I SÉRIE — NÚMERO 23
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O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, a Mesa não regista nenhum pedido de esclarecimento. Para apresentar o Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª (BE) — Regula as condições em que a morte medicamente
assistida não é punível e altera o Código Penal, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No anterior debate, nesta Assembleia, sobre a despenalização da morte medicamente assistida, José Manuel Pureza, em nome do Bloco,
lembrou as palavras de João Semedo: «A despenalização da morte assistida é a mais humanitária e democrática
opção que podemos aprovar para o final da vida: ninguém é obrigado e ninguém é impedido, o único critério é
a escolha de cada um. Afinal de contas, não é isto a democracia?»
Queremos voltar a lembrar estas palavras hoje, quando o Parlamento é chamado, pela terceira vez em
poucos anos, a pronunciar-se sobre este assunto. Vale a pena recordar como aqui chegámos.
A Assembleia da República aprovou, finalmente, a 29 de janeiro de 2021, e por maioria confortável, a
despenalização da morte medicamente assistida. Desde então, o Presidente da República entendeu, por duas
vezes, obstar à promulgação da lei.
A primeira foi imposta pelo juízo do Tribunal Constitucional, que considerou ser necessário dar maior
determinabilidade ao conceito de «lesão definitiva de gravidade extrema», após ter considerado não haver lugar
a uma inconstitucionalidade de princípio da despenalização e ter afirmado com clareza que o direito à vida não
comporta uma obrigação de viver em qualquer circunstância.
A segunda decisão de não promulgação pelo Presidente da República decorreu do seu juízo pessoal de
necessidade de afinamento da terminologia da lei, na redação que o Parlamento aprovou, para ir ao encontro
das exigências do Tribunal Constitucional.
O debate de hoje é, pois, resultante desse pedido de afinamento terminológico feito pelo Presidente da
República.
Uma vez que o veto aconteceu na transição de legislaturas, optámos pela segurança jurídica de um processo
jurídico formalmente novo, mas que é, na sua substância e muito simplesmente, a resposta ao veto presidencial.
Este é um compromisso que o Bloco de Esquerda assumiu como prioritário nas últimas eleições legislativas,
porque o reconhecimento de direitos de dignidade até ao fim da vida é sempre prioritário e porque este processo
leva já anos e deve agora ter a sua conclusão normal: a promulgação e a entrada em vigor da lei.
Raro foi o tema na história de 48 anos da nossa democracia que tenha sido tão debatido e tão longamente
como este, debate alargado em toda a sociedade, particularmente intenso na última década, debate profundo e
exigente na Assembleia da República, com cinco anos de audições e consultas, como tinha de ser.
Feito este percurso, a nossa decisão livre e serena não pode ser condicionada por campanhas desesperadas
de quem teima em não aceitar que a despenalização da morte medicamente assistida é a mesma vontade da
larga maioria do País.
Aplausos do BE.
Protestos do CH.
Aqueles que, sempre que há um alargamento das liberdades, querem tornar o Parlamento refém do seu
medo insistem em dar como adquirido que a lei não será cumprida e que, uma vez aprovada, o universo de
casos será sempre mais e mais aberto. Diziam exatamente o mesmo quando se discutiu a despenalização da
interrupção voluntária da gravidez. Tudo falso como se viu.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Vão aumentar os números!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — O número de interrupções voluntárias da gravidez tem vindo a descer sustentadamente e, aliás, soubemos há dias que, em 2021, teve a maior descida de sempre desde que a lei foi
aprovada.
Contra o tremendismo dos porta-vozes do medo valem a objetividade dos números e a serenidade social. É
de novo essa agitação que se tem feito ouvir nos últimos dias para tentar, pela enésima vez, condicionar o
Parlamento e os demais órgãos de soberania. Alegam, agora, os tremendistas que o alcance dos projetos de lei