11 DE JUNHO DE 2022
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Mas não esqueçamos que, no seu requerimento de apreciação da lei pelo Tribunal Constitucional, o
Presidente da República não solicitou que essa apreciação incidisse sobre a variabilidade de fórmulas verbais
— «doença incurável e fatal» em dois artigos e «natureza incurável da doença» num outro — usadas para referir
a condição de «doença de extrema gravidade» como requisito para a solicitação da morte medicamente
assistida.
Ou seja, a variedade terminológica para enunciar o requisito de doença existia, realmente, já na versão inicial
da lei. A realidade é o que é. O facto é este: num segundo momento, e no seu pleno direito, o Sr. Presidente
teve dúvidas, e aqui estamos. Mas sabemos, e sabe quem está de boa-fé, lendo as definições de conceitos que
sempre estiveram na lei aqui aprovada, que «doença fatal» nunca significou «morte iminente». Esteve sempre
em causa uma doença de extrema gravidade que põe em risco a subsistência mesma da vida, causando um
sofrimento atroz ao paciente.
Os regimes jurídicos que legalizam o suicídio assistido e/ou a eutanásia estão a aumentar na Europa: Bélgica,
Luxemburgo, Países Baixos, Suíça, Espanha. Na Alemanha, o suicídio assistido foi legalizado por decisão do
Tribunal Constitucional Federal, perante a inércia do legislador. Em Itália, também por decisão do Tribunal
Constitucional, foi descriminalizado o suicídio assistido em determinadas circunstâncias e foi aprovado
recentemente, na câmara baixa, o diploma legislativo que visa regulamentar, nos termos do acórdão do Tribunal,
o processo do suicídio assistido.
Em nenhum destes países a morte medicamente assistida se limita a casos em que a pessoa se encontra
em situação de morte iminente — nenhum! Aliás, é importante referir que, no Canadá, o legislador federal se viu
forçado a alterar a legislação em 2021, depois de o Supremo Tribunal do Quebeque ter considerado
inconstitucionais as normas que limitavam o acesso à morte medicamente assistida às pessoas que estivessem
em situação próxima do fim de vida. Segundo o Tribunal, normas desse tipo criam discriminações entre
indivíduos com base nas suas deficiências físicas e impedem as pessoas que sofrem de uma doença incurável
grave, mas não terminal, de poderem autodeterminar a sua morte, enquanto pessoas numa situação
semelhante, mas cuja morte está mais próxima no tempo, podem legalmente aceder à morte medicamente
assistida.
Com o devido respeito pelo que a este propósito se escreveu no veto do Sr. Presidente da República, os
ordenamentos jurídicos que nos são cultural e socialmente mais próximos adotaram a solução que agora
propomos, e nós com mais rigidez procedimental. Além disso, a solução diversa, que afasta a possibilidade de
acesso à morte medicamente assistida às pessoas que, padecendo de doença grave e incurável, não se
encontram em situação próxima do fim físico, poderá levantar problemas de constitucionalidade, em particular
no que respeita ao princípio da igualdade, como atestou o Supremo Tribunal do Quebeque.
É por isso que esta também foi sempre a lei do Luís Marques. Luís Marques tinha 63 anos, estava paraplégico
há 55 e percorreu mais de 2000 km para concretizar uma morte assistida negada em Portugal. Escreveu-nos
porque queria morrer em Portugal, queria esta lei. Tardámos, mas o seu nome está aqui, sempre esteve, sempre
soubemos que estava.
É por isso que esta sempre foi a lei da Luísa, a mulher que me pediu para a visitar no hospital. Ali estava,
acompanhada pela sua jovem filha, perguntando se a lei seria aprovada a tempo de, finalmente, poder escolher
na sua própria hora.
Esta sempre foi, na verdade, a lei de todas as pessoas, porque esta sempre foi a lei que dignifica as pessoas
e inscreve-se na tradição do Partido Socialista de contribuir para uma sociedade plural, na qual todas e todos,
com as suas conceções éticas, filosóficas, religiosas e políticas, têm lugar.
Esta sempre foi a lei da não perseguição penal.
Esta sempre foi a lei que parte do princípio de que é o próprio sujeito autónomo que deseja a eutanásia,
sujeito esse que, tendo liberdade para tomar decisões vitais ao longo da vida sem possibilidade de interferência
por parte do Estado, também tem liberdade para ter um espaço legalmente reconhecido de decisão quanto à
sua própria morte.
Esta sempre foi a lei que nos convida a aceitar o outro. Na dúvida, tolerância.
Aqui estamos.
Aplausos do PS, do BE e do L e de Deputados do PSD e do IL.