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11 DE JUNHO DE 2022

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não continuar a suportar um sofrimento inexorável e sem sentido.

Há quem queira e quem não queira ou já não consegue.

E digo já não consegue, porque não é só uma questão de vontade; só perante as circunstâncias concretas

é que podemos saber como é que as coisas são e qual é a crua realidade de cada um.

Vale isto dizer que é fácil opinar sobre as circunstâncias da vida dos outros e o que devem ou não fazer. Mas

o conforto das nossas consciências não pode ter como contraponto o desespero que a imposição da nossa

vontade causa ao outro.

E aqui esbarro, recorrentemente, na ideia de que a minha liberdade termina onde começa a dos outros e

que, estando em causa direitos fundamentais, não tenho o direito de proibir aquilo que faz parte daquele núcleo

desses mesmos direitos que está para além das restrições e compressões necessárias à vida em sociedade e

que, por isso, é absolutamente inalienável e insuscetível de ingerência por terceiros.

Como dizia Francisco Sá Carneiro, a verdadeira democracia deve respeitar as convicções dos seus cidadãos

e o Estado de direito democrático deve ser o garante dessa sociedade plural, tolerante e humanista, onde todos

possam expressar e viver livremente as suas convicções mais profundas.

Estas questões têm vindo a ser amplamente discutidas nos últimos anos, com argumentos a favor e contra,

motivando defesas aguerridas e apaixonadas e nem sempre com recurso a argumentos racionais, o que não

ajuda a esclarecer os cidadãos numa matéria que envolve tantas emoções, valores, vivências pessoais e até a

própria religião.

A complexidade e sensibilidade da matéria em apreço exige ampla e esclarecida discussão e serenidade na

tomada de decisões. A matéria é difícil sob vários pontos de vista e requer conhecimentos específicos em várias

áreas para poder ser bem enquadrada.

Portugal é uma República laica pelo que a abordagem tem de ser feita, naturalmente, expurgada de

quaisquer conceções religiosas, sejam elas quais forem, e as decisões têm de ser tomadas em obediência a

uma análise objetivamente racional.

E, por isso, a Assembleia da República é a sede própria para ser discutida e trabalhada a matéria referente

à despenalização da morte medicamente assistida, quer enquanto opção de legislação sobre política criminal

quer, e sobretudo, porque a Assembleia da República tem total legitimidade democrática para o fazer.

É composta pelos Deputados eleitos pelos portugueses num sistema de democracia representativa, que

espelha as múltiplas sensibilidades da nossa população.

Tem ainda o acervo coligido no âmbito das anteriores discussões sobre a eutanásia, com audições e

pareceres das várias entidades e personalidades que foram ouvidas, o que é uma mais-valia preciosa.

Por outro lado, na era digital, onde impera a desinformação e a manipulação de opiniões, o referendo aparece

cada vez mais como uma arma de arremesso contra a Democracia do que como verdadeiro e esclarecido

instrumento de participação direta.

E aqui não posso deixar de referir a forma hábil como está formulada a pergunta referendária constante no

projeto de resolução e que pode ser suscetível de induzir a resposta.

Julgo também que esta iniciativa de referendo teria um significado diferente se tivesse tido lugar mais cedo,

e não só agora, no decurso dos trabalhos da especialidade, correndo o risco de parecer um expediente dilatório.

Cumpre também referir que os projetos de lei foram aprovados na generalidade e que não houve nenhum

cataclismo ou convulsão, o que mostra que a população conviveu bem com o resultado obtido no Parlamento.

Ademais, numa matéria como esta considero um erro gravíssimo desresponsabilizar a Assembleia da

República.

A decisão tem de ser tomada e assumida pelo Parlamento e a legislação tem de ser elaborada com o peso

da assunção da responsabilidade e inerente prestação de contas aos portugueses.

Porque vamos todos estar muito atentos a esta matéria e queremos e precisamos da fiscalização de toda a

sociedade à forma como irão ser executadas as leis aprovadas nesta, que é a Casa da democracia.

Hoje discute-se a iniciativa do referendo, mas deixo uma palavra para a questão material controvertida e de

apreço por todas as pessoas que se têm empenhado ativamente nesta causa.

Estou convicta de que todos estão genuinamente imbuídos do melhor espírito de cidadania e crentes que

defendem a melhor solução. Mas a vida não é preta e branca, não é sim ou não, é composta por muitos matizes

e é isso que a enriquece e compõe o equilíbrio da sociedade.

O ideal é que a legislação seja exemplar e que nunca, ninguém, precise de a ela recorrer.»

Pelo supra exposto votei favoravelmente os acima identificados projetos de lei e contra o projeto de

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