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11 DE JUNHO DE 2022

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me habilita tecnicamente a reclamar especiais qualificações, mas, garantidamente, fez-me crescer como homem

e como cidadão e confrontou-me com estes temas na primeira pessoa.

Claro que não aceito fazer este debate com base num confronto entre bons e maus, pró-vida e pró-morte,

crentes e hereges ou retrógrados e vanguardistas.

Estamos no mais puro plano das opções políticas, filosóficas, de natureza ética, social e individual e os

critérios que escolhi para fundar a minha posição são muitos ou não fosse esta — e nisso creio que estamos

todos de acordo —, antes de mais, uma questão de consciência individual. Tenho critérios racionais, técnicos e

operacionais? Sim, claro.

Primeiro sobressalto: para adequar a lei às limitações e críticas formuladas pelo Tribunal Constitucional e

pelo Sr. Presidente da República a opção foi laxista. Na escolha entre «doença fatal», «doença incurável» e

«doença grave» adequaram alargando, abrindo mais a porta, na tal visão «radical ou drástica» a que se refere

o Sr. Presidente da República.

Aplausos de Deputados do PSD.

E o Bloco de Esquerda até se permitiu retirar a exigência da «doença fatal», mas manter no artigo 1.º que o

diploma «regula a antecipação da morte medicamente assistida», que era o argumento antigo invocado para

ajudar a justificar este caminho.

Ultrapassado este sobressalto e paradoxalmente, estes diplomas têm por destinatários primeiros os

profissionais de saúde, médicos e enfermeiros. São estes quem, de forma mais recorrente, se deparam com

quadros clínicos extremos, doentes em sofrimento que «estão em processo de perda da esperança ou possam

já tê-la perdido», na acertada descrição do parecer da Ordem dos Advogados.

E estes, os tais destinatários da lei, num tema tão complexo e que apela a juízos de natureza ética,

deontológica e de liberdade individual, dizem «não» a estas propostas — basta ler os pareceres da Ordem dos

Médicos e da Ordem dos Enfermeiros. Fazem-no, aliás, com grande veemência, sentindo que esta «colaboração

na administração dos fármacos letais não é uma prática que se enquadre no exercício da medicina».

Vamos obrigá-los? Não, mas há quem preveja a exigência de os obrigar a especificar as razões que motivam

a objeção de consciência.

O que estes projetos estão a pedir aos profissionais de saúde é tão violentador que está previsto e é

disponibilizado apoio psicológico ao médico.

Reparem bem: a prática dos atos contidos nestes diplomas é um crime punido no Código Penal e sujeito a

responsabilidade disciplinar; estes projetos regulam a forma de os médicos poderem ter estas práticas e não

ser considerado crime; e os médicos dizem que não querem ser excluídos do disposto no Código Penal.

Mas há mais: quem preenche todos os requisitos da lei, ou seja, quem esteja em «em sofrimento, físico,

psicológico e espiritual, decorrente de doença grave e incurável ou lesão definitiva de gravidade extrema», ou

seja, «uma doença que ameaça a vida, em fase progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de

grande intensidade», é portador de um estado mental avaliável num exame pericial psiquiátrico? A Ordem dos

Médicos acha que não. Mas isso nem sequer interessa, porque não é obrigatória a intervenção de um psiquiatra,

ou sequer de um psicólogo, em nenhuma fase do processo.

A juntar a isso, se aquele médico escolhido pelo doente recusar a morte assistida, o doente é informado e o

processo pode voltar imediatamente ao princípio, ou seja, o doente pode escolher — sim, é ele que escolhe —

outro mais adaptado ao resultado pretendido.

Se sou sensível ao argumento que defende que a sugestão desta solução empurra, sugere, sugestiona,

legitima o doente e que a oferta induz a procura? Sim, sou.

Aceito até que os proponentes invoquem seriedade e compaixão, mas, citando Carlos Costa Gomes, «a

morte por compaixão é exatamente a morte da compaixão».

Quando não damos alternativa e empurramos uma só solução, podemos dizer que a vontade do doente é

livre?

No dia em que a solução que tivermos para o sofrimento e para a doença for a morte, falhámos. Falhámos

com quem de nós precisou e falhámos enquanto sociedade, perdendo pelo caminho uma parte da nossa

humanidade.

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