Página 1
Sábado, 24 de setembro de 2022 I Série — Número 42
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
Sessão Solene Evocativa
da Aprovação da Constituição de 1822
REUNIÃODE23DESETEMBRODE 2022
Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
S U M Á R I O
Às 10 horas, entrou na Sala das Sessões o cortejo em
que se integravam o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República — que saudaram, com uma vénia, a assistência —, os Secretários da Mesa da Assembleia da República, o Secretário-Geral da Assembleia da República, a Representante da Chefe do Protocolo do Estado, o Chefe da Casa Militar do Presidente da República,
a Chefe do Gabinete do Presidente da Assembleia da República, a Representante do Chefe da Casa Civil do Presidente da República e a Diretora da Direção de Relações Internacionais, Públicas e Protocolo da Assembleia da República.
No Hemiciclo, encontravam-se já, além dos Deputados e Ministros, os Presidentes do Tribunal Constitucional, do
Página 2
I SÉRIE — NÚMERO 42
2
Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas e o Representante do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, o Representante do Presidente do maior partido da oposição, a Procuradora-Geral da República, o Representante do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a Provedora de Justiça, os Representantes da República para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, os Presidentes das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, o Chefe do Estado-Maior do Exército, o Representante do Chefe do Estado-Maior da Armada e o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea.
Encontravam-se ainda presentes: Na Tribuna A, o Presidente da Conferência Episcopal
Portuguesa, D. José Ornelas Carvalho; Na Tribuna B, o Representante do Núncio Apostólico,
Decano do Corpo Diplomático, Monsenhor Gian Luca Perici; Na Galeria I, a Deputada ao Parlamento Europeu
Margarida Marques, o Representante do Presidente do Conselho Diretivo da Associação Nacional de Freguesias, a Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Representante do Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, o Representante do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública e o Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
Na Galeria II, o Presidente das Comemorações do Bicentenário do Constitucionalismo Português, a Presidente da Comissão Organizadora do Congresso Internacional do Bicentenário da Revolução de 1820, o Presidente da Academia de Ciências de Lisboa e outros convidados no âmbito das Comemorações, o Presidente da Comissão Nacional de Eleições, o Representante do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa, a Representante da Comissão Nacional de Proteção de Dados, o Presidente do Conselho dos Julgados
de Paz, o Presidente da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o Presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal, o Representante da Presidente da Comissão Independente de Acompanhamento e Fiscalização das Medidas Especiais de Contratação Pública, a Representante do Presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, a Representante da Secretária-Geral da CGTP-IN e o Representante da UGT;
Na Galeria III, os Secretários de Estado e o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna;
Nas Galerias IV a VI, público convidado; Na Tribuna C, o Adjunto do Secretário-Geral da
Assembleia da República, os Assessores do Presidente da Assembleia da República e os Chefes de Gabinete da Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, dos Grupos Parlamentares e dos Deputados únicos representantes de um partido;
Na Tribuna D, os representantes dos órgãos de comunicação social.
Constituída a Mesa, na qual o Presidente da República tomou lugar à direita do Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional, que foi cantado, de pé, pelos presentes.
Seguiram-se os discursos dos Deputados Rui Tavares (L), Inês de Sousa Real (PAN), Joana Mortágua (BE), Alma Rivera (PCP), João Cotrim Figueiredo (IL), André Ventura (CH), Alexandre Poço (PSD) e Rui Lage (PS), do Presidente da Assembleia da República e do Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa).
A sessão foi encerrada eram 11 horas e 30 minutos, tendo a Banda da Guarda Nacional Republicana executado, de novo, o hino nacional, que foi cantado, de pé, pelos presentes.
Página 3
24 DE SETEMBRO DE 2022
3
Após ter sido constituída a Mesa, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional, que foi cantado, de pé, pelos presentes.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.as e Srs. Convidados, muito bom dia a todos. Está aberta a Sessão Solene Evocativa da Aprovação da Constituição de 1822, que se realiza no âmbito das
Comemorações do Bicentenário do nosso Constitucionalismo. Eram 10 horas e 2 minutos. Vamos proceder às intervenções. Para a primeira intervenção, em nome do partido Livre, dou a palavra ao Sr. Deputado Rui Tavares. O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Ex.mas
Autoridades e demais Dignitários, Caros e Caras Colegas Deputados e Deputadas: A 1 de novembro de 1755, como é sabido, um terramoto destruiu grande parte desta cidade. Nos anos seguintes, um terramoto nas ideias destruiu o absolutismo, quando se tornou dominante a ideia de que, tal como Deus não enviava terramotos para castigar os povos, talvez Deus também não enviasse reis e rainhas para governar esses mesmos povos.
Alexander Hamilton, pai da Revolução Americana, nasceu em 1755. Robespierre, criatura do Terror na Revolução Francesa, pouco depois. Maria Antonieta, a quem esse mesmo Terror cortou a cabeça, nasceu a 2 de novembro de 1755, um dia depois do terramoto de Lisboa, mas em Viena. E, um ano depois dela, também em Viena, nasceu Gomes Freire de Andrade, um dos mártires da Pátria, enforcado como líder da nossa primeira — e falhada — Revolução Liberal de 1817.
Mas, ainda antes dele, a nossa primeira líder revolucionária — sim, uma mulher — foi Leonor Fonseca Pimentel, cabecilha da República de Nápoles, enforcada por isso em 1799. Nascida em 1752, era também uma filha do terramoto. E Manuel Fernandes Tomás, que está retratado aqui mesmo por cima de nós, de braço levantado, esgotou-se tanto trabalhando para a nossa primeira Constituição e escrevendo obras para a explicar aos seus concidadãos — era o nosso Hamilton, Madison e Jay concentrados numa só pessoa —, que morreu menos de dois meses depois de a aprovar. Reeleito para as segundas Cortes, não voltou a ser Deputado. No dia da tomada de posse, os seus colegas levaram-no num caixão para o cemitério. Temos de começar a ensinar estas pessoas como sendo pessoas mesmo, com os seus sonhos, projetos e ideais, e não apenas nomes de ruas.
Porque estavam eles e elas dispostos a dar a vida e a morrer por causa dessa Revolução Liberal? Porque tinham uma ideia nova sobre a natureza — e é aí que tudo começa —, a política e a humanidade: se Deus não mandava terramotos nem punha os reis nos tronos, então, cabia à humanidade escolher o seu próprio caminho.
Mas esses revolucionários tinham mais do que ideias novas. Tinham ideias novas para edifícios velhos. O Palácio das Necessidades, onde a Constituição de 1822 foi debatida, tinha sido um convento; este Parlamento onde estamos, um mosteiro; onde era a Inquisição, depois de extinta, fez-se o Teatro Nacional. E se a Constituição de 1822 durou só nove meses, e só voltou a vigorar por mais nove meses após a Revolução de Setembro — o setembrismo foi o primeiro movimento que se proclamou de esquerda em Portugal —, a verdade é que ainda hoje podemos ver a explosão de ideias que essa revolução provocou, indo aqui ao lado desta Sala, à Biblioteca Passos Manuel, porque o setembrista Passos Manuel, quando aqui chegou, achou que era impensável que as Cortes não tivessem uma biblioteca, e mais liceus, e conservatórios, e tanta ideia nova para edifícios velhos.
Perguntemo-nos: que revoluções, que constituições, que bibliotecas do futuro farão os filhos da COVID-19, do regresso da guerra à Europa e das manifestações contra as alterações climáticas que hoje mesmo os e as levam às ruas desta cidade? Tudo depende da democracia e da liberdade que soubermos preservar, da Constituição democrática que soubermos defender. As ideias novas serão as deles e delas, mas dos edifícios velhos podemos tratar nós.
Termino com um desafio. Agora que chegam milhares de estudantes às nossas cidades para estudar no ensino superior e, em período de guerra e inflação, não conseguem encontrar casa, que tal pegarmos nos milhares e milhares de metros quadrados construídos e esvaziados em pleno centro de tantas nossas cidades
Página 4
I SÉRIE — NÚMERO 42
4
— em particular, quartéis militares — e transformá-los em residências universitárias, pelo menos, temporárias? Ao fazê-lo, não combateremos só a inflação, a escassez e as desigualdades, se o fizermos bem, combateremos até os gases com efeito de estufa, mas estaremos sobretudo a preparar as velhas casas para que elas possam albergar as ideias novas, como foi feito em 1822.
Lancemos, então, mãos a essa obra. Saibamos ser dignos daqueles revolucionários. Vemo-los aqui todos os dias por cima de nós; pois, então, que nos inspirem!
Aplausos do PS, do PSD e do BE. O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Para intervir, em nome do partido Pessoas-Animais-
Natureza, dou a palavra à Sr.ª Deputada Inês Sousa Real. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da
República, Srs. Membros do Governo, Ilustres Entidades, Altas Autoridades e Distintos Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Evocamos hoje os 200 anos da aprovação da Constituição de 1822 e do nascimento do ideário do constitucionalismo democrático, em Portugal.
Antes de iniciar as palavras que dedicamos a esta cerimónia, não posso deixar de expressar uma palavra de solidariedade e de pesar para com as mulheres iranianas que, num rasgo de democracia, num rasgo de liberdade e solidariedade, rasgaram os seus hijabes e manifestaram-se, em protesto, nas ruas, pela morte da jovem de apenas 22 anos.
Aplausos do PS, do PSD, da IL, do PCP, do BE e do Deputado do CH André Ventura. São gestos como esses, que personificam a coragem, que nos recordam precisamente o valor da
Constituição que há 200 anos foi aprovada e que foi o início de um caminho pela afirmação do princípio da igualdade.
Há 200 anos, onde existiam súbditos, passaram a existir cidadãos, embora as mulheres não tivessem ainda a plenitude dos seus direitos, numa sociedade marcadamente patriarcal.
Há 200 anos triunfou o fim da inquisição. Há 200 anos teríamos ainda de esperar umas décadas para abolir a pena de morte e a escravatura, para pôr
fim aos privilégios nobiliárquicos ou para conseguir um Estado laico. Há 200 anos estávamos longe de chegar ao Estado social, com direito ao ensino, à saúde, à habitação, à
segurança social, ao voto universal, aos direitos dos trabalhadores ou aos direitos políticos e emancipação das mulheres, mas abriu-se uma porta de extrema importância.
Há 200 anos ocorreu uma incontornável revolução constitucional que, como afirmou Miriam Halpern Pereira, colocou o passado e o futuro numa encruzilhada, onde os problemas por resolver e os projetos de mudança se encontraram face a face.
Hoje, gostaríamos de lembrar legados que esta mudança nos deixou: a Revolução de 1820, a Constituição de 1822, que podem e devem ser uma bússola para os projetos de mudança que devem dar soluções aos problemas por resolver que subsistem 200 anos depois, em pleno século XXI.
O primeiro legado da Constituição de 1822 é a humanização do direito penal e do direito penitenciário, conseguida com a afirmação do princípio da proporcionalidade, com a proibição da tortura e de penas cruéis ou infamantes, como a marca de ferro quente, o baraço ou pregão, com a exigência de prisões limpas, seguras e que não fossem instrumento de tormento de presos.
Lembrar este legado é especialmente importante quando, nesta Casa, 200 anos depois, ainda há quem queira instaurar castrações químicas, cortes de mãos ou penas perpétuas, quem queira negar ao preso o direito à reinserção social e à recuperação das penas, que é um princípio da dignidade da pessoa humana.
Mais: há quem ainda persista em dúvidas sobre a pena de morte. A esses devemos dizer que não passarão e que estão em contraciclo com a história e com o legado constitucional português que hoje evocamos. Devemos dizer que as suas ideias pertencem ao passado e que, a bem do progresso civilizacional, por lá vão continuar.
Aplausos do PS, do L e do Deputado do PCP João Dias.
Página 5
24 DE SETEMBRO DE 2022
5
O segundo legado é, como afirma o Professor Jorge Miranda, «o sentido precursor das preocupações
ecológicas» patente na atribuição da tarefa de plantar árvores às câmaras municipais. Com os fenómenos climatéricos extremos e as suas consequências à vista de quem as queira ver, quero lembrar, nesta Casa, que o caráter precursor da Constituição de 1820 é especialmente importante não só porque alguns ditos liberais dizem que não existe emergência climática, como também porque vemos câmaras que substituem o verde das árvores pelo cinzento do betão. Além disso, temos um Governo que, Orçamento após Orçamento, insiste na atribuição de borlas fiscais a grandes poluidoras e numa política que pouco faz para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. Em suma, 200 anos depois, as preocupações ecológicas e o combate à emergência climática devem estar no topo da agenda de cada um de nós.
O terceiro legado da Revolução de 1820 foi uma visão progressista e humanista relativamente aos animais. Não posso deixar de evocar Passos Manuel, que nos observa nos Passos Perdidos, pois foi pela sua mão que tivemos a proibição das touradas de morte, e foi pela mão de Borges Carneiro, que está representado no topo desta Sala, que as Cortes discutiram a proibição dos espetáculos tauromáquicos em Portugal, por entenderem, precisamente, há 200 anos, que os espetáculos tauromáquicos eram contrários «às luzes do século e à natureza humana». Disse mais, que era «horroroso martirizar um animal».
Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres Personalidades, na pessoa do Sr. Presidente da República, depois de um tempo de pandemia, de guerra, de inflação, concluo evocando a pergunta colocada por Manuel Fernandes Tomás, numa sessão do Sinédrio, em vésperas da Revolução de 1820: «Ficaremos nós assim ou devemos continuar neste movimento?».
Mais do que evocar com pompa e circunstância a Revolução de 1820 e os 200 anos da Constituição de 1822, devemos lembrar e defender o legado progressista que nos foi deixado e comprometer-nos a usá-lo sempre como bússola inspiradora e norteante do caminho do muito que falta resolver e transformar no presente, para que cheguemos ao progresso civilizacional que nos propusemos alcançar há 200 anos e que tem tardado em ser plenamente conseguido.
Aplausos do PS e do BE. O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Para intervir, em nome do Bloco de Esquerda, dou agora
a palavra à Sr.ª Deputada Joana Mortágua. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,
Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados: Assinalamos o Bicentenário da primeira Constituição Portuguesa que, embora de existência fugaz, teve um enorme valor político, jurídico e histórico. No seu impulso inicial, não concluiu sequer um ano de vigência, mas permaneceu como o princípio do fim do Antigo Regime.
A pintura que encima este Hemiciclo é uma imagem da Constituinte vintista. Esta imagem segue até hoje como bandeira da soberania popular e da igualdade perante a lei. É esse o legado nacional a que nos inclinamos. Podemos ler, na Constituição de 1822: «A Nação é livre e independente, e não pode ser património de ninguém. A ela somente pertence fazer, pelos seus Deputados juntos em Cortes, a sua Constituição ou Lei Fundamental, sem dependência de sanção do Rei.» No artigo 9.º podemos ler: «A Lei é igual para todos.» Tudo isto era profundamente revolucionário, contra a monarquia absolutista e os seus privilégios de casta. Estava mesmo, até às revoluções de 1830, em contracorrente com a Europa da Santa Aliança, restauracionista do absolutismo pós-revolução francesa.
É certo que essa soberania fundada na Nação se reduzia a homens com «renda suficiente», mas não deixa de ser um avanço incomum face a séculos de monarquia e domínio daqueles que estavam acima da lei. Era o produto de um liberalismo que ainda era a «esquerda» da época e, no entender de muitos historiadores, estabeleceu uma «monarquia republicana». A figura real não tinha intervenção substancial nos assuntos públicos e o Parlamento seria o novo trono.
Esta ideia nuclear é recuperada na Constituição de 1838 e abre o caminho à eliminação da monarquia e à instauração da República na Constituição de 1911.
Página 6
I SÉRIE — NÚMERO 42
6
A emergência de uma soberania provinda da cidadania é obra, entre outros, do Sinédrio, que reúne a partir de 1818, no Porto. Um grupo de intelectuais e comerciantes chamou a si o ativismo revolucionário e foram eles que assumiram o poder, com o apoio do exército e de populares, com uma perspetiva de País. Foram eles que idealizaram a Revolução de 1820, depois das pesadas faturas das invasões napoleónicas e do protetorado inglês.
Tinham no próprio nome a mensagem do seu propósito. Sinédrio significa, pelo étimo grego, Assembleia, como esta em que estamos. E, por isso, há que prestar reconhecimento ao mais destacado deles todos, Manuel Fernandes Tomás. Foi o arquiteto do Vintismo e da Constituinte de 1821. Revelou-se na configuração da estrutura da Constituição e no seu catálogo de direitos individuais e gerais.
Mas relevo aqui o que é poucas vezes enaltecido: o facto de ter conseguido que a maioria da Constituinte votasse o alargamento do direito de voto aos homens empregados e não proprietários. Cito Manuel Fernandes Tomás: «O Congresso, privando os trabalhadores de votarem nas eleições, irá pôr a Nação Portuguesa em pior estado do que estava antes de se estabelecerem eleições diretas; por este modo, qualquer cidadão português não gozará do direito mais precioso que o homem pode ter na sociedade, que é o de poder escolher aquele que o há de representar. Se se admite ao rico votar, porque há de ser excluído o que não tem nada?»
Gomes Canotilho situa aqui a origem de uma lei eleitoral de janeiro de 1822, que consagraria um direito de sufrágio tendencialmente universal, apesar de ainda não incluir o sufrágio feminino. Na Carta de 1826, esse tipo de sufrágio universal será afastado em favor do voto censitário, mas o sufrágio universal, sem distinção social nem distinção de género, foi uma longa jornada que começou realmente em 1822.
Quando olhamos para a pintura deste Hemiciclo, de Veloso Salgado, é Manuel Fernandes Tomás que vemos no uso da palavra, mas reparamos também no eclesiástico que presidia aos trabalhos, o Bispo da Bahia. E aí estava a encruzilhada maior: que Brasil?
A Constituição destinava-se a ser a Lei Fundamental do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Essa projeção colonial ainda tinha guarida no Vintismo. O Rei João VI estava no Brasil e fora intimado a aceitar quer o regresso a Lisboa, quer o resultado da Constituinte, o que fez, embora com dissimuladas intenções.
Ainda antes da aceitação formal da Constituição por parte do monarca, a 1 de outubro, o Regente Pedro declarou a independência do Brasil. Era o fim do Reino Unido.
Os Braganças reagiam ao Vintismo não querendo a recolonização do Brasil (entretanto elevado a reino), nem que nele acabasse o poder da aristocracia agrária e da escravatura, o que era a opressão de classe. A independência do Brasil, sobre a qual também passam 200 anos, foi a rejeição do Vintismo.
É certo que a Constituição vintista não estava isenta de culpa; ela admitia implicitamente a existência de escravos nas colónias e do tráfico de escravos em que assentava o sistema económico brasileiro. Mas não é menos certo que a independência do Brasil, apesar de ter sido querida por muitos, inclusive pelos movimentos abolicionistas negros, manteve o poder dos escravocratas.
Esse sentido de independência incompleta seria, 60 anos mais tarde, traduzido por Joaquim Nabuco como «a vontade de unir em uma só legião os abolicionistas brasileiros para apressar, ainda que seja de uma hora, o dia em que vejamos a independência completada pela abolição e o Brasil elevado à dignidade de país livre, como o foi em 1822, à de nação soberana, perante a América e o mundo».
Voltando a Pedro, hoje tão celebrado, dissolveu pouco depois a Constituinte brasileira porque não lhe agradava o liberalismo radical que se perfilava nos representantes do povo brasileiro e outorgou uma Constituição ao Império Brasileiro.
Pedro I do Brasil quis repetir o mesmo processo em Portugal com a imposição da Carta Constitucional, rejeitando o acervo da Constituição de 1822, mas perdeu o poder para a restauração absolutista. Convém lembrar que pode sempre acontecer uma «Vilafrancada» para acabar com as democracias. Note-se, ultrapassando propaganda contrafeita e hoje muito em voga, que Pedro era hostil a quaisquer ideias de soberania popular, e podem crer que o era do coração.
A Constituição de 1838 já não foi outorgada pela Rainha Maria, mas aceite e respeitada pela dita. Pedro não teve outro remédio senão contemporizar com os liberais na guerra civil contra o absolutismo, ou não teria outro meio para ver a sua filha no trono. Contudo, isso significou que, no Portugal europeu, tinha terminado, finalmente, a monarquia de direito divino. Infelizmente, não no Brasil, onde o Império só cairá em 1889, meses depois da abolição da escravatura.
Página 7
24 DE SETEMBRO DE 2022
7
Outros ilustres vintistas deixaram o seu nome na Constituinte de 1821 como Borges Carneiro ou Ferreira Borges. Todos foram precursores da esquerda republicana e do Portugal que somos. O liberalismo radical do século XIX transportou-se para o republicanismo e para o democratismo que haveria de vencer outros momentos de retrocesso em Portugal.
A recuperação das ideias relativas à soberania popular é um desafio sempre atual quando assistimos à emergência de diretórios político-económicos outorgados — e esta é a palavra — por tratados internacionais, sem qualquer decisão direta dos povos.
Prestemos, por fim, um último tributo à memória da Constituição de 1822: ela cria a escola pública para rapazes e raparigas em todos os lugares do território. Esse era o horizonte imaterial mais material que ali ficou de um novo Portugal.
Aplausos do BE, do PS e do PAN. O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Para intervir, em representação do Partido Comunista
Português, dou agora a palavra à Sr.ª Deputada Alma Rivera. A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs.
Membros do Governo, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Ilustres Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Comemoramos nesta sessão 200 anos da primeira Constituição Portuguesa, do constitucionalismo, uma história de avanços e recuos, de anseios do povo português, da sua participação e dos seus direitos conquistados a pulso.
Mas um olhar atento confirma ainda que não é possível fazer andar para trás a roda da história e que o que é inovador passa a caduco, o que é revolucionário passa a conservador, o que é elemento de progresso passa a ser agente de retrocesso. E sempre, sempre as classes depostas na sua dominação procuraram acertar contas e recuperar o poder.
Nascida da Revolução Liberal de 1820, influenciada pela Revolução Francesa, transportando o ideal inovador e revolucionário de confronto com as caducas estruturas políticas, económicas e sociais do absolutismo monárquico, a Constituição de 1822, elaborada por umas Cortes Constituintes predominantemente representativas da burguesia, enquanto classe social ascendente, inscreveu no seu texto os princípios liberais de então: o princípio da soberania nacional (assente na nação e não no rei, por graça divina); o princípio da representação política, com um poder legislativo exercido por uma câmara única, eleita por sufrágio direto e secreto, ainda que fortemente censitário, sem participação das mulheres, dos menores de 25 anos, dos filhos-família a cargo dos pais, dos criados de servir, dos vadios e dos membros das ordens monásticas; o princípio da separação e independência de poderes, segundo a separação clássica entre o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial, vincando a supremacia do legislativo; e a consagração de direitos fundamentais ancorados na ideia de liberdade «de não fazer o que a lei não manda, nem deixar de fazer o que ela não proíbe».
Esta nova organização do poder e os direitos individuais consagrados — de liberdade de expressão, de propriedade, de igualdade perante a lei, a abolição das penas cruéis, a igualdade na admissão a cargos públicos, a ideia de uma instrução mínima para jovens de ambos os sexos —, todos estes direitos contaram com forte oposição da reação absolutista, que não tardou com o golpe da Vilafrancada, visando a restauração do absolutismo monárquico.
A outorga da Carta Constitucional por D. Pedro IV, pondo fim a um período de indefinição constitucional, não podendo apagar a ideia de Constituição e de representação, restaurava a legitimidade constituinte monárquica, conferindo-lhe um poder moderador que anulava os restantes. Este novo texto restringiu em muito o direito de voto para a Câmara dos Deputados, limitando-o aos mais abastados, as eleições passaram a indiretas e foi criada uma Câmara dos Pares de base aristocrática.
A Constituição seguinte, de 1836, apesar de resultar da Revolução de Setembro, em que a ação das massas populares foi decisiva, acabou por ser redigida pelas forças triunfantes oriundas da pequena e média burguesia ascendente, acabando por conciliar aspetos da Constituição de 1822 e da Carta Constitucional.
Novos direitos fundamentais surgiram: a liberdade de associação, a liberdade de reunião e o direito de resistência. Mas o voto, esse, apesar de agora direto, continuava limitado a quem tinha posses. Foi também sol de pouca dura.
Página 8
I SÉRIE — NÚMERO 42
8
Quanto ao povo, permaneceu arredado do poder político, mas não calou a revolta. Da Patuleia à Janeirinha até ao estertor final da monarquia, com a ascensão do movimento operário e do republicanismo, a monarquia soçobrou com a Revolução de 1910.
Com a República, nova Constituição. Mas a base social que a determinou não participou da Assembleia Constituinte e foi assim traída pelo poder republicano, exercido por uma elite de notáveis, liberais e hostis ao movimento operário.
A Constituição de 1911, trazendo importantes progressos, desde logo a abolição da monarquia e dos títulos de nobreza, a separação entre as igrejas e o Estado e a liberdade religiosa, entre outros, não deixou de refletir a sua natureza de classe, recusando, nomeadamente, o direito à greve.
Com a ascensão do fascismo, nova Constituição foi redigida sob a orientação de Salazar. Encenou-se o plebiscito, sem liberdades públicas nem debate de alternativas, de voto obrigatório para os
chefes de família que soubessem ler e escrever, que nem sequer era secreto e em que as abstenções foram contadas como votos a favor.
Foram 48 anos de ditadura fascista, de liquidação das mais básicas liberdades, de feroz repressão sobre quem aspirava a uma vida melhor, mas 48 anos em que o povo lutou e acumulou forças, que desaguaram na Revolução de Abril de 1974.
E é com esse processo revolucionário que se dá algo de absolutamente inovador no nosso constitucionalismo: da Revolução nasce uma Assembleia Constituinte em que este povo teve voz, uma Constituinte em que todos os cidadãos maiores de 18 anos puderam votar, em eleições livres e democráticas, com conversão proporcional de votos em mandatos.
Ao contrário de outras revoluções, a seu tempo inovadoras, Abril foi ao fundo da estrutura económica da sociedade e alterou-a, refletindo na Constituição as conquistas que, nas ruas, nas empresas e nos campos, se alcançavam sempre a pulso, sempre com oposição reacionária.
O que está na Constituição de 1976 veio da força do povo que quis, na sua Lei Fundamental, um projeto de futuro, uma sociedade sem exploração, alicerçada na justiça e na igualdade.
Apesar das várias revisões que a mutilaram, a nossa Constituição, a Constituição, é uma referência comum para todos quantos defendem a liberdade e a democracia, os direitos económicos, sociais, políticos e culturais, o direito ao trabalho, à saúde, à educação, à segurança social e à proteção na doença ou na velhice.
Sem paralelo em anteriores Constituições, estes são direitos de grande atualidade e sentido de futuro que importa cumprir e não deixar sucumbir, como pretendem aqueles que tudo têm feito contra a sua aplicação e que agora os querem riscar, rasgando a própria Constituição.
Num tempo em que se pretende repristinar o liberalismo, revesti-lo de modernidade, é bom lembrar que o que antes era novo é hoje caduco. O que há 200 anos era progresso hoje é um ideal de retrocesso, de aprofundamento de desigualdades e corresponde aos desejos dos que nunca se conformaram com as transformações de Abril e da sua Constituição.
Escreveu o poeta que «só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, a habitação, a saúde e a educação». O resto é história, porque o futuro será sempre construído com a força e vontade de mudança dos trabalhadores e do povo.
Aplausos do PCP, do PS, do BE, do PAN, do L e de Deputados do PSD. O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Para intervir, em nome da Iniciativa Liberal, tem agora a
palavra o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo. O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da
República, Altos Dignitários Civis, Militares, Religiosos, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Ex.mos Convidados: Proponho-vos, a todos, uma viagem no tempo.
Proponho-vos que recuemos até 1822, proponho-vos que tentemos relembrar que País era este em 1822, que ambiente se vivia no dia 23 de setembro de 1822, dia em que, nas Cortes, reunidas não aqui, mas no Palácio das Necessidades, se jurava a primeira Constituição Portuguesa que hoje, aqui, se celebra.
Já agora, proponho-vos que analisemos se há paralelos entre o Portugal de 1822 e o Portugal de 2022. Será que podemos aprender com a história?
Página 9
24 DE SETEMBRO DE 2022
9
Em 1822, Portugal tinha-se livrado, poucos anos antes, de jugos externos: o exército invasor de Napoleão e o exército regente de Beresford. Em 2022, passaram poucos anos desde que nos livrámos, com alívio, da tutela externa da troica, que o PS trouxe para Portugal.
Em 1822, Portugal estava mergulhado numa profunda crise económica e social, com a economia em colapso, de tal forma que muitos questionavam, na altura, a continuidade da nossa independência nacional. Em 2022, Portugal volta a ter a economia estagnada, por via de um PS hegemónico, que não faz ideia de como pôr o País a crescer.
Em 1822, o povo, os comerciantes e os industriais reclamavam da asfixia provocada pelo excesso de tributos. Em 2022, Portugal volta a sofrer da mesma asfixia: bate, todos os anos, recordes de carga fiscal e apresenta, o que é ainda mais grave, uma das mais altas taxas de esforço fiscal da Europa.
Em 1822, Portugal dependia da riqueza que vinha de fora, dos territórios ultramarinos e, em especial, do Brasil. Em 2022, Portugal depende ainda de riqueza que vem de fora — não é gerada por si, mas por outros povos europeus que financiam os fundos estruturais.
É triste constatar a crueza destes paralelos, como se Portugal andasse à procura de um rumo de desenvolvimento há 200 anos. São demasiadas evidências de que não aprendemos com a história.
Esta situação, nos anos 20 do século XIX, era motivo de profunda insatisfação e de desespero generalizado. Era inevitável que algo teria de quebrar ou mudar se Portugal quisesse continuar independente.
Foi um punhado de liberais convictos, liderados por Manuel Fernandes Tomás — que aqui está ilustrado, na luneta de Veloso Salgado —, que, a partir da invicta cidade do Porto, iniciou a Revolução Liberal de 1820, uma revolução que não mereceu sessão solene neste Parlamento.
Não se pode sobrestimar a coragem destes homens do Sinédrio, porque poucos anos antes, exatamente por se oporem ao absolutismo vigente, tinham sido executados o General Gomes Freire de Andrade e mais uma dúzia de mártires da pátria. Os liberais de 1820 sabiam que corriam risco de vida por quererem recuperar a independência nacional e fazer a Corte voltar do Brasil.
Mas, sobretudo, a Revolução Liberal foi um grito contra a tirania das elites aristocráticas, económicas, religiosas e o poder divino e absoluto do rei. A Constituição que a Revolução prometeu elaborar e que hoje, aqui, celebramos seria a formalização do princípio liberal de que o poder pertence às pessoas, à Nação, e não ao rei, ao divino ou ao Estado.
A superior importância da Constituição de 1822 é a de que, pela primeira vez, na história de Portugal, ficava escrito o mais sagrado dos princípios liberais: o poder pertence às pessoas. Por isso mesmo, o texto começa pelos direitos e deveres individuais dos cidadãos.
No artigo 1.º afirma-se que a Constituição tem como objetivo «manter a liberdade, segurança e propriedade a todos os portugueses», que nos traz ecos de John Locke, um dos pais do liberalismo que aqui também aproveito para evocar.
No artigo 2.º, que merece ser citado, diz-se que «A liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que ela não proíbe». Para um liberal, que desconfia de quem manda e não gosta de quem proíbe, esta é uma formulação particularmente bela e ainda com maior significado.
Os artigos 5.º e 6.º estabelecem o direito à propriedade e a dela dispor livremente. O artigo 7.º protege a liberdade de expressão e, também, a responsabilidade pelo uso que dela se faz.
Ao longo do seu texto, a Constituição de 1822 consagra, pela primeira vez, um conjunto de princípios liberais, tais como a separação de poderes, o direito de representação política, ainda que bastante limitado, e o princípio da descentralização, uma defesa do municipalismo, descrito como «O Governo económico e municipal dos concelhos residirá nas Câmaras». Era bom revisitar este artigo 218.º da Constituição da altura.
A Constituição de 1822 só vigorou, inicialmente, por nove meses, mas mudou Portugal para sempre. A sua aprovação abalou irreversivelmente o poder real e a estrutura do Antigo Regime, mas não mudou o aparelho de Estado. Tal como hoje, a verdadeira e duradoura transformação de Portugal depende da modernização e despartidarização da máquina do Estado. Essa transformação, admito, é capaz de demorar mais do que os nove meses e mais, até, do que os três anos que a Iniciativa Liberal leva de presença neste Parlamento.
Aqueles que acham que são donos do 25 de Abril podem achar estranho que eu diga aqui, com alegria, que os liberais não são donos nem da Revolução Liberal de 1820, nem da Constituição de 1822 que dela resultou. Os seus princípios e o seu espírito são herança de todos os democratas.
Página 10
I SÉRIE — NÚMERO 42
10
No entanto, e com a mesma alegria, digo que a Iniciativa Liberal é, sim, herdeira orgulhosa e corajosa do espírito de progresso, de liberdade e de inconformismo contra a hegemonia e a estagnação. Hoje e sempre, para bem de todos.
Não podemos esperar mais 200 anos, nem mais 200 meses, nem mais 200 semanas para voltar a poder dizer que Portugal mudou, que deu um salto em frente, que progrediu e se transformou num país mais liberal, mais uma vez, hoje e sempre, para bem de todos.
Aplausos da IL, de pé. O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Para intervir, em nome do partido Chega, dou a palavra
ao Sr. Deputado André Ventura. O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs.
Membros do Governo, Srs. Convidados, Srs. Deputados, Autoridades Civis, Militares e Religiosas: Hoje, celebramos 200 anos do constitucionalismo português. Hoje, as palavras que ecoam em todos aqueles que, numa fase da vida, se dedicaram a estes assuntos são os limites e os muros contra o poder do Estado.
O que celebramos com o constitucionalismo são as barreiras criadas, desenvolvidas e aplicadas pelos povos, contra os abusos daqueles que lhes queriam tirar todos os direitos. «We, the people», nós, o povo, levantámo-nos e erguemos barreiras para impedir que o Estado nos viesse tirar direitos que são nossos.
Essa seria a história bonita do constitucionalismo, mas não é a história bonita do constitucionalismo português. Seria a história bonita do constitucionalismo teórico e do constitucionalismo que varreu o mundo nos séculos XVIII, XIX e no início do século XX. Mas o constitucionalismo português não tem essa história bonita.
Se o anterior orador, nesta tribuna, disse que queria fazer um exercício histórico, eu também queria, não até 1822 ou 1820, mas até ao dia de hoje, com os portugueses a acompanharem-nos, a seguirem este Parlamento e a perguntarem-se, hoje, em casa: «Que raio estão todos eles ali a fazer? Que coisas estão eles a discutir? Que país, que mundo e que futuro estão ali a discutir, os nossos representantes? Sim, aqueles que foram por nós eleitos, escolhidos por nós, a quem pagamos os salários, estão hoje reunidos numa Câmara plenária a discutir o quê?» — perguntam eles.
Hoje, discutimos, louvamos e agradecemos os limites desse poder e, talvez por isso, muitas das pinturas que temos nesta Casa evocam um dos maiores princípios do constitucionalismo: a separação de poderes. E nunca como hoje essa separação de poderes esteve tão em causa.
Sr. Presidente da República, como principal garante das instituições, como principal garante da nossa democracia, nunca como hoje, na nossa história constitucional, os poderes e a sua separação estiveram tão em causa.
Estiveram em causa quando, ainda este verão, o Governo quis retirar a uma das polícias criminais e ao Ministério Público o controlo que tinha no acesso a informações internacionais. Estão em causa quando o Governo insiste em controlar a investigação criminal ou em usar instituições do Estado contra os seus adversários. Estão em causa quando um ministro das finanças sai e vai para o órgão regulador, o Banco de Portugal. O que diria o juiz do povo João Alves se alguém lhe dissesse, no século XIX, que o ministro das finanças seria, depois, governador do Banco de Portugal?
Mas a separação de poderes fica profundamente em causa quando um Governo com maioria absoluta sente que tudo pode, porque ninguém tem a capacidade de o controlar. Por isso, «We, the people», nós, as instituições, mas também o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, temos este dever fundamental de dizer que, nos 200 anos do nosso constitucionalismo, quando cai a meio de uma maioria absoluta, o Governo não tem todo o poder, o Governo tem de ver limitado o seu poder e que o poder pertence sempre ao povo e nunca àqueles que o detêm num determinado momento.
O princípio da igualdade, que, depois, a nossa Constituição viria a repristinar e a aprofundar, é também uma das conquistas do liberalismo. O que diriam esses homens e mulheres se hoje viessem ao tempo em que estamos, se hoje viessem ao momento que vivemos. Hoje, vivemos num tempo em que a igualdade é ecoada como se fosse um princípio universal, é dita como se fosse quase um dado adquirido para todos e para que todos se sintam com os mesmos direitos, mas sem terem os mesmos deveres. Os portugueses, em casa, sabem do que estou a falar.
Página 11
24 DE SETEMBRO DE 2022
11
Criámos uma República daqueles que acham que têm direito a tudo sem terem deveres nenhuns para com os seus concidadãos.
Criámos a República dos que têm direito a receber todos os dias, mas nunca têm direito a pagar nada, nem a trabalhar.
Esta igualdade, que os liberais não suportavam, devia ser recordada hoje, nesta frase tão liberal: podemos receber, mas também temos de trabalhar para o fazer.
Aplausos do CH. Era bonito que também recordassem estas frases nos dias de hoje, e não frases vazias sobre o que foi a
Constituição de 1822, a Revolução dos Cravos e todo um mundo maravilhoso que se lhe seguiu e que aqueles que nos estão a ver, em casa, sabem que não é verdade.
Podemos sempre contar 1000 mentiras aos portugueses, mas eles sabem que não é verdade, porque sentem-nas todos os dias, na sua vida. Sentem todos os dias aquilo que têm de pagar para ir trabalhar, sentem todos os dias aquilo que têm de sustentar, eles sentem o que é não ter dinheiro para pagar os livros dos filhos, eles sabem o que é não ter dinheiro para o gasóleo. Isto, eles sabem. Em 1822 não sabiam, mas hoje sabem.
Enquanto nos rimos dos portugueses que estão em casa e não conseguem pagar gasóleo, lembrem-se da pergunta que fiz no início: «Que raio estão eles ali a celebrar hoje? Sim, no dia em que eu não consigo pagar as despesas dos meus filhos, que raio estão eles a celebrar? No dia em que não há dinheiro para colocar no sistema nacional de saúde, que raio estão eles ali a celebrar? No dia em que não há dinheiro para dar um aumento digno da inflação aos pensionistas, que raio estão eles ali a celebrar hoje?»
Não nos devemos esquecer desta pergunta, porque não estamos aqui por nenhuma graça divina nem por uma missão histórica, estamos, porque os nossos compatriotas nos elegeram.
Aplausos do CH. Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, o direito de
propriedade foi uma das grandes conquistas do liberalismo. Todos os grandes autores do liberalismo o definem como o centro do pensamento liberal, e nunca como hoje o direito de propriedade foi posto em causa.
Quando temos uma carga fiscal que aniquila metade do rendimento dos portugueses, quando batemos, no ano passado, o recorde histórico de carga fiscal, como é que ninguém chega aqui e diz que, hoje, está em causa o direito de propriedade?! O Governo, ao primeiro contratempo que tem, lança mais impostos sobre os portugueses, tal como os reis faziam, no tempo do absolutismo: sempre que havia necessidade, aplicavam mais impostos sobre as pessoas.
Quando lembramos o liberalismo, devemos lembrar esses que estão aniquilados em impostos, que estão esfolados e já não conseguem pagar mais. «Que raio estão eles ali a celebrar, hoje? Hoje, que não tenho dinheiro para nada mais, o que é que eles estão a celebrar?»
A propriedade nunca esteve tão em causa como hoje. Nunca esteve tão em causa, quando pequenos negócios, pequenos empresários, não conseguem manter-se à superfície, com um Estado que lhes leva tudo e não lhes devolve absolutamente nada, com um Estado que tem uma das maiores cargas fiscais da Europa e que, no ano passado, bateu o recorde bruto de carga fiscal.
Polígrafos à parte, esta é a verdade que os portugueses conhecem, quando se perguntam: «O que é que eles estão a celebrar hoje, na Assembleia da República?»
Sr. Presidente da Assembleia da República, ouvi-o hoje, de manhã, dizer que a liberdade de imprensa era uma das grandes áreas de celebração do liberalismo. E é, a liberdade de opinião, a liberdade de imprensa, de podermos ter escrutínio e acompanhamento. Mas onde é que está essa liberdade de expressão, quando o Governo tenta progressivamente amordaçar aqueles que deviam ter livre opinião?!
Onde é que está a liberdade de opinião, quando alguns órgãos de comunicação social tomam como populistas e mentirosos alguns e como responsáveis e estadistas outros, mesmo se estes últimos são os grandes responsáveis pelo estado em que estamos hoje?
Aplausos do CH.
Página 12
I SÉRIE — NÚMERO 42
12
Onde é que está essa liberdade de opinião e de imprensa que nos tinham prometido e que o liberalismo
procurou salvaguardar, quando numa grande parte da nossa linha de imprensa temos a mesma área política a dominar, a comentar de manhã à noite, enquanto outros, muito mais representativos em votos, são vedados disso?!
O que diria o Coronel Sepúlveda disto? Era interessante saber o que diria do estado a que o País chegou hoje.
Sr. Presidente da Assembleia da República, podemos sempre arranjar desculpas para termos falhado, podemos sempre dizer que o projeto constitucional ainda não se concretizou. Como dizem os nossos companheiros da ala de extrema-esquerda: «falta concretizar-se Abril».
De facto, falta concretizar-se o constitucionalismo português, quando olhamos para ele e para todas as suas aspirações de um país livre, de um país próspero, de um país onde os cidadãos merecessem aquilo que têm, de um país onde os cidadãos tivessem de contribuir mas, ao mesmo tempo, sentissem que o Estado está lá para eles e não para os mesmos de sempre. Falta cumprir-se o nosso constitucionalismo.
Claro que podemos ter sempre desculpas: não se cumpriu por causa da pandemia, não se cumpriu por causa da crise, não se cumpriu por causa de José Sócrates, não se cumpriu por causa da troica, não se cumpriu por causa do Passos Coelho. Podemos sempre dizer isso, mas, mais uma vez, lembrem-se de que quem está em casa sabe porque estamos aqui.
Podemos sempre arranjar desculpas, mas, sabem, um dos grandes homens do constitucionalismo foi Benjamin Franklin. Quando morreu ainda não tinha ocorrido a Revolução Liberal portuguesa, mas ele disse esta frase de que nos deveríamos recordar sempre: «aqueles governantes que são muito bons a arranjar desculpas quase nunca são bons a fazer mais nada.»
A história do constitucionalismo é a história do nosso insucesso e da nossa ineficácia. A história do nosso constitucionalismo é a história, também, do fracasso de Abril e a história do fracasso daquilo que prometemos aos portugueses. Não é o fracasso de nenhum projeto político, é o nosso fracasso enquanto sociedade. Enquanto houver um português, neste País, que não consegue ter condições de vida dignas, falhámos Abril, falhámos o constitucionalismo e falhámos o liberalismo. Enquanto aqueles que nos estão a ver lá fora continuarem a manter a mesma pergunta — «que raio estão eles a celebrar ali?» — é porque falhámos todos, enquanto País.
Podemos dizer o que quisermos, mas a luta por um País melhor não pode parar. Meus amigos, não é certamente nenhuma Constituição que o vai parar, porque é no povo e só no povo que reside a soberania de Portugal.
Aplausos do CH, de pé. O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Para intervir, em nome do Partido Social Democrata,
dou agora a palavra ao Sr. Deputado Alexandre Poço. O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr.as e Srs. Deputados, Autoridades Civis, Militares e Religiosas, Srs. Membros do Governo, Minhas Senhoras, Meus Senhores: Neste mesmo dia, há 200 anos, Portugal dava um dos passos mais importantes da sua história recente.
Se na crise de 1383-1385, também com um forte movimento popular, assegurámos a continuidade da independência portuguesa e em 1640 restaurámos esse nosso direito à independência, há 200 anos, em 1822, os portugueses conquistaram o poder ao absolutismo do Portugal antigo.
Por isso, em boa hora esta Assembleia decidiu assinalar a importância fundamental da Revolução Liberal de 1820, da primeira Constituição Portuguesa e daquilo que simboliza para a edificação do Portugal moderno, facto que merece, do Grupo Parlamentar do PSD, uma saudação calorosa, entusiasta e convicta.
O significado e o sentido da Constituição de 1822, apesar de passarem despercebidos no nosso espaço público, merecem um debate profundo, com mais implicações para o nosso quotidiano do que muitos ousam pensar.
Página 13
24 DE SETEMBRO DE 2022
13
Celebrar as Cortes Constituintes é, acima de tudo, celebrar a ideia fundamental da liberdade, para sempre inscrita na consciência nacional, independentemente de todas as vicissitudes políticas e constitucionais dos últimos 200 anos.
Com a Revolução de 1820 e esta primeira Constituição, Portugal redefiniu-se politicamente como um Estado assente na soberania da Nação — e não do monarca —, base de todos os princípios liberais e democráticos que constituem os alicerces do Portugal moderno. Tratou-se, portanto, de um autêntico movimento de libertação nacional e de refundação do nosso sistema político, económico e social. Hoje, 200 anos depois, podemos dizer que há um antes e um depois de 1822.
A Constituição de 1822, avançada e progressista como era, marcou determinantemente aquela que é, hoje, a nossa democracia representativa e liberal. Apesar dos curtos períodos em que vigorou legalmente, como aqui já foi dito, teve uma influência profunda nas instituições e no direito público, iniciando, em Portugal, na feliz fórmula do Prof. Joaquim de Carvalho, «a organização jurídica da democracia».
Nela ficaram consagrados os princípios da soberania popular, da representação política, da separação de poderes, da igualdade jurídica e do respeito pelos direitos e liberdades pessoais.
A soberania passou a residir, por essência, na Nação, exercida pelos representantes legalmente eleitos, segundo o princípio da separação dos poderes legislativo, executivo e judicial, rompendo, assim, com séculos de absolutismo, que concentrava todo o poder na figura do rei.
É certo, Sr.as e Srs. Deputados, que a temeridade e o progressismo, a novidade e a radicalidade das soluções à época estabelecidas pelos constituintes vintistas despertou naturalmente o impulso para uma reação mais exacerbada das fações conservadoras da sociedade portuguesa, que durante muito tempo rejeitaram violentamente este Portugal moderno, em nome do Portugal antigo.
Mas é também justo afirmar que, a partir de 1822, mesmo nos piores e mais sombrios momentos dos últimos 200 anos, nunca mais se apagou a ideia de que é a Nação que é soberana e é ela, a Nação, que decide quem tem o poder e com que limites se exerce esse poder.
Sr. Presidente da República, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, 200 anos depois, num mundo tão diferente do de 1822, que lições podemos retirar dessa Constituição, dessa data tão distante para os desafios do presente e do futuro?
Podemos focar-nos em vários dos importantes artigos e princípios do nosso primeiro texto constitucional e rapidamente veremos que a sua realização e concretização continua tão urgente como o era outrora. E isto, justamente, para conseguirmos ter um País próspero e desenvolvido, um País que, apesar de tantas ameaças, apesar do tempo de guerra, procura sempre dar qualidade de vida e direitos aos nossos cidadãos.
Esse legado, que é o legado dos direitos e do poder dos cidadãos, pode resumir-se através da mensagem forte, clara e inequívoca do artigo 27.º da Constituição de 1822: «A Nação é livre e independente, e não pode ser património de ninguém.»
Seja por falta de ação dos poderes democraticamente eleitos ou por ação dos poderes fácticos que, à margem das instituições políticas, exercem sobre estas uma excessiva influência, temos mais uma vez de reafirmar, em 2022, que o País não tem donos e que o respeito pelos direitos fundamentais dos portugueses está, hoje, em muitas áreas, em risco ou longe de ser garantido na vida concreta.
200 anos depois, em 2022, uma Nação livre e independente como a que queremos é aquela em que o direito à saúde tem de ser salvaguardado para todos os cidadãos e em que o acesso aos cuidados de saúde é sempre muito mais importante do que estéreis teimosias ideológicas.
200 anos depois, em 2022, uma Nação livre e independente como a que queremos é aquela em que ninguém pode pôr em causa o direito à proteção e à solidariedade social na velhice, seja no presente ou no futuro.
200 anos depois, em 2022, uma Nação livre e independente como a que queremos não hipoteca ou ignora as ambições legítimas das novas gerações de conseguirem construir o seu projeto de vida com qualidade, em Portugal.
200 anos depois, em 2022, uma Nação livre e independente como a que queremos não permite que, ano após ano, importantes partes do território nacional sejam abandonadas e devastadas por incêndios florestais, sem responsabilidades e apesar das constantes promessas.
200 anos depois, em 2022, uma Nação livre e independente como a que queremos não pode permitir o sentimento de captura do Estado por interesses particulares, setoriais ou de corporação, que minam a confiança dos portugueses, que exigem, sim, transparência e um real e efetivo combate à corrupção.
Página 14
I SÉRIE — NÚMERO 42
14
200 anos depois, em 2022, uma Nação livre e independente como a que queremos anseia por um Estado que confie nas pessoas, que acredita na iniciativa privada, que garante que o País não se gere apenas com base no Estado e sempre no Estado, que acredita no potencial de cada português e que, acima de tudo, quer vencer o atraso crónico que condena 2 milhões e 300 mil portugueses a viverem, todos os dias, em situação de pobreza.
200 anos depois, em 2022, uma Nação livre e independente como a que queremos respeita escrupulosamente a separação dos poderes, preserva a liberdade de imprensa, nunca permitindo que uma qualquer maioria conjuntural belisque ou coloque em causa o Estado de direito.
200 anos depois, em 2022, uma Nação livre e independente como a que queremos, seja em que conjuntura for, não tem donos e não é propriedade de ninguém.
Sr. Presidente da República, Sr.as e Srs. Deputados: Poderíamos escolher muitas lições, mas preferimos escolher esta. A lição da Constituição de 1822 é apenas aquilo que, para nós, entendemos hoje evocar. Portugal não é património de ninguém, seja poder público ou privado, seja poder jurídico ou fáctico. Portugal é dos portugueses e da sua liberdade.
Viva a Constituição de 1822, viva a Constituição de 1976, viva Portugal! Aplausos do PSD, de pé. O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Para intervir, em nome do Partido Socialista, dou agora
a palavra ao Sr. Deputado Rui Lage. O Sr. Rui Lage (PS): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs.
Membros do Governo, Ilustres Entidades e Personalidades presentes, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta ocasião em que evocamos o amanhecer do constitucionalismo português é inevitável recuar um instante ao momento da Revolução Liberal de 1820.
Foi, afinal, no seu lume breve que se acendeu a forja das Cortes Constituintes nas quais se moldou a nossa primeira lei fundamental, um documento verdadeiramente inovador, pese embora ter sido, na Europa das revoluções liberais, um fruto tardio.
Se na fórmula do distinto historiador Joel Serrão «é pela fala que todas as revoluções principiam», a primeira palavra dessa fala foi a palavra «liberdade» e foi no Porto que o País primeiramente lhe deu ouvidos. A Revolução Liberal de 1820 deixa-se saborear, por isso, com o picante histórico de ser a nossa única revolução descentralizada que se saldou em triunfo.
Com o nosso primeiro texto constitucional, aprovado há exatamente dois séculos, veio «a livre comunicação dos pensamentos», a separação de poderes, a igualdade jurídico-formal, a extinção da inquisição e a abolição da tortura, o respeito pela liberdade e pela propriedade individuais, um governo representativo e, claro está, o voto por sufrágio universal, ainda que severamente amputado no seu alcance, nesta época.
É dos livros que o projeto oficial, como as suas bases, bebeu copiosamente na Constituição espanhola de Cádis e também na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, apesar de os parlamentares constituintes a quererem apresentar como o restabelecimento de um provecto direito público português, enjeitado e espezinhado pela monarquia, sinal de como na geração vintista se amalgamavam o universalismo enciclopedista e o nacionalismo romântico, tendências que, ainda hoje, medem forças no espaço público, sob outras roupagens.
Devidamente situada no seu tempo histórico, a Constituição liberal de 1822 pode ser lida pelos atuais Deputados da Nação sem estranheza, apesar de aí faltarem muitos dos atributos democráticos atuais.
Na verdade, ela apresentava-se adiantada face ao tempo político nacional, o que explica, em parte, o seu fim precoce. Tal não a impediu de pôr em marcha, num País depauperado e rebaixado, o desmantelamento do Antigo Regime, deslocada a soberania do monarca para o povo e convertidos os súbditos em cidadãos. Com ela, começava a impugnar-se o ciclo de servidão que tolhia o mundo campesino, não obstante ser o produto de uma elite urbana e literata, e atrelava-se a carruagem portuguesa ao comboio da modernidade europeia. Caducado estava, porém, o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e a geração liberal pôde testemunhar o «Brasil liberto», como o celebrou Almeida Garrett, num poema homónimo e premonitório de 1821, e como o celebramos nós, este ano, irmanados com o povo brasileiro.
Página 15
24 DE SETEMBRO DE 2022
15
A geração vintista surge, assim, animada de um espírito constitucional, esse sentimento íntimo que, nas palavras de Manuel Fernandes Tomás, já aqui evocado diversas vezes, «inflama os nossos corações pelo bem dos nossos semelhantes».
O espírito constitucional será talvez o único espiritualismo que se confunde com a própria razão, o que, longe de significar frieza e desafeição, longe de significar abstração inoperante, significa equilíbrio atuante. E é em nome da razão que a democracia constitucional refreia os excessos e regra as paixões do poder político, atravessando-se no caminho do abuso e da arbitrariedade, é em nome dela que encoraja a moderação, que solicita uma ética da discussão e convida a conceber a política como consenso conflitual ou como conflito consensual.
O que poderá ser hoje o espírito constitucional? Um antídoto, se quiséssemos, numa altura em que, em muitas partes da Europa, a separação de poderes afrouxa e o credo iliberal faz caminho. Tempos sombrios que convidam a reconhecermos a fragilidade constitutiva da política e a constatar a possibilidade de uma morbilidade constitucional: as constituições também morrem. E não faltam nações onde os direitos liberais e sociais permanecem indisponíveis, senão mesmo inalcançáveis.
Nas constituições tocam-se o poder constituinte e o poder constituído, a força fundacional e a forma organizacional. Protetoras e prescritivas, elas concorrem para a perenidade de princípios e ideais civilizacionais. Mas o prosseguir e o aprofundar das inovações da nossa primeira lei fundamental, nas Constituições de 1838, 1911 e 1976, revelam que o espírito constitucional é um espírito migrante que é preciso conjurar e amarrar ao chão de cada época histórica. Assim, aos direitos naturais e liberais vieram acrescentar-se os direitos sociais. Foi no húmus do Estado liberal que germinou o Estado social.
Hoje, talvez esse espírito constitucional possa reanimar-se numa crescente socialização da liberdade, isto é, na capacidade de exercê-la, ou possa vivificar a política como «reciprocidade de seres diferentes», na bela expressão de Hannah Arendt, ou conjugar-se na ideia de uma cossoberania, que amplifica as soberanias nacionais e aparece como imprescindível para avançar onde o velho Estado-nação, por si só, já não é capaz.
Uma constituição constitui juridicamente a liberdade que a democracia constitui politicamente. Mas se ela faz de nós cidadãos, também faz de nós associados — dela recebemos e nela pomos o comum, declinado em direitos e deveres. Na formulação do Deputado constituinte Manuel Fernandes Tomás, «o bem de todos é considerado como a felicidade social».
Que viva, pois, o espírito da Constituição de 1822. Aplausos do PS, de pé, do PCP e do L. O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente do Tribunal
Constitucional, Sr.as Ministras e Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, demais Autoridades Civis, Militares e Religiosas, Sr. Representante do Corpo Diplomático, ilustres Convidadas e Convidados, Caras e Caros Concidadãos, Sr.as e Srs. Deputados: Reunimo-nos em Sessão Solene para comemorar o bicentenário da aprovação da Constituição de 1822, elaborada e aprovada pelas Cortes Constituintes eleitas em dezembro de 1820.
Foi a primeira Constituição portuguesa, elaborada e aprovada por Deputados escolhidos, pela primeira vez, em eleições gerais, que estabeleceu, ainda pela primeira vez, a noção de cidadania, a soberania da Nação, o regime de liberdades individuais e os princípios do governo representativo. São motivos de sobra para que a Assembleia da República, sob o impulso do Presidente Ferro Rodrigues, tenha decidido realizar um programa de comemorações, coordenado pelo Prof. Guilherme d’Oliveira Martins, aqui presente, a quem agradeço a dedicação benévola e cumprimento pelos resultados.
Aplausos do PS, do BE e do L e de Deputados do PSD e da IL. Este cumprimento é naturalmente extensivo aos demais membros da comissão organizadora e aos serviços
competentes do Parlamento. O programa comemorativo assenta em quatro eixos fundamentais. O primeiro é o incentivo ao estudo da
nossa história constitucional e parlamentar, bem como das circunstâncias políticas e institucionais que a
Página 16
I SÉRIE — NÚMERO 42
16
marcaram, através da organização ou apoio a colóquios e conferências científicas e da encomenda de obras a historiadores e juristas de indiscutível competência.
O segundo eixo é a promoção do conhecimento público, quer através da edição de tais obras, quer através da divulgação dos factos e protagonistas, por via de espetáculos teatrais, concertos, documentários e exposições, das quais destaco a que hoje mesmo será inaugurada, neste edifício.
O terceiro eixo é constituído por iniciativas de preservação e consagração memorialística, na toponímia, na filatelia ou na lapidária, de que me permito singularizar a próxima evocação da realização das Cortes Constituintes no local em que decorreram, o Palácio das Necessidades.
O quarto eixo é o que agora nos reúne: a comemoração institucional e solene da Constituição e do constitucionalismo.
Já em 1921 o Congresso da República se tinha reunido em sessão solene, então para assinalar o centenário da primeira reunião das Cortes Constituintes de 1821. Comemora agora a Assembleia da República os 200 anos da aprovação da Constituição que essas Cortes elaboraram, e é simples justificar a similitude das iniciativas: o alvor do liberalismo político em Portugal é evocado pelos seus mais diretos e legítimos herdeiros, a I República e o Estado Democrático. E, por isso, não é apenas a Assembleia da República que homenageia os constituintes do Vintismo, mas todos os órgãos de soberania — o Presidente da República, o Governo, os Tribunais —, que nos honram com a sua presença, assim como o conjunto da sociedade portuguesa.
A evocação que realizamos é um ato institucional e político. A determinação da factualidade dos acontecimentos de 1820-1823, a sua explicação no contexto nacional e internacional, a elucidação dos seus efeitos e consequências, tudo isso é matéria de história e trabalho de historiadores, que devem fazê-lo em total liberdade intelectual, sem nenhum constrangimento ou orientação exógena. A nós cabe-nos, outrossim, refletir sobre os laços que nos unem à primeira Constituição portuguesa e ao regime que ela inaugurou. Cabe-nos, com os olhos de hoje, revisitar o passado que, estando na genealogia do presente, nos pode ajudar a compreender melhor este nosso presente e o que podemos e devemos fazer dele.
Sugiro que o façamos, para sermos breves e concisos, do ponto de vista definido pelos dois artigos iniciais da Constituição que nos rege, a de 1976. Esses artigos caracterizam a República Portuguesa como um Estado soberano, baseado na dignidade humana e na vontade popular; como um Estado de direito democrático, respeitador e garante dos direitos e liberdades fundamentais, assente no pluralismo de expressão e organização e na separação e interdependência dos poderes; uma democracia empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa. Este é o Estado português, segundo a nossa Constituição Portuguesa de 1976.
Deste ponto de vista, torna-se óbvio o que devemos ao primeiro constitucionalismo liberal: devemos-lhe a ideia de soberania nacional, o princípio representativo, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, a igualdade perante a lei, a emergência de um Parlamento com poderes próprios e legitimação eleitoral, o direito de petição. Em suma, a passagem de súbditos a cidadãos. Isso, estabelecido numa Constituição escrita, elaborada por constituintes eleitos pelos cidadãos, marca uma formidável rutura com o Antigo Regime e o início de uma conceção liberal da comunidade política que é, em todos estes aspetos, a nossa.
Nesse sentido, sim, nós, os democratas da Constituição de Abril, somos politicamente liberais; a nossa democracia é uma democracia liberal; o liberalismo político oitocentista está na matriz do que hoje somos, como regime representativo, pluralista, ancorado na liberdade e nos direitos civis.
Fomos, todavia, mais longe, e acrescentámos outros caminhos. Por um lado, fomos mais longe no caminho que o Vintismo abriu, mas de que só percorreu os primeiros
lanços: porque abolimos o que na monarquia remetia para formas antigas de legitimidade e exercício de poder; porque depois estendemos a legitimidade eleitoral a todos os órgãos políticos de soberania; porque desenvolvemos e clarificámos a separação de poderes; porque estendemos a liberdade ao direito de reunião e associação; porque evoluímos na igualdade civil; porque avançámos na laicidade; porque valorizámos a descentralização política; porque robustecemos as garantias jurídicas.
Por outro lado, fomos também por caminhos que o liberalismo não quis trilhar. Fomos pelo caminho da democracia política propriamente dita, baseada, como diz a Constituição de 1976, no «sufrágio universal, igual, direto, secreto e periódico», na não discriminação, na plena liberdade religiosa, na multímoda participação dos cidadãos e das forças sociais na tomada de decisão política. E fomos pelo caminho da democracia económica, social e cultural, honrando o trabalho e os trabalhadores, almejando a igualdade de oportunidades, a
Página 17
24 DE SETEMBRO DE 2022
17
solidariedade e a justiça, quer dizer, escolhendo a democracia comprometida com a redução das desigualdades, a coesão social e o bem-estar.
Aos nossos olhos de hoje, a realização integral das promessas contidas no primeiro liberalismo político passa pela rutura com o seu entendimento restritivo das liberdades e direitos, que os limitava aos direitos e garantias civis e restringia os direitos políticos a uma pequena parte da população, e passa pelo desenvolvimento dos direitos humanos na sua interdependência e indivisibilidade, como direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais. Democracia, pois.
Passa ainda pela contenção do programa liberal no que ele implicava a interdição da intervenção do Estado na esfera económica e social e a recusa de instituições reguladoras dos mercados. Nesse sentido, se a nossa democracia é liberal na dimensão política, é-o por redundância, porque não há democracia pluralista que não seja liberal. Mas é uma democracia social, ou socialmente avançada, ou de forte cunho social, como se quiser dizer, e essa, sim, é uma diferença essencial com o liberalismo vintista.
A relação entre a Constituição de hoje e a sua antepassada de 1822 é, portanto, marcada no que importa aos respetivos conteúdos por aproximações e por distâncias. Há, porém, na perspetiva propriamente política, uma continuidade que sobreleva tal tensão, e é pelo seu sublinhado que gostaria de concluir.
A Revolução Liberal de 1820 e a Constituição de 1822 inscrevem-se de forma particularmente evidente na corrente da história portuguesa que combateu pela liberdade contra a intolerância, pela razão contra o fanatismo, pela igualdade contra o regime de privilégios e exclusões, pela representação contra a autocracia. Uma corrente que nasceu antes e existiu depois das Cortes Constituintes, que foi perseguida e derrotada nos vários momentos de reação absolutista, que venceu a Guerra Civil e estabeleceu as bases do regime liberal. Uma corrente que se bateu pela consideração de Portugal «na balança da Europa», como escrevia Garrett, pela instrução e formação cívica, pela afirmação de um espaço público, pela modernização económica e social, pelos direitos pessoais.
Essa corrente percorreu todo o século XIX e, no século XX, sofreu a pulsão antiliberal e autoritária do Estado Novo. Essa corrente só veio a afirmar-se plena e duradouramente com a democracia. Por isso, sim, Fernandes Tomás, Ferreira Borges e Borges Carneiro, como Almeida Garrett, Mouzinho da Silveira, Passos Manuel, Sá da Bandeira e tantos outros, sim, são nossos. Com eles partilhamos o amor à liberdade, a aversão a escolásticas, ortodoxias e fanatismos, o combate a censuras e inquisições, a recusa de privilégios e discriminações, a crença no progresso, a rejeição da submissão e o compromisso com a cidadania. E é também isto que hoje, aqui, celebramos.
Aplausos do PS e do L, de pé, do PSD e do BE. O Sr. Presidente da República vai, agora, usar da palavra. O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa): — Sr. Presidente da Assembleia da República,
Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, Srs. Membros do Governo, demais ilustres Convidados, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Excelências: Bem haja, Sr. Presidente, pelo convite para usar da palavra na celebração dos 200 anos do nosso constitucionalismo contemporâneo, no exato dia em que passam dois séculos sobre a aprovação da Constituição de 1822. Assim dá a Assembleia da República simbólica continuidade à iniciativa da evocação dos 200 anos de liberalismo em Portugal, dois séculos volvidos sobre a Revolução de 24 de agosto de 1820, iniciativa de um antecessor de V.ª Ex.ª, saudando eu, na pessoa do Sr. Prof. Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, todos quantos animaram esta justa evocação nacional.
Excelências: Celebrar 200 anos do nosso constitucionalismo contemporâneo é assinalar a rutura constitucional na substituição da monarquia absoluta, na sua feição de pós-despotismo iluminado, por uma monarquia legitimada pela soberania nacional antes de o ser pela soberania popular. É ainda acentuar a exigência de Constituição escrita e não consuetudinária, consagrando a separação de poderes, os direitos, liberdades e garantias pessoais e políticos dos cidadãos, já não súbditos perante o poder concentrado no rei.
Destes e de outros traços — como os respeitantes a um império da lei, à legalidade da atividade administrativa, à independência dos tribunais, ao próprio processo de revisão constitucional —, aquele que mais avulta e importa é o do primado da liberdade, trazido pela segunda vaga racional de cunho individualista e pelo
Página 18
I SÉRIE — NÚMERO 42
18
liberalismo económico associado à então crença num mercado para a consecução do ótimo coletivo, mas na verdade ao ascenso da burguesia mais comercial do que industrial.
Celebramos, pois, hoje e aqui, a liberdade e um passo decisivo, corajoso, arrojado, para o arranque de um longuíssimo e atormentadíssimo percurso da sua afirmação na sociedade portuguesa.
Excelências: Disse «longuíssimo e atormentadíssimo percurso» e assim foi na própria história constitucional, porque, após a Constituição de 1822, conhecemos a brevíssima Constituição de 1838 e a duradoura, mas sucessivas vezes revista, Carta Constitucional de 1826. E as promessas de 1822 tiveram de sofrer e esperar décadas, tal como valores da Constituição de 1911 conheceram o efémero da sua vigência e lhe sucederia a Constituição antiliberal, antidemocrática e antipartidária de 1933. Isto no plano constitucional, já que, no da realidade legislativa e dos factos, ditaduras inúmeras interromperam quer a monarquia constitucional, quer a I República, de tal modo que, para muito português, melhor dizendo, para a esmagadora maioria dos portugueses, a liberdade só surgiria em plenitude a partir de 1976, com a democracia.
Por outras palavras, o haver uma Constituição escrita, por si só, nada garante. A Constituição pode ser antiliberal e antidemocrática e encobrir um poder absoluto, ou porque ela própria para isso expressamente aponta, ou porque simula ser o que não é, na chamada constituição semântica, permitindo que a sua aplicação subverta princípios fundamentais que alegadamente se propunha salvaguardar. Assim foi com a Constituição da ditadura até 1974.
Excelências: O essencial é, porém, interrogarmo-nos como foi possível que as promessas de 1822, circunscritas que fossem, por exemplo, no sufrágio limitado, na visão colonial, na total incompreensão do futuro imediato do Brasil, sofressem tanto e por tanto tempo e a liberdade anunciada, e hoje celebrada, com elas sofresse durante mais de 150 anos.
A resposta parece simples: é impossível construir a liberdade sem quem a defenda. Sem liberais, numa primeira fase, e sem democratas mais tarde, quando visível ficou que liberdade pessoal e política, e mesmo económica, só para alguns — porque a desigualdade prevalecia e o próprio voto exprimia essa desigualdade —, não é verdadeira liberdade. Dito de outra forma, é extremamente difícil construir a liberdade com a oposição militante de amplíssimos setores sociais ou de restritos setores, mas dotados de efetivo poder político.
Foi assim largamente numa parte da vida da monarquia constitucional, com o legitimismo absolutista maioritário no País rural então dominante como que a passar à clandestinidade, nunca deixando de contestar o constitucionalismo que se queria liberal. Continuaria a ser assim com os herdeiros desse legitimismo monárquico, no franquismo, no pimentismo, no sidonismo e no salazarismo.
Mas não será que esses herdeiros desapareceram nos quase 50 anos de vigência da Constituição de 1976? Admitamos que boa parte se foi circunscrevendo com o cair dos anos, ficando sempre a nostalgia do passado, do passado político, económico e social, interno ou passado imperial.
É, todavia, uma ilusão pensar-se que não podem surgir novos tropismos antiliberais ou antidemocráticos, que uns chamarão democráticos e iliberais, ou mesmo autoritários, e, por isso, não liberais. É olhar para tanto do que se passa no concerto das nações: as crises internas e externas com projeção interna, as obsolescências, as fragilidades, as incompetências, as injustiças, as pobrezas, as desigualdades — as velhas, renovadas ou acalentadas, e as novas — alimentam saudosismos, mas, sobretudo, alimentam apelos de caminhos, os mais diversos, em que liberdade e democracia podem vir a valer menos do que temor, securitarismo e autoritarismo.
Aplausos do PS, do PSD, do BE e do PAN. A liberdade, tal como a democracia, ou é construída todos os dias, ou é enfraquecida todos os dias. E não é
suficiente, contra isso, bramar com palavras, com proibições, com diabolizações, com exclusões. Palavras são importantes, mas, se só palavras, leva-as o vento.
Ou a realidade do dia a dia dos cidadãos, das pessoas, é feita de passos de progresso e de justiça — mesmo se com altos e baixos, em especial em tempos de pandemias, de guerras ou de crises económicas —, passos de efetiva justiça e igualdade, ou liberdade e democracia não avançam, recuam.
Ou os poderes públicos, mais os principais protagonistas políticos, económicos e sociais, dão um constante exemplo de vida, de humildade, de proximidade, de responsabilidade e de solidariedade, ou liberdade e democracia não avançam, recuam.
Página 19
24 DE SETEMBRO DE 2022
19
Excelências: Esta é a grande lição dos 200 anos de constitucionalismo em Portugal. Mais do que celebrar por celebrar o que se viveu há dois séculos, o que efetivamente cumpre é não repetir os erros, as omissões, os atrasos e os retrocessos do passado, e reter neles aquilo que foi portador de esperança e de futuro.
Queremos mais e melhor liberdade e democracia? Então, que todos nós — a começar em todos nós, eleitos do povo, sem exceção — tentemos fazer de cada dia um dia de avanço, um dia de inspiração pessoal e nacional, para que o povo nosso eleitor nunca caia na tentação de preferir a ditadura à democracia, o autoritarismo à liberdade, os messianismos ou os sebastianismos à livre e soberana vontade popular.
Aplausos do PS, do PSD, do BE e do PAN. Queremos comemorar 200 anos da Constituição de 1822 e do constitucionalismo em Portugal? Então, que
nós todos juntemos a esta sessão solene, dia após dia, gestos, decisões, momentos não solenes mas tão ou mais importantes do que os momentos solenes, genuínos, corajosos, arrojados, de liberdade e de democracia — toda ela, a política, a económica, a social, a cultural, a ambiental —, sempre a pensar em todos, mas todos os portugueses, ou seja, a pensar em Portugal.
Aplausos do PS, do PSD e do L, de pé, da IL, do PCP, do BE e do PAN. O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Está encerrada a Sessão Solene Evocativa da
Aprovação da Constituição de 1822, que se realiza no âmbito das Comemorações do Bicentenário do nosso Constitucionalismo.
Eram 11 horas e 30 minutos. A Banda da Guarda Nacional Republicana executou, de novo, o hino nacional, que foi cantado, de pé, pelos
presentes. Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.