está em

causa a concretização do princípio da proporcionalidade, mas se esperamos por uma solução definitiva, não

vamos legislar nunca.

Portanto, queria perguntar-lhe se concorda que é preciso haver já uma solução ou se vamos estar à espera

da consumação dos tempos e da jurisprudência e se reconhece que o acórdão mais recente — de 5 de abril

de 2022, sobre a lei irlandesa — admite uma conservação seletiva de dados de tráfico e de localização com

base em elementos objetivos e não discriminatórios.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Alves Moreira.

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24

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, muito obrigada pelas suas perguntas. Penso que há muitos desafios que temos de resolver na especialidade e, como referi na minha intervenção,

reportando-me à segunda parte da sua pergunta, o próprio Tribunal de Justiça da União Europeia já disse que

estes dados têm de ser conservados para efeitos de proteção do consumidor e tem elencadas várias

exceções. É com base nessas exceções que acho que vamos ter de trabalhar e temos aqui vários desafios

para resolver, tendo sempre em conta o balanceamento entre o Tribunal Constitucional e aquilo que tem sido

dito pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, membros do Governo aqui presentes: Gostaria de começar por agradecer ao PSD por nos trazer este importante tema, que é da maior

complexidade, a debate.

No entanto, não podemos ignorar que o acórdão do Tribunal Constitucional sobre a lei dos metadados veio,

de facto, trazer-nos um impasse que, em nosso entender, também é grave, pois põe em causa a investigação

de crimes, como o de corrupção, em que os metadados são a base da prova na grande maioria dos seus

inquéritos.

Por isso, desde o primeiro momento, o PAN tem defendido que devia ser criado um grupo de trabalho, em

que fosse possível realizar um conjunto de audições para se alcançar uma solução rigorosa do ponto de vista

jurídico, porque nos parece que, mais do que legislar depressa, é preciso que nesta matéria se legisle bem.

Nesse sentido, estas audições a personalidades de reconhecido mérito podem e devem, em sede de

especialidade, ser um importante contributo para sairmos daqui com uma solução jurídica que mitigue estes

aspetos que foram referidos.

Mas as iniciativas do PSD e do Governo têm, desde logo, uma dúvida e um erro de palmatória,

nomeadamente de inconstitucionalidade por violação do princípio da reserva de lei, constante da própria

regulamentação da portaria, no que respeita às condições de transmissão de dados. Entendemos,

nomeadamente, que a mera alteração formal, que aqui é prevista, das medidas concretas que possam garantir

o armazenamento dos dados na União Europeia deve ser alterada e trabalhada na especialidade.

O PAN está disponível, evidentemente, para dar os seus contributos nesse sentido, sob pena de estarmos

a legislar, mais uma vez, à pressa, e não correspondermos aos aspetos que foram apontados pelo Tribunal

Constitucional, mas, por outro lado, também, por não se acautelar o problema que o próprio Tribunal

Constitucional veio gerar, do ponto de vista da segurança e do combate à corrupção.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, no minuto que tenho, faço três notas apenas. A primeira é para constatar que não há, aqui, o direito à privacidade de um lado e o direito à

segurança do outro. O direito à integridade das bases de dados, que guardam os nossos dados sobre as

nossas comunicações eletrónicas, é direito à segurança também. Pensemos nos ataques de pirataria

informática, pensemos na utilização de bases de dados para os mais variados fins de fraude e burla. Portanto,

dos dois lados, está a nossa liberdade, a nossa privacidade e a nossa segurança.

A segunda nota é que este debate nos revela algo bastante interessante sobre a natureza, às vezes

completamente maniqueísta, do debate sobre Direito Europeu em Portugal, entre a síndrome do bom aluno de

um lado e as denúncias, às vezes, muito intensas, das imposições de Bruxelas do outro lado.

Na verdade, o que temos aqui é a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2009, e uma

decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de abril de 2014, que defendem os nossos direitos

enquanto cidadãos portugueses e europeus.

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Se o PS e o PSD, no meio de um pânico social, tivessem decidido alterar a Constituição acerca deste

tema, de uma coisa poderíamos estar seguros é que eles não teriam alterado a Carta dos Direitos

Fundamentais da União Europeia nem a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Bem ou mal — e assim termino, Sr. Presidente —, a verdade é que estes vários projetos têm o grande

mérito de nos procurar fazer, seis anos depois, corrigir o que estava mal. E, para esse debate na

especialidade, o Livre procurará contribuir para a defesa dos nossos direitos enquanto cidadãos portugueses e

europeus, que não só não são incompatíveis, como se reforçam mutuamente.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardo Blanco.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Mota Pinto: Dispensando um pouco o tom paternalista com que fez a sua intervenção, gostaria de lhe dizer que o Iniciativa Liberal fez, sim, um

projeto de lei, o qual não submetemos, após vermos a proposta de lei do Governo, que constitui uma boa base

inicial para a discussão na especialidade.

Sr. Deputado, a proposta do Governo tem a grande vantagem de não ter uma conservação generalizada

dos dados, ao contrário da do PSD, que, como já foi aqui dito por praticamente todas as bancadas, é

inconstitucional. Entre fazer uma proposta inconstitucional ou não fazer, para a próxima, aconselho a não

fazer, Sr. Deputado.

Aplausos do IL.

Algumas alterações que queremos fazer na especialidade já foram referidas pela Sr.ª Deputada Patrícia

Gilvaz. A meu ver, a mais importante é no artigo 2.º, visando reformular a parte inicial desse artigo. Parece-me

que a lista, tal como respondeu ao Sr. Deputado André Ventura, Sr.ª Ministra, faz todo o sentido, mas, o que

não nos parece fazer sentido é aquela alínea c), em que isto passa a ser aplicado a crimes de pequeníssima

gravidade.

Não faz sentido esta legislação ser aplicada em crimes de injúria e, por isso, a nossa primeira exigência

será a eliminação dessa alínea c) e a reformulação do artigo 2.º

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Mota Pinto, do PSD.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardo Blanco, não sei se foi só o Sr. Deputado que ouviu um tom paternalista e também não sei se foi com esse tom ou com tom filial que me quis

dar conselhos.

De todo o modo, queria deixar claro que não quis, de forma nenhuma, usar um tom paternalista. Competia-

me abrir o debate, foi isso que fiz, e o que quero dizer é que lamento que o Iniciativa Liberal não tenha vindo

com qualquer projeto a este debate e se limite a criticar. Não sei se isso é paternalismo ou o que é. Já

perguntei se era incapacidade ou se era falta de vontade de apresentar uma solução e é essa a pergunta que

mantenho, já que vejo que não me respondeu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, considerando esta última intervenção do Deputado Paulo Mota Pinto, que parece não ter ouvido as explicações do Deputado Bernardo Blanco, penso que também seria

um bom contributo para toda a Câmara dar nota de que, quando este projeto do PSD foi agendado na reunião

de Conferência de Líderes, os outros partidos questionaram se poderiam fazer arrastamentos e o PSD, nessa

reunião, não deu resposta se seria possível ou não…

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O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Não é verdade!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — … e demorou algum tempo a dar essa resposta. Portanto, gostaria que isso ficasse também em nota, porque se havia tanto interesse em que os outros

partidos participassem com projetos de lei, poderiam logo, na Conferência de Líderes, ter dito que os

arrastamentos eram aceites naquele momento.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Tendo estado presente na Conferência de Líderes, naturalmente, devo informar a Câmara que o que o Sr. Deputado diz é parcialmente verdade, sendo certo que, nessa mesma Conferência de

Líderes, o PSD ficou de comunicar a sua decisão até a um prazo x e comunicou-a bem antes desse prazo.

O Sr. Deputado Paulo Mota Pinto tinha pedido a palavra para uma interpelação à Mesa?

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Era para pedir ao Sr. Presidente que desse o testemunho, que acabou de dar, de que é parcialmente falso o que foi dito aqui pelo Sr. Deputado Rodrigo Saraiva e parcialmente

verdade…

Risos do Deputado do IL Rodrigo Saraiva.

… e também para dizer que estamos aqui a discutir outros projetos de outros partidos, justamente porque

eles puderam ser arrastados, porque o PSD permitiu o seu arrastamento.

Aplausos do PSD.

O Iniciativa Liberal não o fez e vem, aqui, agora, com esta desculpa, enfim, tentando disfarçar a sua

incapacidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — O Sr. Rodrigo Saraiva pede novamente a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — É uma interpelação, porque penso que não há necessidade de ser para defesa da honra, perante esta última adjetivação da intervenção anterior.

Sr. Presidente, era só para que ficasse claro que, nos trabalhos parlamentares, existem três fases e uma

delas é a da especialidade. Se há pessoas que não conhecem essas fases, o problema não é nosso.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Fazes ou não fazes!

O Sr. Presidente: — Para responder aos pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Paulo Mota Pinto, tem a palavra, agora, o Sr. Deputado Bernardo Blanco.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Mota Pinto, noto a incapacidade do PSD em fazer projetos constitucionais, mas quanto à pergunta que me faz, já respondi na…

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, quem faz pedidos de esclarecimento, presume-se que queira ser esclarecido e para isso é preciso ouvir o esclarecedor, que está a ser perturbado no esclarecimento que está a

produzir, a pedido dos interessados.

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Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Obrigado, Sr. Presidente. Não sei se o PSD está assim tão interessado no esclarecimento, até porque, na prática, não houve bem

nenhuma pergunta. Já respondi à pergunta que o Sr. Deputado fez, na minha intervenção anterior.

Aproveito, muito rapidamente, para pedir, já agora, a todos os grupos parlamentares que estão

representados na Comissão de Assuntos Europeus que aprovem o requerimento que apresentámos, tendo em

conta o peso político que esta matéria tem, para ter acesso à posição que Portugal enviou à Comissão

Europeia, no ano passado, relativamente a este tema — Portugal é dos poucos países cuja posição não é

pública. Já que estamos todos tão interessados nesta matéria, gostaria que todos votássemos a favor deste

requerimento.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Isso não tem nada de ser votado, tem de ser despachado! É andar para a frente!

O Sr. Presidente: — Terminou o tempo dos apartes regimentais. Prossigamos.

Risos gerais.

Devo chamar a atenção de que nos estamos a aproximar do final do debate. Dou, agora, a palavra ao Sr.

Deputado Pedro Filipe Soares, pedindo a todos o silêncio necessário para que possamos ouvi-lo.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda votou contra a Lei n.º 32/2008 e fizemos bem! Fizemos bem, porque tornar todos os

cidadãos nacionais suspeitos, porque é isso que, na prática, se faz quando se recolhe dados de todos os

cidadãos e se colocam esses dados numa base de dados durante um ano, é inaceitável aos nossos olhos.

Para nós, o direito à privacidade não é apenas um pormenor, é um «pormaior».

Votámos contra a Lei n.º 32/2008, alertando para a sua inconstitucionalidade e viemos a ter razão, mais de

uma década depois, mas viemos a ter razão. Fomos acusados de radicalismo, tal como hoje o Sr. Deputado

Paulo Mota Pinto nos acusou, logo no início do debate. Mas, tal como hoje fica demonstrado, havia e há

alternativas. Comecemos por uma que até nem é da iniciativa do Bloco de Esquerda e que é a iniciativa que o

Governo trouxe a esta Assembleia. Por isso, havia e há alternativas, aqueles que acham que a privacidade e

os direitos dos cidadãos são coisas sempre secundárias é que não as quiseram ver.

Em segundo lugar, há outra alternativa que é o reforço dos meios e recursos dos órgãos de polícia criminal

e esse é um aspeto fundamental. Um dos pontos em cima da mesa é que, ao longo de muitos anos, não foram

reforçados esses meios e, por isso, se delegou na parte dos metadados o que deveria existir de recursos

humanos e de meios para a investigação criminal.

Esse subfinanciamento é um problema, lesa os direitos dos cidadãos. Foi isso que o Tribunal

Constitucional disse, foi isso que o Tribunal de Justiça da União Europeia também disse. E, desse ponto de

vista, o Bloco de Esquerda, ao longo de anos, trouxe propostas de reforço desses meios e desses recursos.

Infelizmente, muitas vezes, os partidos que defendiam os metadados votavam contra essas propostas.

Portanto, não estamos perante nenhumas inevitabilidades, há alternativas, estamos perante as escolhas

que batiam contra os direitos e as liberdades dos cidadãos.

Porque é que também nos preocupamos com as liberdades, nesta matéria? Porque sabemos que a lei

europeia dos metadados foi, por exemplo, a mesma lei que serviu para Viktor Orbán, na Hungria, perseguir

pessoas que foram a manifestações. Para nós, a liberdade não é um pormenor.

É fundamental percebermos que a lei se virou contra os direitos aos quais dizia que iria responder e foi

Viktor Orbán, que é o responsável máximo de um Estado da União Europeia, que usou a lei europeia para

perseguir os seus cidadãos e para reduzir as suas liberdades. Sobre essa matéria, orgulhosamente, o Bloco

de Esquerda votou contra e, porque estamos contra esse atropelo,…

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Termino, Sr. Presidente. Estamos contra esse atropelo das liberdades e dos direitos que resultam, como também vimos tantas

vezes, na redução da segurança das pessoas. Ter um manancial de informação sobre a vida de cada um de

nós concentrado e ao dispor de qualquer pirata informático é, como nós vimos, uma brutal falha de segurança

que não podemos aceitar.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Leitão.

A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Ministras, Sr.as e Srs. Deputados: O que está em causa nos diplomas que aqui estamos a discutir é encontrar uma solução equilibrada, à luz do princípio

constitucional da proporcionalidade, entre diferentes direitos e interesses públicos e privados em presença.

Falo do interesse público numa investigação criminal eficaz e eficiente, que é também um princípio do

Estado de direito, mas também falo de respeitar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos,

designadamente o direito à privacidade e à reserva da vida privada.

As decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia e os acórdãos do Tribunal Constitucional dão

indicações neste sentido e são de saudar todos os projetos de lei — e, naturalmente, a proposta de lei — que

tentam encontrar soluções proporcionais dentro das balizas definidas pelas decisões judiciais,

independentemente das necessárias alterações e melhorias a fazer em especialidade.

Esta é uma questão complexa que exige ponderação e desaconselha precipitações, ganhando com uma

discussão, na especialidade, em torno de vários aspetos, em primeiro lugar, sobre quem pode determinar o

acesso a dados no âmbito da investigação criminal — seguramente um magistrado judicial — ou sobre a

identificação clara e sem remissões do prazo de manutenção dos dados.

Permitam-me que diga que a norma transitória do projeto do PSD me causa algumas dúvidas de

constitucionalidade, uma vez que se cria a garantia do consentimento para o armazenamento contratual dos

dados pelos operadores, havendo a desnecessidade de consentimento quando estejam em causa os dados

para investigação criminal, ao contrário do que parece resultar do projeto do Chega.

Saliento, ainda, a notificação do titular dos dados aos quais se aceda no âmbito de uma investigação

criminal, assim que isso seja possível e sem prejudicar a dita investigação.

Todos estes e outros aspetos devem ser objeto, naturalmente, de aturado trabalho em sede de

especialidade, uma vez que este é um regime que justifica um consenso alargado que, desejavelmente, se

formará aqui, na Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo Sousa, do Chega.

O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Sr. Presidente, Sr.as Ministras, Sr.as e Srs. Deputados: Há muito que se sabe que a Lei n.º 32/2008, que transpõe a Diretiva 2006/24/CE, é desconforme com a Carta dos Direitos

Fundamentais da União Europeia e, nessa medida, dúvidas não há de que o Estado Português estava

obrigado a alterar a sua legislação interna, de modo a conformá-la com o direito da União.

Numa palavra: o Governo resolveu ignorar a jurisprudência da União Europeia, permitindo o inevitável juízo

de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional.

Meus senhores, se não se aperceberam, esse desinteresse governativo teve dois efeitos imediatos de

altíssima gravidade devido ao juízo de inconstitucionalidade. Por um lado, permitiu que o direito fundamental à

reserva da intimidade da vida privada e familiar de quase 10 milhões de portugueses fosse violado durante

anos a fio; por outro, muita da criminalidade grave que se encontra a ser investigada e cujos processos se

encontram pendentes poderá ficar sem a devida punição.

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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!

O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Acresce que muito do trabalho dos investigadores criminais cairá em saco roto e assim se desperdiçam os recursos financeiros do Estado, sem falar do efeito que tudo isto poderá ter

nas nossas forças de segurança e de investigação, que se debatem diariamente com a falta de meios, com os

baixos salários e cuja valorização das suas carreiras não é devidamente reconhecida.

Aplausos do CH.

O Chega quer fazer parte da solução do problema e, por isso, apresenta um projeto de alteração à Lei n.º

32/2008 que visa ultrapassar as questões de inconstitucionalidade apontadas pelo Tribunal Constitucional e de

acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, de modo a conciliar de forma

proporcional o direito à segurança, combatendo a criminalidade e o direito à reserva da intimidade da vida

privada e familiar dos cidadãos.

Tanto as condições de conservação como as de acesso aos dados devem ser mais restritas conforme o

Tribunal de Justiça da União Europeia e o Tribunal Constitucional referem nas suas decisões.

Entendemos que as alterações que propomos estão de acordo com a Constituição e com o direito da União

Europeia, em pleno respeito do direito fundamental transversal a todas as ordens jurídicas europeias: o direito

à reserva da intimidade da vida privada e familiar.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Ministra da Justiça.

A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A investigação criminal, as suas formas, os meios de que dispõe, que, aliás, estão a ser reforçados, os direitos das pessoas, mesmo quando são

investigadas, e os direitos das vítimas são matérias estruturantes num Estado de direitos democrático. Seria,

por isso, de saudar um compromisso que pretendesse fundar as opções nesta matéria, procurando-se um

amplo consenso neste Parlamento.

Em 19 de abril, a decisão do Tribunal Constitucional espoletou a necessidade urgente de uma revisão

nesta matéria. O momento de encruzilhada que vivemos não é exclusivamente português, afinal, a

jurisprudência do Tribunal Constitucional acompanha a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União

Europeia. Enquanto o direito da União Europeia não se reencontrar num ponto de equilíbrio suficientemente

firme, é inevitável que se busquem novas soluções e novos paradigmas.

Esta é uma matéria da competência do Parlamento. É o Parlamento e só o Parlamento que a pode

resolver. O Governo trouxe uma proposta de solução logo após a decisão de inconstitucionalidade. O Governo

pretende contribuir para esta solução e apela, por estruturante que é esta matéria num Estado de direito

democrático, a um amplo consenso nesta Casa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, peço aos serviços que acionem o sistema eletrónico de verificação de quórum.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Ministras, Sr.as e Srs. Deputados: Conforme nos aproximamos do final do debate, acho que podemos fazer uma síntese dos temas que, com algum grau de

consenso, podemos identificar como aqueles que temos de enfrentar na discussão na especialidade.

É óbvio que a matéria é de grande complexidade, mas também há um ponto que fica assente que, antes de

termos decisões claras e concretas — apesar de ser uma decisão abstrata — do Tribunal Constitucional, era

impossível ao legislador encarar a necessidade de revisitar a lei e de entender com que fundamentos é que

teria de proceder à alteração.

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Portanto, sem o acórdão de 2022, sendo ele, obviamente, a motivação para uma intervenção urgente, e

sem essa tomada de posição por parte do Tribunal Constitucional, seria especulativo fazer qualquer

intervenção que podia não resolver os problemas que o tribunal viesse a identificar.

Aliás, o debate — e, obviamente, temos de ter essa humildade e essa compreensão — prossegue nas

instâncias judiciárias de outros Estados-Membros da União Europeia e prosseguirá no próprio Tribunal de

Justiça. Portanto, temos de ter a consciência de que a evolução que ocorrer nessa sede do direito da União

Europeia terá efeitos tectónicos na legislação dos Estados-Membros e aquilo que devemos fazer é procurar

legislação tão claramente próxima da jurisprudência que já conhecemos quanto possível.

Dos projetos discutidos também foi claro que aquilo que o Tribunal Constitucional nos deixou está, de uma

forma ou de outra, espelhado nas várias intervenções legislativas apresentadas, seja a carência de

monitorização por parte de uma autoridade independente, seja a matéria da informação ao avisado, seja

fundamentalmente a questão do reforço da proporcionalidade naquilo que se conserva, por um lado, e naquilo

a que se acede, por outro.

O desafio que temos para aprimorar a lei e superar estas dificuldades implica termos de revisitar

cautelosamente cada um destes elementos, porque todos eles convocam problemas de constitucionalidade

diferentes e às vezes contraditórios entre si mesmos. Em primeiro lugar: o que é que se conserva e quem

autoriza? É um ponto importante percebermos de que bases falamos e tem de ficar absolutamente claro na lei

qual é a construção jurídica que vai permitir, se calhar, não necessariamente um paradigma novo, mas somar

um onde já existe matéria e outra legislação relevante a que já vou fazer referência e que não podemos deixar

de ter em conta, e afortunadamente até a Assembleia está a discutir neste momento.

Já tivemos oportunidade de ver, e é consensual na Câmara, que deve haver a intervenção de um juiz na

autorização do acesso. Sabemos que há outras soluções para as questões da conservação. Uma coisa é dar

uma ordem a uma operadora para conservar dados e não os destruir e coisa diferente é aceder aos dados

cuja conservação se solicitou com caráter de urgência. Era importante que, à semelhança do que sucede na

legislação sobre o cibercrime, isso também ficasse identificado.

Também era importante, como há pouco referia a Sr.ª Deputada Alexandra Leitão, que ficassem

claramente identificados os prazos que devem constar da lei, não necessariamente por remissão, mas fazendo

uma compilação e uma boa codificação de todas estas matérias, evitando remissões e diferenciando os

prazos em função quer dos ilícitos criminais que estão a ser identificados quer dos dados cuja utilização se

pretende.

De facto, a diversidade de dados entre os dados de base, os metadados, e, dentro dos metadados, os que

são de tráfego e os que são de geolocalização, e a sua utilização para investigação criminal também têm de

ter em conta estes elementos, todos eles convocados para o debate e para discussão sobre a

proporcionalidade.

Segundo as intervenções que ouvimos, parece-nos que é claro que todos concordam que haja uma

obrigação de direito da União Europeia — penso que o PCP será o único partido que irá mais longe, porque

não acompanhará essa leitura — de que os dados tenham de ser conservados no território da União Europeia.

Obviamente que a sua conservação em Portugal não fará sentido. A nossa obrigação é a de um espaço de

partilha, não só de um espaço económico, mas de um espaço de direitos fundamentais. Portanto, é a questão

de que, neste espaço, os dados serão conservados com o mesmo patamar de garantia.

Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.

Enfim, sobre os apartes que ouvi ecoar das bancadas da esquerda, devo dizer que provavelmente não

teríamos legislação tão robusta sobre proteção de dados pessoais não fora a intervenção do direito da União

Europeia. Não é uma autocrítica, nem é uma menorização do Estado português, mas, de facto, o impulso da

evolução foi esse mesmo.

E o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares tinha razão. Houve um problema na Hungria, mas também foi o

direito da União Europeia que ajudou a resolver o problema que havia na Hungria e foi a monitorização da

legislação que era insuficiente que permitiu que ela fosse tornada suficiente e garantística relativamente à

proteção dos direitos dos cidadãos.

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Depois, temos um problema que, diria, é o mais complexo de todos, que é o da geolocalização. Esses são

os dados que dificilmente constarão do que é consentido na utilização das bases de dados que estão

disponíveis junto das operadoras e para os quais já temos, atualmente, na legislação sobre cibercrime, forma

de garantir o seu acesso.

Também é importante, e é o ponto que há pouco referia, que se harmonize a intervenção legislativa que

viermos a fazer não apenas em relação aos diplomas que estão nas várias propostas e projetos, mas também

em relação a outras matérias que se entrecruzam com estas.

Refiro-me, designadamente, à lei das comunicações eletrónicas, a Lei n.º 41/2004, que até está neste

momento em discussão na Assembleia da República e cujo debate, paralelo com este, é especialmente

importante, garantindo que ficam harmonizadas as soluções. Assim, deve ser verificada nessa sede se fica ou

não dependente da faturação do cliente e dos seus consentimentos, se fica ou não dependente de elencos de

dados que podem não ser necessariamente os mesmos.

Refiro-me também à lei do cibercrime, a Lei n.º 109/2009, que também ela já contempla um conjunto

significativo de autorizações de acesso a dados daqueles que estamos aqui a discutir. Era fundamental que as

duas ficassem harmonizadas, quer em termos de procedimento, quer em termos de identificação dos dados,

quer em termos dos crimes que devem ser investigados.

A ponderação da gravidade dos crimes é mesmo o ponto que talvez tenha ficado um pouco ausente deste

debate, mas que é fundamental. Foi, aliás, referido numa troca de esclarecimentos há instantes. De facto, não

é o mesmo estarmos a tratar de crimes de terrorismo ou de rapto, em que é indispensável poder aceder

rapidamente a dados de geolocalização para prevenir até a prática de ilícitos que já estão em curso, e de

crimes como a burla ou a contrafação, os quais reconhecemos que têm gravidade, mas que obviamente não é

comparável ao nível de pôr em perigo a vida e a segurança de cidadãs e cidadãos nossos ou de outros

Estados da União Europeia. Portanto, essa diferenciação também tem de ocorrer.

Há uma proposta do PSD — e aqui chegamos a alguma discordância — que não podemos, infelizmente,

acompanhar de forma alguma. Não podemos olhar para a norma transitória como uma forma de tapar ou

contornar um problema criado pelo acórdão do Tribunal Constitucional. O acórdão é claro: só uma entidade,

na nossa ordem jurídica portuguesa, é que pode proceder à restrição de efeitos. É o Tribunal Constitucional e

não o fez.

Aliás, é importante que este debate sublinhe uma matéria: o nosso Código de Processo Penal é algo

equívoco quanto às possibilidades de revisão de sentença nalgumas circunstâncias em que há declarações de

inconstitucionalidade.

Há quem interprete que pode ser feita fora do quadro de uma intervenção do Tribunal Constitucional e, na

verdade, isso seria uma solução inconstitucional que transferia para o Supremo Tribunal de Justiça uma

competência que, nos termos da Constituição, só o Tribunal Constitucional é que deve assumir. Se calhar,

deveríamos ponderar até revisitar o Código de Processo Penal nesse ponto para garantir harmonização entre

quem é que, na ordem jurídica portuguesa, pode restringir efeitos de uma inconstitucionalidade.

Chegados aqui, penso que o Sr. Deputado Paulo Mota Pinto deu nota, e apelo a alguma calma nos

trabalhos que se seguem, de um espírito de consenso que vamos alcançar em sede de especialidade. É ótimo

que o PSD já tenha um texto de substituição pronto — e até podia tê-lo trazido a este debate e, assim,

tínhamos conversado sobre ele —, mas o que penso é que é fundamental que na 1.ª Comissão seja

constituído um grupo de trabalho para se debruçar sobre estas iniciativas e que, dentro de um calendário que

não deve superar o encerramento dos trabalhos, em julho, permita à Assembleia da República remeter ao

Presidente da República uma solução clara, pois o Sr. Presidente já anunciou que tenciona enviar a lei para o

Tribunal Constitucional para que não subsistam dúvidas.

Já tive oportunidade de dizer que, se calhar, olhar, antes, para o que viermos a produzir pode até permitir

que o Presidente não tenha dúvidas, mas compreendo que, sendo um tema tão sensível na comunidade, uma

intervenção do tribunal, que seja um tira-teimas inicial, até possa ser útil para gerar alguma segurança jurídica.

Terminava, recordando uma frase que, muitas vezes, ou é mal citada ou é atribuída ao autor errado, mas

que é muito importante para aquilo que aqui estamos a fazer, a famosa frase de Benjamin Franklin em que ele

dizia que «aqueles que sacrificam liberdades essenciais para adquirir segurança temporária muitas vezes não

merecem nem a liberdade, nem a segurança». Ora, esta frase tem mais nuances do que aparenta, porque ele

refere liberdades essenciais e fala de segurança temporária, ou seja, há aqui elementos que precisam de ser

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densificados. E é esse o debate detalhado, complexo que devemos fazer na 1.ª Comissão e para o qual o

Grupo Parlamentar do Partido Socialista está disponível, na linha da tradição de proteção dos direitos

fundamentais, mas também de garantir que aquelas que são as ameaças mais graves à nossa comunidade

podem ter uma resposta rápida da parte das autoridades judiciárias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, em nome do partido proponente, o PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Mota Pinto, que dispõe do tempo que lhe competia, mais os 2 minutos adicionais que o

Regimento prevê.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No encerramento deste debate, que resultou do agendamento potestativo do PSD, queria dizer que o balanço que fazemos é o de que valeu a

pena utilizar este agendamento potestativo para discutir esta problemática.

Se estamos aqui hoje a debater e a tentar encontrar uma solução para o problema dos metadados é por

iniciativa do PSD, que foi o primeiro partido que apresentou um projeto nesta Assembleia da República e que

utilizou um agendamento potestativo para o efeito, numa altura em que o Governo ainda constituía grupos de

trabalho.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Mota Pinto (PSD): — Já agora, quero dizer que há uma outra vertente da questão dos metadados, que tem a ver com a sua utilização pelos serviços de informações para prevenção de crimes e

atividades como o terrorismo. Esta vertente requer uma revisão constitucional que não discutimos aqui hoje.

Mas valeu a pena trazer aqui este tema. Queria também dizer que teria valido a pena, quanto mais não

fosse, para ouvir o reconhecimento, pela bancada parlamentar do Partido Socialista, de que o projeto que

apresentámos resolve a maior parte dos problemas de constitucionalidade suscitados — coisa que já tinha

sido dita pelo Primeiro-Ministro, passado o primeiro momento de alguma confusão quer do Governo, quer do

Partido Socialista.

É evidente que o debate prossegue e prosseguirá sempre na jurisprudência, aliás, nunca estará

estabilizado, porque está em causa a adaptação, a aplicação do princípio da proporcionalidade a uma matéria

que envolve restrições de direitos e, por isso, se esperarmos por esse momento, não vamos, nunca, legislar,

nunca teremos um regime para a utilização dos metadados.

Pensamos que poderemos discutir na especialidade a questão do catálogo dos crimes, outras questões

como a da norma transitória, enfim, não tentamos restringir os efeitos, introduzimos o elemento adicional de

que tenha sido deduzida já a acusação, mas, seja como for, isso são aspetos que podem ser discutidos na

especialidade.

Em relação ao conteúdo do debate, a nosso ver, foi aqui confirmada aquela contradição, que referi, do

Chega, que rasga as vestes querendo forçar o Tribunal Constitucional a limitar os efeitos, mas, depois,

apresenta um projeto que retira os instrumentos às polícias.

Foi também confirmada a incapacidade de forças que não apresentaram projetos, como o Iniciativa Liberal,

que acabou o debate a querer ensinar ao Parlamento que existe uma fase de discussão na especialidade.

Quanto ao Governo, mantemos a discordância ou, pelo menos, o diagnóstico de insuficiência da sua

abordagem. Não houve resposta à crítica de que há aqui um desvio de finalidade, uma base mantida para fins

comerciais e, já agora, não é verdade que haja qualquer dever de as operadoras manterem esses dados

durante seis meses. O que diz a lei dos serviços públicos essenciais é que o direito ao recebimento do preço

prescreve no prazo de seis meses, mas, depois de ser pago, não é preciso ser mantida a faturação e pode,

aliás, haver renúncia ao preço. E nem sequer têm de estar em causa comunicações que gerem faturação.

Reparei que a Sr.ª Ministra também não respondeu à questão do criminoso que só recebe chamadas.

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Referiu, para a geolocalização, a lei do cibercrime, mas essa, tanto quanto me recordo, apenas se refere a

geolocalização ex post em cada caso concreto, mediante ordem, e não preventivamente, pelo que também é

insuficiente.

Além disso, como disse, parece-nos que está aqui em causa o desvio de uma finalidade, um mero

remendo, uma solução de recurso. De todo o modo, pensamos que é conciliável com a nossa abordagem. É

por isso que, na especialidade, estamos disponíveis para aceitar a abordagem do Governo, complementando-

a com uma conservação mitigada do regime dos metadados, designadamente desenvolvendo ou prevendo a

possibilidade de critérios de conservação seletiva desses dados. Esses critérios são possíveis, de acordo com

o estado atual de jurisprudência, mas temos de ver como é que se definem, segundo critérios objetivos e não

discriminatórios, quanto a certos locais, quanto a certas pessoas, arguidos, etc.

Portanto, esperamos que haja abertura para se conseguir um amplo consenso. Pensamos que este é um

resultado positivo deste debate e, repetimos, é um resultado que, a nosso ver, se consegue por iniciativa e por

proposta do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Está, portanto, encerrado o debate conjunto, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 11/XV/1.ª (GOV) e dos Projetos de Lei n.os 70/XV/1.ª (PSD), 79/XV/1.ª (CH) e 100/XV/1.ª (PCP), razão pela

qual nos despedimos do Governo.

O segundo ponto da ordem do dia diz respeito ao 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República

e não estão previstas intervenções.

Assim, vamos iniciar as votações regimentais, para o que peço aos serviços que encerrem, então, o

período de registo, a tempo de todos os Srs. Deputados poderem registar-se.

Temos quórum para a votação, mas, ainda assim, vamos fazer a verificação habitual e, nesse sentido,

pergunto se houve alguma dificuldade de registo por parte de algum Sr. Deputado.

Pausa.

Não havendo dificuldades, vamos, então, proceder às votações.

Começamos pelo Projeto de Voto n.º 72/XV/1.ª (apresentado pelo PSD) — De pesar pelo falecimento de

Manuel Fernandes Thomaz, que vai ser lido pela Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Helga Correia.

A Sr.ª Secretária (Helga Correia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o projeto de voto é do seguinte teor: «O Partido Social Democrata propõe à Assembleia da República a aprovação de um voto de pesar pelo

falecimento do Prof. Dr. Manuel Fernandes Thomaz, ocorrido no passado dia 18 de março deste ano.

Manuel Fernandes Thomaz, quinto neto do parlamentar homónimo representado como principal orador na

luneta desta Câmara, dedicou a sua vida à academia, tendo sido docente no Instituto Superior Técnico, na

Universidade do Algarve e na Universidade de Aveiro. É nesta universidade que realiza a maior parte da sua

brilhante carreira académica, tendo sido fundador e primeiro diretor do Departamento de Física. Foi ainda vice-

reitor da Universidade de Aveiro entre 1980 e 1986.

Manuel Fernandes foi presidente da Sociedade Portuguesa de Física, entre 1990 e 1992, e contribuiu

decisivamente para o desenvolvimento da história da física e da ciência, tendo focado a sua atividade de

investigação, no final da sua carreira, nesta área.

Manuel Fernandes Thomaz desempenhou ainda a função da maior relevância nacional no desenvolvimento

do sistema científico português. Foi vice-presidente do Instituto Nacional de Investigação Científica, entre 1988

e 1989, e Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia no XII Governo Constitucional, entre 1991 e 1995.

Voltou a ocupar o mesmo cargo no XV Governo Constitucional, entre 2002 e 2003. Muitos dos resultados do

atual sistema científico português devem-se também a ele.

Manuel Fernandes Thomaz marcou pela sua verticalidade e cordialidade, pela profundidade do seu

pensamento, pela capacidade de diálogo e afabilidade no trato e pela criação de pontes com as gerações mais

jovens, qualidades essenciais no desempenho das suas funções de modo exemplar e que o recordarão nos

diversos locais por onde passou.

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Assim, a Assembleia, reunida em sessão plenária, evoca a memória de Manuel Fernandes Thomaz e

apresenta à sua família e à Universidade de Aveiro as mais sentidas condolências.»

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar a parte deliberativa do projeto de voto que acaba de ser lido.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Saúdo os familiares aqui presentes e expresso as condolências de todos nós.

Passamos ao Projeto de Voto n.º 76/XV/1.ª (apresentado pelo CH) — De pesar pelas três vítimas mortais

do acidente com um autocarro que transportava peregrinos até ao Santuário de Fátima.

Peço à Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Palmira Maciel o favor de proceder à leitura do referido projeto

de voto.

A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o projeto de voto é do seguinte teor: «Na manhã do passado dia 21 de maio, partiu de Guimarães, no distrito de Braga, o autocarro com

peregrinos oriundos de três freguesias daquele concelho e que tinha como destino o Santuário de Fátima.

Às 9 horas e 20 minutos desse dia, na A1, na zona da Mealhada, viria a dar-se o trágico acidente,

consequente de despiste e posterior embate num poste elétrico, causando 3 mortos, 6 feridos graves, 5 feridos

críticos e 22 feridos ligeiros.

Entre as vítimas mortais estão António Fernando Gomes de Araújo, o motorista e proprietário do autocarro,

de 58 anos, Alberto Leite Soares, de 78 anos e fundador dos escuteiros de Figueiredo, e Maria Emília

Marques de Castro, de 53 anos.

Pelo exposto, reunida em sessão plenária, a Assembleia da República manifesta o seu pesar pelo

falecimento das vítimas e transmite as mais profundas condolências aos seus familiares e amigos e a todos os

membros da paróquia de Figueiredo.»

O Sr. Presidente: — Vamos passar à votação da parte deliberativa deste projeto de voto.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Segue-se o Projeto de Voto n.º 80/XV/1.ª (apresentado pelo PS) — De pesar pelo falecimento de Raquel

Seruca.

Peço à Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Lina Lopes o favor de o ler.

A Sr.ª Secretária (Lina Lopes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o projeto de voto é do seguinte teor: «A docente e investigadora Maria Raquel Campos Seruca, referência mundial no estudo do cancro

gástrico, faleceu prematuramente no dia 30 de maio, com 59 anos.

Vice-diretora do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP),

investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) e Professora da Faculdade de Medicina

da Universidade do Porto, Raquel Seruca foi uma defensora e promotora incontestável da ciência em Portugal,

contribuindo com o seu notável trabalho de investigação para avanços significativos no estudo e tratamento do

cancro gástrico.

Natural do Porto, onde nasceu em 9 de junho de 1962, licenciou-se e doutorou-se em medicina pela

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, em 1995, sob orientação do Professor António Sobrinho

Simões.

Entre 1986 e 1988, foi ainda bolseira no Departamento de Genética Humana da Universidade de

Groningen, na Holanda.

Regressada a Portugal, iniciou um pós-doutoramento em genética molecular do cancro do estômago no

IPATIMUP, distinguindo-se nacional e internacionalmente na área da genética do cancro gástrico, tendo sido

considerada especialista mundial em invasão de células cancerígenas, em particular no cancro gástrico do

cólon. Aí contribuiu de forma decisiva para que o IPATIMUP se tornasse um dos principais centros de

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investigação europeus, coordenando o Grupo de Genética do Cancro e exercendo funções como provedora e

vice-presidente do instituto.

Autora de mais de 260 publicações nas mais prestigiadas revistas científicas, Raquel Seruca viu o seu

mérito mundialmente reconhecido e premiado ao longo da sua carreira, com destaque para o reconhecimento

da Sociedade Portuguesa de Genética Humana, o Benjamin Castelman Award da USCAP (United States and

Canadian Academy of Pathology), em 2001 e 2012, o Prémio LabMED, em 2002 e 2003, o prémio atribuído

pela No Stomach for Cancer, associação norte-americana que apoia famílias com cancro gástrico, em 2015, e,

mais recentemente, o Prémio ACTIVA Mulheres Inspiradoras, na categoria Ciência, em 2021.

No plano nacional, foi ainda agraciada com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, em

2009, e recebeu a Medalha de Mérito, Grau Ouro, pela Câmara Municipal do Porto, em 2014.

Apaixonada pela cidade onde sempre viveu, mulher de forte espírito cívico, integrou, em 2005, a lista de

vereação do Partido Socialista à Câmara Municipal do Porto, naquele que seria o seu mais frontal ato político,

compromisso cívico que assumiu também aquando da sua passagem exigente pelo Conselho Nacional de

Ética para as Ciências da Vida.

A dedicação, competência, vitalidade e disponibilidade que colocou sempre ao serviço da ciência em

Portugal reflete-se no seu legado científico prestigiado e profuso, que inspira uma nova geração de cientistas

na área, pelo que o seu falecimento representa uma perda que o tempo tardará a reparar, perda apenas

colmatada pelo enorme legado que a todos deixa.

Assim, a Assembleia da República, reunida em sessão plenária, expressa o seu sentido pesar pelo

falecimento de Raquel Seruca e homenageia o seu percurso inspirador ímpar para várias gerações de

investigadores, apresentando à família, amigos e colegas dos institutos de ciências da saúde IPATIMUP e i3S

as mais sentidas condolências.»

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar a parte deliberativa do projeto de voto que acaba de ser lido.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Saúdo, também, os familiares de Raquel Seruca aqui presentes e expresso as condolências em nome do

Parlamento.

Segue-se o Projeto de Voto n.º 81/XV/1.ª (apresentado pelo PSD) — De pesar pelo falecimento de João

Gomes Alves.

Peço à Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Maria da Luz Rosinha que proceda à leitura do mesmo.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, muito boa tarde a todas e a todos. O projeto de voto é do seguinte teor:

«A sociedade portuguesa, e a sua democracia em particular, ganham a sua vitalidade através dos homens

e das mulheres que, na sua vida, contribuem ativamente para que a sua comunidade seja mais forte,

envolvendo-se nas suas decisões e nos caminhos comuns a trilhar. Os contributos individuais dos cidadãos

empenhados na sua comunidade e no seu país não relevam apenas como uma soma aritmética de esforços,

mas como uma matriz e um exemplo que frutifica e dá forma às sociedades.

Evocamos assim, como tributo e reconhecimento, o Dr. João Gaspar de Sousa Gomes Alves. Distinto

vimaranense e português, falecido a 22 de maio de 2022, cujo trajeto de vida foi marcado, além das

excecionais cultura, elegância e inteligência que o caracterizavam, por uma distinta vida profissional como

advogado e jurisconsulto, bem como por um forte e contínuo envolvimento com a sua comunidade, na qual

Guimarães, cidade onde nasceu e viveu, foi indelevelmente marcada pela sua dedicação às causas e

instituições da sua terra.

O apego às causas da sua comunidade remonta a antes do 25 de abril de 1974, com a participação na

Unidade Vimaranense e na sua Sociedade de Empreendimentos, uma iniciativa corajosa de um conjunto de

vimaranenses, liderados por Fernando Alberto Ribeiro da Silva, que, reclamando do poder central os

investimentos que eram devidos à comunidade, se abalançou, ela própria, para a concretização desses

investimentos, apenas com base no contributo das suas forças vivas.

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Nos alvores da democracia portuguesa, João Gomes Alves aderiu ao PPD/PSD, partido do qual foi

dirigente local e regional, tendo presidido à Assembleia Municipal de Guimarães, com o apoio de vários

quadrantes políticos distintos do seu. Essa foi uma marca da sua personalidade: o conseguir consenso e

reconhecimento para além da sua área política.

Os Bombeiros Voluntários de Guimarães, a Associação Comercial e Industrial de Guimarães, o Centro

Social Nossa Senhora do Carmo, a Irmandade de São Nicolau ou a Assembleia de Guimarães são muitas das

instituições que serviu até ao fim dos dias generosos que viveu.

Razões por que, em reconhecimento desse percurso, o município de Guimarães lhe atribui a Medalha de

Honra do município, no ano 2018.

Lembramos hoje, no Parlamento português, mais do que o homem, o exemplo de uma vida. Uma vida de

quem se envolveu com a comunidade, escolhendo não ser indiferente ao seu tempo de vida. E é esse o

exemplo que testemunhamos e que, através deste singelo voto de pesar, desejamos que seja fecundo.

Reunida em sessão plenária, a Assembleia da República manifesta à família e amigos do Dr. João Gomes

Alves o seu mais sentido pesar.»

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada. Vamos votar a parte deliberativa do projeto de voto que acaba de ser lido.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Passamos ao Projeto de Voto n.º 82/XV/1.ª (apresentado pelo PAR) — De pesar pelo falecimento de Mário

Mesquita.

Para ler o projeto de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Lina Lopes.

A Sr.ª Secretária (Lina Lopes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor: «Faleceu, no passado dia 27 de maio, aos 72 anos, Mário Mesquita, figura de referência do jornalismo

português.

Mário Mesquita nasceu em 1950, em Ponta Delgada, circunstância que, de acordo com alguns dos que lhe

foram próximos, marcaria o seu temperamento reservado e sentido de humor.

Desde cedo despertou para a política, envolvendo-se ativamente com a oposição democrática ao regime

ditatorial. Em 1973, ajudou a fundar o Partido Socialista e, nas primeiras eleições livres em Portugal, em 1975,

foi eleito Deputado à Assembleia Constituinte, tendo ainda sido Deputado, pelo PS, à Assembleia da

República, na I Legislatura.

Profissionalmente, Mário Mesquita notabilizou-se na área da comunicação social, a que dedicou grande

parte da sua vida, primeiro enquanto jornalista e, depois, professor universitário.

Ainda antes do 25 de Abril, foi jornalista no República.

No Diário de Notícias, foi diretor adjunto e, posteriormente, diretor entre 1978 e 1986. Dirigiu o Diário de

Lisboa entre 1989-1990. Mais tarde, viria a ser Provedor dos Leitores do Diário de Notícias, bem como

colunista no Público e no Jornal de Notícias.

O seu contributo para o jornalismo passou também, em grande medida, pelo ensino. Licenciado em

Comunicação Social pela Universidade Católica de Lovaina, foi como professor que Mário Mesquita formou

várias gerações de estudantes universitários, na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, na

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, ou na Universidade de Coimbra, onde

ajudou a fundar a licenciatura em jornalismo.

Eleito pela Assembleia da República para o Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a

Comunicação Social (ERC), Mário Mesquita era, desde 2017, Vice-Presidente desta instituição.

O legado de Mário Mesquita para o jornalismo reflete-se nos vários prémios que lhe foram atribuídos ao

longo da sua carreira. De igual modo, o reconhecimento da sua atividade cívica e política revela-se, entre

outras distinções, na Ordem do Infante D. Henrique com que foi distinguido, em 1981, pelo Presidente da

República António Ramalho Eanes.

A Assembleia da República, reunida em sessão plenária, expressa o seu profundo pesar pelo falecimento

de Mário Mesquita, transmitindo à sua família e amigos as mais sentidas condolências.»

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar a parte deliberativa do projeto de voto.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Saúdo também os familiares de Mário Mesquita aqui presentes, transmitindo-lhes as condolências, e

convido toda a Câmara a associar-se, em homenagem, a 1 minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Srs. Deputados, segue-se a leitura do Projeto de Voto n.º 79/XV/1.ª (apresentado pela Comissão de

Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto e subscrito por uma Deputada do PSD) — De congratulação

pela atribuição do Prémio LeYa 2021 ao Poeta e Escritor José Carlos Barros.

Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Palmira Maciel.

A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor: «O poeta e escritor José Carlos Barros venceu o Prémio LeYa 2021 com a obra As Pessoas Invisíveis.

O ‘trabalho de linguagem, o domínio de uma oralidade telúrica a contrastar com a riqueza de vocabulário e

de referências histórico-sociais’ deste romance, que nos transporta numa viagem por vários tempos da história

recente de Portugal, desde a década de 40 do século XX, levaram o júri deste prémio, ao qual concorreram

732 originais, a anunciar, por unanimidade, José Carlos Barros como vencedor.

O Prémio LeYa é um dos principais galardões para romances inéditos em língua portuguesa. Instituído com

o objetivo de incentivar a produção de obras em português, já foi atribuído a vários autores consagrados como

sejam os brasileiros Itamar Vieira Júnior e Murilo Carvalho, o moçambicano João Paulo Borges Coelho e os

portugueses João Ricardo Pedro, Nuno Camarneiro, Gabriela Ruivo, Afonso Reis Cabral, António Tavares e

João Pinto Coelho.

José Carlos Barros, nasceu em Boticas, em 1963, e licenciou-se em arquitetura paisagista. Ainda jovem,

mudou se para Vila Nova de Cacela, no Algarve, onde se distinguiu, ao longo da sua carreira, no exercício de

diversas atividades técnicas e políticas, nomeadamente como autarca e Deputado à Assembleia da República.

No entanto, a criação literária tem sido a sua paixão. A sua obra poética é vasta e rica. Publicou vários

livros de poesia, a saber: Uma Abstracção Inútil, Todos os Náufragos, Teoria do Esquecimento, Pequenas

Depressões (com Otília Monteiro Fernandes), As Leis do Povoamento, O Uso dos Venenos, A Educação das

Crianças, Estação — Os Poemas do DN Jovem, 1984-1989, e Penélope Escreve a Ulisses.

Em 2003, José Carlos Barros estreou-se na prosa com o conto O Dia em Que o Mar Desapareceu.

O Prazer e o Tédio foi o seu primeiro romance, seguido de Um Amigo Para o Inverno, com o qual foi

finalista do Prémio LeYa, em 2012.

Vencedor de vários prémios literários, é de destacar o Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, que

lhe foi atribuído duas vezes.

José Carlos Barros tem os seus textos poéticos publicados em diversas línguas.

A Assembleia da República congratula-se pela atribuição deste importante prémio a José Carlos Barros, o

que vem acentuar o reconhecimento da sua vasta obra literária, bem como realçar o seu contributo para o

enriquecimento da literatura portuguesa.»

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar a parte deliberativa deste projeto de voto.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Assim, congratulamos e desejamos os melhores êxitos literários ao nosso antigo colega.

Para ler o Projeto de Voto n.º 83/XV/1.ª (apresentado pelo PAR) — De saudação pelo centenário de

Gonçalo Ribeiro Telles, tem a palavra a Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Maria da Luz Rosinha.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

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«No dia 25 de maio, Gonçalo Ribeiro Telles celebraria o seu centésimo aniversário, ocasião para saudar e

evocar a memória desta figura marcante do século XX português, nomeadamente — mas não apenas — na

área da arquitetura paisagística.

Ao longo dos seus 98 anos de vida, Gonçalo Ribeiro Telles deixou a sua impressão digital na paisagem da

cidade de Lisboa, que não seria certamente a mesma sem a sua influência, privilegiando desde cedo a

harmonia da natureza e a defesa da dignidade da pessoa humana, sendo pioneiro nesta linha de intervenção

ecológica em Portugal.

O Plano Verde de Lisboa, e os corredores ecológicos, o Jardim-Promontório da Capela de São Jerónimo, a

remodelação da Avenida da Liberdade e do Alto do Parque Eduardo VII, ou a Mata de Alvalade, constituem

alguns dos exemplos do seu importante legado.

Das suas inúmeras obras, realça-se o emblemático Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, que assinou

com Viana Barreto, obra pela qual foram distinguidos com o Prémio Valmor de 1975.

No plano político, foi igualmente um cidadão ativo, que começou, ainda nos anos 50 do século XX, como

candidato à Assembleia Nacional pelos Monárquicos Independentes. Em 1974, fundou o Partido Popular

Monárquico e integrou os I, II e III Governos Provisórios, como Subsecretário de Estado do Ambiente, e o I

Governo Constitucional, liderado por Mário Soares, como Secretário de Estado da mesma pasta. Em 1979,

integrou a Aliança Democrática, ao lado de Francisco Sá Carneiro e Diogo Freitas do Amaral, tendo sido eleito

Deputado à Assembleia da República, para onde foi reeleito em 1980 e em 1983, e onde teve oportunidade de

trabalhar na preparação de legislação de relevo, como a Lei de Bases do Ambiente. Entre 1981 e 1983,

integrou o VIII Governo Constitucional, liderado por Francisco Pinto Balsemão, como Ministro de Estado e da

Qualidade de Vida. Gonçalo Ribeiro Telles regressaria à Assembleia da República, em 1985, como Deputado

independente eleito nas listas do Partido Socialista.

Na sua inquietação cívica, fundou, ainda, o Movimento Alfacinha, pelo qual foi eleito, em 1985, vereador da

Câmara Municipal de Lisboa e, em 1993, o Movimento Partido da Terra.

Gonçalo Ribeiro Telles contribuiu indelevelmente para o dealbar, em meados do século passado, de um

discurso em torno do paisagismo e de uma relação mais equilibrada entre as pessoas e a natureza. É,

também, graças à sua influência que Portugal dispõe hoje de importantes instrumentos de proteção de solos,

como a Reserva Ecológica Nacional e a Reserva Agrícola Nacional.

Em 2013, foi distinguido com o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, prestigiado galardão da arquitetura paisagista,

sendo inúmeras as homenagens que recebeu em Portugal, como a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo

(1988), a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade (1990) e, mais recentemente, a Grã-Cruz da Ordem do Infante D.

Henrique (2017).

A Assembleia da República, reunida em sessão plenária, evoca o arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles,

saudando a sua memória e o seu exemplo, na data em que se comemora o centenário do seu nascimento.»

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, todos os grupos parlamentares e Deputados únicos manifestaram a intenção de intervir sobre este voto.

Assim, tem a palavra, em primeiro lugar, por 2 minutos, o Sr. Deputado Bruno Coimbra, do PSD.

O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Assinalar os 100 anos do nascimento de Gonçalo Ribeiro Telles é celebrar a sua vida, a sua obra e o seu legado.

Gonçalo Ribeiro Telles foi um visionário, um homem multifacetado, de intervenção inquieta e permanente,

um pioneiro nas políticas do ambiente e do ordenamento do território, um político de visão coerente e arrojada,

centrada na ecologia, na natureza e na dignidade da pessoa humana.

Foi um democrata defensor da liberdade e da tolerância.

Como arquiteto paisagista, reconhecido internacionalmente, marcou com o seu traço a cidade de Lisboa,

do jardim ao território, em obra de diversas escalas, da qual constam a remodelação da Avenida da Liberdade,

os jardins da Fundação Calouste Gulbenkian e o Plano Verde de Lisboa.

Como professor, inspirou uma escola de paisagistas, agentes da contínua revolução da harmonia com a

natureza, que o seu mestre defendia.

Como decisor político de longo percurso e relevantes funções, das quais se destacam a de Subsecretário

de Estado, Secretário de Estado e, posteriormente, Ministro de Estado e da Qualidade de Vida, no Governo

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liderado por Pinto Balsemão, deixou um relevante legado, do qual constam as bases da política nacional de

ambiente e ordenamento do território, os regimes da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola

Nacional (RAN) e o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico.

Gonçalo Ribeiro Telles conseguia ver a árvore e a floresta, perceber as questões locais e as

especificidades de cada paisagem e território, mas também perceber o conjunto, a soma das partes, intervindo

de forma indelével na sociedade.

Encabeçou listas de oposição ao antigo regime, foi fundador do Partido Popular Monárquico, um dos

fundadores e dirigentes da Aliança Democrática, ao lado de Francisco Sá Carneiro e Diogo Freitas do Amaral,

Deputado à Assembleia da República, vereador da Câmara de Lisboa e fundador do Movimento Partido da

Terra.

As suas ideias, causas, iniciativas e sensibilidade motivaram, mobilizaram e ainda mobilizam gerações.

Prova disso é a existência de uma petição, promovida por alunos do 10.º ano de uma escola de Portimão, que

entrou recentemente nesta Assembleia, propondo que o dia do nascimento do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles

se torne «Dia Nacional dos Jardins», afirmando, e cito: «Devemos a Gonçalo Ribeiro Telles ter-nos mostrado

que as cidades e as vilas são tanto mais humanas quanto mais verdes e sustentáveis forem.»

Aplausos do PSD e do Deputado do PS Bruno Aragão.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, dispondo de 1 minuto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Existem figuras da nossa sociedade que marcaram, pelo percurso cívico e político. São, de facto, suprapartidárias, não obstante o

caminho que fizeram.

Gonçalo Ribeiro Telles é uma dessas figuras, uma figura maior do ambiente e da ecologia, que nos deixou

um legado que temos de renovar quotidianamente.

A sua visão para as cidades, para o campo, é uma visão profundamente ecológica, que alia o betão ao

verde, que traz, de facto, a humanização, por via da natureza, para as cidades. Os parques e jardins, como o

da Fundação Calouste Gulbenkian, o Corredor Verde de Monsanto, a Mata de Alvalade, em Lisboa, ou a Mata

dos Medos, em Almada, são alguns desses mesmos exemplos.

Mas não é só através dos seus esquissos que Gonçalo Ribeiro Telles fez a mudança. Também a fez do

ponto de vista legislativo, com as reservas agrícola e ecológica, e também nacional, os planos diretores

municipais e até mesmo a oposição convicta que fez à «eucaliptização» do País, com conhecimento de causa

como mais ninguém tinha.

A Gonçalo Ribeiro Telles devemos também uma coautoria do capítulo da Constituição portuguesa sobre o

ambiente, que, na altura, determinava, e relembro, «todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e

ecologicamente equilibrado, e o dever de o defender».

Que seja esse o legado que possamos renovar quotidianamente na nossa ação na Assembleia da

República.

Aplausos do Deputado do PS Bruno Aragão.

O Sr. Presidente: — Segue-se a Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP. Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Assinalamos, hoje, na Assembleia da República, o centenário do nascimento de Gonçalo Ribeiro Telles.

Gonçalo Ribeiro Telles distingue-se pela sua intervenção na área da arquitetura, do ordenamento do

território e do ambiente. Contribuiu de uma forma muito significativa para a vivência em harmonia com a

natureza.

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No plano da arquitetura, queremos destacar não só a obra realizada, mas também a grande qualidade dos

seus projetos paisagísticos, de que são exemplo os jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, obra que

marca uma geração.

No ordenamento do território e no ambiente, destacamos a criação da REN e da RAN, a Reserva Ecológica

Nacional e a Reserva Agrícola Nacional. São instrumentos de ordenamento do território, hoje em vigor,

fundamentais para o planeamento e para a proteção das áreas de maior valor ecológico e agrícola. A REN e a

RAN assumiram uma enorme importância para a proteção do património natural e para a proteção do

interesse público.

A proteção e a conservação das áreas naturais e dos solos agrícolas é de grande valor no presente, mas é,

também, de grande importância para a salvaguarda do interesse das gerações vindouras.

Salientamos, ainda, a intervenção de Gonçalo Ribeiro Telles, quando chamou a atenção para os perigos da

agricultura intensiva, para os seus impactos no território e na biodiversidade, e quando chamou a atenção para

o perigo da monocultura na floresta, em detrimento de um ordenamento florestal em mosaico.

Independentemente do seu percurso político, hoje, aqui, salientamos o seu conhecido e reconhecido

percurso, enquanto arquiteto paisagista, na área do ambiente e do ordenamento do território.

Aplausos do PCP e do Deputado do PS Bruno Aragão.

O Sr. Presidente: — Segue-se, no uso da palavra, o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, do IL. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gonçalo Ribeiro Telles foi e será sempre uma figura maior da história de Portugal. A forma e o tempo em que conjugou o indivíduo e a natureza

colocam-no como um visionário e humanista.

O seu percurso de vida deixou várias pegadas, que nos devem, a todos, orgulhar: na arquitetura, seja ela

pública ou privada, em especial na arquitetura paisagística, como é natural; na política, seja no tempo do

combate à ditadura, seja o muito que construiu já na democracia; no poder legislativo, no poder executivo e

também no poder local.

Deixou, também, uma pegada académica, quer como discípulo, quer como mestre.

Portanto, pelos seus legados e pela sua memória, merece o nosso eterno respeito e admiração.

Aplausos do IL e do Deputado do PS Bruno Aragão.

O Sr. Presidente: — Segue-se, no uso da palavra, o Sr. Deputado Pedro Frazão, em nome do Chega. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro dos SantosFrazão (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O partido Chega honra a memória do Sr. Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, um homem conservador, que foi o maior ambientalista

português do século XX, muitas vezes apontado como o «pai» da ecologia em Portugal.

Morreu aos 98 anos e para sempre será lembrado pela direita portuguesa conservadora: lembrado por ser

um ambientalista quando mais ninguém se perfilava nesse campo.

Foi o defensor da reconciliação entre o mundo rural e a cidade, sem a imposição desta sobre os

agricultores, e com absoluto respeito pelas boas práticas e pelas tradições culturais portuguesas,

nomeadamente a tradição da tauromaquia, sendo primo direito do mestre David Ribeiro Telles, que

acompanhava muitas vezes nas corridas em que atuavam os cavaleiros da família Ribeiro Telles.

Gonçalo Ribeiro Telles iniciou a sua intervenção pública como membro da Juventude Agrária e Rural

Católica, estrutura juvenil ligada à Ação Católica Portuguesa.

Fundou o Movimento dos Monárquicos Independentes, a que se seguiria o Movimento dos Monárquicos

Populares.

Enquanto Deputado à Assembleia da República, teve responsabilidades nas propostas da lei de bases do

ambiente, da lei da caça e da lei do impacte ambiental.

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Esta bancada identifica-se profundamente com o espírito conservador e conservador da natureza do Sr.

Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, um homem conservador de direita, que até privou particularmente com

alguns Deputados da nossa bancada.

Por isso, sempre iremos honrar a memória do Sr. Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, com quem, em grande

medida, nos identificamos.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No Parlamento, onde, por natureza, se privilegia o falar, eu gostaria, para esta intervenção, de salientar um outro dom, o dom do olhar.

Gonçalo Ribeiro Telles era daqueles que sabia que é possível educar o olhar e, educando o olhar, ver na

paisagem, no mundo à nossa volta, as coisas que a maior parte das pessoas não vê. E, assim, trazendo esse

dom para a política, abria o seu potencial. Enquanto Ministro da Qualidade de Vida, ou quando salientava que

era possível fazer arquitetura da paisagem, ele abriu outros mundos na nossa realidade.

Era um idiossincrático, palavra que parece cara, mas que quer simplesmente referir uma pessoa que tinha

uma mistura de temperamento peculiar.

Monárquico, que deu muito à República, municipalista, ambientalista, conservador, mas também

progressista, ministro de Governos de direita, mas também desejado por Jorge Sampaio, para encabeçar uma

candidatura de esquerda à Câmara Municipal de Lisboa, lembrá-lo aqui é lembrar que não é preciso ter um

percurso convencional em política para deixar marca no nosso País.

Se homenagem lhe podemos fazer, é a de saber educar o nosso olhar e o dos outros para valorizar as

pessoas, o conhecimento e a paisagem do nosso País, para preservar e para transformar: preservar o que tem

de ser transformado e transformar o que tem de ser preservado e, assim, melhorar o nosso País e o nosso

mundo.

Aplausos do Deputado do PS Bruno Aragão.

O Sr. Presidente: — Segue-se, no uso da palavra, o Sr. Deputado Hugo Pires, do PS. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hugo Pires (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Num momento em que se comemora o centenário de Gonçalo Ribeiro Telles, nunca é demais relembrar que Gonçalo Ribeiro Telles foi um homem à

frente do seu tempo. Foi um democrata, foi um ambientalista, foi um progressista, foi um humanista e,

sobretudo, colocou a sustentabilidade no vocabulário político português.

A preservação da biodiversidade e da natureza foi o principal objetivo da sua ação política, sendo coautor e

autor de vários projetos emblemáticos, sobretudo na cidade de Lisboa, como é o caso do Parque Eduardo VII

ou do jardim da Fundação Calouste Gulbenkian.

Julgo que, neste momento, em que se comemoram os 100 anos do seu nascimento, a maior homenagem

que podemos prestar ao Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles é o trabalho que Portugal tem vindo a desenvolver

nos últimos anos.

Fomos o primeiro País, a nível mundial, a assumir o compromisso para a neutralidade carbónica, a apostar

em florestas e na biodiversidade, em florestas resilientes, em florestas que promovam o mosaico português e

em florestas que também sejam um sumidouro de carbono.

A palavra «descarbonização» está no centro das políticas ambientais e da ação climática.

Promovemos o transporte público, mais e melhores jardins nas cidades e um ar melhor para respirar nas

cidades, através da promoção, construção e incentivo de jardins e zonas verdes nas cidades.

Tudo isto é prestar uma homenagem a toda a obra de Gonçalo Ribeiro Telles, que, ao contrário do que foi

dito, foi um grande democrata, um grande progressista e um grande ambientalista. Só assim conseguiremos

preservar a sua memória.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — O último orador inscrito é o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda saúda a memória de Gonçalo Ribeiro Telles, no assinalar do centésimo ano desde o seu nascimento.

Fazemo-lo, porque reconhecemos o seu papel à frente do seu tempo, como já foi aqui referido, e a

capacidade que teve para, sendo um homem à frente do seu tempo, puxar toda a sociedade portuguesa para

o acompanhar no pensar de uma visão para as cidades, que englobava as pessoas, mas também a natureza,

no pensar de um País que tinha de ser também promotor do futuro ambiental e ecológico e no pensar de uma

política que, além de democrática, devia acautelar o legado deixado às novas gerações, em particular o legado

fundamental em período de caos climático, ou seja, a garantia de um planeta que sobreviva para as futuras

gerações.

Desse ponto de vista, com esta riqueza, com esta visão, com a marca, quer legislativa, quer cidadã, que

Gonçalo Ribeiro Telles deixou, acompanhamos esta saudação e estamos ao lado dos que pretendem

preservar a sua memória.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, findas as intervenções, vamos passar à votação da parte deliberativa do Projeto de Voto n.º 83/XV/1.ª (apresentado pelo PAR e subscrito pelo PS, pelo PSD, pelo CH, pelo IL, pelo

BE, pelo PAN e pelo L) — De saudação pelo centenário de Gonçalo Ribeiro Telles.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos, agora, votar o Projeto de Resolução n.º 73/XV/1.ª (PAR) — Composição da Comissão Permanente.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos agora votar o Projeto de Deliberação n.º 4/XV/1.ª (PAR) — Prorrogação do período normal de

funcionamento da Assembleia da República.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Passamos, agora, à votação do Inquérito Parlamentar n.º 1/XV/1.ª (CH) — Comissão eventual de inquérito

parlamentar à atuação do Estado português no estabelecimento de parcerias com associações de cidadãos

russos no acolhimento e integração dos cidadãos ucranianos em Portugal.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, votos a favor do CH, do IL e do PAN e

abstenções do PSD, do PCP, do BE e do L.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, peço desculpa, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: — Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, pretendemos fazer uma declaração de voto oral em relação a esta última votação.

O Sr. Presidente: — Fá-la-ão no fim do período de votações, que é o que está determinado. Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, se me permite, a minha intervenção tem a ver com a parte restante do guião de votações.

Não sei se ainda há mais alguma questão sobre esta matéria…

O Sr. Presidente: — Creio que os regimentalistas estão de acordo em que a declaração de voto seja feita no final das votações.

Tem, então, a palavra, Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, temos um conjunto de requerimentos de baixa à comissão sem votação que, na verdade, se forem aprovados, consumirão uma parte larguíssima do guião de

votações.

Dado que, na praxe parlamentar, estes requerimentos são uma prerrogativa do proponente, ou, no caso do

Governo, do partido que o apoia, e há uma generalidade de aceitação destes pedidos, a minha sugestão, se

for aceite pela Mesa e pelas restantes bancadas, é a de que se votem, conjuntamente, todos os requerimentos

de baixa à comissão sem votação, porque, depois, poderemos avançar largamente no nosso guião.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, da minha parte, não há nenhuma objeção e vejo que também não há objeção de nenhum grupo parlamentar.

Portanto, vamos proceder à votação nos termos sugeridos pelo Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, pelo que

votaremos em bloco todos os requerimentos de baixa à comissão, sem votação, de projetos de lei ou de

propostas de lei cujos proponentes assim o pretendem.

Vamos, então, votar, conjuntamente, os seguintes requerimentos:

Apresentado pelo PS, com o assentimento do Governo, solicitando a baixa à Comissão de Economia,

Obras Públicas, Planeamento e Habitação, sem votação, por 60 dias, da Proposta de Lei n.º 6/XV/1.ª (GOV)

— Aprova a Lei das Comunicações Eletrónicas e transpõe a Diretiva (UE) 2018/1972, que estabelece o

Código Europeu das Comunicações Eletrónicas;

Apresentado pelo PAN, solicitando a baixa à Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e

Habitação, sem votação, por 15 dias, do Projeto de Lei n.º 89/XV/1.ª (PAN) — Reforça os direitos dos

utilizadores finais de serviços de comunicações eletrónicas;

Apresentado pelo L, solicitando a baixa à Comissão de Educação e Ciência, sem votação, por 30 dias, do

Projeto de Lei n.º 90/XV/1.ª (L) — Consagra o dever de as instituições procederem à abertura de procedimento

concursal para as funções desempenhadas pelos doutorados, quando se verifique o termo do contrato;

Apresentado pelo PS, com o assentimento do Governo, solicitando a baixa à Comissão de Economia,

Obras Públicas, Planeamento e Habitação, sem votação, por 60 dias, da Proposta de Lei n.º 8/XV/1.ª (GOV)

— Transpõe a Diretiva (UE) 2019/1, que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros

competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno;

Apresentado pelo PSD, solicitando a baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e

Garantias, sem votação, por 30 dias, do Projeto de Lei n.º 70/XV/1.ª (PSD) — Procede à segunda alteração à

Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do

Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no

contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de

comunicações, conformando-a com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022;

Apresentado pelo CH, solicitando a baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e

Garantias, sem votação, por 60 dias, do Projeto de Lei n.º 79/XV/1.ª (CH) — Altera a Lei n.º 32/2008, de 17 de

julho, por forma a harmonizá-la com os preceitos constitucionais em vigor;

Apresentado pelo PCP, solicitando a baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e

Garantias, sem votação, por 30 dias, do Projeto de Lei n.º 100/XV/1.ª (PCP) — Altera a Lei n.º 32/2008, de 17

de julho, sobre conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações

eletrónicas;

E apresentado pelo PS, com o assentimento do Governo, solicitando a baixa à Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sem votação, por 30 dias, da Proposta de Lei n.º 11/XV/1.ª

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(GOV) — Regula o acesso a metadados referentes a comunicações eletrónicas para fins de investigação

criminal.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Srs. Deputados, de acordo com o resultado desta votação, as correspondentes iniciativas não serão

votadas.

Vamos, agora, votar, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 3/XV/1.ª (GOV) — Altera o Código de

Processo Penal e a Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, do IL e do PAN e abstenções

do PCP, do BE e do L.

Vamos votar, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 86/XV/1.ª (PAN) — Corrige a legislação que concretiza a

Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 e aprofunda as garantias de proteção dos denunciantes.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do PCP e do BE, votos a favor do CH,

do PAN e do L e a abstenção do IL.

Vamos, agora, votar, também na generalidade, o Projeto de Lei n.º 94/XV/1.ª (CH) — Criação do estatuto

do arguido colaborador e agravamento das penas aplicáveis aos crimes de corrupção previstos no Código

Penal.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do PCP, do BE e do L, votos a favor

do CH e abstenções do IL e do PAN.

Segue-se a votação do Projeto de Resolução n.º 53/XV/1.ª (PCP) — Recomenda a adoção de medidas

para a dinamização do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, combatendo a precariedade e o

subfinanciamento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do IL, votos a favor do PCP, do BE,

do PAN e do L e a abstenção do CH.

Vamos, agora, votar o 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República para 2022.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A pedido do IL, vamos proceder à votação por pontos do Projeto de Resolução n.º 46/XV/1.ª (IL) —

Recomenda ao Governo que defenda, no contexto da União Europeia, o fim da importação de gás da Rússia.

Assim, começamos por votar o ponto 1 do projeto de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CH, do IL, do BE, do PAN e do L, votos

contra do PCP e a abstenção do PS.

Vamos, agora, votar o ponto 2.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do PCP, votos a favor do CH, do IL, do BE,

do PAN e do L e a abstenção do PS.

A Sr.ª Jamila Madeira (PS): — Sr. Presidente, peço desculpa, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: — Pede a palavra para que efeito, Sr.ª Deputada?

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A Sr.ª Jamila Madeira (PS): — Sr. Presidente, para anunciar que o Partido Socialista entregará uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr.ª Deputada. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, é também para informar que entregaremos uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: — Fica registado, Sr.ª Deputada. Vamos, agora, votar o Projeto de Resolução n.º 12/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo o cabal

cumprimento da Diretiva 2002/49/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de junho de 2002, relativa

à avaliação e gestão do ruído ambiente.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CH, do IL, do PCP,

do BE, do PAN e do L.

Passamos à votação do Projeto de Resolução n.º 43/XV/1.ª (PSD) — Pôr em prática uma política de

prevenção do ruído ambiente.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CH, do IL, do PCP,

do BE, do PAN e do L.

Vamos votar o Projeto de Resolução n.º 6/XV/1.ª (L) — Instando as autoridades nacionais a participarem

do esforço internacional de investigação, acusação, condenação e punição de todos os crimes de guerra na

Ucrânia, na sequência da invasão lançada a 24 de fevereiro, sob a máxima responsabilidade de Vladimir

Putin, presidente da Federação Russa.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, do IL, do BE, do PAN e do L

e votos contra do PCP.

A Mesa tem indicação de que o PCP irá apresentar uma declaração de voto.

Vamos votar o Projeto de Resolução n.º 17/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a revisão dos

objetivos específicos da PEPAC.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CH, do IL e do PCP e votos a favor

do BE, do PAN e do L.

Vamos, agora, votar o texto final, apresentado pela Comissão de Ambiente e Energia, relativo ao Projeto de

Resolução n.º 7/XV/1.ª (PAN) — Previsão no Programa Nacional de Reformas – 2022 de uma adaptação do

Plano Nacional da Água às alterações climáticas, como medida de combate à seca.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP, do BE, do PAN e do L e abstenções do PS,

do PSD, do CH e do IL.

Importa, ainda, votar dois pareceres da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, de que a

Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Maria da Luz Rosinha nos vai dar conta.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, a solicitação do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa —

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TCIC — Juiz 9, Inquérito n.º 7213/21.0T9LSB, decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o levantamento da

imunidade parlamentar do Deputado André Ventura (CH), no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, o parecer está em votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Faça favor de prosseguir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de

Braga — Juízo Local Criminal de Braga — Juiz 4, Processo n.º 31/21.7GCBRG, decidiu emitir parecer no

sentido de autorizar o levantamento da imunidade parlamentar dos Deputados Filipe Melo (CH), Rui Paulo

Sousa (CH) e André Ventura (CH), no âmbito dos referidos autos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Dou agora a palavra ao Sr. Deputado André Ventura para uma declaração de voto relativa à votação do

Inquérito Parlamentar n.º 1/XV/1.ª (CH) — Comissão eventual de inquérito parlamentar à atuação do Estado

português no estabelecimento de parcerias com associações de cidadãos russos no acolhimento e integração

dos cidadãos ucranianos em Portugal, para o que dispõe de 2 minutos.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O chumbo da constituição da comissão eventual de inquérito parlamentar à atuação do Estado português no estabelecimento de parcerias com

associações de cidadãos russos no acolhimento e integração dos cidadãos ucranianos em Portugal, proposta

pelo CH, devia envergonhar este Parlamento, porque do que resultou das audições que foram feitas, daquelas

que foram exigidas por este Parlamento, foi que António Costa foi sucessivamente protegido pelo Partido

Socialista, impedido de vir a esta Casa, mesmo depois de isso ter sido pedido por outro partido, com o

argumento de que o Primeiro-Ministro não vem a uma comissão e, sobretudo, de que o Primeiro-Ministro se

pode escudar no segredo de Estado.

Por isso, este Parlamento tinha a função de investigar e rejeitou essa função, tinha a obrigação de lançar o

único instrumento que tem de investigação com poderes equiparados aos das autoridades judiciárias e

recusou fazê-lo.

Isto, mesmo depois de, em audições, os responsáveis de informações e segurança terem dito, e cito, que

«a informação circulou para quem tinha de circular».

Mesmo aí, o Parlamento recusou investigar, recusou continuar e recusou apurar a verdade sobre um caso

tão importante como o que está aqui em causa.

E mesmo partidos que disseram, uma semana antes, que era preciso uma comissão de inquérito, vêm, um

mês depois, dizer que esta não é a fase e que vão esperar para ouvir o Primeiro-Ministro, no dia 22 de junho,

aqui, no Parlamento.

É este ziguezague de medo que o Parlamento tem de lançar mão do único instrumento que tem de

investigação,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — … nomeadamente sobre o Primeiro-Ministro, que não se consegue compreender.

Mas hoje, Sr. Presidente, tornou-se mais grave. Hoje, um semanário noticiou que, afinal, não se tratava só

de informações relacionadas com Setúbal, mas que vários organismos do Estado pediram ajuda e prestaram

ajuda neste caso. Está aqui,…

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Neste momento, o orador exibiu uma folha com uma notícia do semanário Expresso.

… para todos verem, aquilo que hoje mesmo foi noticiado, com vários organismos do Estado, sob a tutela

do Primeiro-Ministro, envolvidos neste caso.

É isto que querem impedir, dizendo que é para a semana ou para a outra, ou no mês que vem, ou quando

forem eles os autores da proposta. É este o espírito daqueles que não querem investigar…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — … o caso que envolve um Primeiro-Ministro, que envolve um Governo e que devia ser esclarecido por este Parlamento até ao fim.

É muito triste, mas foi a votação que o Parlamento nos deu hoje e que, infelizmente, temos de aceitar.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Passamos agora ao registo dos Srs. Deputados que participaram nesta sessão por via remota.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, passo a informar que participaram, por via remota, nesta sessão plenária, os Deputados Alexandre Quintanilha, Clarisse Campos,

Cláudia Santos, Pedro Cegonho, Rui Lage, Sofia Andrade e Susana Amador, do PS, e Duarte Pacheco,

Germana Rocha e Isaura Morais, do Partido Social Democrata.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a próxima sessão plenária terá lugar na quarta-feira e tem uma agenda com vários pontos.

Em primeiro lugar, serão discutidos, conjuntamente, os Projetos de Lei n.os 53/XV/1.ª (PSD) — Cria o

Tribunal Central Administrativo Centro, procedendo à décima terceira alteração ao Estatuto dos Tribunais

Administrativos e Fiscais, aprovado em anexo à Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, à décima primeira

alteração à Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e à

quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, que define a sede, a organização e a área

de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, concretizando o respetivo Estatuto e 87/XV/1.ª (PAN) —

Adota medidas de otimização do desempenho dos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal,

alterando o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

O segundo ponto é o relativo à discussão conjunta dos Projetos de Lei n.os 7/XV/1.ª (CH) — Aumenta o

valor relativo ao complemento especial de pensão dos antigos combatentes, 52/XV/1.ª (PCP) — Consagra o

complemento vitalício de pensão e a pensão mínima de dignidade para os antigos combatentes e 91/XV/1.ª

(BE) — Estabelece o complemento vitalício de pensão e a pensão mínima de dignidade aos antigos

combatentes.

O terceiro ponto é o do debate conjunto dos Projetos de Lei n.os 76/XV/1.ª (IL) — Consagração expressa do

crime de exposição de menor a violência doméstica (quinquagésima sexta alteração ao Código Penal),

82/XV/1.ª (PAN) — Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do

Ministério Público, 85/XV/1.ª (L) — Inclui expressamente a exposição, nos exemplos do que constituem maus

tratos psíquicos, no âmbito do crime de violência doméstica; define a exposição, no caso de crianças e jovens,

como suficiente para a sua caracterização como vítimas e consagra a frequência de programas específicos de

educação parental na lista de penas acessórias, 92/XV/1.ª (BE) — Criação do crime de exposição de menor a

violência doméstica (quinquagésima quinta alteração ao Código Penal), 96/XV/1.ª (IL) — Dispensa da tentativa

de conciliação nos processos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge nos casos de condenação por

crime de violência doméstica (Alteração ao Código Civil e ao Código de Processo Civil) e 97/XV/1.ª (IL) —

Assegura a nomeação de patrono às vítimas especialmente vulneráveis (Alteração ao Estatuto da Vítima e à

Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais).

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O quarto ponto é o relativo à discussão conjunta dos Projetos de Lei n.os 48/XV/1.ª (PCP) — Vinculação

extraordinária de todos os docentes com três ou mais anos de serviço até 2023, 80/XV/1.ª (PAN) — Procede à

revogação do atual sistema de acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira docente, procedendo à alteração do

Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário,

81/XV/1.ª (PAN) — Alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos

Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, e 93/XV/1.ª (BE) —

Programa extraordinário de vinculação dos docentes.

No quinto e último ponto teremos o debate conjunto dos Projetos de Lei n.os 71/XV/1.ª (BE) — Altera as

atividades específicas associadas a compensação em unidades de saúde familiar, de forma a eliminar

discriminações de género na prática clínica e 88/XV/1.ª (PAN) — Elimina a discriminação de género nos

critérios de compensação associada às atividades específicas dos médicos.

Muito obrigado, Srs. Deputados.

Bom fim de semana a todos e até à próxima sessão.

Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 7 minutos.

———

Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação

Relativa ao Projeto de Resolução n.º 6/XV/1.ª:

O PCP condena todos os atos criminosos, incluindo em cenário de guerra, quer tenham ocorrido ou

ocorram na Ucrânia, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia ou noutros países.

O indispensável, cabal e rigoroso apuramento acerca das alegações de crimes de guerra ocorridos deve

ser realizado por entidades efetivamente independentes, determinadas pela real avaliação dos factos e não

por julgamentos pré-determinados ou objetivos que nada tenham a ver ou contribuam para apurar a verdade.

Tal advertência assume uma pertinência e importância tanto maiores quanto o historial de decisões

alinhadas com os interesses dos EUA (Estados Unidos da América), do RU (Reino Unido), da NATO (North

Atlantic Treaty Organization), que ficou bem patente no branqueamento da intervenção da NATO na

Jugoslávia pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, ou da intervenção e ocupação do Iraque,

liderada pelos EUA, pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).

O Projeto de Resolução em apreço, não só assume à partida um julgamento sem que esse apuramento

seja cabalmente realizado, como coloca no âmbito do TPI uma decisão sobre a qual não está em condições

de julgar, quer por já ter demonstrado viés e falta de idoneidade no apuramento indispensável, cabal e

rigoroso da verdade, quer porque nem a Rússia nem a Ucrânia são membros do TPI.

Por esse motivo, o PCP não acompanha o presente projeto de resolução e reafirma que o que se impõe é

pôr termo à escalada do conflito em curso e contribuir para o cessar-fogo e uma solução política negociada

que assegure a paz e a segurança coletiva na Europa.

Assembleia da República, 3 de junho de 2022.

A Deputada do PCP, Paula Santos.

———

Nota: As declarações de voto anunciadas pela Deputada do PS Jamila Madeira e pela Deputada do PCP

Paula Santos, referentes à votação do Projeto de Resolução n.º 46/XV/1.ª, não foram entregues no prazo

previsto no n.º 3 do artigo 87.º do Regimento da Assembleia da República.

———

Página 49

4 DE JUNHO DE 2022

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Relativa à Proposta de Lei n.º 106/XIV/3.ª [votada na reunião plenária de 2 de junho de 2022 — DAR I

Série n.º 20 (2022-06-03)]:

Votei a favor da Proposta de Lei n.º 106/XIV/2.ª, que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei

n.º 70/2020, de 16 de setembro, que atualiza a idade de acesso às pensões e elimina o fator de

sustentabilidade nos regimes de antecipação da idade de pensão de velhice do regime geral de segurança

social, tendo em conta que a alteração preconizada aplica-se e abrange as bordadeiras de casa da Madeira —

uma profissão muito nobre e tão característica da Região Autónoma da Madeira.

O reconhecimento e a proteção de direitos às bordadeiras da Madeira é uma das grandes conquistas da

autonomia político-administrativa da Região Autónoma da Madeira, uma conquista que conta com a marca do

PSD Madeira.

Todas as medidas que permitam a melhoria das condições de vida e de acesso à reforma destas

profissionais são importantes e certamente ficarão sempre muito aquém da importância da nobre função de

preservação de uma tradição secular da Madeira, como é a do bordado Madeira.

As bordadeiras da Madeira têm resistido ao longo dos tempos às variadas crises económicas.

Para a melhoria das suas condições de trabalho e compreensão da dificuldade da sua consagração

destaca-se, entre outras importantes medidas, a resolução do Conselho de Ministros de 1975 que pretendeu

desenvolver formas de reorganizar o sector para promover o trabalho da «bordadeira de campo», atribuindo-

lhe um subsídio no valor de 50 000 contos, gerido pela Junta de Planeamento da Madeira.

Na referida legislação destacam-se duas problemáticas, a do pagamento das linhas e a possibilidade de

terem subsídio de desemprego.

Uma das principais dificuldades das bordadeiras de casa prende-se com as linhas necessárias para a

execução do trabalho. Durante muitos anos, foram pagas pela própria bordadeira de casa e foi precisa

legislação para alterar este facto.

Entre 1976 e 1987, trava-se uma grande batalha para uma substancial melhoria na vida da bordadeira de

casa e diversas tentativas de inverter esta situação e para acabar com a situação de as próprias terem de

pagar as linhas para a execução do trabalho.

Atribuir um subsídio de desemprego às bordadeiras de casa é algo que parece hoje evidente, mas nem

sempre foi assim.

Com o Decreto Regional n.º 9/78/M volta a referir-se a situação precária daquela que se dedica a bordar, a

«bordadeira de campo», também referida como «bordadeira doméstica da Madeira e Porto Santo».

O valor que as bordadeiras recebem é, nesse decreto, considerado «insignificante», porque é metade do

mínimo atribuído a nível nacional, mesmo sendo um trabalho «talvez único em Portugal» (Decreto Regional n.º

9/78/M).

Nessa altura, as bordadeiras não eram protegidas juridicamente e não tinham direito ao subsídio de

desemprego, apesar de descontarem para esse fim, uma imposição do Decreto-Lei n.º 45 080, de 20 de junho

de 1963.

Para alterar essa situação, é criado o Decreto Regional n.º 9/78/M, através do qual se extinguem os

descontos que não trazem qualquer benefício.

Estas medidas, constantes deste decreto regional, são o ponto de partida para que estas trabalhadoras

beneficiem do subsídio de desemprego.

Outro aspeto que o Decreto Regional n.º 9/78/M visa resolver é a questão da «proteção social dos

trabalhadores por conta de outrem».

Em 1996, com a Lei n.º 43/96, torna-se uma garantia para as bordadeiras de casa, o direito ao subsídio de

desemprego, financiado pelo Centro Regional de Segurança Social (artigo 1.º).

Qualquer bordadeira de casa passa a auferir este subsídio, mesmo não tendo descontado para este fundo,

nem para a segurança social, apenas necessita de comprovar que não possui uma fonte de rendimento de

onde obtém um valor superior ao de uma pensão social (artigo 2.º).

Têm direito a ele as bordadeiras de casa que, nos últimos três anos, tenham exercido a profissão, sendo

essa contagem válida a partir de 1 de janeiro de 1992. Tais factos devem, contudo, ser comprovados pelo

IBTAM, Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira (artigo 4.º). Se a bordadeira de casa

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I SÉRIE — NÚMERO 21

50

consegue trabalho, mesmo que temporariamente, ao mesmo tempo que recebe o subsídio, ele pode ser

suspenso (artigo 6.º).

Estes exemplos são bem identificativos da dificuldade e da luta ao longo dos anos pelo reconhecimento

dos direitos às bordadeiras da Madeira, e poderia referir muitos outros.

O diploma que votei a favor pretendia seguir este caminho e melhorar e devolver direitos às bordadeiras da

Madeira.

Em causa estava uma alteração ao Decreto-Lei n.º 70/2020, de 16 de setembro, que procedeu à

adequação dos regimes de antecipação da idade de pensão de velhice do regime geral de segurança social,

eliminando o fator de sustentabilidade.

A partir de 2020, passaram a beneficiar do fim da utilização do fator de sustentabilidade no cálculo das

suas pensões os trabalhadores que exercem profissões de desgaste rápido.

No entanto, a eliminação deste corte no valor das pensões só se aplica aos requerimentos de pensão ao

abrigo dos regimes de antecipação da idade de acesso à pensão de velhice, previstos no artigo 2.º do

Decreto-Lei n.º 70/2020, de 16 de setembro, que estabelece as profissões abrangidas, e que sejam

apresentados desde 1 de janeiro de 2020.

Votei a favor, porque considero que se deveria permitir a alteração constante do referido diploma, da

autoria da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, e que se aplica às bordadeiras da

Madeira, nomeadamente permitir a eliminação das penalizações e dos cortes existentes nas suas pensões.

Esta iniciativa permitiria corrigir e acabar com esta injustiça e garantir que todos os trabalhadores

enquadrados pelo Decreto-Lei n.º 70/2020, de 16 de setembro (onde se incluem as bordadeiras da Madeira),

fossem abrangidos pela eliminação do fator de sustentabilidade, independentemente da data da apresentação

dos requerimentos de pensão.

Face ao exposto, votei a favor da Proposta de Lei n.º 106/XIV/2.ª, que procede à primeira alteração ao

Decreto-Lei n.º 70/2020, de 16 de setembro, que actualiza a idade de acesso às pensões e elimina o fator de

sustentabilidade nos regimes de antecipação da idade de pensão de velhice do regime geral de segurança

social, da autoria da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.

Palácio de São Bento, 3 de junho de 2022.

A Deputada do PSD, Sara Madruga da Costa.

[Recebida na Divisão de Redação a 3 de junho de 2022.]

———

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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