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Sexta-feira, 31 de março de 2023 I Série — Número 108
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
REUNIÃOPLENÁRIADE30DEMARÇODE 2023
Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Diogo Feijóo Leão Campos Rodrigues Helga Alexandra Freire Correia
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 7
minutos. Deu-se conta de um parecer da Comissão de
Transparência e Estatuto dos Deputados relativo à assunção do mandato, a título definitivo, de um Deputado do PSD, por efeito da renúncia ao mandato de outro Deputado do PSD.
Foi anunciada a entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 687/XV/1.ª e 689/XV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 574/XV/1.ª e 575/XV/1.ª
Em declaração política, o Deputado Jorge Galveias (CH) refletiu sobre o ano decorrido desde a tomada de posse dos Deputados à Assembleia da República na presente
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Legislatura, tendo feito uma apreciação negativa de vários indicadores de vida dos portugueses.
Em declaração política, o Deputado Rui Rocha (IL) falou sobre a habitação, tendo analisado os programas apresentados pelo Governo e criticado a falta de concretização de promessas. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Márcia Passos (PSD), Pedro Anastácio (PS), Bruno Nunes (CH), Inês de Sousa Real (PAN), Rui Tavares (L), Paula Santos (PCP) e Pedro Filipe Soares (BE).
Em declaração política, o Deputado Manuel Loff (PCP), ao lembrar o Congresso da Oposição Democrática, realizado em abril de 1973 em Aveiro, sublinhou o papel central do PCP na luta contra a ditadura e apelou à preservação da democracia em Portugal. De seguida, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados João Cotrim Figueiredo (IL), Pedro Pinto (CH), Pedro Delgado Alves (PS), Rui Tavares (L), Joana Mortágua (BE) e Fernando Negrão (PSD).
Em declaração política, a Deputada Joana Mortágua (BE) começou por saudar os trabalhadores da Lusa que se encontram a fazer greve e chamou a atenção para a luta contínua dos trabalhadores da educação, considerando ser uma lição de coragem, de democracia e de persistência. Posteriormente, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Agostinho Santa (PS), Sónia Ramos (PSD) e Alma Rivera (PCP).
Em declaração política, o Deputado Hugo Costa (PS) referiu-se às Jornadas Parlamentares do PS, que ocorreram nos dias 27 e 28 de março, em Tomar, e destacou o investimento deste Governo no distrito de Santarém, em áreas como a saúde, a educação, o ensino superior, a ferrovia, o ambiente e a habitação, contribuindo, desta forma, para o seu desenvolvimento. Respondeu, de seguida, a pedidos de esclarecimento dos Deputados João Moura (PSD), Pedro dos Santos Frazão (CH) e Carlos Guimarães Pinto (IL).
Em declaração política, o Deputado Jorge Paulo Oliveira (PSD) lamentou o estado de degradação em que se encontram as Forças Armadas portuguesas, tendo enumerado um conjunto de ocorrências recentes que, na sua opinião, atentam contra a imagem de Portugal e resultam da desresponsabilização do Governo e da falta de investimento em equipamentos e recursos humanos. Respondeu, seguidamente, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Diogo Leão (PS), Gabriel Mithá Ribeiro (CH), João Dias (PCP), Joana Mortágua (BE) e Rodrigo Saraiva (IL).
Seguiu-se a discussão da Petição n.º 14/XV/1.ª (Francisca Meleças de Magalhães Barros e outros) — Urgência em legislar no sentido da conversão do crime de violação em crime público, em conjunto com a apreciação, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 59/XV/1.ª (BE) — Consagra os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência como crimes públicos (quinquagésima quinta alteração ao Código Penal), 513/XV/1.ª (CH) — Altera a legislação penal no sentido de atribuir maior proteção às vítimas de crimes sexuais, 599/XV/1.ª (PAN) — Consagra a natureza pública dos crimes de violação e outros crimes contra a liberdade sexual, procedendo à alteração do Código Penal, 671/XV/1.ª (IL) — Consagra os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência como crimes públicos, e 681/XV/1.ª (PS) — Reforça a proteção das vítimas de crimes contra a liberdade sexual, alterando o Código Penal e a Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais. Proferiram intervenções os Deputados Joana Mortágua (BE), Pedro Pinto (CH), Inês de Sousa Real (PAN), Patrícia Gilvaz (IL), Cláudia Santos (PS), Mónica Quintela (PSD), Rui Tavares (L), Alma Rivera (PCP) e André Ventura (CH).
O Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 26 minutos.
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O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados.
Temos quórum e todos os grupos parlamentares estão devidamente representados, pelo que podemos iniciar
os nossos trabalhos.
Eram 15 horas e 7 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público. Muito obrigado.
Solicito à Sr.ª Secretária da Mesa Maria da Luz Rosinha o favor de ler o expediente.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Muito obrigada, Sr. Presidente, muito boa tarde a todas e a
todos.
Passo a dar conta, desde logo, de um parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados,
que se refere à substituição de um Deputado do PSD, por renúncia ao mandato:
«Gustavo de Sousa Duarte (círculo eleitoral da Guarda) renunciou ao mandato a partir do dia 29 de março
de 2023 […].
1. O Sr. Deputado tinha o seu mandato suspenso nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º, da alínea d)
do n.º 2 e do n.º 1 do artigo 5.º, com efeitos a partir do dia 1 de outubro de 2022, inclusive, e por um período de
seis meses, ou seja, até 1 de abril de 2023, período durante o qual foi temporariamente substituído por João
José Pina Prata (PSD).
2. Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão agora dispõe, verificou-se que o candidato não
eleito indicado, João José Pina Prata (PSD), é realmente o candidato seguinte que deve assumir o mandato,
agora a título definitivo, conforme lista apresentada a sufrágio no concernente ao respetivo círculo eleitoral.»
O Sr. Presidente: — Pode continuar, Sr.ª Secretária.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Continuando, informo que deram entrada na Mesa, e foram
admitidos, os Projetos de Lei n.os 687/XV/1.ª (PCP) e 689/XV/1.ª (BE), que baixam à 8.ª Comissão, e os Projetos
de Resolução n.os 574/XV/1.ª (PCP) e 575/XV/1.ª (IL), que baixam à 11.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado.
Vamos, então, iniciar a nossa ordem do dia, cujo primeiro ponto são declarações políticas.
Para proferir a declaração política em nome do Grupo Parlamentar do Chega, dou a palavra ao Sr. Deputado
Jorge Galveias.
O Sr. Jorge Galveias (CH): — Ex.mo Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é a intervenção que eu não queria
fazer e que desejava que nunca fosse preciso ser feita, mas, infelizmente, ela é necessária.
Faço-a por imperativos éticos e morais, no respeito pela dignidade de Deputado da Nação, dando sentido à
confiança do voto popular.
Faço-a também em nome das gerações mais novas e das futuras, pois elas vão cumprir Portugal.
Fez ontem um ano que todos tomámos posse, e quero aqui recordar aos meus Colegas Deputados que
nenhum tem mais legitimidade democrática que outro, independentemente da bancada em que esteja sentado.
Aplausos do CH.
Todos fomos eleitos pelo povo, pelo que a nossa legitimidade emana apenas do povo e de mais ninguém.
Aquele que, de entre nós, se esqueça disso ou pense o contrário revela um de dois comportamentos: ou
desconhece o que é um regime democrático ou é um ditador em potência.
Por isso, a dialética entre oposição e Governo, que o Sr. Presidente desta Assembleia defendeu nas últimas
Jornadas Parlamentares do PS, deve ser promovida com os 230 Deputados e não apenas com 218,…
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!
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O Sr. Jorge Galveias (CH): — … caso contrário não há qualquer dialética parlamentar, apenas monólogos
ou diálogos previamente concertados nos corredores do politicamente correto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a pergunta que faço a cada um de vós é simples: passado um ano da nossa
tomada de posse como Deputados da Nação, a vida dos portugueses melhorou?
Portugal vive uma das maiores crises da sua história milenar. O tempo que somos chamados a viver é o
presente e as soluções não podem ser adiadas, ou a fatura das nossas más decisões será paga pelas gerações
futuras.
A crise que vivemos, mais do que uma crise económica e social, é uma crise de valores e de homens de
caráter. Quando um Estado promove a corrupção, a subsidiodependência, a destruição da sua história e da sua
cultura, o ataque à propriedade privada, o ataque à família e a morte como cultura, significa isso que esse povo
está prestes a viver num regime marxista, ao estilo da Venezuela.
Srs. Deputados: Portugal tem hoje 4,5 milhões de pobres; nos últimos tempos, mais de 750 000 jovens
fugiram da miséria para procurarem melhores condições de vida fora de Portugal; a taxa de desemprego é de
7,1 %, um novo máximo desde 2020; temos uma taxa de natalidade das mais baixas da Europa; temos uma
taxa de inflação de 8,6 %; temos o colapso total da saúde, com urgências a fechar.
Aliás, este caos na saúde foi o responsável por mais 6135 mortes no último ano. E o que fez esta Assembleia?
Chumbou uma comissão parlamentar independente, proposta pelo Chega, para avaliar o aumento da
mortalidade em Portugal.
Temos, por parte deste Governo, o maior ataque contra a classe média e contra as famílias, ao impor a maior
carga fiscal de sempre, e temos a maior dívida pública de sempre, com mais de 272 mil milhões de euros.
O aumento da carga fiscal, com o respetivo aumento da receita cobrada aos portugueses, levou a que este
Governo arrecadasse mais 3,4 milhões de euros do que estava orçamentado. Mas, desses 3,4 milhões, o
Governo apenas disponibilizou 2,5 milhões de euros para os apoios recentemente apresentados.
Srs. Deputados, a isto chama-se roubo! Cada vez mais, os portugueses clamam por um novo Zé do Telhado,
que tire a Costa e a Medina para distribuir por quem trabalha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a minha idade e o meu percurso de vida permitem-me ter uma visão
desapaixonada da realidade e, por isso, posso dizer, em liberdade, que a minha geração e as que se seguiram
falharam. Os partidos do sistema falharam. Vocês falharam!
Aplausos do CH.
Em 2015, depois do resgate da troica, António Costa desrespeitou a vontade do povo português: em vez de
dar a mão à direita democrática, fez o que Mário Soares não fez em 1975.
Em junho de 1975, no famoso Comício da Fonte Luminosa, Soares disse «sim» à democracia, juntando-se
a Francisco Sá Carneiro, contra o comunismo de Vasco Gonçalves. Já António Costa, em 2015, fez o oposto e
deu a mão à esquerda radical e antidemocrática, ou seja, ao Partido Comunista e ao Bloco de Esquerda.
O Sr. André Ventura (CH): — Ora aí está!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!
O Sr. Jorge Galveias (CH): — Esta aliança deu início ao maior ataque contra a liberdade e contra a
propriedade privada realizado em Portugal, desde os tempos do PREC (Processo Revolucionário em Curso).
Aplausos do CH.
Olho para esta Assembleia e vejo que o partido que ocupa a maioria dos lugares desta Câmara não
representa a maioria do povo português — 77 % dos portugueses não votaram PS! Esta maioria absoluta não
passa, nas ruas, de uma minoria totalitária, ruas em que, como nos tempos do PREC, todos os dias vemos
manifestações e greves.
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Ao ver esta Assembleia eleger para seu Presidente um Sr. Deputado que apoiou Otelo Saraiva de Carvalho,
que, como sabem, foi fundador da organização terrorista FP 25 (Forças Populares 25 de Abril), e, por outro lado,
chumbar a minha eleição como Vice-Presidente, sendo eu um democrata e militar de Abril, exilado no Brasil por
não cumprir uma ordem dada em mão por Otelo, não consigo compreender esta democracia.
Aplausos do CH.
Estes factos mostram a fraqueza e falta de coragem deste órgão, um órgão que elege a hipocrisia política,
em desfavor da democracia.
Mas o povo é sereno, e a esperança de um novo amanhecer já se avizinha. Em 2019, o povo elegeu André
Ventura e, em 2022, elegeu 12 Deputados do Chega, pelo que me atrevo a dizer, como gritei muitas vezes: hoje
somos muitos, amanhã seremos milhões!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!
O Sr. Jorge Galveias (CH): — O fim do socialismo está por dias, e, com ele, o fim da corrupção e do
clientelismo. Salvar Portugal é o desígnio do Chega.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Jorge Galveias (CH): — Dizia Gandhi: «Primeiro ignoram-te, depois riem de ti, depois atacam-te, mas,
no fim, tu vences.» Por Portugal, Deus, pátria, família, trabalho e liberdade!
Aplausos do CH, com Deputados de pé.
O Sr. Presidente: — Para proferir a declaração política em nome do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal,
tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rocha.
O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo de sete anos, o Governo de António Costa
lançou programas, planos, intenções, medidas, propaganda, em matéria de habitação.
Ao fim de quase oito anos de governação, foram lançadas dezenas de programas em matéria de habitação,
e quase nos podemos atrever a dizer que houve mais programas do que existem casas disponíveis em Portugal.
Vozes da IL: — Muito bem!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Deixo três exemplos dos resultados desses programas e iniciativas de António
Costa.
Quatro meses depois de assumir a governação, em 2016, António Costa prometeu 7500 casas, no âmbito
de um programa que prometia investir 1400 milhões de euros. Srs. Deputados, o resultado desse programa
anunciado por António Costa foi zero casas! Zero casas, Srs. Deputados, foi o resultado dessa medida que
António Costa apresentou, com enorme propaganda.
Vejamos o exemplo das camas da rede pública destinada ao ensino superior. Havia 15 000 camas em 2018
e António Costa prometeu, nessa altura, proporcionar, disponibilizar, mais 12 000 camas aos estudantes
portugueses. No ano letivo de 2021-2022, havia 15 340 camas disponíveis. Ou seja, esse plano extraordinário
de António Costa resultou em mais 340 camas, Srs. Deputados, mais de 11 500 camas a menos do que aquilo
que tinha prometido, uma execução da promessa inferior a 3 %.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
O Sr. Rui Rocha (IL): — António Costa prometeu também que, em 2024, por altura da comemoração dos 50
anos do 25 de Abril, todos os portugueses teriam uma casa condigna. É mais uma promessa que não vai estar
em condições de cumprir, é mais uma promessa falhada de António Costa aos portugueses.
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Aplausos da IL.
Agora, em desespero, António Costa apresenta o PowerPoint Mais Habitação — aliás, há de estar a ser
apresentado, neste momento —, que vai incorporar um ataque claro ao mercado de arrendamento, com
consequência de menor disponibilidade de casas para arrendar em Portugal, um ataque cerrado à propriedade
privada e a liquidação da atividade do alojamento local (AL).
Comecemos pelo congelamento de rendas, Srs. Deputados. O congelamento de rendas não funciona, nunca
funcionou, nem aqui nem em qualquer outra parte. A consequência do congelamento de rendas é sempre menos
oferta no mercado de arrendamento e menor investimento na manutenção das casas, prejudicando a qualidade
da oferta.
Ainda ontem, Srs. Deputados, o Ministro Fernando Medina disse que não faz sentido avançar com a fixação
de preços, porque ela não funciona. Assim, pergunto aos Srs. Deputados do PS: se a fixação de preços não
funciona, como é que acham que vai funcionar o congelamento de rendas?
Aplausos da IL.
Falemos do arrendamento coercivo. António Costa, agora, em fuga, vem dizer que o arrendamento coercivo
já existia. Mas, ó Srs. Deputados, ou já existia e não faz sentido trazê-lo outra vez para a situação que temos
hoje, ou não existia e aquilo que estão a trazer é, de facto, uma novidade.
Vem dizer também que há muitas exceções, que o arrendamento coercivo se aplica a poucos casos. Bom,
Srs. Deputados, de facto, deve aplicar-se a poucos casos, porque, ainda na semana passada, perguntámos ao
Primeiro-Ministro a quantos se ia aplicar, quantas casas ia trazer para o mercado esta medida, e ninguém nos
soube responder. Presumo que sejam mesmo poucos.
Mas o ponto não é essencialmente esse. O ponto é: para poucas soluções, porque é que se introduz falta de
confiança no mercado? Porque é que se assusta as pessoas? Para que é que se faz um terrorismo legislativo,
como aquele que se prepara ainda hoje?
Aplausos da IL.
Mais, Srs. Deputados, estamos a falar de uma medida que é inconstitucional, porque o princípio da
proporcionalidade também é um princípio constitucional. Por isso, onde está a moral? Onde está a legitimidade
do Estado para atacar a propriedade privada, quando tem milhares de prédios devolutos que não são
disponibilizados como habitação para os portugueses?
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Falemos também da questão da consulta pública nesta matéria, Srs. Deputados.
Houve uma consulta pública e toda a gente se pronunciou contra a medida do arrendamento coercivo — o
Presidente da República, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, todos se pronunciaram. Pergunto:
para que serve uma consulta pública, quando todos dizem que não faz sentido avançar com esta medida e o
Governo insiste, do alto da sua maioria absoluta, com total arrogância, em aprovar essa medida na mesma?
Aplausos da IL.
O Primeiro-Ministro António Costa, em matéria de arrendamento coercivo, é como o condutor que vai em
contramão na autoestrada: todos o avisam, mas o Primeiro-Ministro não só não inverte a marcha como ainda
apita, incomodado por aqueles que o estão a avisar. Não é admissível! Isto vai ser uma catástrofe em Portugal.
Aplausos da IL.
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Falemos do alojamento local, Srs. Deputados, e da narrativa que se procurou instalar, de que os investidores
e proprietários de alojamento local são especuladores que têm lucros astronómicos e uma voracidade sem
limites.
Qual é a verdade, Srs. Deputados? A verdade é que são pequenos empresários, pequenos investidores; são,
muitas vezes, pessoas que perderam o seu emprego e encontraram no alojamento local a possibilidade de
continuarem a ter uma vida autónoma; são pessoas que não dependeram do Estado, que criaram o seu
emprego, que dão emprego a muitas outras pessoas e que alimentam muitas famílias em Portugal.
Só que, agora, António Costa quer liquidar essa atividade,…
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
O Sr. Rui Rocha (IL): — … e apresenta até uma contribuição extraordinária baseada no rendimento
presumido, não no rendimento real, que pode, inclusivamente, resultar em que seja tirado aos proprietários de
alojamento local mais de 100 % da rentabilidade da sua atividade. Srs. Deputados, isto tem um nome, chama-
se «confisco», e viola o princípio da capacidade contributiva previsto na Constituição.
Aplausos da IL.
A mensagem que é dada ao alojamento local, Srs. Deputados, é uma mensagem terrível. A quem apostou,
a quem arriscou e a quem se endividou para ter uma atividade económica diz-se hoje, em Portugal, que o melhor
é não fazer nada, mais vale estar quieto, porque, se António Costa estiver em dificuldades, pode ficar sem a sua
atividade e, de um momento para o outro, sem a sua fonte de rendimento.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Felizmente não vivemos nesse país!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Srs. Deputados, no dia em que entrar em vigor esta legislação, a Iniciativa Liberal
avançará com uma queixa nas instâncias europeias, porque não é possível violar desta maneira o princípio da
liberdade de prestação de serviços. Portanto, estaremos ao lado do alojamento local, na luta contra esta
barbaridade jurídica que António Costa se prepara para aprovar.
Aplausos da IL.
Para terminar, Srs. Deputados, António Costa disse-nos, aqui há dias, que preferia as funções de fazer e não
as de falar, falar, falar. É verdade que, até agora, durante quase oito anos, o que António Costa fez, em matéria
de habitação, foi falar, falar, falar e, para continuar a fazer aquilo que se prepara para fazer, mais valia, Srs.
Deputados, que se mantivesse a falar e não a executar.
Aplausos da IL.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem sete pedidos de esclarecimento. Peço, desde já, a máxima
contenção nos tempos regimentais. Responde a três primeiro e a quatro depois?
O Sr. Rui Rocha (IL): — Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Para o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra, em nome do Grupo
Parlamentar do PSD, a Sr.ª Deputada Márcia Passos.
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Rocha, em boa
hora trouxe a Iniciativa Liberal esta declaração política, e em boa hora, muito concretamente, no que respeita
ao tema do arrendamento coercivo, ou arrendamento forçado, como lhe queiram chamar.
O Sr. Primeiro-Ministro, há dias, aqui, nesta Casa, não falou verdade aos portugueses, quando invocou um
diploma de 2014 — era Primeiro-Ministro o Dr. Pedro Passos Coelho — e disse que foi nesse diploma que
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nasceu o arrendamento forçado. É triste constatar esta situação, e é ainda mais triste porque estamos a falar de
um Primeiro-Ministro que é jurista e que, certamente, não teve sequer o cuidado de ler a norma na íntegra.
Aplausos do PSD.
Diz a norma, Srs. Deputados, o seguinte: «Os edifícios e as frações autónomas objeto de ação de reabilitação
podem ser sujeitos a arrendamento forçado, nos casos e nos termos previstos na lei.» O Sr. Primeiro-Ministro
esqueceu-se foi de ir ver qual é a lei, que nasceu no ano 2000 — era Primeiro-Ministro António Guterres.
Aplausos do PSD.
Essa é a primeira vez que se fala de arrendamento compulsivo em Portugal, sendo que a expressão
«arrendamento forçado» aparece apenas em 2009 — Srs. Deputados, era Primeiro-Ministro José Sócrates.
Aplausos do PSD.
Portanto, se vamos falar de paternidade, a paternidade do arrendamento forçado é do Governo do Partido
Socialista.
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.
Mais, Srs. Deputados, é tão grave isto, quanto dizer que a medida é exatamente a mesma, porque não é.
Quer em 2000, quer em 2009, tendo sido reiterado em 2014,…
Vozes do PS: — Ah!
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — … o que está por trás desta medida é a necessidade de reabilitação de
prédios que estão altamente degradados,…
Aplausos do PSD.
… pondo em risco a segurança de quem lá vive e de quem passa na praça pública, ou seja, a segurança
pública. Nada tem que ver com o arrendamento forçado proposto agora no pacote Mais Habitação,…
O Sr. Luís Gomes (PSD): — Muito bem, é isso mesmo!
Protestos de Deputados do PS.
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — … que quer ir buscar preferencialmente as casas que estão em pleno estado
de conservação.
Portanto, ainda bem, em boa hora o PSD apresentou as suas medidas num modelo completamente diferente.
Assim, pergunto-lhe, Sr. Deputado Rui Rocha, se a Iniciativa Liberal está disponível para acompanhar o novo
caminho para a habitação que o PSD propôs.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a
palavra o Sr. Deputado Pedro Anastácio.
O Sr. Pedro Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, bem, a primeira pergunta que queria
fazer à Iniciativa Liberal tem a ver com o seguinte: de facto, existe uma crise de oferta, mas existe sobretudo
uma crise de oferta acessível, e só é possível fazer esse caminho através do reforço da oferta pública.
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Por isso, pergunto à IL se tem trocado correspondência com os Governos dos países liberais com que se
relaciona apelando a que revertam o seu parque público. Pensemos na Holanda, que tem 27,8 % de parque de
apoio público.
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Tem rendas controladas?
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Fala de Portugal!
O Sr. Pedro Anastácio (PS): — Perante as posições que tem, pergunto se a IL escreveu ao Governo
holandês dizendo: «Alienem todo este parque, porque nós queremos uma solução como em Portugal, com 2 %,
com a crise que temos.» É esta a resposta de mercado em que a IL acredita?
Aplausos do PS.
Quero ir ao alojamento local.
Primeiro, vejo que hoje têm uma bancada medalhada.
O orador apontou para os autocolantes colados na lapela dos Deputados da IL, com a frase «Matar o AL é
matar o turismo».
Confesso que, pensando em algumas freguesias de Lisboa, achei que os Srs. Deputados traziam um
autocolante da dieta que é necessário fazer em alguns sítios.
Risos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Fala do País!
O Sr. Pedro Anastácio (PS): — Mas, sobre o AL, creio que a IL, como se foca mais na comunicação do que
nas propostas, não percebeu que a proposta do Governo sobre o AL é feita sobre uma lógica liberal.
Vejamos, explico porquê: quando se introduziu a possibilidade de as autarquias locais regularem o
alojamento local, o que é que as autarquias locais passaram a poder fazer? Passaram a poder fazer
contingentes. Quando fizeram contingentes, o que é que introduziram? Os senhores são bons nestes conceitos:
escassez. Perante a escassez, o que é que aconteceu nas chamadas «zonas de contenção absoluta», em que
não entra mais nenhum? Os novos alojamentos locais que entraram nesta posição de mercado passaram a ter
uma licença por tempo determinado, ao passo que as anteriores têm uma licença indefinida, ou seja, o mercado
funcionou até aqui numa lógica de first come, first served.
Pergunto se é este o modelo que a Iniciativa Liberal defende, ou se esta é mais uma demonstração de que,
na verdade, o que a Iniciativa Liberal defende, quando se trata de economia de mercado, é rendas para uns e
posições de privilégio para outros.
Aplausos do PS.
Por isso, pergunto se o Sr. Deputado está disposto a rever a sua posição e a conhecer a legislação, no
sentido de ir ao encontro deste harmónio liberal.
Quanto ao PSD, vemos que ainda não conseguiu fazer um debate contemporâneo em muito tempo e, sem
surpresas, conseguiu meter José Sócrates neste debate. Não surpreende, a Casa está habituada, é só mais
uma demonstração.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD e contraprotestos do PS.
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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Já se sabe que vocês não gostam, mas têm de se aguentar. É a vida!
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a
palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, boa tarde.
Ouvimos agora a intervenção do Sr. Deputado do Partido Socialista Pedro Anastácio, que falou de oferta
acessível a preços baixos. Sabe, o Partido Socialista já fez isso há uns anos, quando António Costa, Presidente
da Câmara Municipal de Lisboa, implementou duas medidas que foram fundamentais para o Estado abarracado
da habitação que temos hoje em dia.
Vou-lhe explicar. Uma das medidas chamava-se «Reabilita Primeiro Paga Depois». O que é que acontecia?
Para o atual Sr. Primeiro-Ministro chegar ao final do ano e dar lucro e excedente orçamental na Câmara
Municipal, decidiram vender ao desbarato todos os imóveis em Lisboa, imóveis esses que os proprietários só
pagavam depois de os reabilitarem e de os terem a ser vendidos. Sabe a que é que isto deu origem? Deu origem
a uma bolha imobiliária tremenda, especulação imobiliária de que eleitos de outras bancadas beneficiaram.
O «Reabilita Primeiro Paga Depois» tem tido, no entanto, uma consequência interessante, que tem vindo a
público, no que tem a ver também com a habitação municipal. Nas câmaras socialistas, aquilo que vai
acontecendo na habitação municipal são, de facto, arrendamentos acessíveis.
Sabe como é que há arrendamentos acessíveis? Os titulares dos contratos com as câmaras municipais não
são, em grande parte, quem ocupa as casas. Quem lá está usa as casas para fazer arrendamento ilegal, que
está na mão de máfias nos bairros sociais.
O Sr. Jorge Galveias (CH): — Muito bem!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Por isso, atualmente, quem de facto precisa de casa e não a pode pagar não
consegue entrar nessas casas, porque estão lá aqueles que não precisam e que utilizam o dinheiro que recebem
do Estado para outros fins, eventualmente para mobilidade.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ora aí está!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Portanto, o Partido Socialista sempre teve uma grande dificuldade em gerir
parque de habitação. Vai gerindo, ao longo dos anos, a confusão, que se percebe que é dantesca, na forma
como fazemos tudo isto.
Sr. Deputado Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, a nós não nos interessa só o alojamento local, interessa-nos
toda a crise na habitação. Podíamos também trazer um crachá, mas achámos que não era interessante e que
hoje não era o dia.
O que gostaria de saber, de uma vez por todas, é se querem ou não aquilo que nos têm criticado. Não
queremos saber se a casa tem bidé ou não tem bidé. O que queremos saber é se estão dispostos a pedir nas
instâncias próprias que seja feito um levantamento sério — sério! —…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — … sobre as casas que são do Estado e que não estão a ser utilizadas por quem
tem o contrato com as câmaras municipais, o que, atualmente, vai alimentando máfias que gerem os bairros
sociais.
Pergunto também se estão dispostos a que se faça um levantamento do processo ruinoso que foi feito no
«Reabilita Primeiro Paga Depois» e, inclusive, de quem foram as entidades privadas que beneficiaram com isso.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rocha.
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O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Presidente, começaria por agradecer à Sr.ª Deputada Márcia Passos, do PSD,
o teste de ADN (ácido desoxirribonucleico) que fez ao arrendamento coercivo, revelando, de facto, uma
evidência: a de que o arrendamento coercivo é a cara do PS.
Vozes da IL: — Muito bem!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Portanto, sobre a paternidade destas ideias não temos nenhuma dúvida.
Agora, é evidente aquilo que referiu sobre as possibilidades de arrendamento coercivo já previstas na lei
existirem para questões bem diferentes daquilo que resultaria de uma aplicação dos termos previstos neste
pacote, ou PowerPoint, Mais Habitação.
Portanto, sobre isso, o PS está a tentar fazer uma mistificação com um conjunto de questões já existentes,
que não são as mesmas, procurando descalçar a bota do buraco em que se meteu com esta questão do
arrendamento coercivo, o que também não é novidade.
Respondendo, depois, à sua pergunta, a Iniciativa Liberal está totalmente disponível, não só em matéria de
habitação, para um novo caminho, que é o novo caminho de que Portugal precisa,…
Vozes do PS: — Oh!
O Sr. Rui Rocha (IL): — … porque, de facto, a solução socialista chegou ao fim. Estamos disponíveis para
novas soluções, para um novo caminho.
Aplausos da IL.
Logo que o PowerPoint Mais Habitação foi apresentado, fiz este desafio ao PSD, mas queria lançá-lo outra
vez. Dissemos que, se não fosse de outra maneira, desafiaríamos o PSD para uma fiscalização sucessiva da
constitucionalidade destas mesmas normas, portanto, fica aqui o desafio nesse sentido. Gostaríamos muito que
o PSD nos acompanhasse e viabilizasse essa fiscalização sucessiva.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Quanto à intervenção do Deputado Pedro Anastácio, do PS, há uma coisa que
talvez valesse a pena decidirmos definitivamente, pois há sempre estas imputações de interesses, de coisas
mais ou menos nebulosas.
Sr. Deputado, não lhe vou falar de Bernardo Trindade, ex-Secretário Nacional do PS, que é agora Presidente
da Associação de Hotelaria de Portugal, mas, se quiser falar de interesses, podemos pôr a conversa nesse
domínio.
Vozes da IL: — Muito bem!
O Sr. Pedro Anastácio (PS): — Isto não é uma conversa de café!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Não lhe vou fazer isso, mas peço-lhe que também tenha a correção de trazer uma
discussão política e que não esteja sempre a atirar interesses.
Depois, falou de freguesias de Lisboa, e esse é um problema que o PS vai tendo. De facto, o PS só se
concentra em freguesias de Lisboa, não vê a totalidade do problema, e essa é uma outra questão.
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Exatamente!
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
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O Sr. Rui Rocha (IL): — Depois, no que diz respeito ao modelo holandês, talvez valesse a pena fazer uma
pesquisa um bocadinho mais profunda no Google, ou utilizar mesmo o ChatGPT, para perceber o que é o modelo
holandês de cooperativas privadas, etc.
Risos do Deputado da ILRodrigo Saraiva.
Agora, uma coisa que não defendemos é, de facto, que se faça habitação pública, ou política pública de
habitação, à custa dos senhorios, como se faz em Portugal, e à custa de um enviesamento do mercado de
arrendamento, que tem consequências nefastas e faz com que não haja oferta para as pessoas que precisam
de habitação. Isso nunca faremos, Sr. Deputado.
Vozes da IL: — Muito bem!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Por último, Sr. Deputado Bruno Nunes, relativamente às questões do património do
Estado, queria recordar-lhe que aquilo que fazemos, sim, através dos nossos autarcas, é pedir e exigir
informação sobre toda a afetação do património do Estado, tendo, aliás, apresentado aqui uma medida concreta,
que permite identificar o património do Estado e pô-lo ao serviço da população, em termos de habitação para
arrendamento.
Portanto, é esta a nossa posição. Não temos, de facto, uma visão de fogo de artifício, temos uma visão de
medidas concretas, e é essa que continuaremos a apresentar aos portugueses.
Aplausos da IL.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Inês de
Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Rocha,
relativamente ao pacote de habitação — e agradecemos à Iniciativa Liberal por trazer este tema a debate —, o
PAN já teve oportunidade de criticar as propostas apresentadas pelo Governo, porque, sobretudo a matéria do
arrendamento coercivo, nos parece manifestamente um esbulho à propriedade privada e uma política do «faz o
que eu te digo, mas não faças o que eu faço». O mesmo se diga em relação ao alojamento local, pois achamos
que não olha para a realidade de todo o território.
Há, de facto, medidas que são fundamentais do ponto de vista do arrendamento, como é o caso do
levantamento de todo o património imóvel do Estado para o colocar em arrendamento, mas também são precisas
soluções, e o PAN já trouxe a esta Assembleia algumas propostas muito concretas, que, para grande espanto
nosso, a Iniciativa Liberal não acompanhou.
Quando ouvimos, há pouco, com atenção, o Sr. Deputado falar, quase parecia, assim de repente, que tinha
estado ao lado dos jovens quando, por exemplo, o PAN apresentou uma iniciativa que visava a concessão do
regime bonificado aos mais jovens, algo que vigorou até 2011, porque não podemos ter apenas um paradigma
em que dizemos aos jovens «podes arrendar uma casa, mas não podes comprar». Ora, o que é que a Iniciativa
Liberal fez? Votou contra.
Apresentámos também uma iniciativa que visava uma linha de financiamento e de apoio extraordinário para
as famílias, uma proposta sensata, que dizia às famílias que não tinham de se remeter apenas ao arrendamento
e que, num contexto tão grave de aumento das taxas de juro, teriam também o apoio do Estado nesta medida.
O que é que a Iniciativa Liberal fez, mais uma vez? Votou contra.
Mais, tivemos ainda uma medida que visava um regime excecional para não permitir a execução do despejo,
neste contexto que as famílias estão a viver. É que, Sr. Deputado, as famílias não vivem de pins na lapela —
aliás, pins na lapela há muitos —, vivem de apoios, e o Estado social deve servir para isso mesmo.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Pins? Aquilo é um autocolante!
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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Bem sei que a Iniciativa Liberal diaboliza o Estado social de direito,
mas não podemos esquecer que, neste contexto de crise, tem de haver uma harmonia entre a oferta pública, a
iniciativa privada e, como é evidente, os apoios sociais do Estado.
Por isso, Sr. Deputado, em que é que ficamos? No pacote que o PAN aqui trouxe, a Iniciativa Liberal mostrou
bem de que lado está, que não é, certamente, o dos jovens e das famílias. Portanto, pergunto se, no pacote que
diz que vão apresentar, vão repescar algumas destas matérias ou se, uma vez mais, vão continuar a colocar-se
ao lado dos grandes interesses, nomeadamente os bancários ou imobiliários, porque o dos jovens e das famílias
não é, certamente.
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, em nome do Livre, tem a palavra o Sr. Deputado
Rui Tavares.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, boa tarde a todas e a todos.
Sr. Deputado Rui Rocha, creio que muita gente concorda — e eu também, certamente — que é preciso
construir mais habitação em Portugal, e a Iniciativa Liberal tem focado nisso o essencial da sua proposta sobre
a habitação.
A primeira pergunta que gostaria de lhe fazer é: quanta mais habitação considera ser necessário construir?
São 26 000 fogos, como dizia o Governo há algum tempo, ou — vamos pôr um número mais redondo — 100 000
fogos?
Isto leva-nos a uma segunda pergunta: qual acha que é o mercado potencial para compra de casas em
Portugal? Por alto, podemos dizer, talvez: a classe criativa dos Estados Unidos, que tem procurado muito casa
em Portugal — 60 milhões de pessoas; a classe alta brasileira — umas dezenas de milhões de pessoas; indo
por aí afora, a classe média alta global — cerca de 700 milhões de pessoas; e também outro tipo de pessoas
que, legitimamente, procuram casa em Portugal, para as quais o Livre quer que o País seja um país aberto.
Temos 1000 milhões de pessoas. Se construirmos 100 000 casas em Portugal, que percentagem deste
mercado potencial é que leva essas 100 000 casas? Eu digo-lhe: não é 1 %, não é 0,1 %, é 0,01 %!
Portanto, daqui, a Iniciativa Liberal tem de se decidir.
Defende que se construam casas para um parque público? E a pergunta é: que tamanho acha a Iniciativa
Liberal que um parque público deve ter em Portugal? É 24 %, como na Áustria? É 30 %, como nos Países
Baixos? É 60 %, como em Viena? Ou seja, olhemos para países que têm o mesmo problema que o nosso, mas
têm uma solução que o nosso não tem.
Ou defende que o mercado resolve e que há direitos irrestritos de propriedade e, portanto, não vê que, se
construirmos 100 000 casas para os primeiros 0,01 % do nosso mercado potencial, depois, teríamos de construir
outras 100 000 para os seguintes 0,01 %? Então, nesse caso, diga-nos quantas mais, depois das primeiras
100 000 e das outras 100 000, teríamos de construir até enchermos o País de casas para as pessoas que cá
vivem, que cá trabalham, que cá estudaram e que precisam de casas para elas.
Como é que resolve esta quadratura do círculo sem um parque público forte?
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. Rui Tavares (L): — Já agora, deixo uma última pergunta, para terminar. Um bairro como Santa Maria
Maior, perto daqui, tem 50 % de alojamento local, pelo menos. A pergunta é simples: acha pouco?
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Rocha, perante os
crescentes problemas que vivemos na habitação, no nosso País — dificuldades no acesso à habitação; famílias
e jovens que, perante os custos especulativos com a habitação, não conseguem encontrar uma casa; famílias
que, hoje, têm casa, são arrendatários ou têm crédito à habitação e vivem com o coração nas mãos, porque não
sabem se vão continuar a conseguir cumprir com as suas obrigações, face ao aumento do custo com a habitação
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—, perante esta realidade, que exige respostas concretas para garantir, efetivamente, o direito à habitação e
para que ninguém fique sem casa, não ouvimos, da parte da Iniciativa Liberal, uma única solução.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Aliás, aquilo que depreendemos da sua intervenção é que não vale a pena a
população, os trabalhadores, as famílias esperarem da Iniciativa Liberal qualquer solução, porque não terão
nenhuma solução para o seu problema.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Muito bem!
O Sr. João Dias (PCP): — Não se importam com eles!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Ouvimo-lo falar muito sobre a defesa dos interesses daqueles que têm
especulado com a habitação, tornando-a uma mercadoria, quando o que a nossa Constituição refere é que a
habitação é um direito que tem de ser assegurado para todos.
A verdade é que andam entretidos a discutir o arrendamento coercivo para desviar as atenções daquilo em
que todos estão de acordo.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Tivemos aqui intervenções, poderíamos até dizer, inflamadas a propósito do
arrendamento coercivo, mas, no que toca à questão da atribuição de novos benefícios fiscais àqueles que têm
especulado com a habitação — estamos a falar da banca, estamos a falar dos fundos imobiliários, estamos a
falar dos grandes proprietários —, não ouvimos nada da parte da Iniciativa Liberal.
Aliás, esta discussão tem servido bem para esconder a convergência no que é central relativamente a esta
discussão, a convergência entre o PS, o PSD, a Iniciativa Liberal e o Chega.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — O Chega?! Não!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Isto revela bem aquelas que são as opções políticas, mas também o acordo,
entre todos, para a atribuição de novos benefícios fiscais.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — O PCP é que deu a mão ao PS!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Para isso, naturalmente, não contam com o PCP. Aquilo que é necessário
neste momento, Sr. Deputado, é aumentar a oferta pública de habitação.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Construam!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Aquilo que é necessário neste momento é revogar uma lei que só penaliza
os inquilinos. Aquilo que é necessário neste momento é pôr a banca e os seus lucros a pagar o aumento das
taxas de juro, para proteger o direito à habitação. Mas ficou claro que, para isso, as populações, as famílias e
os trabalhadores não contam com a Iniciativa Liberal.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.
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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rocha, há uma freguesia em Lisboa
que tem quase 70 % — vou repetir o número: quase 70 % — de habitações em alojamento local. E eu pergunto-
lhe se acha isso bem.
Não estou a falar de um mega-hotel, de um mega aparthotel, de um resort ou sequer de um conjunto de
resorts que ocupe todo o espaço de uma freguesia.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Olha o Robles!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Estou a falar de habitações que, durante décadas, serviram para a
população desta cidade, cumpriram a função habitacional, eram o coração e a imagem da cidade, eram a sua
identidade, e, hoje, quase 70 % delas são alojamento local.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — E o alojamento da Catarina Martins é onde?
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Foi isso que o Sr. Deputado veio defender? É isso que acha aceitável
que aconteça? Ou isto tem de ter algum limite? O Sr. Deputado acha que 70 % chega ou não chega? Devia ser
80 %, 90 % ou até 100 % de alojamento local?
Enquanto isso, por exemplo: quem lá vivia é expulso, despejado, porque não tem dinheiro para as rendas;
os estudantes que queriam e precisavam daqueles espaços para viver, por estarem deslocados e precisarem
de estudar, não têm dinheiro para pagar o quarto; os jovens que se querem emancipar não têm dinheiro para
pagar as rendas habitacionais; e as famílias que querem iniciar outros modelos de família, outras fases da sua
vida, não se podem emancipar e ficam agarradas a relações do passado, porque não conseguem sair de casa
por não terem dinheiro para pagar a habitação.
O Sr. Deputado dirá: «Bem, mas uma coisa não tem a ver com a outra! A IL só cá veio falar do alojamento
local.» Pois, Sr. Deputado, mas esse é o primeiro erro da sua intervenção. É que a crise que o País enfrenta
não é a crise do alojamento local, é a crise da habitação, e um dos problemas é o excesso do alojamento local.
Não precisamos, neste debate, que o PS venha dizer à Iniciativa Liberal que é pouco liberal, ou que a
Iniciativa Liberal venha dizer ao PS «os liberais somos nós». O que percebemos é que não é a procura do melhor
aprendiz do liberalismo que vai resolver este problema. O mercado é o problema! Foram o mercado, as regras
do mercado, o lucro abusivo do mercado que transformaram a habitação num elemento de especulação
financeira, e, enquanto não mexermos nisso, não há direito à habitação. É negado todos os dias o direito à
habitação.
Pergunto, Sr. Deputado: como é que fica a tal classe média que a IL tanto gosta de citar nesta Assembleia?
Ou a IL aceita que nem a classe média nem as classes mais baixas possam viver nos centros das cidades? É
essa a proposta da IL? Considera a IL que os centros das cidades são só para os ricos?
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Os gajos do Bangladeche ficam lá! E os do Nepal também!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Considera a IL que os centros das cidades são só para o turismo? E
onde é que ficam as pessoas, Sr. Deputado? Onde é que ficam as famílias?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rocha.
O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN, quero dizer-lhe que, de
facto, temos uma visão muito diferente daquilo que são as políticas viradas para os jovens.
A Sr.ª Deputada fala de apoios, de dependência, de todo esse universo de questões. A Iniciativa Liberal tem,
a propósito disso, uma visão completamente diferente. O que queremos são jovens — e, já agora, portugueses,
todos — perfeitamente autónomos, que veem o seu trabalho reconhecido, que têm uma compensação justa do
seu trabalho, que têm um País que cresce economicamente, que é coisa que não acontece até à data, e que
não têm nenhuma carga fiscal que os impede de ter autonomia.
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Portanto, temos, de facto, Sr.ª Deputada, uma visão completamente diferente…
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
O Sr. Rui Rocha (IL): — … e a nossa é a da autonomia dos jovens e, já agora, dos portugueses em geral.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Deputado Rui Tavares, mais uma vez, temos uma visão diferente da que terá,
seguramente, mas nem sequer consigo perceber os números que trouxe.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Oh, nem ele! Sabe lá ele!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Queria recordar-lhe que, nos últimos 27 anos, Portugal foi gerido cerca de 20 ou 21
pelo Partido Socialista, ou seja, ainda temos alguma atratividade, de facto, para os estrangeiros, mas não estou
a ver que esta gestão do Partido Socialista faça com que um sétimo da população mundial queira vir para
Portugal.
O Sr. Rui Tavares (L): — A pergunta foi qual é o tamanho do debate público!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Portanto, somos 8000 milhões no mundo. O Sr. Deputado fala de 1000 milhões que
podem vir para Portugal. Não percebo.
O Sr. Rui Tavares (L): — Quantas casas é preciso fazer?
O Sr. Rui Rocha (IL): — Mas queria dizer-lhe, Sr. Deputado, se me permitir, que, neste momento, a ocupação
de habitação por estrangeiros, em Portugal, andará na ordem dos 10 % ou 12 %. Os fogos que são vendidos a
estrangeiros serão para 10 % ou 12 %.
Não queria mesmo — porque já basta quem tenha essas abordagens, e ainda há pouco vimos como as têm
— que se começasse a colocar um anátema sobre os estrangeiros,…
O Sr. Rui Tavares (L): — Não é um anátema! Quais são as soluções?
O Sr. Rui Rocha (IL): — … relativamente à questão de virem, nuns casos, roubar os empregos dos
portugueses e, noutros casos, as casas dos portugueses. Não acho que esse seja o discurso que se deve ter.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
O Sr. Rui Tavares (L): — Qual é o tamanho do debate público?
O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Deputado, se me permitir que responda, a visão da Iniciativa Liberal é muito
clara: a falta de habitação resolve-se construindo habitação.
Como dizia alguém, é fazer as contas. Se tínhamos 700 mil fogos que entravam no mercado regularmente e
agora temos 100 mil, a diferença entre aquilo que estava a entrar e aquilo que está, neste momento, a entrar
tem, obviamente, a dimensão daquilo que falta.
O Sr. Rui Tavares (L): — É 0,05 %?
O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, o Sr. Deputado, mais uma vez, faz aquilo que é,
enfim, uma coisa comum nas abordagens do Bloco. Pega num caso que é o de uma freguesia de Lisboa — que
tem 70 % —, recordando até que, em Lisboa já há contenção à regulamentação, e, a partir desse caso de Lisboa,
o Sr. Deputado considera que é justo, que é sensato e que é adequado pôr em causa a atividade que envolve,
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neste momento, dezenas de milhares de famílias. Isso não é adequado. O Sr. Deputado pega num caso e quer
extrapolar desse caso, para liquidar o alojamento local.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Responda! Mas acha bem?!
O Sr. Rui Rocha (IL): — Isso é inadmissível, Sr. Deputado. Não se pode liquidar uma atividade económica
porque há uma freguesia de Lisboa que o preocupa a si.
Aplausos da IL.
Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP, relativamente às questões que pôs, queria fazer-lhe uma e apenas
uma pergunta, que é a seguinte: com tanta preocupação com a habitação, quando é que os senhores põem o
terreno da Quinta da Atalaia à disposição dos portugueses, para construir habitação?
Aplausos da IL.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Ah, é isso que tem a dizer?!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Querias!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Afinal estão todos de acordo!
Protestos da IL.
O Sr. Presidente: — Passamos, agora, à declaração política do PCP. Para a proferir, logo que haja
condições, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Loff.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Afinal, querem mesmo esconder o acordo que todos têm!
O Sr. Manuel Loff (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aveiro, abril de 1973. Há praticamente
50 anos, milhares de ativistas das várias forças da resistência e da oposição democráticas, em Portugal,
desafiaram a ditadura fascista implantada havia quase outros 50 anos e reuniram-se no Congresso da Oposição
Democrática.
Aplausos do PCP, do PS, do BE e do L.
Eram comunistas, republicanos, socialistas, católicos progressistas, democratas de várias correntes de
opinião e até militares, já então envolvidos no Movimento dos Capitães, que, depois de meses de debates,
convergiram em Aveiro, a cidade dos congressos republicanos de 1957 e 1969, para consensualizar aquele que
seria o último grande programa da democratização que a oposição democrática produziria, antes do 25 de Abril.
Aveiro de 1973 foi várias coisas ao mesmo tempo. Foi a demonstração da capacidade de superar muitas
divergências e saber representar a vontade de um povo exausto ao fim de 12 anos de uma guerra colonial,
iniciada em 1961, que devastava famílias e vidas em Portugal, mas o fazia especialmente entre as populações
africanas, em Angola, na Guiné-Bissau ou em Moçambique, um povo que, em Portugal, sangrava através da
emigração. Um milhão e meio de portugueses abandonaram o País, recordemos, no conjunto dos 13 anos de
guerra.
Os 4000 homens e mulheres que, corajosamente, se reuniram em Aveiro, enfrentando o Governo, a polícia
política, a censura e as mentiras da propaganda de Marcelo Caetano e da sua versão final e outonal do fascismo
português fizeram-no bem cientes das permanentes ameaças e intimidações a que estavam sujeitos e sabendo
muito bem do risco de prisão e tortura que, especialmente, os militantes comunistas e os novos sindicalistas da
jovem Intersindical corriam em todas as situações em que saíam à rua à luz do dia, desafiando a ficção da
legalidade que a ditadura portuguesa, como todas, alimentava.
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Participar, sob a ameaça permanente da repressão, nos debates do Congresso da Oposição Democrática
ou nas ruas de Aveiro, quando congressistas e manifestantes, que rumavam à campa de Mário Sacramento,
médico comunista que foi um dos organizadores dos congressos republicanos de 1957 e 1969, tiveram de
enfrentar uma carga brutal da polícia de choque foi, em si mesmo, um ato de resistência e de liberdade, uma
demonstração prática da participação democrática.
É por estas demonstrações de resistência terem antecedido o Movimento das Forças Armadas (MFA) e o 25
de Abril que se demonstra bem onde está o ADN (ácido desoxirribonucleico) da nossa democracia. Ela não nos
foi outorgada, ela foi conquistada a pulso, em cada greve, em cada manifestação ilegal, em cada edição de um
jornal clandestino e em cada preso político que não falou, que não cedeu.
Aplausos do PCP, do PS e do L.
Exatamente da mesma forma, Sr.as e Srs. Deputados, ela é hoje defendida, praticada e exigida, em cada
greve dos trabalhadores dos setores público e privado, dos professores, dos médicos, dos enfermeiros, de
ferroviários, entre muitos outros, pela defesa dos seus direitos e da dignidade, em cada manifestação contra a
degradação dramaticamente acelerada das condições de vida,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Batam palmas, agora!
O Sr. Manuel Loff (PCP): — … em cada protesto contra o custo da habitação e a especulação imobiliária.
Cada um destes elementos da nossa memória coletiva, da memória dos resistentes antifascistas portugueses
e da luta permanente e incansável pela democracia, ecoa, como se percebe, nos dias de hoje. Ecoa até nas
paredes desta Sala, que, diga-se de passagem, ouviram em democracia as vozes de muitos dos congressistas
de Aveiro de 1973.
Mas ecoa, sobretudo, na memória dos dias que vivemos: a crise económica inflacionista, com as
consequentes lutas sociais que provoca, e a emigração, que permanece como alternativa para quem não vê
direitos respeitados nem expectativas num futuro que não passe por precariedade e pelos abusos de um
mercado que se nos pretende descrever como estando acima da lei, da democracia e da própria vida.
Teimosamente surdo ao que trabalhadores, jovens e pensionistas lhe pedem, deveria o atual Governo
aprender com o que o anterior, do qual muitos membros transitaram para o atual, estabeleceu, em 2021, como
propósito das comemorações do cinquentenário da revolução portuguesa: a necessidade de — e cito a
resolução do Conselho de Ministros — «conciliar a celebração da memória da resistência e da revolução com a
capacidade de imaginar o futuro da democracia portuguesa».
Nem a democracia cai do céu — e a portuguesa não caiu mesmo do céu! — nem as ditaduras caem por
vontade própria, em elegantes processos de desistência e omissão.
Toda a história está feita da luta por direitos e da resistência à opressão, à exploração e a todas as formas
de violência com as quais se pretende impor uma e outra.
Foi essa resistência que retirou todo o espaço de sobrevivência à ditadura salazarista, na sua versão
marcelista. Foi a resistência que, ao combater ativamente as injustiças sociais e a discriminação sem pudor das
mulheres, ao combater a opressão política, ao denunciar a violência exercida sobre o povo português, mas muito
especialmente sobre os povos africanos e asiáticos submetidos à dominação colonial, criou as condições para
que um movimento militar democrático, o MFA, pudesse fazer cair, praticamente sem resistência, a ditadura.
O Sr. Jorge Galveias (CH): — PREC (Processo Revolucionário em Curso)!
O Sr. Manuel Loff (PCP): — Se há democracia em Portugal desde 1974, ela deve-se a quem resistiu e a
quem resiste, sempre, de forma permanente, sem desistir.
Aqui, Sr.as e Srs. Deputados, não posso e não podemos deixar de sublinhar o papel central que a história
reconhece ao Partido Comunista Português e à sua persistência e resistência à repressão, na luta contra a
ditadura e pela democracia, cujas portas o 25 de Abril abriu e que a Constituição de 1976 veio a consagrar e
institucionalizar.
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Não foi só ele — longe disso! — que resistiu e ajudou a resistir. Mas nenhum outro movimento político que
lutou pela democracia se manteve ativo e pagou com o corpo dos seus militantes o preço da repressão, como
o PCP pagou.
Mário Sacramento, o antifascista batalhador que os congressistas de Aveiro de 1973 quiseram homenagear,
deixara escrito, em 1967, numa espécie de testamento político, o apelo a que «aprendam[os] com os erros do
passado. […] Façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!», escreveu. Não o obriguemos a
voltar.
No quase meio século de democracia portuguesa, era bom que as e os democratas que se sentam hoje aqui,
nesta Assembleia, se comprometessem a não obrigar os resistentes do passado a voltar, para nos ajudar a
preservar a democracia em Portugal.
Aplausos do PCP, do PS e do L.
Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela.
A Sr.ª Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde a todas e a todos.
Informo o Sr. Deputado Manuel Loff de que tem cinco pedidos de esclarecimento.
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, o PSD deseja inscrever-se.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, os senhores sabem que é durante a intervenção do
orador que têm de se inscrever para pedidos de esclarecimento.
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Nós tentámos!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Portanto, são seis pedidos de esclarecimento. Como é que pretende
responder, Sr. Deputado?
O Sr. Manuel Loff (PCP): — Sr.ª Presidente, respondo três a três.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito bem.
Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo,
da Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Manuel Loff, saúdo-o pelo tema que
hoje nos trouxe e que, confesso, me intrigou, porque, quando vi «defesa da democracia», achei que este é um
tema que, mais dia menos dia, a própria Iniciativa Liberal há de trazer a este Plenário, um tema que nos podia
unir, o que é uma coisa rara nas nossas duas formações políticas.
De facto, na sua intervenção, evoca o cinquentenário do Congresso da Oposição Democrática de Aveiro e,
sim, nessa aceção de democracia — a necessidade de roubar uma tirania, uma ditadura —, estamos juntos.
Portanto, o problema não é a nossa conceção de democracia de há 50 anos, é a nossa conceção de
democracia de hoje. Comecei a interrogar-me o que é que, para o PCP, é a democracia hoje.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — É a Constituição!
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — O vosso programa esclarece-me. Diz que é a democracia avançada.
Tentei perceber os quatro pilares da liberdade política, económica, social e cultural.
Mas, Sr. Deputado, há de haver fotografias da Iniciativa Liberal a descer a Avenida da Liberdade, no 25 de
Abril, coisa que os senhores, democrática e «avançadamente», não queriam, mas há fotografias nossas a descer
a avenida com uma faixa a dizer «liberdade política, económica e social». Portanto, também não deve ser bem
a mesma coisa.
Então, como é que podemos perceber o que é que é a democracia avançada para o PCP?
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O Sr. Duarte Alves (PCP): — É o que está na Constituição!
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Podemos, por exemplo, olhar para os países onde foi implantado o
comunismo, mas os senhores dizem que não foi implantado em lado nenhum.
Há 175 anos do Manifesto Comunista, mas ainda não houve tempo. Houve algumas décadas de construção
do socialismo, dizem os senhores, e alguns milhões de mortos, já agora, mas não houve comunismo. Portanto,
por aí não conseguimos chegar lá.
Outra maneira de perceber o que é a democracia avançada é ver os regimes de que os senhores gostam.
O Sr. João Dias (PCP): — Ah, claro! Faltava esta, ainda! Tão previsível!
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Aí temos a Rússia imperialista de Putin, temos a China capitalista de
Estado de Xi Jinping, temos Cuba, temos a Venezuela, e parece que há dúvidas dentro do Partido Comunista
sobre a Coreia do Norte.
Protestos do Deputado do PCP João Dias.
Portanto, aqui, se as referências de democracia avançada são estas, Sr. Deputado, lamento, não é muito
avançada nem é, certamente, democrática.
Sei que o Sr. Deputado é um estudioso e também um ideólogo do Partido Comunista e que sabe que a
democracia avançada, ainda por cima, é só o primeiro estágio. A seguir, ainda vem o socialismo e depois vem
o comunismo, implantado obrigatoriamente por revolução, porque não há outra maneira.
A pergunta que deixo, retórico-filosófica, é: esta revolução irá a votos ou também é avançada?
Aplausos da IL.
Risos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro
Pinto, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Manuel Loff, quando o ouvi
ali de cima, pensei que estava a ouvir um discurso de Álvaro Cunhal quando esteve nesta Assembleia da
República. Ainda pensei nisso.
A seguir, falou em «resistência», «resistência», «25 de Abril» e depois da Assembleia Constituinte. Falou,
portanto, numa série de coisas. Mas não falou no mais importante, que foi o que deu a democracia a Portugal:
o 25 de novembro de 1975! Foi o 25 de novembro que trouxe a democracia a Portugal, Sr. Deputado!
Aplausos do CH.
E é isso que o Sr. Deputado, que é um historiador — ou diz que o é —, tem de fazer, ou seja, tem de dizer a
verdade. É que os historiadores, às vezes, não dizem a verdade, querem ocultar um bocadinho da história. Foi
o 25 de novembro de 1975 que trouxe a verdadeira democracia a Portugal.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Mas explique-nos lá como é que o 25 de novembro foi uma revolução!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Deputado, quer mesmo falar ou dar lições de democracia nesta Casa —
apesar de ter os aplausos do Partido Socialista —, fazendo parte de um partido que ainda não foi capaz de
condenar a invasão da Rússia à Ucrânia? Vem aqui dar lições de democracia?
Vozes do PCP: — Não é verdade!
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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Pelo amor de Deus, onde é que está o PCP com essas lições de democracia?
Aplausos do CH.
Sr. Deputado, não venham levantar fantasmas do passado. Felizmente, Portugal tem uma democracia
estável e consolidada, e a prova disso está aqui, na Assembleia da República: estão aqui representados todos
os quadrantes políticos. Podemos não estar de acordo com as opiniões uns dos outros, mas isso é a democracia
a funcionar.
Sei que, para o Partido Comunista, falar em democracia desta maneira faz um bocado de confusão, quando
protegem a Coreia do Norte, quando protegem Cuba, a Venezuela, quando protegem esses regimes.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Que fofos, o Chega e a IL a concordar!
O Sr. João Dias (PCP): — Sempre a mesma conversa!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Deputado, se alguém tem cassete são os senhores, não somos nós! A cassete
está aí desse lado, e está aí plantada há 50 anos, meus amigos!
Aplausos do CH.
Protestos do PCP.
Venham para o País real, venham para o mundo real. Estamos em 2023, repito, em 2023, e Portugal tem
uma democracia consolidada! Deixem-se de fantasmas, deixem-se de fait divers.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — A verdade é esta — e termino, Sr.ª Presidente —: foi o 25 de novembro que
possibilitou que hoje estejamos todos aqui, nesta Assembleia da República!
Aplausos do CH.
Protestos do PCP.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Onde é que estavam no 25 de novembro?
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Vão estudar História!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro
Delgado Alves, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começava por saudar o Partido
Comunista Português e o Sr. Deputado Manuel Loff pela evocação da democracia e do Congresso da Oposição
Democrática em particular, que faz parte da memória da cidade de Aveiro, nesta altura em que assinalamos
mais uma vez a passagem do tempo.
É que a construção da memória não é um exercício avulso, um exercício insignificante ou um exercício de
pormenor, de notas de rodapé. A memória, de facto, faz parte e é indispensável à nossa construção da liberdade,
da democracia, do Estado social e da emancipação de todos os portugueses e todas as portuguesas. Isto é algo
que também constou das teses apresentadas nos vários congressos em Aveiro e que foi fundamental para
enquadrar a construção da democracia que se seguiu ao 25 de Abril de 1974.
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Não reinventemos e não reescrevamos a História. Não tentemos, utilizando, outra vez, a divisão e os
momentos que nos fraturam encontrar desculpas para não falarmos das datas libertadoras!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — As datas que colocaram um milhão de pessoas na rua no 1.º de Maio
de 1974 e aquelas que levaram 90 % dos eleitores às urnas a 25 de abril de 1975.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — E o 25 de novembro?!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Unamos em vez de dividir! É por isso que agradeço a intervenção que
aqui faz, que recorda que os verdadeiros democratas, na hora certa, sabem estar lado a lado.
Não tenho qualquer dúvida de que, dos intervenientes que aqui estão hoje, muito provavelmente o Sr.
Deputado Manuel Loff, o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo e eu — gostaria de me contar entre os próprios
— estaríamos em Aveiro a fazer essa luta contra a ditadura!
Aplausos do PS.
A nota que deixo é precisamente a de um reparo de amizade democrática, Sr. Deputado João Cotrim
Figueiredo. Não nos enganemos na identificação dos inimigos da democracia.
A Sr. ª Rosário Gambôa (PS): — Exatamente!
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Precisamente!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Só se fores tu!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Porque há inimigos da democracia sentados nesta Casa, sim, mas os
inimigos da democracia não foram os que usaram da palavra, nesta declaração política, para a iniciar. São
aqueles que apoucam aquilo que o Sr. Deputado Manuel Loff tentou — e conseguiu! — aqui dizer.
Aplausos do PS, de Deputados do PCP, de Deputados do BEe do L.
É a única observação que deixo, porque, mais uma vez, honramos aqueles que estiveram em Aveiro,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sabes lá onde é Aveiro!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — … honramos aqueles que estiveram a resistir à ditadura nas
universidades, honramos aqueles que perderam a vida a lutar contra o regime. E queremos, acima de tudo,
honrar a sua memória, garantindo que mais nenhuma geração a seguir a estas tem de passar pelo mesmo.
E, já agora, da próxima vez que o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, o Sr. Deputado Manuel Loff e eu
próprio formos a Aveiro, visitemos a Ria, vejamos a Arte Nova, visitemos o Museu Santa Joana Princesa,
sabendo que, felizmente, não vamos ter de lutar pela democracia ali outra vez, mas recordá-la.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Terminava, Sr.ª Presidente, recordando apenas uma coisa.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Tens mais 10 minutos, estás à vontade!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Há momentos na História em que, infelizmente, isto não é sempre
possível. De facto, os inimigos da democracia aproveitam-se das fragilidades.
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Queria também concordar com este aspeto: se degradamos a qualidade de vida dos nossos concidadãos,
eles deixam de acreditar na democracia. Por isso é que é fundamental que, ainda que divirjamos nas soluções
e nas respostas, sejamos firmes num propósito, a saber, se não continuar a democracia a dar respostas às
pessoas, aqueles que querem ser aldrabões, mentirosos, manipuladores da verdade e utilizar a democracia
contra si própria têm espaço para medrar.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Não queremos ser como aqueles que, em janeiro de 1933, no
parlamento alemão, ficaram sozinhos.
Protestos do CH.
Otto Wels é o nome que queria deixar para terminar: o social-democrata que enfrentou o decreto…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, faça o favor de concluir.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — … de plenos poderes já era o único. Porquê? Os comunistas estavam
presos e os liberais estavam a ser saneados. Não queremos regressar a essa data.
Sr. Deputado Manuel Loff, muito obrigado.
Aplausos do PS, de Deputados do PCP, de Deputados do BE e do L.
Protestos do CH e contraprotestos de Deputados do PS, do PCP e do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço às Sr.as e aos Srs. Deputados que se cinjam ao tempo de
intervenção que está previsto no Regimento.
Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Loff, do Grupo
Parlamentar do PCP.
O Sr. Manuel Loff (PCP): — Sr.ª Presidente, agradeço — bom, agradeço formalmente, pelo menos — as
intervenções que foram feitas a propósito da minha intervenção.
Queria começar por uma expressão que me causou espanto: o apelo de um Deputado do Chega, dizendo
«falemos do País real». Como se o País real não fosse o que foi construído, justamente, com a construção da
democracia.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Estamos de acordo!
O Sr. Manuel Loff (PCP): — Se o Sr. Deputado se senta aí e a sua eleição resultou, pelo menos formalmente,
de um processo eleitoral limpo, de sufrágio universal e em democracia, isso deve-se claramente…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ao 25 de novembro!
O Sr. Manuel Loff (PCP): — Deve-se ao 25 de Abril, deve-se a toda a gente que lutou…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ao 25 de novembro!
O Sr. Manuel Loff (PCP): — Permita-me.
Deve-se a toda a gente que lutou pela democracia até ao 25 de Abril e que, no processo democrático a partir
de 1974, a soube consolidar.
Protestos do CH.
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Portanto, é muito curiosa a intervenção quer da Iniciativa Liberal, quer do Chega. É muito curioso que quem
me acusou de ocultar a História e que disse que os historiadores não falam da História toda — imagino que se
esteja a referir a mim, que sou efetivamente historiador, não me vou eximir desse papel que tenho — o tenha
feito, e eu sinto-me completamente à vontade quanto às questões de ocultação de História ou não.
Nesse sentido, é muito curioso. O Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, em determinado momento, listou
um conjunto de questões a propósito de uma série de regimes existentes no planeta, como uma espécie de
apelo a um debate, a uma discussão que eu aqui achei retórica, mas que é uma discussão académica sobre a
natureza dos vários regimes, na qual tenho todo o gosto em participar.
O Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo também falou sobre a natureza das ameaças à democracia, mas
estas vêm, em muitos casos, daqueles que se proclamam como liberais.
Justamente, recordo a intervenção do Deputado Pedro Delgado Alves quando dizia que os liberais, em 1933,
na votação dos plenos poderes que permitiu a Hitler governar durante os anos seguintes e conduzir — sabemo-
lo — o continente europeu e o conjunto da humanidade ao maior desastre da História, na sua grande maioria
não estavam simplesmente a ser incomodados, na sua grande maioria votaram pelos plenos poderes.
Contamos com que os liberais e aqueles que se proclamam, nomeadamente nas bancadas da direita, como
liberais, não contribuam em momento nenhum da história da democracia deste País para o assalto da extrema-
direita à democracia portuguesa — em momento nenhum!
Aplausos do PCP, de Deputados do PS, de Deputados do BE e do L.
Essa é a discussão que devemos ter, não é a discussão sobre a Coreia do Norte, por mais que tenha todo o
gosto em fazê-la, quando quiser, mas não é aqui. Isto porque não faço ideia de qual é o interesse dos nossos
concidadãos numa discussão puramente retórica ou «politológica» sobre o que é a Coreia do Norte.
É muito curioso e, nesse sentido, muito revelador que estas duas bancadas, quando falamos da resistência
antifascista e da construção da democracia, não falem rigorosamente nada…
O Sr. João Dias (PCP): — Nada!
O Sr. Manuel Loff (PCP): — … da ditadura fascista que existiu em Portugal e que oprimiu portugueses,
africanos e asiáticos e, pelo contrário, venham falar da Coreia do Norte ou da Rússia de Putin. Sobre essas
questões, estamos totalmente à vontade.
Protestos do Deputado da IL João Cotrim Figueiredo.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ah, pois estão! E a guerra na Ucrânia?
O Sr. Manuel Loff (PCP): — Por último, quero dar, evidentemente, o meu acordo face às questões que foram
colocadas pelo Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.
É essencial recordar que a construção da democracia se fez por todos os atos que aqui citei — por todas as
greves, por todos os presos políticos que conseguiram resistir ao abuso absolutamente inominável que a polícia
política exerceu sobre eles —, mas é preciso salientar que a construção da democracia se fez no processo
constituinte português com a maior participação eleitoral que jamais tivemos na democracia portuguesa.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Loff (PCP): — Esse é também um resultado da luta pela democracia.
Aplausos do PCP, de Deputados do PS, de Deputados do BE e do L.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui
Tavares, do Livre.
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O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Caro Deputado Manuel Loff, obrigado por ter trazido àquela tribuna
a memória dos 50 anos do Congresso de Aveiro de 1973, que foi, claro, o culminar de uma longuíssima luta
pela liberdade neste País.
Esta luta teve décadas e décadas e foi assumida por muita gente, desde republicanos a socialistas, a
monárquicos, a católicos, a liberais, a anarquistas, a comunistas, de muitos partidos, de nenhum partido, de
muitos sindicatos, desde a velhinha CGT (Confederação Geral do Trabalho) da 1.ª República até ao momento
em que, em Aveiro, não se fez apenas o culminar desse passado, mas, acima de tudo, se discutiu o futuro e é
acerca disso que o meu pedido de esclarecimento versa.
Em Aveiro, sabiam os congressistas, de José Saramago a Medeiros Ferreira — ou melhor, a Maria Emília
Brederode Santos, que leu o discurso de Medeiros Ferreira, porque este estava no exílio e não pôde reentrar
em Portugal —, que se estava a discutir o futuro de Portugal, que iria ser muito diferente de qualquer coisa que
tivéssemos tido na nossa história.
Porque estava, e cito das teses de Medeiros Ferreira, «a terminar o ciclo imperial». Era inevitável que ele
terminasse e, então, Portugal teria de encontrar um novo ciclo, que foi, no caso, um ciclo europeu.
Discutiu-se nessas teses não só a democratização, mas o desenvolvimento e a descolonização. Nesse
sentido, queria discordar de algo que foi aqui dito antes, de que a democracia não se conquista de uma vez só
nem apenas pela democracia. Se não tivéssemos falado de desenvolvimento e de descolonização — ou seja,
do lugar de Portugal no mundo —, não teríamos conquistado a democracia.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Tavares (L): — Concluo, Sr.ª Presidente.
A pergunta é muito simples. De que forma, com as nossas visões plurais acerca de quais serão os três D do
futuro de Portugal, podem estas comemorações servir para que o País encontre os modelos de desenvolvimento
de que precisa para que, num futuro, também ele muito diferente, de globalização, automação e muitos outros
fenómenos, possa Portugal encontrar o seu desenvolvimento e, com isso, defender a sua democracia?
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana
Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Manuel Loff, alguém neste Parlamento com
muito menos apreço pela democracia do que eu e do que o Sr. Deputado disse uma vez que não é a História
que nos conduz, mas apenas o presente.
Só diz isto quem, de facto, quer desvalorizar a história de luta pela democracia neste País. É curioso que
quem bata mais no peito para se dizer português seja quem desrespeite mais os milhares de portugueses que
deram a vida pela democracia, pelo futuro dos seus concidadãos, para livrar da miséria, da pobreza e do
analfabetismo os milhões de concidadãos portugueses.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Todos temos uma história e cada uma destas bancadas também tem uma
história e ela revela-se, normalmente, no momento do «mas».
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Então e o Santa Maria?
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Naquele momento em que se leva a mão ao peito, ou não, e se diz «Viva o
25 de Abril, mas». É neste «mas» que se revela a história de todos os que aqui estão, e é por isso que não
posso deixar de fazer — como já foi feito — um apelo ao Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo: atenção, porque
a propaganda de que os extremos se tocam vai acabar por absolver forças odiosas.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Só se for o Bloco!
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A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Não seria a primeira vez que a direita liberal cedia os seus votos para a
vitória da extrema-direita, de forças populistas e antidemocráticas.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Então e a extrema-esquerda?!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Atenção na identificação dos inimigos da democracia.
Sr. Deputado, nós somos — estas bancadas — herdeiros e representantes daqueles que lutaram antes de
nós, durante anos e anos e anos, pela democracia portuguesa. Eu sou filha dessa luta com muito orgulho.
Protestos de Deputados do CH.
Outra filha dessa luta é a Constituição. Não é por acaso que os apoiantes de Bolsonaro, quando invadiram
o Palácio do Congresso no Brasil, agarraram na primeira versão da Constituição e fizeram questão de a
vandalizar. É porque a constituição democrática é o símbolo maior da nossa democracia, que foi conquistada
com o 25 de Abril.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — 25 de novembro!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Quero, por isso, saudá-lo por esta intervenção, e saudar também a história
do PCP na luta pela democracia portuguesa.
Aplausos do BE e do Deputado do PS Pedro Delgado Alves.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado
Fernando Negrão, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Manuel Loff, em
primeiro lugar, quero cumprimentá-lo pelo facto de ter trazido à discussão a este Plenário o tema da qualidade
da democracia.
É importante discutirmos a qualidade da democracia, até com mais frequência do que aquela com que o
fazemos, porque a democracia é um sistema com fragilidades e, muitas vezes, sem darmos por isso, alguma
coisa de melhor se evapora nas democracias.
Vozes doPSD: — Muito bem!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Deputado, quero, igualmente, dizer-lhe que recordou o Congresso da
Oposição Democrática de Aveiro e que, à semelhança de outros Srs. Deputados que aqui disseram —
designadamente o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo e o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves — que estariam
consigo em Aveiro, tenho a certeza de que aqueles que hoje são Deputados, se tivessem tido a idade suficiente
para o fazer, estaríamos todos juntos, igualmente em Aveiro. Obrigado por ter recordado esses tempos!
Aplausos do PSD e de Deputados do PS.
Sr. Deputado, esses tempos foram importantes porque foi uma luta contra uma ditadura prolongada,
demasiado longa, embora não haja nenhuma que seja boa, seja ela longa ou curta.
O Sr. Deputado prolongou a sua declaração sobre o tema do congresso de Aveiro e sobre a luta contra a
ditadura, mas, mais importante do que isso são os tempos que estamos a viver hoje e esses tempos de hoje
são de verdadeira democracia. Portugal vive com uma Constituição feita com uma profunda preocupação de
cultura democrática. É em democracia e em boa democracia que Portugal vive.
O Sr. Deputado falou numa coisa que, na minha opinião, é uma tese do Comité Central do PCP: a democracia
avançada. Essa tese pode ser interessante, mas é feita em contraponto com outro tipo de democracia, que é
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aquela em que todos os países da Europa, por exemplo, vivem, que é a democracia a que os senhores chamam
burguesa.
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Muito bem!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Por isso, Sr. Deputado, pergunto-lhe se essa democracia inclui aquilo que
é a verdadeira democracia, que os senhores chamam burguesa, e se essa democracia burguesa não é suficiente
para dar solução aos problemas de Portugal e dos portugueses.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para responder a estes três pedidos de esclarecimento, tem a palavra
o Sr. Deputado Manuel Loff.
O Sr. ManuelLoff (PCP): — Sr.ª Presidente, a propósito, começo por esta última intervenção do Deputado
Fernando Negrão, que agradeço.
Em primeiro lugar, felicitando-o por estar convencido de que a bancada parlamentar do PSD — não estou a
duvidar! — estaria em Aveiro, permita-me uma nota da história. Na altura, a Oposição Democrática reunida em
Aveiro não incluía a chamada ala liberal que ainda se sentava na Assembleia Nacional — nos seus últimos
meses.
O Sr. João Dias (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. Manuel Loff (PCP): — Ninguém discute o contributo que a ala liberal de Sá Carneiro fez para
democracia portuguesa, mas é verdade que na altura também fizeram uma opção.
Protestos de Deputados do PSD.
E, Deputado Fernando Negrão, não foi estar em Aveiro.
A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Aqui são 77, aí são 6!
O Sr. ManuelLoff (PCP): — O debate, até agora, pareceu-me estar bastante interessante, não vale a pena
perder agora a sua qualidade.
Protestos do PSD.
Mas isto permite-me, em todo o caso, retomar a questão, que, de resto, o Deputado Cotrim Figueiredo
colocou também — no seu caso, Deputado Fernando Negrão, sem ironia, no caso do Deputado Cotrim
Figueiredo, com toda a ironia do mundo —, da tese da democracia avançada do Partido Comunista Português.
O PCP, felizmente, como várias outras bancadas aqui, e Deputados que estão hoje no Bloco de Esquerda,
nomeadamente a do Partido Socialista e do antigo Partido Popular Democrático — ainda hoje o é, mas PSD —
são fundadoras da democracia portuguesa, a partir da discussão e da aprovação da Constituição. Essa é a
nossa democracia, é a da Constituição da República Portuguesa.
Aplausos do PCP.
Os senhores conhecem-nos há muitos anos, nunca dissemos outra coisa. Se ela é avançada, é avançada
nos termos da Constituição da República Portuguesa.
O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!
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O Sr. ManuelLoff (PCP): — No momento em que estamos a discutir a revisão da Constituição, eu, pelo
menos a título pessoal, se não for outro, nomeadamente político, ficaria extraordinariamente contente que
pudesse existir, evidentemente, uma reedição da maioria Constituinte.
Protestos do Deputado do CH Bruno Nunes.
Recordo que a maioria Constituinte que aprovou, em 2 de abril de 1976, a Constituição incluiu a totalidade
da bancada do Partido Popular Democrático, a totalidade da bancada do Partido Socialista e todas as demais
bancadas de esquerda. Representavam 93 % dos eleitores portugueses.
Essa é a base de legitimação de uma Constituição, que no seu preâmbulo invoca a luta da resistência.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — E então? Alguém disse o contrário?
O Sr. ManuelLoff (PCP): — Nunca a discussão da resistência e do papel da resistência na construção da
democracia é demais.
Por último, agradecendo as intervenções dos Deputados Rui Tavares e Joana Mortágua, quero dizer que
estou plenamente de acordo na crítica que a Deputada Joana Mortágua fez à tese de que não é a história que
nos conduz, que é o presente que nos conduz, ou seja, esta ideia de um «presentismo» em que vivemos, em
que propositadamente, aí sim, há ocultação da história, e que tendemos a esquecer o passado.
O que aqui pretendemos — e eu, pessoalmente, pretendi fazer — é um ato de política pública da memória.
Esta é uma das competências do Estado democrático, que tem uma competência no sentido da preservação da
memória e da memória democrática. Ela tem uma ideologia, é a da memória democrática.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Toda a memória!
Protestos da Deputada do PSD Joana Barata Lopes.
O Sr. ManuelLoff (PCP): — Esta mesma política pública da memória é partilhada pela maioria das bancadas,
pelo menos daquelas que se situam na metade mais à esquerda desta Assembleia da República. É em nome
delas, justamente, e em nome da necessidade da preservação da memória da construção da democracia, sem
ofensa à memória de quem resistiu contra ela, sem saber, quando resistia, em que momento é que a democracia
poderia vir.
Nunca pensemos na história da resistência como se qualquer um dos resistentes e dos opositores, em algum
momento, imaginasse que o 25 de Abril ia surgir no ano de 1974. Cada um deles atuou sem saber quando
terminava o inferno da opressão e essa memória é essencial e não pode ser posta em causa, nomeadamente
por iniciativas que, seguramente, voltarão à discussão neste Plenário, em torno daquilo que temos designado,
e designarei na mesma, como o branqueamento daquilo que foi a ditadura fascista em Portugal.
Essas iniciativas, por mais institucionais que sejam e, em alguns casos, por mais iniciativa municipal pela
qual possam passar — lembro aquilo que ficou conhecido como museu Salazar — não são, em nossa opinião,
compatíveis com uma política digna da memória da construção da democracia e do 25 de Abril.
Aplausos do PCP, do BE, do L e do Deputado do PS Pedro Delgado Alves.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana
Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e ao contrário
do que é habitual, quero saudar os ausentes deste Plenário, quero saudar os jornalistas e as jornalistas, os
trabalhadores da Lusa (Agência de Notícias de Portugal) que estão hoje em greve e que, por isso, ao contrário
do que é normal, não estão aqui a acompanhar os nossos trabalhos.
Quero saudar essa greve porque ela é histórica e espero que ela inspire muitas redações e muitos jornalistas
a lutarem pelos seus direitos, tão importantes numa época que é, cada vez mais, de desinformação.
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Aplausos do BE.
Esse País em luta é, aliás, a nossa esperança e é sobre ele e sobre educação que quero falar. Quero falar
sobre a luta dos trabalhadores da educação e sobre a extraordinária lição de coragem e de democracia, de
persistência que nos têm dado.
Não quero falar, em particular, sobre as negociações, até porque elas não vão bem. Ainda hoje a associação
de diretores desmontou toda a propaganda do Governo sobre a recuperação do tempo de serviço. Afinal o
acelerador não abrange 60 000 professores, mas apenas 13 000, de acordo com as contas dos diretores, o que
afinal é apenas 20 % do número apontado pelo Governo que, obviamente, afinal é um terço do custo, apenas
46 dos 161 milhões de euros que estavam anunciados.
É um padrão de propaganda, um padrão de anúncios atrás de anúncios que não resolvem os problemas. Há
30 000 alunos sem professor a, pelo menos, uma disciplina, este ano vão reformar-se, no mínimo, 30 000
professores e não sabemos o que é que falta ao Governo para resolver, de uma vez por todas, este problema,
mas sabemos que falta credibilidade nas suas propostas. De anúncio em anúncio, políticas concretas nunca se
veem.
Além de não resolver os problemas, este Governo, ao qual já falta credibilidade, recorre a todos os métodos
para conter uma luta que é justa. Por isso, quero dizer claramente que aquilo que aconteceu na greve dos
professores é uma vergonha para um país que reconheceu no direito à greve um pilar da sua democracia,
democracia essa em que estivemos todas e todos a falar.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Serviços mínimos previstos para as greves de tempo indeterminado por um
só sindicato que são aplicados a todas as convocatórias? Achamos que isto é normal?
Serviços mínimos indiscriminadamente aplicados e decididos a professores e funcionários ao sabor da
vontade do diretor ou do presidente da câmara municipal? Achamos que isto é normal?
Serviços mínimos aplicados em dias em que não há ninguém a fazer greve efetivamente na escola, apenas
para limitar os movimentos dos professores, apenas para os impedir de faltar pelos motivos a que têm direito,
por exemplo, para ir a um funeral, por um imprevisto familiar? Achamos que isto é normal?
Uma escola em que os serviços mínimos são decretados por ser um serviço essencial, mas na escola ao
lado já não há serviços mínimos porque lá não é essencial? Uma câmara municipal que decreta serviços
mínimos para os funcionários de um concelho, mas no concelho ao lado a escola não fecha porque não há
serviços mínimos para os funcionários? É assim que se gere e que se protege o direito à greve em Portugal?
Mais, é assim que se respeita a luta dos professores?
Quem é que fiscaliza o uso abusivo dos serviços mínimos, que foram aplicados à greve do S.TO.P. (Sindicato
de Todos os Profissionais da Educação), a professores que fizeram a greve ao abrigo da convocatória da
FENPROF (Federação Nacional dos Professores)? Quem é que fiscaliza o direito à greve dos trabalhadores da
educação?
Tudo isto com a conivência de um Governo que age, constantemente, à margem da lei, contra os profissionais
da educação. Está, há anos, a violar uma diretiva europeia sobre igualdade salarial entre contratados e
vinculados.
Criou um regime de mobilidade por doença que é uma violência, que só reconhece o direito à mobilidade de
um professor com uma doença incapacitante, se houver uma vaga da sua disciplina na escola de destino.
Imaginem um professor com um cancro que perde o direito a mudar de escola porque tem o azar de ser de
História, porque se fosse professor de Português, a sua doença incapacitante já lhe daria esse direito. Digam-
me se este regime não é uma violência.
Foi precisamente isso que a Provedora de Justiça fez: veio dizer que o regime cria desigualdades e veio dizer
que o regime é insuficiente para responder aos problemas e à proteção na doença dos professores.
Sabem o que é o Sr. Ministro da Educação fez? Nem sequer respondeu ao ofício da Sr.ª Provedora de Justiça
a pedir informações sobre o regime de mobilidade na doença. O Sr. Ministro da Educação não só está a falhar
aos professores como está a falhar à democracia e aos direitos destes professores.
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Sr.as e Srs. Deputados, nós não contamos com este Governo para resolver os problemas do País, também
não contamos que esta maioria absoluta o faça.
Portanto, hoje, só deixo um apelo: respeitem quem luta por este País.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ A Sr.ª Deputada tem três pedidos de esclarecimento. Como pretende
responder?
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, respondo em conjunto.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr.
Deputado Agostinho Santa, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Agostinho Santa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Joana Mortágua,
obrigado pela declaração política sobre educação.
Disse que não vinha falar de negociação, mas aproveitou exatamente para o fazer. Não vinha falar sobre a
recuperação de tempo de serviço, mas aproveitou exatamente para falar sobre recuperação de tempo de
serviço. Falou, também, de serviços mínimos e nós reconhecemos que é forçoso e fundamental que,
efetivamente, se monitorizem todos os abusos e qualquer situação que ultrapasse aquilo que a lei permite.
Uma coisa é certa, estamos ainda dentro do direito à greve quando estamos a falar de serviços mínimos,
que são decretados por quem tem competência legal para o efeito, e nesse sentido ninguém tem dúvida.
Relativamente às negociações, que é essa a questão que quero colocar, o que mais interessa é aquilo que
nos une: é a escola pública em que acreditamos. Já sei, não vale a pena dizê-lo, que se vai contrapor a isso,
que isto é em teoria, porque, na prática, nada é feito.
De qualquer maneira, claro que não há escola pública de qualidade sem professores e profissionais de
educação, que sejam valorizados e dignificados aos vários níveis, sobretudo, na carreira.
Defendemos, desde o início, que sejam dados passos para corresponder às reivindicações justas dos
professores. Continua a ser tempo de ouvir os outros — uns aos outros — e tempo de construir plataformas de
aproximação. Ainda ninguém fechou a porta do diálogo, portanto, vamos continuar a falar de negociações. E já
não estamos como estávamos no início. O caminho está a ser feito e vai ter de desembocar onde os interesses
se intercetam.
A questão da contabilização integral do tempo de serviço é a reivindicação mais audível, mas, ao mesmo
tempo, mais complexa.
Dificuldade, claro que sim. Há prejuízos efetivos no percurso profissional dos professores e, por outro lado,
há a equiparação com diversas carreiras públicas, em que tudo se torna mais exigente e complexo.
Não se nega a compreensão da frustração dos professores.
Não se atribua, por outro lado, ao Governo atitudes de perversidade e de perfídia.
Há caminho a fazer no processo negocial. Há soluções à espreita. Aceitemos o desafio da verdade, da justiça,
do equilíbrio e da responsabilidade. Encontre-se uma forma de aproximação entre posições extremadas. Os
professores merecem-no, a escola pública demanda-o.
Sr.ª Deputada, não reconhece que já foram dados passos importantes nas negociações entre sindicatos de
professores e o Governo, que podem constituir-se como lastro para a construção de uma solução equilibrada e
sustentada?
Por último, não acredita, como nós, que urge que, em tributo da escola pública, se encontre um compromisso
de aproximação entre as partes assente em ousadia — porque não?! —, mas também em ponderação e
responsabilidade?
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia
Ramos, do Grupo Parlamentar do PSD.
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A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cumprir a democracia é promover o
desenvolvimento humano através da educação, que é a única forma de romper com o determinismo da condição
humana.
É muito interessante perceber aqui — e não posso deixar de estranhar — como é que, a este propósito, a
esquerda unida «rasga as vestes» para se arrogar de delfim da herança da democracia, mas, na hora de
concretizar essa democracia através da educação, nega esse direito constitucionalmente garantido a todos os
portugueses.
A memória faz parte da identidade e da história. De facto, o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves tem razão a
este propósito. Mas esta mesma afirmação também serve para a história recente da educação, como política
pública das esquerdas unidas nos últimos anos.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Conversa!…
A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — O facto é que o Bloco de Esquerda, enfim, arroga-se sempre de grande
preocupação com a escola pública, mas, quando teve a oportunidade de vincar uma posição política em prol
dos professores de escola pública e da respetiva atratividade das carreiras, não o fez, elegendo outras
prioridades e estratégias políticas.
A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Portanto, se hoje chegamos a este caos na educação e a um
desentendimento e uma desvalorização total dos professores e da comunidade educativa, é porque este mesmo
Bloco de Esquerda e toda a esquerda unida empurraram com a barriga um problema que não resolveram há
sete anos. É assim que chegamos aqui, Srs. Deputados, uma culpa que toda a esquerda unida deve assumir.
Assim, não posso deixar de invocar também as recentes recomendações da Sr.ª Provedora de Justiça e
perguntar a esta Casa e a esta mesma esquerda unida se está disponível, ou não, para que, de forma séria,
possa ser revisto o regime de proteção e mobilidade na doença dos professores, ou se vamos continuar a brincar
com o futuro de Portugal, porque é disso que falamos quando falamos em educação e em professores.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera,
do Grupo Parlamentar do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, queria agradecer à Sr.ª Deputada Joana Mortágua o tema que
nos trouxe, no seguimento do que, aliás, foi um debate sobre o que significa a democracia.
A democracia é, antes de mais, termos igualdade e termos direitos iguais. Não há democracia se uns tiverem
uma vida e outros tiverem outra, consoante o sítio onde nasceram e as condições que têm.
Portanto, quando se ataca a escola pública, o que se está a atacar é também a democracia. Mas não vimos
qualquer preocupação por parte do Governo no ano letivo de 2021-2022, em que, sem que estivesse em causa
um problema de greves, havia vinte e tal mil alunos sem professor. Aí não houve problema nenhum, aí o Governo
não se preocupou. Mas agora ataca o direito à greve com estes serviços mínimos abusivos. Por isso, ainda bem
que aqui trouxe esse tema, Sr.ª Deputada, porque isso é também, em si, uma afronta à democracia.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — A questão que queria colocar, Sr.ª Deputada, é, no fundo, se este é um Governo
que verdadeiramente está preocupado com a escola pública, uma vez que vai a negociações e aquilo que
apresenta é nada mais do que zero.
Na questão da recuperação do tempo de serviço, quando existe uma proposta para a recuperação faseada
do tempo de serviço, o Governo apresenta uma proposta que é de zero recuperação.
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Na questão das vagas para os 5.º e 7.º escalões, o que o Governo está a apresentar é um autêntico truque,
uma vez mais, um truque.
Este é um Governo que está preocupado com a valorização da escola pública, com a valorização dos
professores, com termos condições para ensinar e para aprender?!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Eu julgo que não é, mas gostava de ouvir a opinião da Sr.ª Deputada Joana
Mortágua.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a estes três pedidos de esclarecimento, tem a palavra
a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, a Sr.ª Deputada Alma Rivera deixou aqui uma sugestão
que, acho, todos e todas podemos levar ao Governo. A sugestão é: de cada vez que uma turma estiver um
período inteiro ou até um ano inteiro sem aula de Português, ou de Matemática, ou de TIC, ou de outra disciplina
qualquer em que não há professor, porque não há professor no sistema, o Governo deveria decretar serviços
mínimos,…
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Claro!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … porque, de facto, essa é a principal razão pela qual os alunos em Portugal
não têm aulas. É porque não há professores suficientes no sistema.
Isso levar-nos-ia sempre à questão das negociações e a outras propostas que foram sendo feitas neste
Parlamento. E, com isto, queria responder à Sr.ª Deputada Sónia Ramos, do PSD.
O Bloco de Esquerda tem trazido aqui, inúmeras vezes — já perdi a conta —, projetos de lei sobre, por
exemplo, a mobilidade na doença, e até já apresentámos uma apreciação parlamentar para impedir que esse
novo regime de mobilidade na doença fosse aplicado.
Qual é o problema? Todos esses projetos de lei do Bloco de Esquerda esbarram na maioria absoluta do
Partido Socialista, o que não acontecia em 2019. O que é que acontecia em 2019? Em 2019, o Partido Socialista
estava em minoria e, nesse caso, o PSD, se quisesse juntar os seus votos, tinha a oportunidade de aprovar
coisas que fossem boas para os professores, nomeadamente a recuperação faseada, mas total, do tempo de
serviço. O que é que o PSD fez? Votou contra! Chumbou a recuperação do tempo de serviço, e isso trouxe-nos
a esta situação em que estamos hoje.
A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Porque é que não ameaçou acabar com a geringonça nessa altura?
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — A verdade é que, em 2019, quando António Costa foi reunir com o Presidente
Marcelo Rebelo de Sousa e dizer: «Se for aprovada a recuperação do tempo de serviço, eu demito-me!», só
houve dois partidos que tiveram medo disso: o CDS e o PSD.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): ⎯ O Chega não tem medo de nada!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Houve só dois partidos que tiveram medo de que António Costa se demitisse
por causa da recuperação do tempo de serviço, foram o PSD e o CDS.
O Bloco de Esquerda manteve o seu voto e deixou as responsabilidades dessa política com o Partido
Socialista, que tem de assumi-las até hoje, como tem de assumir as responsabilidades da negociação.
Por isso, Sr. Deputado Agostinho Santa, uma citação, espero que seja exata, diz o seguinte: «Quando eu
nasci, já tinham inventado todas as palavras para salvar a humanidade, só faltava era salvá-la».
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Em relação aos professores é a mesma coisa. Os Srs. Deputados do Partido Socialista já gastaram todas as
palavras para salvar a escola pública, agora falta salvá-la.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Ela não precisa de ser salva!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Eu trouxe aqui as negociações, precisamente para dizer aos professores
que têm de continuar a lutar, porque nem o que o Governo propagandeia que são avanços nas negociações
existe de facto. Isto porque, quando vão ser escrutinadas as propostas do Governo, elas estão cheias de truques.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — A conversa é sempre a mesma!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É sempre preciso olhar para as letras pequeninas. E um Governo que
negocia com letras pequeninas é um Governo que não pode ser levado a sério nas suas palavras de defesa da
escola pública, é um Governo que não quer assumir as suas responsabilidades de defesa da escola pública,
que passa por defender a carreira dos professores.
O que trouxe aqui não foi principalmente isso. O que trouxe aqui foi, a partir dessa negociação justa, dizer
não só aos professores, mas aos trabalhadores e às trabalhadoras da educação que não, que o que está a
acontecer com o abuso dos serviços mínimos não está a acontecer perante a invisibilidade nem a ocultação de
todos os poderes políticos, que há representantes democráticos políticos que estão atentos, que sabem o que
está a acontecer, que os estão a ouvir, e que vão continuar a denunciar sempre que houver uma tentativa de
ganhar na secretaria, contra a luta dos professores.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Costa,
do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O distrito de Santarém e, em particular,
a cidade de Tomar, «umbigo do mundo» para Umberto Eco, que este ano volta a vestir-se de gala para a Festa
dos Tabuleiros, recebeu os Deputados e as Deputadas Socialistas nos passados dias 27 e 28 de março.
O Ribatejo é uma terra de liberdade, ou não fosse este o distrito de nascimento do General Humberto
Delgado. Também foi nele, mais concretamente da Escola Prática de Cavalaria que, numa certa noite, saiu o
Capitão Salgueiro Maia com o objetivo de desamarrar os portugueses da ditadura.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!
O Sr. Hugo Costa (PS): — O Partido Socialista tem muito orgulho deste legado, assim como em nomes
maiores da nossa cultura, provenientes do distrito de Santarém, como Bernardo Santareno ou José Saramago,
n’As Pequenas Memórias da sua Azinhaga natal.
Nas diversas visitas, os parlamentares estiveram em diferentes concelhos desta região. Conheceram bem
de perto a nossa inovação empresarial, os investimentos do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), a
importância do setor agroalimentar, o património, a cultura, a gastronomia, os serviços públicos, as
infraestruturas de educação e de saúde, a ferrovia, o setor social e os dois institutos politécnicos do distrito,
particularidade única no nosso País.
O distrito de Santarém é composto por 21 concelhos, um dos dois distritos de Portugal sem fronteira
internacional ou marítima, mas central no nosso País. De Mação a Benavente, de Coruche a Ferreira do Zêzere,
são múltiplas as realidades presentes no território das duas comunidades intermunicipais, Médio Tejo e Lezíria
do Tejo.
Nas últimas décadas, o distrito perdeu a sua unidade regional, fruto da sua divisão a régua e esquadro.
Permitam-me dar dois exemplos: em Tomar, como em todos os concelhos do Médio Tejo, os fundos
comunitários são da responsabilidade do PO (Programa Operacional) Centro, enquanto por exemplo em
Santarém, e em todos os concelhos da Lezíria do Tejo, são da responsabilidade do PO Alentejo. Mas nenhum
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dos concelhos do distrito vota na estratégia das regiões de onde os seus fundos são originários, visto que todos
são da região plano de Lisboa e Vale do Tejo. Confuso? Certamente. Mas real. Vivemos, por isso, dias únicos.
Nos próximos anos, enfrentaremos um dos maiores desafios da história da região: a criação da nova NUTS
(Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos) II, que já se encontra aprovada e publicada pela
Comissão Europeia e que, acreditamos, vai colocar a Lezíria do Tejo e o Médio Tejo e Oeste no rumo do
desenvolvimento, com mais unidade regional e melhor coesão.
Este é um tema que era consensual na região, ou, pelo menos, assim pensávamos, e uma marca do Governo
do Partido Socialista.
Mas não nos esquecemos, pelo contrário, que alguns tentaram colocar concelhos contra concelhos e regiões
contra regiões, nesta legislação, tentando utilizar, para isso, esta mesma Casa da democracia.
A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Isso foi o PS!
O Sr. Hugo Costa (PS): — No terreno, conhecemos os investimentos do Plano de Recuperação e Resiliência
e demonstrámos como a proximidade desmente as previsões políticas negativistas e demonstra como ele está
a edificar-se no terreno.
Aplausos do PS.
Por exemplo, quando tanto debatemos a falta de habitação pública, os Deputados tiveram oportunidade de
visitar, no local, obras em curso para a construção de habitação acessível, dando uma nova vida a um antigo
bairro ferroviário do Entroncamento.
Tivemos também oportunidade de ver, no terreno, a dinâmica empresarial no setor agroalimentar em
Santarém, um investimento com um apoio do PRR de 23 milhões de euros, criando empregos, desenvolvimento
económico e coesão.
O PRR é uma oportunidade para a região, com os seus mais de 175 milhões de euros, dos quais destaco os
75 milhões para as empresas e, praticamente, 19 milhões para a habitação.
Falo também de obras concretas, como a construção das residências universitárias em Rio Maior, Santarém
e Tomar, assim como o investimento de 4,5 milhões de euros no Convento de Cristo, Património Mundial da
UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), ou nas Lojas do Cidadão do
Cartaxo, de Constância e de Torres Novas, para além dos investimentos na área da saúde, na área social e o
investimento nas escolas, a que os Deputados puderam assistir.
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — E o aeroporto?
O Sr. Hugo Costa (PS): — Nas visitas, foi igualmente possível constatar os investimentos em proteção civil
em Almeirim e a maior plataforma logística de uma multinacional, que escolheu este concelho e esta região para
se localizar.
A nível de infraestruturas, a ferrovia é central. A modernização da Linha do Norte já se iniciou, continua a
avançar e é prioritária, representando um investimento, já iniciado, de 20 milhões de euros.
Não nos podemos esquecer de que foi com o Partido Socialista que as barreiras de Santarém foram
intervencionadas.
Ao mesmo tempo, relembro o investimento nas oficinas da CP (Comboios de Portugal) do Entroncamento,
tendo sido impedida a sua privatização e o desmantelamento da antiga EMEF (Empresa de Manutenção de
Equipamento Ferroviário).
E, sim, também não nos podemos esquecer da importância dos passes sociais para a região, que permitiram
uma poupança de centenas de euros aos nossos concidadãos, aos milhares que se deslocam diariamente nos
movimentos pendulares.
Bem sabemos que temos de encontrar soluções para alguns problemas prementes, como é o caso do acesso
ao Eco Parque do Relvão, tendo os Deputados tido oportunidade de ver a sua importância no terreno.
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A nível de ensino superior, possuímos uma particularidade única: dois institutos politécnicos no nosso distrito,
e, por isso, as recentes alterações aprovadas sobre os doutoramentos nesse subsistema de ensino superior,
assim como as estruturas das universidades politécnicas, são um avanço fundamental para a afirmação e a
coesão da região. Quero também sublinhar os investimentos do PRR que ambos os institutos politécnicos estão
a apresentar.
Santarém é também um distrito banhado pelo Tejo, que, em conjunto com as suas bacias hidrográficas —
como por exemplo o Almonda ou o Nabão — deve ser aproveitado nas suas potencialidades, sendo garantidas
a gestão e qualidade ambientais.
É também uma região agrícola por natureza. A importância do setor agroalimentar deve ser capitalizada num
momento em que compreendemos — e cada vez mais — a importância da produção nacional para a economia
e, em particular, para a consolidação do setor agroalimentar.
Já a nível da saúde, sabemos que temos de fazer um trabalho em conjunto para a melhoria dos serviços
públicos, das condições dos profissionais e dos utentes do Serviço Nacional de Saúde. É por isso que temos
vindo a reforçar os investimentos em infraestruturas e equipamentos, como as duas ressonâncias magnéticas
em Santarém e no Médio Tejo, os dois aparelhos de TAC (tomografia axial computorizada) para Torres Novas
e Tomar, no Médio Tejo, além da concretização de uma antiga aspiração em Santarém, o investimento no bloco
operatório.
Foram dois dias de grande trabalho em proximidade, como é uma reconhecida marca do Grupo Parlamentar
do Partido Socialista, e com a certeza de que o mote dedicado aos serviços públicos irá traduzir-se, certamente,
em melhor trabalho parlamentar.
Também no distrito de Santarém, temos muito trabalho para fazer e muito caminho para trilhar, porque o
Estado deve estar ao serviço dos cidadãos de forma simples, célere e ágil.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ O Sr. Deputado tem três pedidos de esclarecimento. Como deseja
responder?
O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr.ª Presidente, responderei aos três em conjunto.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Enquanto esperamos que o Sr. Deputado chegue ao seu lugar, dou a
palavra ao Sr. Deputado João Moura, do Grupo Parlamentar do PSD, para formular o primeiro pedido de
esclarecimento.
O Sr. João Moura (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Hugo Costa, penso que
na intervenção que fez ali da tribuna perdeu uma excelente oportunidade de reclamar mais apoio para o distrito
de Santarém.
Quando percebi que o Partido Socialista organizava as jornadas parlamentares no distrito de Santarém, mais
concretamente em Tomar, pensei que iria agarrar uma oportunidade para reclamar mais investimento para o
distrito. Mas aquilo que o senhor veio aqui fazer foi exaltar os investimentos privados, exaltar as virtudes das
empresas do distrito e exaltar as virtudes dos autarcas do distrito. Do Governo, em termos de investimentos,
praticamente nada.
Protestos da Deputada do PS Joana Lima.
Deixe-me recordá-lo do seguinte: o distrito de Santarém é um distrito de fronteira com Lisboa; o distrito de
Santarém vive asfixiado pela grande metrópole de Lisboa; o distrito de Santarém está a escassos 40 km da
beira-mar. O distrito de Santarém é dos distritos do País que mais sofre de desertificação; é dos distritos do País
que mais sofre com o problema demográfico; é dos distritos do País que mais sofre economicamente.
Queria também fazer aqui uma caracterização: a maioria dos autarcas do distrito de Santarém são socialistas,
os responsáveis, os dirigentes intermédios do poder local e regional são indicados pelo Partido Socialista, é o
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Partido Socialista que nos governa há mais de sete anos e, portanto, os responsáveis decisores são todos do
Partido Socialista.
Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.
E o que é que se passa hoje no distrito de Santarém? Sr. Deputado Hugo Costa, é muito diferente daquilo
que nos disse ali.
Em termos de saúde, o distrito de Santarém tem problemas gravíssimos…
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. João Moura (PSD): — … a nível dos hospitais distritais, dos cuidados de saúde primários, dos médicos
de família. É unânime em todo o distrito, em todos os autarcas, todos os protagonistas. E o senhor traçou ali um
quadro cor-de-rosa.
O distrito de Santarém tem problemas ambientais gravíssimos, o Tejo tem problemas ambientais
gravíssimos, problemas energéticos gravíssimos, uma série de problemas para os quais os senhores não têm
uma solução.
Há uma palavra que o senhor podia ter aproveitado para dizer ali daquela tribuna, já que o Sr. Primeiro-
Ministro não a disse em Tomar. Aos habitantes do distrito de Santarém, o Partido Socialista devia ter dito:
«Desculpem.»
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro
Frazão, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Hugo Costa, saúdo-
o por trazer a este Plenário, a este Hemiciclo, nesta sessão plenária, o distrito de Santarém, onde fizeram as
vossas jornadas parlamentares.
De facto, foi uma boa escolha,…
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): ⎯ Obrigado!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — … mas vieram a reboque do Chega, porque já em janeiro deste
mesmo ano, o Chega fez lá a sua convenção nacional. Foi muito bem copiado.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! É verdade!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — E saúdo-o pelo louvar que trouxe do distrito de Santarém, cujo
emblema, aliás, está aqui por cima da bancada do Chega, com o seu castelo — como sabe, eu também sou
eleito por Santarém —, que vive altaneiro no Atlas, na Acrópole do Ribatejo.
De facto, é muito bom vir aqui enaltecer a cultura, mas esqueceu-se de um ponto importantíssimo da cultura
ribatejana, que é a tauromaquia, Sr. Deputado. Venha defender a tauromaquia.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Santarém é a capital da tauromaquia em Portugal, e ela deve ser
defendida por todos os ribatejanos e também por nós.
Aplausos do CH.
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Sr. Deputado, também veio falar de grandes projetos para Santarém, mas gostava de ter visto uma tomada
de posição quanto ao novo projeto do aeroporto, o Magellan 500. Certamente já terá ouvido sobre esse grande
projeto…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ele nem sabe o que é!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — … e sobre a possibilidade de fazer o nosso grande aeroporto em
Santarém. Gostava de ouvir qual é a sua posição sobre isso e qual é também, já agora, a posição do Partido
Socialista.
O Sr. Deputado veio falar sobre as jornadas parlamentares, que foram centradas no fator modernizador do
PRR para os serviços públicos. Logo o título está errado, Sr. Deputado, porque o PRR devia ser centrado nas
empresas e na reindustrialização de Portugal.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — O PRR não devia estar centrado nos serviços públicos; isto é mais
um sintoma do parasitismo que o PS traz para Portugal.
Aplausos do CH.
Sr. Deputado, acerca do PRR, quero recordar-lhe o aviso que o Sr. Presidente da República fez à Ministra
da Coesão Territorial, olhos nos olhos, dizendo que não lhe perdoaria se ele não fosse corretamente executado.
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.
Isto foi já em novembro do ano passado. Estamos em março, já se completou o primeiro trimestre de 2023,
e a execução do PRR continua nos 17 %, quando a meta fixada pelo vosso Governo e pela vossa bancada é
de 32 %. Sr. Deputado Hugo Costa, o que é que o Governo e a vossa bancada estão a fazer para aumentar os
níveis de execução do PRR?
E deixo-lhe mais perguntas, Sr. Deputado.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Saiu hoje mesmo um estudo, cujo título é Transição Digital do Plano de Recuperação e Resiliência, e sabe
qual é que foi a conclusão desse estudo, Sr. Deputado? Foi a de que para Portugal é uma tarefa praticamente
impossível executar os fundos do PRR no intervalo definido, ou seja, até ao final de 2026. Diziam mesmo que
na execução do PRR havia sérios riscos de haver um financiamento duplo, nomeadamente com outros fundos,
com o PT2020,…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr.ª Presidente, lamento imenso, mas o Sr. Deputado da bancada
socialista há pouco falou três minutos e meio.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Não falou três minutos e meio, não é verdade.
Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Falou, falou, Sr.ª Presidente.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ E, de qualquer maneira, Sr. Deputado, já excedeu o seu tempo. Estou
a chamar-lhe a atenção porque o Sr. Deputado ainda não fez nenhum sinal de que está para concluir.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr.ª Presidente, aceito o seu reparo e vou concluir atempadamente.
De facto, a execução do PRR fixa-se apenas nos 17 % e acerca, por exemplo, do emprego, as medidas que
estão inscritas no PRR, e que os Srs. anunciam como sendo medidas mitigadoras do desemprego —
nomeadamente para o desemprego jovem —, são basicamente medidas para a educação e para a educação
pública.
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.
Portanto, quais são as medidas do PRR que atentam ao desemprego jovem, que é um anátema no nosso
distrito?
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos
Guimarães Pinto, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, gostei muito de o ouvir falar de
Santarém e da região Centro.
Efetivamente, hoje, a região Centro do País é uma das regiões mais pobres da Europa, juntamente com a
região norte, que também é uma das regiões mais pobres da Europa, e é uma das regiões mais pobres da
Europa também devido às opções que o Estado central toma.
Falou ali de todas as oportunidades que têm aparecido nos concelhos de Santarém e Tomar — em todas
aquelas zonas —, mas o rendimento médio de uma pessoa em Lisboa é cerca de 60 % maior do que em Tomar
e cerca de 57 % maior do que em Santarém. Esta é uma enorme diferença e é uma das principais razões pelas
quais tantas pessoas saem destes concelhos — não só destes concelhos, dos distritos de todo o País — para
irem em direção a Lisboa, porque faltam oportunidades de emprego. E um dos motivos para faltarem essas
oportunidades de emprego é precisamente o Estado central escolher centralizar todos os seus organismos,
todas as suas entidades na Área Metropolitana de Lisboa.
Isso tem reflexos do mais diverso tipo, incluindo o facto de todas estas regiões estarem a perder população
nos últimos 20 anos, enquanto a Área Metropolitana de Lisboa tem ganho população, o que também causa,
mais uma vez, um problema de falta de habitação.
A minha questão é: quando defende ali — e penso que defende — que deve haver mais investimento privado
nestas regiões, também o PS defende que o Estado deve dar o exemplo e transferir os seus próprios organismos
para estas regiões de forma a estimular a economia, estimular os fornecedores, estimular o tecido empresarial
local? Ou considera que o Estado deve continuar a dar o mau exemplo, concentrando toda a sua atividade,
todos os seus organismos na Área Metropolitana de Lisboa, cavando ainda mais estas diferenças que existem
em termos de rendimento e de oportunidades para os jovens?
Aplausos da IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr.
Deputado Hugo Costa.
O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr.ª Presidente, respondendo aos Deputados João Moura, Pedro dos Santos
Frazão e Carlos Guimarães Pinto, começo por dar alguns dados.
Sr. Deputado João Moura, ainda esta semana começou a obra na Linha do Norte, entre Santarém e o
Entroncamento. Estamos a falar de um investimento de 20 milhões de euros.
Estamos a falar de investimento no hospital distrital de Santarém e no centro hospitalar do Médio Tejo no
valor de 10 milhões de euros em cada um destes locais.
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O Sr. João Moura (PSD): — Urgências fechadas a toda a hora!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Não há médicos!
O Sr. Hugo Costa (PS): — Quando o Partido Socialista ganhou as eleições e formou Governo, não podemos
esquecer que, por exemplo, no Médio Tejo, o Governo PSD/CDS tinha encerrado o internamento em medicina
interna em Tomar e em Torres Novas. Os Governos do Partido Socialista reabriram esse internamento.
Aplausos do PS.
Também não podemos esquecer que, por exemplo, o bloco operatório de Santarém estava encerrado há
anos, e anos e anos.
Naturalmente, temos problemas quanto aos médicos de família, que são comuns a um conjunto significativo
do País. Temos um problema que é comum a um conjunto significativo da zona de Lisboa e Vale do Tejo, por
isso também não percebo essa pergunta sobre a região Centro, do Deputado Carlos Guimarães Pinto.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não sabe! Ele não sabe!
O Sr. Hugo Costa (PS): — O distrito de Santarém não está na região Centro, está na região do plano de
Lisboa e Vale do Tejo. A nível do Plano de Ordenamento do Território, o Médio Tejo está no Centro, e a nível
do P.O., a Lezíria e o Tejo estão no Alentejo, mas a nível de região de plano é tudo Lisboa e Vale do Tejo. Para
efeitos estatísticos europeus, é tudo Lisboa e Vale do Tejo, por isso também não compreendo bem esses dados.
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — NUTS (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos)
II!
O Sr. Hugo Costa (PS): — E 60 % não me parece ser um dado real.
Contudo, também para nós, obviamente, o problema demográfico é um dos principais problemas do nosso
distrito.
Temos um distrito de Santarém onde, ao longo dos anos, um conjunto de concelhos perdeu população. E
este é um problema que deve ser resolvido.
O Sr. João Moura (PSD): — E quem são os responsáveis?!
O Sr. Hugo Costa (PS): — Em relação à tradição, Sr. Deputado Pedro Frazão, basta ver como votei sempre
essas matérias na Assembleia da República e como o Grupo Parlamentar e os Deputados eleitos pelo distrito
de Santarém sempre votaram. Por isso, em relação à minha posição pessoal, é conhecida a forma como sempre
votei essas matérias.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Mas qual é? Tem vergonha de dizer? Diga qual é!
O Sr. Hugo Costa (PS): — Também é importante sublinhar que, por exemplo, a nível de investimentos, ainda
esta semana o Governo se comprometeu com um investimento de 2 milhões de euros — transferiu 2 milhões
de euros — para a Câmara Municipal do Entroncamento, para resolver um problema antigo da esquadra da PSP
(Polícia de Segurança Pública) do Entroncamento.
E também relembro que, com o anterior Governo, foram construídos e inaugurados os postos da GNR
(Guarda Nacional Republicana) de Salvaterra de Magos e da GNR de Alcanena, num investimento de cerca de
1 milhão de euros.
Sr. Deputado João Moura, a verdade dos factos é essa. E deixe-me dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado: o
PSD não justificou porque é que, durante anos e anos, defendeu a NUTS II e porque é que se absteve e tudo
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fez para que essa legislação não avançasse, tentando confundir eleitores, misturando Setúbal com o distrito de
Santarém.
O Sr. João Moura (PSD): — É só consultar os autarcas!
O Sr. Hugo Costa (PS): — Não disseram a verdade e não pedem desculpa às populações por se terem
abstido naquela que seria a legislação mais importante da história do distrito de Santarém.
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Vou ver como votaste a descida do IVA nas touradas!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo
Oliveira, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A verdade é inconveniente, e
a verdade é que, nos últimos sete anos, as ocorrências que têm vindo a assolar as Forças Armadas revelam a
progressiva degradação a que tem sido sujeita esta estruturante instituição do Estado.
Os exemplos sucedem-se: foi o assalto das armas do paiol de Tancos e a incrível encenação da sua
recuperação; foi a Operação Miríade, que nos revelou uma estranha desconfiança do ex-Ministro da Defesa
Nacional em relação ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Sr. Presidente da República; foi a brutal derrapagem nas
obras de conversão do antigo Hospital Militar de Belém em centro covid-19, inacreditavelmente desvalorizada
pelo ex-Ministro da Defesa Nacional, obras que, ao invés dos 750 000 € inicialmente previstos, custaram 3,2
milhões de euros aos portugueses, e estão na génese da detenção de três altos quadros da Direção-Geral de
Recursos da Defesa Nacional. Este era um hospital — refira-se! — desativado e sem destino conhecido; foi,
também, o lançamento, por parte da Sr.ª Ministra da Agricultura e da Alimentação, já na presente Legislatura,
de um concurso público para o fretamento de um navio-patrulha para missões de controlo e inspeção da pesca,
uma competência acometida à Marinha, sem que esta disso tivesse conhecimento; foi a decisão do Tribunal de
Contas de recusar o visto ao contrato celebrado entre o Ministério da Defesa Nacional e a idD Portugal Defence
para a gestão do programa de aquisição de seis navios-patrulha oceânicos, uma opção reveladora da
desconfiança do Governo nas Forças Armadas quanto à aquisição dos seus próprios recursos; foram os graves
ciberataques à defesa nacional, um deles detetado pelas autoridades norte-americanas e do qual terá resultado,
alegadamente, a exfiltração de documentos classificados, num ano em que a execução do investimento
orçamentado para a ciberdefesa falhou de forma gritante; foi o desentendimento entre a GNR e a Marinha por
causa do patrulhamento do mar nos Açores por parte de uma aeronave da Frontex; foi a participação do navio
Setúbal numa missão internacional de combate à pirataria, despido de canhões; foi a descoordenação entre o
Sr. Primeiro-Ministro, a Sr.ª Ministra da Defesa Nacional e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre o
envio de carros de combate Leopard 2 A6 para a Ucrânia, na mesma altura em que os portugueses ficavam a
saber que a esmagadora maioria das suas unidades estava inoperacional; foi a grave e preocupante ocorrência
em torno do navio Mondego, que todos os dias conhece novos desenvolvimentos.
Estas são ocorrências que atentam contra a imagem de Portugal junto dos nossos parceiros da União
Europeia e da Aliança Atlântica — no que concerne à nossa responsabilidade em termos de defesa externa —,
mas que atentam também contra a imagem da própria Marinha, na sua função de patrulhamento e garante da
segurança dos nossos interesses marinhos e terrestres.
As ocorrências no navio Mondego não são meros episódios, são o sintoma da degradação do Estado, uma
degradação que atinge a nossa soberania.
Ao fim de sete anos de governação socialista, temos umas Forças Armadas depauperadas nos meios e com
um défice alarmante de efetivos, que colocam graves dificuldades aos ramos, no planeamento e previsão das
missões, e dificultam, em muito, o normal cumprimento das mesmas.
Aplausos do PSD.
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Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A responsabilidade não é, seguramente, dos homens e das mulheres
que, com o risco da própria vida, servem as Forças Armadas, servem Portugal, demasiadas vezes em condições
destruturadas, só superadas com grande dedicação e empenho.
A responsabilidade é de um Governo e de uma maioria incapaz de estancar a preocupante redução dos
efetivos das Forças Armadas, com enormes dificuldades de recrutamento, retenção e reintegração, desde logo
por se recusar, como se viu na passada sexta-feira, a adotar medidas efetivas de dignificação dos militares,
entre elas a sua valorização remuneratória.
A responsabilidade é de um Governo e de uma maioria parlamentar que, apesar de todos os avisos, tem
desinvestido na operacionalização das Forças Armadas e adiado a sua modernização, como se alcança das
sofríveis taxas de execução da Lei de Programação Militar (LPM), criticada pelo próprio Tribunal de Contas.
Não é aceitável, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que o Governo continue a ignorar a crise que se
vive nas Forças Armadas, refugiando-se em discursos e anúncios de verbas que, depois, na prática, se reduzem
a muito pouco para a valorização real da condição militar. Não é aceitável que o Governo continue a não encarar
os sintomas de declínio de uma área de soberania tão definidora da dignidade do Estado.
A continuar assim, as privações cá dentro irão certamente agravar-se. Receamos mesmo que a manutenção
desta política de desinvestimento nos equipamentos e nas pessoas possa cavar um fosso insuperável entre as
Forças Armadas que temos para consumo interno e as nossas forças nacionais destacadas, que têm sido,
reconhecidamente, um importante fator de afirmação de Portugal no mundo e de defesa dos nossos interesses
estratégicos perante os nossos aliados.
Aplausos do PSD.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A realidade atual, na Ucrânia, demonstra-nos que as Forças Armadas
são essenciais. Sejamos capazes de dignificar as nossas, como elas merecem.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Sr. Deputado tem cinco pedidos de esclarecimento. Deseja responder
primeiro a três pedidos, a que se seguirão os restantes dois?
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr.
Deputado Diogo Leão, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Diogo Leão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira, o Sr.
Deputado preferiu apresentar-nos, aqui, uma leitura e uma apreciação bastante catastrofistas, em vez de
apresentar contributos e críticas que, sendo porventura fortes, seriam certamente mais construtivos, o que, aliás,
tem sido apanágio, ao longo de décadas, de consenso entre vários partidos, nomeadamente entre o PSD e o
PS, ao lidarem com as Forças Armadas e ao colocarem o interesse nacional à frente de todos os interesses
partidários,…
Aplausos do PS.
… à frente de toda a exploração mediática de casos e casinhos, que o senhor fez questão de proclamar,
daquela tribuna.
O PSD — enfim, noto-o com tristeza — está à deriva em relação à defesa nacional. Não tem timoneiros, não
tem rumo e, enfim, talvez não tenha, inclusivamente, a disciplina de conseguir encarar esta área de soberania
como uma área para a qual todos temos de contribuir positivamente, porque o que está em causa,
verdadeiramente, é o País — o País primeiro.
Com honestidade intelectual lhe digo, Sr. Deputado, que temos, obviamente, visões diametralmente
diferentes sobre o que tem sido feito a nível da defesa nacional.
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O Orçamento do Estado de 2023 é o Orçamento do Estado mais reforçado para a defesa nacional, o maior
em termos absolutos, desde 2010, acompanhando e superando, portanto, quaisquer Orçamentos do Estado
apresentados pelo próprio Partido Social Democrata.
A proposta de LPM que deu entrada ontem — e que, enfim, não a conheceremos todos em detalhe, o que é
perfeitamente normal, mas já foi apresentada a nível público, de forma genérica — vem mostrar um reforço para
o dobro dos montantes referentes à manutenção e à capacitação dos meios das nossas Forças Armadas,
reconhecendo, justamente, que este setor é absolutamente fundamental para que os nossos militares possam
operar os meios tendentes a permitir a execução das missões.
Portanto, Sr. Deputado, temos leituras totalmente antagónicas e lamento isso. Não tenho grande questão,
visto que também não tenho grande ponto de convergência com o Sr. Deputado.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado Gabriel
Mithá Ribeiro, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Paulo
Oliveira, a quem dirijo uma saudação, o PSD olha com atenção — e nós concordamos com o diagnóstico —
para a situação das Forças Armadas.
É evidente a degradação das Forças Armadas, como foi explicado da tribuna, mas o Chega tem, no seu
programa eleitoral, uma missão muito clara de atingir 2 % do PIB (produto interno bruto), até 2024, no
investimento nas Forças Armadas.
Neste sentido, a primeira pergunta a colocar é a de sabermos qual é a ambição orçamental do PSD, e com
que horizonte temporal. Esse é um primeiro aspeto. Para nós, há um segundo aspeto estrutural, que é o de
reforçar o suporte moral, cívico, cultural e social das Forças Armadas. Para nós, essa é uma matéria
fundamental.
O senhor sabe, tanto como eu, que o sistema de ensino tem um papel fundamental na promoção de
determinadas figuras sociais de referência. Sabemos que as nossas escolas, hoje, promovem muito os políticos,
os revolucionários, os ativistas, as minorias, e por aí fora, mas o ensino deixa de lado, ignora e não valoriza
figuras sociais de referência como — e vou dar alguns exemplos — o agricultor, o empresário, o professor, o
polícia e, claro, o militar.
Quer dizer que há uma desvalorização cultural das Forças Armadas, e essa desvalorização cultural traduz-
se em falta de apoios orçamentais por parte do Estado. Este é um problema que gera pressão social a favor de
uns e contra outros.
O Sr. Diogo Leão (PS): — Quer uma nova Mocidade Portuguesa?
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Portanto, a instituição militar é, culturalmente, das mais prejudicadas.
Ou seja, o caso da Marinha, que o Sr. Deputado referiu, é um caso claro de um abandono cultural das Forças
Armadas, de um abandono cultural da defesa, num País que, para além do mais, tem uma profunda relação
identitária e histórica com o mar.
Portanto, a defesa é uma questão de disputa cultural do campo político da direita, e a questão que se coloca
é esta: será que o PSD está disponível para este combate cultural em defesa das Forças Armadas? Será que o
PSD quer ir além das questões conjunturais e apostar em respostas estruturais, ou será que quer continuar em
cima do muro, entre a direita e a esquerda, sabendo nós que a esquerda tem uma relação difícil com a defesa
e com as Forças Armadas?
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Vou já concluir, Sr.ª Presidente.
Essa relação difícil com a defesa e com as Forças Armadas resulta no diagnóstico que o Sr. Deputado fez.
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Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João
Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, boa tarde a todos. Sr. Deputado Jorge Paulo
Oliveira, quem o ouve falar das Forças Armadas e da defesa nacional, até parece que o PSD não tem
responsabilidade nenhuma no estado a que isto chegou.
É na área política da defesa nacional e das Forças Armadas que há, precisamente, maior cumplicidade entre
o PS e o PSD, que tem sido perfeita, aliás, muitas das vezes, até tem sido mais do que perfeita, pois são
corresponsáveis.
Existe cumplicidade, Sr. Deputado, na continuada política de subordinação aos interesses da NATO (North
Atlantic Treaty Organization), dos Estados Unidos e ao projeto militarista da União Europeia.
Existe cumplicidade na política de aprofundamento da centralização e governamentalização das Forças
Armadas, como aconteceu, não há muito tempo, com as polémicas alterações à Lei de Defesa Nacional e da
LOBOFA (Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas).
Existe cumplicidade na alienação e privatização de empresas ligadas à indústria de defesa nacional, como é
o caso dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo ou do tão falado Hospital Militar de Belém, a que o Sr.
Deputado se referiu ainda há pouco, e cuja alienação foi revertida por decisão judicial, durante a governação
PSD/CDS.
Existe cumplicidade no incumprimento do estatuto da condição militar, no afunilamento das carreiras e das
progressões, na estagnação dos vencimentos dos militares.
Existe cumplicidade, Sr. Deputado, na degradação das condições de vida e de trabalho dos militares, cujas
consequências se refletem nas dificuldades de recrutamento para os regimes, seja de voluntariado ou por
contrato, a que acresce o abandono das fileiras por parte de militares do quadro permanente.
Existe cumplicidade na degradação deliberada do Sistema de Saúde Militar, da qual o recente episódio com
o Hospital das Forças Armadas é apenas a face mais visível.
Sr. Deputado, existe cumplicidade no incumprimento da lei do associativismo militar.
Por isso, para terminar, quero questionar, em concreto: além da retórica e dos fait-divers que nos trouxe, o
que é que o PSD tem, realmente, de diferente para oferecer aos militares, às Forças Armadas ou à política de
defesa, verdadeiramente nacional?
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para responder a estes três pedidos de esclarecimento, tem a palavra
o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, agradeço as perguntas que me foram feitas pelos Srs.
Deputados Diogo Leão, do Partido Socialista, Gabriel Mithá Ribeiro, do Chega, e João Dias, do PCP.
Respondendo individualmente e começando pelo princípio, pelo Sr. Deputado Diogo Leão, digo-lhe que o
PSD defende umas Forças Armadas modernas, operacionais, capazes de responder aos seus desafios — a
defesa da soberania, da integridade do nosso território e, obviamente, dos nossos interesses marítimos,
terrestres e aéreos — e aos nossos compromissos internacionais.
É isso que o PSD defende. E o PS até pode defender isso, mas não é isso que o Governo do PS tem feito.
Efetivamente, Sr. Deputado, nunca como nos últimos sete anos se assistiu a uma degradação da nossa
instituição estruturante militar, as Forças Armadas. Nunca, nunca como até agora, como nos últimos sete anos,
as Forças Armadas perderam efetivos e tiveram dificuldades na operacionalização dos seus meios.
Ao contrário do que o Sr. Deputado diz, o Partido Socialista sempre nos habituou a grandes proclamações:
«Este é o maior Orçamento de sempre!»; «Este é o maior investimento de sempre!»; «Esta é a Lei de
Programação Militar com a maior dotação de sempre!» Mas, depois, Sr. Deputado, a prática é uma grande
deceção, porque as promessas não são cumpridas, os orçamentos não são executados, os investimentos não
são realizados e a Lei de Programação Militar é sucessivamente adiada.
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Aplausos do PSD.
Vou dar-lhe exemplos, Sr. Deputado. O PSD governou, entre 2011 e 2015, num período extremamente difícil,
de emergência nacional, sob intervenção externa, sem liberdade orçamental, e, ainda assim, Sr. Deputado, para
vergonha do Partido Socialista e dos partidos de esquerda que o apoiaram durante algum tempo, a média anual
de despesa consolidada entre 2016 e 2019 é inferior à despesa consolidada no tempo da troica! Já viu?!
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado, talvez não saiba, mas, por exemplo, a despesa com operações de manutenção na Marinha,
em 2015, foi de 88 milhões de euros. Sabe quanto é que foi, em média, nos últimos três anos? Menos 18 milhões
de euros! Foi apenas de 70 milhões de euros!
Isto é investir nas Forças Armadas? É investir na Marinha? É defender as nossas Forças Armadas? Não é,
Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
Já agora, vamos falar da Lei de Programação Militar. Fique o Sr. Deputado sabendo — se, efetivamente, não
sabe — que a maior taxa de execução de sempre da Lei de Programação Militar ocorreu entre 2009 e 2015.
Sabe quando foi a pior taxa de execução da Lei de Programação Militar? Foi, exatamente, entre 2019 e 2022.
Quem era Governo? Era o Partido Socialista, obviamente!
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — O Sr. Deputado Gabriel Mithá Ribeiro perguntou qual é a ambição do
Partido Social Democrata, em termos de percentagem do PIB, na afetação, no Orçamento do Estado, à matéria
da defesa nacional.
Pois bem, recordo que em 2014, no Governo do PSD/CDS-PP, liderado pelo Dr. Pedro Passos Coelho,
assumimos perante a NATO o compromisso de, até 2024, afetarmos 2 % do Orçamento em matéria de defesa
nacional. Infelizmente, o Partido Socialista, em vez de aproveitar este incentivo político do maior partido da
direita, decidiu, pelo contrário, protelar este objetivo, fixando-o apenas para 2030.
Quando todos os países da Europa tentam recuperar o atraso no desinvestimento, que foi um pouco
generalizado em toda a Europa, o Partido Socialista, pelo contrário, atira exatamente para a frente!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Para terminar, Sr.ª Presidente, em resposta ao Sr. Deputado João
Dias, queria dizer que o PSD tem trazido muitas propostas para a valorização militar.
Recordo-lhe a criação do quadro permanente de praças no Exército e na Força Aérea, iniciativa que o Partido
Comunista não acompanhou, num primeiro momento. Recordo-lhe a criação do plano preliminar de
Administração da Polícia Marítima, que, num primeiro momento, o Partido Comunista também não acompanhou.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Vou mesmo terminar, Sr.ª Presidente.
Recordo-lhe o aumento do índice remuneratório do posto de soldado, bem como o aumento do índice
remuneratório dos militares em instrução básica, que o Partido Comunista também não acompanhou.
Aplausos do PSD.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Joana Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, independentemente do desfecho da situação
e do caso daqueles 13 militares que recusaram embarcar no Mondego, há um mérito que eles têm e que é o da
realização deste debate, o debate sobre o investimento nas Forças Armadas.
Como se sabe, não nos move nenhuma adesão nem nenhum compromisso com a NATO. Continuamos a
achar que a NATO é uma aliança armada agressiva contra os direitos dos povos, é essa a sua história. O que
nos move, sim, é o direito dos militares a uma remuneração justa e a condições de trabalho justas. É isso que
nos move e ficou provado, nos últimos dias, até à saciedade, que é isso que os militares portugueses não têm.
É por isso que gostaria de perguntar se o Sr. Deputado e o PSD já chegaram à conclusão de que o
asfixiamento das contas públicas por conta da obsessão do défice, de facto, traz prejuízos para o País, porque
impede o investimento público. É precisamente isso, a obsessão com as contas públicas e com as contas certas,
que está a impedir o Partido Socialista de fazer os investimentos públicos necessários, o que depois redunda
em falta de médicos, falta de professores e potenciais danos em embarcações da Marinha.
Mas foi também isso que impediu, durante anos — e recordo que nem PS nem PSD conseguiram evitar, até
hoje, esse rumo —, que uma das indústrias mais importantes para o País, a indústria naval, fosse sendo
desmantelada, com privatização atrás de privatização.
Recordarei sempre o caso do Arsenal do Alfeite, que tinha e podia ter um dos maiores centros de inovação
de indústria naval — tinha as pessoas, os trabalhadores mais bem formados para serem agora o expoente
máximo na Europa a nível da indústria naval — e que foi desbaratado numa privatização que, promessa após
promessa, nem foi revertida, nem foi feita a sua integração na Marinha, nem houve o investimento que há tantos
anos é pedido.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr.
Deputado Rodrigo Saraiva, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr.ª Presidente, quero agradecer ao Grupo Parlamentar do PSD e ao Sr.
Deputado Jorge Paulo Oliveira por terem trazido este tema, que é, de facto, uma competência exclusiva do
Estado. Sendo uma competência exclusiva do Estado, obviamente, o Estado tem de estar presente, e bem, de
forma eficaz e com os recursos e os investimentos que lá devem estar.
O problema é que o País tem sido governado, pelo menos nos últimos sete anos, por alguém que acha que
o Estado tem de estar presente em todo o lado. E quando se quer estar em todo o lado não se consegue estar
bem onde se devia estar por ser sua competência exclusiva.
Percebo que cause incómodo ao Partido Socialista que um grupo parlamentar — neste caso foi o PSD —
faça aqui uma intervenção falando de algumas situações que são do conhecimento público, e concordo com o
Deputado do Partido Socialista em que era preferível não falarmos destas situações. Mas a melhor forma de
não falarmos delas era elas não acontecerem.
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Muito bem!
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Elas acontecem e não envergonham apenas os militares, envergonham todos
os portugueses, porque também nos envergonham junto dos nossos parceiros internacionais.
O que é grave é ver esta degradação dos equipamentos e das condições para os nossos militares operarem
nas suas funções.
E também escusam de fazer uma grande festa e mandar foguetes relativamente ao grande reforço no
Orçamento do Estado, porque ele já foi, praticamente na sua totalidade, comido pela inflação. Portanto, convém
também vermos estas coisas, já para não falar que esse grande reforço do orçamento do Ministério da Defesa
é numa rubrica chamada «Outras Despesas», não é para nada específico. Mas disso é que talvez fosse bom
não se falar.
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Já para nem falar daquilo que é a execução: os últimos dados conhecidos da LPM punham-nos em 54 %,
sendo que se salva o Exército, que tinha uma taxa de execução de 88 %. Portanto, os 54 % são a média, o que
também é grave, além de que, depois, a manutenção não é feita e, quanto aos equipamentos, acontece aquilo
que o Partido Socialista prefere de que não se fale, mas essa é uma realidade e todas as pessoas a conhecem.
Já que falamos da Lei de Programação Militar, a pergunta que lhe queria dirigir — porque penso que também
estiveram reunidos com a Sr.ª Ministra, quando nos apresentou — é de que, além dos três ramos tradicionais,
há também um reforço relativamente à Ciber, e a Sr.ª Ministra também nos falou de surgir agora na LPM a
questão de investimentos relativamente ao espaço. Isto, embora eu ainda não tivesse conseguido perceber onde
é que ela está, na proposta de lei, mas foi a Sr.ª Ministra que o disse na reunião.
Portanto, são precisos, de facto, estes reforços, estes apoios, estes investimentos, e penso que concordará
connosco também nisto.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
O problema é como conjugar isto tudo e saber que opções é preciso fazer, porque nas Forças Armadas, na
defesa, o Estado precisa de estar — e bem! — e precisa de fazer opções. Quais são essas opções, numa
alternativa a este desgoverno do Partido Socialista?
Aplausos da IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): ⎯ Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Oliveira.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Sr.ª Presidente, agradeço as perguntas da Sr.ª Deputada Joana
Mortágua e do Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, respetivamente, do Bloco de Esquerda e da Iniciativa Liberal.
Sr.ª Deputada Joana Mortágua, é evidente que há um fosso, na visão sobre a defesa nacional e na sua
participação no contexto europeu e mundial, entre o PSD e o Bloco de Esquerda. E é insanável essa nossa
diferença.
Respeito, obviamente, a posição do Bloco de Esquerda, mas dela discordo em absoluto, como também
discordo em absoluto da visão — até lhe diria mais, do preconceito ideológico — que o Bloco de Esquerda tem
sobre a iniciativa privada.
Nós não temos nenhum complexo, como sabe, relativamente a essa matéria e até no domínio da defesa
temos bons exemplos daquilo que é a privatização. Sabe bem disso e bastava-lhe dizer que a decisão que
tomámos, em devido tempo, de privatizar os Estaleiros Navais de Viana do Castelo foi, como é seguramente
reconhecido por todos nesta Casa, uma boa decisão.
O Sr. Deputado Rodrigo Saraiva pôs, e bem, a questão da Lei de Programação Militar. Em resposta ao Sr.
Deputado, mas também acrescentando à resposta dada à Sr.ª Deputada Joana Mortágua, devo dizer que o que
está aqui em causa, sobretudo, e o que se exige do Governo é que, no mínimo dos mínimos, cumpra aquilo com
que se comprometeu, seja com os portugueses, seja com os parceiros europeus, seja com os parceiros no
âmbito da Aliança Atlântica. E é isso que o Partido Socialista e os Governos socialistas têm sido absolutamente
incapazes de fazer.
Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, de facto, os portugueses estão habituados, como eu já disse, às grandes
proclamações do Governo — «os maiores orçamentos de sempre», «os maiores investimentos de sempre», «a
Lei de Programação Militar dotada com os maiores recursos financeiros de sempre» —, mas depois o que se
projeta não se materializa, o que se promete não se cumpre e, é como digo, à proclamação segue-se sempre a
grande desilusão.
É isso que se está a passar, também, com a Lei de Programação Militar em vigor — e já falarei na proposta
da revisão da Lei de Programação Militar —, em que a taxa de execução da LPM, entre 2016 e 2022, é a mais
baixa de sempre! Repito, é a mais baixa de sempre. Numa altura em que se exigia o máximo cumprimento, é o
mínimo cumprimento! E isto, repare, contrasta com aquilo que foi possível conseguir, em tempos diferentes,
bem mais difíceis, que foi aquela taxa de execução entre 2009 e 2015, que, pelo contrário, se revelou a maior
taxa de execução de sempre.
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Portanto, a questão coloca-se sempre na execução, sobretudo na execução, e este Governo tem sido
incapaz de executar o que quer que seja.
Ainda sobre a proposta de programação militar, vale a pena referir, porque esse é um dado muito importante
— e vou terminar, Sr.ª Presidente —, que o aumento significativo da percentagem que está afeta à recuperação
dos défices de manutenção é, para aqueles que ainda não tenham percebido, a confissão pública de que esse
investimento tem sido paupérrimo ao longo dos últimos sete anos.
Aplausos do PSD.
Entretanto, reassumiu a presidência o Presidente Augusto Santos Silva.
O Sr. Presidente: ⎯ Sr.as e Srs. Deputados, concluímos, assim, o ponto relativo às declarações políticas.
Continuamos os nossos trabalhos com a apreciação da Petição n.º 14/XV/1.ª (Francisca Meleças de
Magalhães Barros e outros) — Urgência em legislar no sentido da conversão do crime de violação em crime
público, em conjunto com a discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 59/XV/1.ª (BE) — Consagra os
crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência como crimes públicos
(quinquagésima quinta alteração ao Código Penal), 513/XV/1.ª (CH) — Altera a legislação penal no sentido de
atribuir maior proteção às vítimas de crimes sexuais, 599/XV/1.ª (PAN) — Consagra a natureza pública dos
crimes de violação e outros crimes contra a liberdade sexual, procedendo à alteração do Código Penal,
671/XV/1.ª (IL) — Consagra os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de
resistência como crimes públicos e 681/XV/1.ª (PS) — Reforça a proteção das vítimas de crimes contra a
liberdade sexual, alterando o Código Penal e a Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
Para intervir no debate, apresentando o Projeto de Lei n.º 59/XV/1.ª, do Bloco de Esquerda, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Joana Mortágua.
Pausa.
Vamos dar algum tempo para que as bancadas se rearrumem, pois as últimas conversas sobre questões de
defesa nacional ainda estão em curso.
Muito bem, a Sr.ª Deputada pode iniciar a sua intervenção, se faz favor.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Muito obrigada, Sr. Presidente.
Quero agradecer aos mais de 100 000 peticionários que tomaram a iniciativa de nos pedir para discutir a
consagração da violação como crime público. Isto mostra que a sociedade portuguesa está disponível e pronta
para fazer um debate que o Parlamento se tem recusado a fazer, um debate sobre a consagração da violação
como crime público.
Não quer isto dizer que o Bloco de Esquerda não esteja disponível para discutir prazos de apresentação de
queixa, prazos de prescrição ou serviços de apoio à vítima. Queremos discutir tudo isso, mas não aceitamos
que em nome dessas alterações tão importantes se desrespeite o debate que mais de 100 000 cidadãos e
cidadãs nos pediram para fazer aqui, hoje, que é o da consagração da violação como crime público.
Quero agradecer à Francisca Magalhães de Barros, à Manuela Eanes, ao Rui Pereira, à Isabel Aguiar
Branco, à Paula Teixeira da Cruz, à Catarina Furtado, à Teresa Pizarro Beleza, à Dulce Rocha, à Teresa Morais;
quero agradecer, porque nenhuma violação dos direitos humanos deve ser contida no foro privado da vítima,
perpetuada pela impunidade do agressor e pela negação da justiça, e porque o atentado à dignidade humana
das mulheres vítimas de violência, abuso e coação sexual diz respeito a toda a sociedade, aos seus preconceitos
e às suas desigualdades.
Não podemos continuar a dizer às vítimas de violação que a responsabilidade é só delas, enquanto os seus
agressores são protegidos pela estigmatização social e culpabilização das vítimas.
Não podemos continuar a usar o mesmo argumento de respeitar as razões da vítima, a sua livre e autónoma
decisão para apresentar queixa, quando sabemos que a maioria das mulheres não o faz por medo,
descredibilização ou descrédito no sistema de justiça ou vergonha.
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E eu pergunto: são estas as razões que nós temos de respeitar? Medo, descrédito do sistema da justiça e
vergonha? São estas as razões que temos de respeitar? Porque estas são as razões que protegem os
agressores.
Com todo o respeito pela intimidade da vítima, Portugal tem de cumprir a Convenção de Istambul. Temos,
como diz a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), de sedimentar a intolerância face ao crime de
violação.
A consagração de violação como crime público é um instrumento de prevenção e não apenas de justiça.
Devemos isto não apenas às vítimas, devemos isto a todas as mulheres que têm medo de andar sozinhas na
rua, à noite, porque os seus agressores se sentem mais impunes do que elas se sentem protegidas.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Quero agradecer à Elza Pais por falar por todas nós ao dizer simplesmente
isto: «É um absurdo pensar que, não punindo os agressores, estamos a proteger melhor as vítimas.»
E, pelas suas palavras, quero fazer um apelo ao Partido Socialista, para que nos permita fazer este debate
na especialidade, aproximar posições e conseguir cumprir o apelo que nos foi feito por estes mais de 100 000
cidadãs e cidadãos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 513/XV/1.ª, do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado
Pedro Pinto.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo, desde já, por agradecer aos
peticionários, às mais de 100 000 pessoas que assinaram esta petição. Este número deixa bem evidente a
importância que o tema tem para a nossa sociedade.
Hoje, discutimos cinco projetos de lei: quatro deles têm o mesmo objetivo da petição, o de tornar a violação
um crime público; e, depois, um outro, o do Partido Socialista, que nos traz este projeto para fingir que tem
alguma coisa a dizer sobre o assunto, para ver se assim disfarçam que vão votar contra todos os outros —
apesar da divisão existente na bancada — e que, por pura teimosia, são contra esta alteração legislativa.
O PSD fez o costume: em assuntos pertinentes, não veio a jogo. Nem sim, nem não — «nim»!
Pelo menos já demos um pequeno passo, muito pequeno, pois já perceberam que o prazo de seis meses
para uma vítima de violação apresentar queixa é manifestamente insuficiente. O problema é que o prazo de um
ano também não resolve a questão nem tira de cima da vítima o ónus de ter de ser ela a denunciar.
A Convenção de Istambul, que tantas vezes é citada nesta Casa, no seu artigo 27.º, com a epígrafe
«Denúncia», refere expressamente que «As partes deverão adotar as medidas que se revelem necessárias para
encorajar qualquer pessoa que testemunhe a prática de atos de violência abrangidos pelo âmbito de aplicação
da presente Convenção, ou que tenha motivos razoáveis para crer que tal ato possa ser praticado ou que seja
de prever a prática de novos atos de violência, a comunicá-los às organizações ou autoridades competentes.»
Mas o PS, que anda sempre com a Convenção na ponta da língua, decide sempre olhar para o lado quando
chega a este artigo.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço desculpa, mas devido às condições sonoras vamos ter de esperar
um bocadinho, porque deixámos de ouvir. Talvez seja a energia do Sr. Deputado, mas temos de aguardar uns
segundos.
O Sr. João Dias (PCP): — Agora tem de estar calado!
Risos do PS.
O Sr. Presidente: — Talvez se o Sr. Deputado falar um pouco mais longe do microfone.
Se o Sr. Deputado assim entender, faça favor de prosseguir com a sua intervenção.
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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Dizia eu que o PS, que anda sempre com a Convenção na ponta da língua,
decide olhar para o lado quando chega a este artigo. E a razão é simples: uma coisa é o que se diz e outra,
muito diferente, é o que se faz — o costume no Partido Socialista.
Depois, também não consegue explicar a coerência de defender que se uma mulher for agredida ou injuriada
pelo seu marido, o crime é público, mas se for violada por uma pessoa com quem não tenha qualquer relação,
já não o é.
Temos de parar de tratar a violação como um crime menor, um crime para esconder, um crime que só
interessa dentro de quatro paredes, um crime que é uma vergonha para a vítima.
Aplausos do CH.
Não são as vítimas que têm de ter vergonha por terem sido abusadas, são os violadores.
É um crime com alta taxa de reincidência, de um sofrimento atroz. Nos últimos três anos, mais de 1100
mulheres foram violadas em Portugal. Repito, 1100 mulheres!
Este é um assunto sério, que exige propostas sérias que, efetivamente, contribuam para a prevenção deste
tipo de crimes. E é isso que o Chega faz, trazendo propostas concretas que visam a prevenção não só de
violações como de vitimação secundária.
Assim, a proposta do Chega assenta em quatro pontos principais: tornar a violação num crime de natureza
pública; permitir que o processo possa ser suspenso a pedido da vítima; permitir que a vítima escolha o género
da pessoa que lhe faz as perícias médicas; e, por fim, assegurar que, sempre que a vítima solicite, possa prestar
declarações para memória futura, para evitar que esteja sempre a falar sobre o assunto.
Sempre que uma mulher não denuncia uma situação de abuso sexual ou de violência, fá-lo porque não
acredita na nossa justiça; sente o estigma de denunciar este tipo de crime;…
Vozes do CH: — Muito bem!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — … sente a dúvida que sobre si recai; sente que não é um crime de investigação
prioritária; sente que não é protegida, nem dos agressores nem do sistema.
A justiça tem de funcionar e, como já aqui propusemos, as penas têm de ser agravadas.
Aplausos do CH.
Assegure-se um quadro legal adequado, com advogado à vítima, apoio psicológico, um julgamento justo e
célebre. Restaure-se a sua confiança no sistema judicial, sensibilizem-se os polícias, os juízes e os
procuradores.
A solução não pode ser convidar as vítimas ao silêncio para lhes evitar mais incómodos, temos mesmo é de
tirar os agressores das ruas.
É evidente que as vítimas têm direito à sua intimidade, mas, mais do que isso, têm direito à sua liberdade
sexual e têm o direito de exigir isso mesmo. Chega de convidarmos as vítimas a calar, ignorar e passar à frente.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O Chega tira toda a confiança ao PS!
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Lá isso é!
Risos da Deputada do BE Joana Mortágua.
O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 599/XV/1.ª, do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Inês de Sousa Real.
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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar as
mais de 107 000 pessoas que subscreveram esta petição, nas pessoas das suas primeiras peticionárias também
hoje aqui presentes, e agradecer por todo o trabalho, quer de ativistas como a Francisca, que aqui está hoje,
mas também da Dr.ª Dulce Rocha, do Instituto de Apoio à Criança, e das demais personalidades que se têm
manifestado e que fazem com que, hoje, partidos como o PAN, que trazem aqui o pedido para o reconhecimento
do crime de violação como crime público, não estejam sozinhos, mas estejam, de facto, acompanhados por mais
de 107 000 pessoas que reclamam a urgência desta mudança.
Perante este peso da sociedade civil, o PS vem apenas a jogo com uma iniciativa que, por um lado, peca por
tardia, no sentido de alterar o prazo de seis para um ano, ainda que o mesmo seja insuficiente, mas, por outro,
em que já sabemos o que vamos ouvir. Aliás, vi há pouco a Sr.ª Deputada do PS a abanar já a cabeça e a dizer
que não, e sabemos que vamos ouvir do PS que «a vontade da vítima acima de tudo».
Pelos vistos, esta vontade tem de ser uma vontade bem rápida, caso contrário, findo este ano ou estes seis
meses agora em vigor, não se pode fazer mais, nem a vítima nem ninguém. Mesmo perante as divergências
que possam existir no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente: se for uma vítima menor de 16 anos, o crime
é público, mas se a vítima tiver 18 anos já não é; se uma mulher casada for violada pelo marido, o crime é
público, porque se enquadra também no crime de violência doméstica, mas se for uma mulher solteira terá de
enfrentar a vergonha sozinha.
É uma sociedade machista e patriarcal, que nos diz que é o nosso corpo, mas não são as nossas regras;
que nos diz que uma mulher, quando é violada, tem de se remeter ao silêncio, tantas e tantas vezes; e que não
tem, de facto, um regime em que possa ter um...
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Demagogia!
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Aproveitar o problema para fins políticos!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.as e Srs. Deputados, é esta estigmatização que sofrem as vítimas.
Podem queixar-se o que quiserem, mas este é o preconceito que tantas vezes remete as vítimas para a
descredibilização e para a revitimização.
Mais: quantas vezes não ouvimos dizer que foi «porque tinha um decote demasiado comprido», «porque
tinha uma saia demasiado curta» ou porque «estava a pedi-las»? É esta a sociedade que temos. E o que diz o
legislador perante isto? Diz que se mantenha o regime tal como está.
Ora, Sr.as e Srs. Deputados, tal como entre marido e mulher, quando há violência, tem de se meter a colher,
quando há violência sexual, de uma vez por todas, também tem de ser dado cumprimento à Convenção de
Istambul e reconverter este crime. Isto, evidentemente, com a salvaguarda, tal como o PAN propõe, de que a
queixa seja retirada quando a vítima a queira retirar. Mas temos de mudar de paradigma, porque o paradigma
existente até aqui não chega e não protege as vítimas.
Protestos de Deputados do PS e da Deputada do PSD Clara Marques Mendes.
O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 671/XV/1.ª, da Iniciativa Liberal, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz.
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: «Há uma década que não havia tantas
violações em Portugal», este é o título da capa de um jornal nesta semana.
Sempre que uma vítima não faz queixa de uma situação de abuso sexual ou de violação por não acreditar
na nossa justiça ou por receio do estigma social, todos nós falhamos. E continuaremos a falhar enquanto não
agirmos, por deixarmos que as nossas convicções pessoais se sobreponham à necessidade de retirar estes
agressores da rua.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
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A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — No RASI (Relatório Anual de Segurança Interna) de 2021, o número de
participações pelo crime de violação aumentou 26 %, e sabemos agora que este crime voltou a aumentar em
2022. Todos os Deputados desta Câmara sabem que existe um problema, apenas discordamos na solução para
o resolver.
A denúncia do crime de violação é frequentemente dificultada pelo trauma infligido às vítimas e pela
fragilidade emocional que daí decorre.
A APAV aponta como fatores que impedem a denúncia o facto de estarmos perante um núcleo delicado da
intimidade pessoal; o medo de ser desacreditada ou desacreditado pelo sistema judicial, pelas estruturas de
apoio e até pela própria família; a desvalorização social da violência sexual; e o facto de, muitas vezes, o crime
ocorrer no seio de uma relação de intimidade ou proximidade familiar.
Hoje, na esperança de trazermos justiça a estas e a futuras vítimas, a Iniciativa Liberal apresenta um projeto
para que os crimes de violação, de coação sexual e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência passem
a ser crimes públicos e se comece a trilhar, no combate à violência sexual, o caminho que se iniciou no combate
à violência doméstica: o de assegurar à vítima que não está sozinha a carregar o pesado fardo que este crime
representa na sua vida.
Não estamos a proteger a vítima ao deixar exclusivamente na sua mão a responsabilidade de desencadear
um processo-crime contra o agressor, muito menos num prazo tão curto de seis meses. O que são seis meses
quando quem sofre este evento traumático leva anos a recuperar a sua vida, se a recuperar?
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — No debate da Legislatura passada, perguntou-se: por que razão é melhor para
a vítima que o crime seja público, quando, num crime público, a vontade do Estado se sobrepõe à vontade da
vítima? Mas não é isso que acontece, porque a vontade do Estado sobrepõe-se à vontade da vítima no sistema
atual, em que o processo penal depende de uma decisão do Ministério Público sobre o interesse da vítima.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Não, não! Isso é um erro!
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — O que nós queremos é o contrário, o que queremos é que o impulso não seja
do Estado, mas sim de qualquer pessoa que tenha conhecimento do facto: um familiar, um vizinho, um amigo.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Era o que faltava!
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Porque estas pessoas, que são próximas da vítima, vivenciam o seu sofrimento,
mas estão de mãos e pés atados, tal como acontecia no crime de violência doméstica.
A petição que motiva hoje esta discussão tem mais de 107 000 subscritores. Entre eles estão vítimas,
familiares, amigos, e é nosso dever ouvi-los e dar-lhes voz.
Sr.as e Srs. Deputados, não ignoramos que, nestes crimes, a esfera de intimidade da vítima é severa e
gravemente afetada. O projeto da Iniciativa Liberal contempla, por isso, à semelhança do que já acontece com
a violência doméstica, que a vítima possa requerer a suspensão provisória do processo, uma espécie de válvula
de escape que possibilita que a vítima, se assim o desejar, não seja exposta à fase de julgamento.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Isso é que é grave, gravíssimo!
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — A prova de que não protegemos melhor as vítimas deixando tudo como está é
que foi com este mesmo sistema que atingimos o número mais alto de violações em 10 anos, com tantos e
tantos casos escondidos, ignorados e abafados. É evidente que as vítimas têm direito à sua intimidade, mas,
mais do que isso, têm direito à sua autodeterminação e liberdade sexual.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, enquanto existirem testemunhos que nos dizem «apresentei queixa,
mas o processo caiu por terra», «fui coagida pelo procurador a desistir», «isolei-me e tornei-me numa pessoa
triste», «iam culpar o meu decote e o ter bebido uns copos», «iam culpar-me a mim» ou «fui fraca», isso significa
que ainda temos muito a fazer.
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Pelas decisões que tomarmos hoje, temos nas nossas mãos a possibilidade e a responsabilidade de garantir
que nos jornais das próximas décadas nunca mais se repitam títulos como os desta semana.
Aplausos da IL.
Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.
O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 681/XV/1.ª, do Partido Socialista, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Cláudia Santos.
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agradecemos o impulso decisivo dado
a este debate pela petição subscrita por mais de 107 000 pessoas e julgamos que daqui resultará uma melhoria
da resposta penal oferecida às vítimas adultas de crimes sexuais, aquelas que hoje nos importam, porque esse
é o objetivo que a todos convoca.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresenta-se ao debate com um projeto de lei novo — não
requentado, diversamente de todos os outros —, que é diferente dos restantes porque é, seguramente, muito
mais complexo, nomeadamente porque quer resolver problemas que os outros desconsideram totalmente.
Pretendemos três alterações.
Em primeiro lugar, pretendemos alterar o artigo 164.º do Código Penal, que prevê o crime de violação, para
eliminar lacunas de punibilidade, esclarecendo que tanto são vítimas aqueles que praticam atos sexuais contra
a sua vontade como são vítimas aqueles que sofrem atos sexuais contra a sua vontade.
Em segundo lugar, queremos criar uma via verde para o apoio judiciário e imediato aconselhamento jurídico
por parte das vítimas de crimes sexuais.
Em terceiro lugar, queremos alargar para o dobro o período de tempo durante o qual as vítimas podem
apresentar queixa e desencadear a resposta punitiva do Estado.
Todos os outros projetos de lei assentam na ideia de que o processo penal deve existir independentemente
da vontade da vítima. O que nós achamos, pelo contrário, é que devem ser garantidas todas as condições às
vítimas adultas de crimes sexuais para que expressem livremente a sua vontade e que só em situações
excecionais de particular vulnerabilidade da vítima — aliás, já previstas na lei desde 2015 —, deve o Ministério
Público instaurar oficiosamente o processo. Também os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério
Público continuam a sufragar este entendimento.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Ah, pois!
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — O nosso projeto assenta em três convicções fundamentais. A primeira é a de
que o aumento das denúncias não significa necessariamente mais condenações.
É tão evidente que até o parecer da APAV o reconhece. Processar não é o mesmo que castigar. Mais
denúncias podem significar apenas mais absolvições, num processo em que a produção da prova não prescinde
de uma intervenção da vítima.
Essas absolvições serão a pior resposta possível para a vítima,…
Aplausos do PS.
… para o agressor, que assim recebe uma carta de alforria, e para a sociedade, que degrada o seu processo
penal fazendo dele uma farsa.
A segunda convicção fundamental é a de que há diferenças tão óbvias entre a violência doméstica e os
crimes sexuais que o argumento de que se um é crime público o outro também deve ser é pano curto para tão
grande jaqueta, como o parecer da APAV, aliás, também reconhece.
Na violência doméstica há, com frequência, uma dependência emocional que fragiliza a vítima na sua
escolha. Na violência doméstica, o processo penal causa uma vitimização secundária incomparavelmente
menor.
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A terceira convicção fundamental, que quero sublinhar a traço muito grosso, é a de que ser-se vítima de um
crime significa sempre que alguém fez sobrepor à nossa vontade a sua vontade, o seu egoísmo e a sua força.
Ser-se vítima significa o aniquilamento da vontade, e nos crimes sexuais a coisificação da vítima é ainda mais
intensa. Por isso, defender a vítima destes crimes é garantir a preponderância da sua vontade.
Estamos a falar sobre liberdade na escolha do modo como se quer continuar a viver.
As vítimas de crimes sexuais são sobretudo mulheres e os agressores são maioritariamente homens. Por
isso, com este projeto, vimos aqui, hoje rejeitar todos os paternalismos.
Rejeitamos os paternalismos daqueles que se acham donos dos corpos alheios, mas também rejeitamos o
paternalismo jurídico-penal, aquele que consiste em retirar direitos às vítimas com o argumento de que o Estado
sabe melhor do que elas aquilo que é melhor para elas.
Aplausos do PS e da Deputada do PSD Mónica Quintela.
Com este projeto, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista reafirma o seu compromisso histórico, que
nunca deixou de honrar, com a defesa da igualdade de género, a defesa das vítimas e a defesa da verdadeira
liberdade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PSD, a Sr.ª
Deputada Mónica Quintela.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos hoje a petição subscrita
por 107 023 cidadãos, a quem saúdo pelo exercício de cidadania, ainda por cima numa matéria de extrema
relevância.
Evoco aqui todas as vítimas de crimes sexuais e curvo-me perante o seu sofrimento, expressando-lhes a
mais profunda solidariedade e repudiando veementemente os horrendos crimes de que foram vítimas.
Os crimes sexuais são abjetos, ferem e violam a esfera mais íntima, o núcleo pessoalíssimo, físico e
psicológico dos direitos de personalidade. Precisamente por atingirem o âmago do ser humano é que a vontade
da vítima tem de ser respeitada e deve continuar a sobrepor-se à vontade geral da comunidade.
Compreendendo a intenção aparentemente bondosa subjacente às iniciativas que hoje debatemos, cumpre
interrogarmo-nos se são adequadas para respeitar a autonomia da vontade da vítima e os bens jurídicos
tutelados da liberdade e autodeterminação sexual. Mas, Sr.as e Srs. Deputados, não cremos que assim seja.
Continuamos a acompanhar a posição da doutrina maioritária que defende a natureza semipública destes
crimes, precisamente porque o interesse do Estado na descoberta da verdade e na punição do agressor não
deve prevalecer sobre a vontade da própria vítima.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Um crime deve ter natureza pública quando o interesse comunitário na
perseguição penal for mais forte do que a vontade da vítima. Porém, quando a sociedade atribui maior proteção
ao concreto interesse individual, por razões atendíveis, é esse interesse individual que deve prevalecer, cedendo
o interesse geral. É o que acontece com os crimes sexuais, pela própria natureza dos crimes e pelo dano que
causam.
Não podemos obrigar a vítima a sujeitar-se a um processo criminal que não quer e que a vai fazer reviver,
vezes sem conta, numa contínua vitimização secundária, o crime de que foi vítima. Não podemos obrigar a
vítima a ter de contar os factos hediondos pelas várias instâncias do circuito da justiça. Não podemos obrigar a
vítima a ser observada em vários exames e perícias médico-legais. Não podemos obrigar a vítima a participar
num processo criminal que pode demorar anos e em que irá ser contraditada e confrontada com o agressor,
revivendo dolorosamente o crime de que foi vítima.
Tudo isso só pode ser feito se for essa a vontade da vítima.
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Aplausos do PSD e do PS.
De notar que o nosso sistema jurídico confere natureza pública aos crimes de coação sexual, violação e
abuso sexual de pessoa incapaz de resistência quando praticados contra menor ou quando deles resultar
suicídio ou morte da vítima, ainda que seja maior; e possui a válvula de segurança do n.º 2 do artigo 178.º do
Código Penal, que dispõe que, nos casos de coação sexual e violação praticados contra maiores, o Ministério
Público pode dar início ao procedimento criminal sempre que o interesse da vítima o aconselhe.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — É verdade!
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Esta norma resulta de uma proposta de alteração do PSD e do CDS-PP,
em 2015, e conforma a nossa legislação com a legislação internacional, designadamente com a Convenção de
Istambul.
Aplausos do PSD.
Vemos, todavia, com bons olhos o aumento do prazo da queixa e a nomeação no início do processo de
advogado às vítimas.
Nas palavras de um parecer da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, conferir natureza pública a
estes crimes, passo a citar, «traduz-se no fim de contas em irrelevar o interesse e vontade da vítima de carne e
osso, concreta, arrastada para um procedimento em que a sua intimidade é exposta sem ser tida e achada sobre
o ponto. Breve, funcionalizada ao interesse comunitário na punição generalizada de crimes sexuais».
O grande contributo que podemos dar é o de assegurar um sistema judicial que ofereça a segurança e a
confiança necessárias às vítimas para que estas queiram instaurar o procedimento criminal.
Termino com um excerto de um célebre acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que, apesar de não ser
recente, continua a fazer escola nos nossos tribunais e é exemplificativo do muito que acabo de dizer.
Passo a ler: «As duas ofendidas muito contribuíram para a realização da violação. Na verdade, não nos
podemos esquecer que as duas ofendidas, raparigas novas mas mulheres feitas, não hesitaram em vir para a
estrada pedir boleia a quem passava, em plena coutada do chamado “macho ibérico”…»
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É a autonomia! A vontade da vítima!
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — «… É impossível que não tenham previsto o risco que corriam, pois aqui,
tal como no seu país natal, a atração pelo sexo oposto é um dado indesmentível e, por vezes, não é fácil dominá-
la. Assim, ao meterem-se as duas num automóvel juntamente com dois rapazes, fizeram-no, a nosso ver,
conscientes do perigo que corriam, até mesmo por estarem numa zona de turismo de fama internacional, onde
abundam turistas estrangeiras habitualmente com comportamento sexual muito mais liberal e descontraído do
que o da maioria das nativas. De resto, as duas ofendidas deviam ser já raparigas de comportamento sexual
experiente e desinibido […]. Isto não quer dizer que a atuação do Jorge Manuel não seja censurável, pois sem
dúvida nenhuma que é. Possivelmente,…» — vejam, Sr.as e Srs. Deputados — «… outras formas haveria,
contudo, de ele manter relações sexuais com uma ou até com as duas ofendidas. À força é que não. De qualquer
maneira, a gravidade do ilícito no caso concreto está esbatida.»
Este acórdão foi subscrito por quatro juízes conselheiros.
Aplausos do PSD e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do partido Livre, tem a palavra o Sr. Deputado Rui
Tavares.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, gostaria de agradecer às nossas concidadãs que estão aqui em
representação da petição que discutimos e que nos levam a fazer um debate exigente. Ser Deputado e Deputada
é ter de fazer os debates difíceis, também.
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Este é um debate difícil, e vemos que o é quando ouvimos bons argumentos, mesmo contraditórios, e
sabemos que todos esses argumentos vêm de quem está preocupado com as vítimas de violação — não há
quem esteja mais e quem esteja menos preocupado.
No pouco tempo que o Livre tem disponível, gostaria de deixar três notas para debate. Primeiro, a nossa
responsabilidade coletiva tem um critério muito decisivo em relação a todas as potenciais vítimas futuras de um
violador que não tenha sido investigado até onde poderíamos investigar, julgar e condenar. Esse critério é, para
nós, decisivo.
Segunda nota: não basta a lei dizer que respeita a vontade da vítima para que a vontade da vítima seja
respeitada em todas as outras instâncias sociais, e isso vale quando o crime não é público ou mesmo quando a
vítima pode retirar a queixa. Não conhecemos todos, não lemos todos, não ouvimos já todos a conversa do «não
apresentes queixa», «retira a queixa, não desgraces a vida do rapaz» ou «não faças isso, vais estragar duas
vidas em vez de uma», argumentos esses que fazem com que violadores possam cometer novos crimes?! Esta
segunda nota também é um critério moral decisivo.
Em terceiro lugar, é preciso rever a questão central do consentimento na definição legal do que pode, ou
não, ser uma violação e passar de uma fase em que, social e legalmente, pode sempre dizer-se de uma vítima
que ela não disse que não,…
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Que horror!
O Sr. Rui Tavares (L): — … para uma fase em que apenas um «sim» vale um «sim» e que o consentimento
ganhe essa centralidade.
Este debate, que, como disse, é difícil, foi feito no interior de cada um dos nossos partidos e a posição do
Livre — é a minha também e quero ser claro acerca dela — é de que o crime de violação deve ser um crime
público.
A minha posição sobre a sequência que este debate deve ter, e lanço o apelo a todos os grupos políticos, é
de que não o encerrem na discussão que estamos aqui a fazer hoje. Deixem que ele seja feito na especialidade
e que encontremos, aí, as melhores formas. Não ignoremos o que nos dizem as peticionárias e não ignoremos
os argumentos a favor de melhorarmos a nossa lei…
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Tavares (L): — Não digamos, simplesmente, que a lei nos diz que respeita a vontade das vítimas,
mas lembremo-nos de todas as outras pressões sociais a que as vítimas estão sujeitas e coloquemos o Estado
do lado dos mais fracos e das futuras potenciais vítimas.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Alma Rivera.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as Peticionárias: Começaria por referir
que o Parlamento não se tem recusado a fazer este debate, tem-se recusado é a alterar a natureza do crime de
violação de semipúblico para público.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Claro!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Aliás, temos discutido periodicamente esta questão e tem havido, inclusive,
evoluções — de que já foram aqui dados exemplos —, nomeadamente em 2015; e preparamo-nos para fazer
uma nova evolução se um dos projetos em debate for aprovado.
O Parlamento tem decidido num determinado sentido — em nosso entender, bem e de uma forma sustentada
— e em nada contribui transformar esta discussão em quem atribui mais ou menos gravidade ao crime…
O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!
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A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — … ou quem é que é mais ou menos sensível ao tema, porque é precisamente
em nome da proteção dos direitos das vítimas que discordamos da atribuição da natureza de crime público.
Até porque, se não quisermos cair em simplificações ou maniqueísmos, as principais consequências da
alteração do crime de violação de semipúblico para público — que estes projetos que aqui são trazidos
significariam — seriam o alargamento do prazo de prescrição e a possibilidade de denúncia por qualquer pessoa,
sendo a investigação obrigatória e já não dependente da apresentação de queixa pela vítima.
Podemos, porque é justo e é um argumento válido, falar do simbolismo ou do peso social que conferimos ao
crime através da atribuição de um crime público, mas isso também é ter uma visão instrumental da vítima
relativamente à realização de uma justiça pública.
Não querendo repetir vários dos argumentos que já foram aduzidos, julgo que tem sentido invocar um
argumento que é frequentemente convocado, que é o de uma equiparação entre o crime de violência doméstica
e o crime de violação.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Pois!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Entendemos que isso é uma simplificação que não deve ser feita e que incorre
em erro. Mas mesmo fazendo a referida equiparação, é tão absurdo dizer que não se faz justiça sem punir os
agressores como é absurdo dizer que por um crime ser público se punem os agressores.
Basta atender, em primeiro lugar, à vontade das vítimas e vejamos a taxa de arquivamento, por desistência
das vítimas, no crime de violência doméstica — e também por falta de provas, naturalmente.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Conclusão, retiramos o crime público da violência doméstica?!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Portanto, essa não é uma solução. Pode parecer uma solução simples, rápida,
eficaz, mas estaríamos todos a enganar-nos se achássemos que, por alterarmos os prazos de prescrição ou a
legitimidade para a apresentação da queixa, iríamos resolver um problema que, de resto, é muito mais profundo,
como aqui também já foi dito.
Portanto, estamos de acordo com entidades, como a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), que
valorizam o regime que temos hoje, que é um regime semipúblico, mas que não desvalorizam o interesse social
que há na condenação e na perseguição dos agressores.
Achamos, sim, que o sistema de justiça deve atender a outras questões, que talvez não esteja neste momento
a conseguir resolver, nomeadamente no que concerne ao verdadeiro apoio à vítima, para que ela se sinta
motivada…
O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — … e com capacidade de enfrentar um processo destes, não contra a sua
vontade, mas pela sua vontade.
Aplausos do PCP e de Deputados do PS e do PSD.
E não esqueçamos o que um processo destes implica do ponto de vista pericial, de reviver as situações, a
revitimização que significa e o intrusivo que pode ser se for feito contra a vontade das vítimas.
Portanto, insistimos que a justiça tem de agir sobre as consequências materiais de um crime deste tipo. Há
que garantir as condições para se exercer a justiça, que são condições psicológicas, profissionais, económicas,
mas são também as condições da própria justiça para acompanhar, para auxiliar estas vítimas.
Foquemo-nos naquilo que é fundamental. Consideremos dar meios à justiça para que esta se exerça, mas,
sobretudo, não instrumentalizemos as vítimas, a bem de uma justiça que aqui podemos achar que existe, mas
que, depois, não corresponde ao interesse e à autonomia da vítima, que em nenhum momento pode ser
desconsiderada.
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Aplausos do PCP e de Deputados do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputados: Nunca me esquecerei do relato daquele
jovem de 19 anos — já falámos sobre isto — que disse, nas redes sociais, que tinha violado uma rapariga e que
a tinha deixado lá para o INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) a ir buscar.
Quem é que vê um vídeo desses e não sente a obrigação moral de denunciar uma violação?
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Isso já está previsto!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — E como é que a lei não permite, a qualquer um de nós, corresponder a essa
obrigação moral e fazer uma denúncia na polícia, no Mistério Público, e que essa denúncia corresponda a um
processo?
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Já faz!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Tem é de ter o acordo da vítima!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É bom tirar de cima da mesa o que não está em cima da mesa, porque
nenhum dos subscritores da consagração da violação como crime público — e eu, aliás, assinei uma carta
aberta também com outras pessoas — quer obrigar a vítima a fazer nada que seja contra a sua vontade.
Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.
O processo pode correr sem a participação da vítima, o processo pode correr sem obrigar a vítima a coisa
nenhuma, a única coisa que deixa de depender…
Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira.
Sr. Presidente, tenho muita dificuldade em conseguir concentrar-me com a Sr.ª Deputada Isabel Moreira a
fazer uma intervenção sobreposta à minha.
Vozes do CH: — Oh!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Queixinhas!
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, peço só 1 minuto.
Srs. Deputados, estamos num debate muito importante, com um tema muito complexo, em que os
argumentos de todas as partes são muito pertinentes.
Os apartes são regimentais, mas a Sr.ª Deputada tem razão quando diz que uma sucessão de apartes,
sempre na mesma direção e da mesma proveniência, perturba o raciocínio, que, dada a temática, já é complexo.
A Sr.ª Deputada faça o favor de prosseguir, e peço a todos que sejam criadas as condições para que a Sr.ª
Deputada possa prosseguir.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Peço desculpa, mas, de facto, acho que para um debate é preciso
concentração, e eu estou a tentar tê-la.
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A nossa ideia não é quebrar a vontade da vítima, nem a sua intimidade, e estamos disponíveis para discutir
todos os mecanismos que a protejam. Agora, é preciso equilibrar o respeito pela vítima com um problema de
segurança pública.
A APAV também diz no parecer que a Sr.ª Deputada Mónica Quintela leu que a consagração da violação
como crime público conduziria a mais denúncias, à dissuasão de outros crimes e à censura pública perante este
crime, que foi exatamente o que aconteceu quando consagrámos a violência doméstica como crime público.
Em 14 de janeiro de 2020, uma Deputada dizia assim, nesta Câmara: «A nosso ver, trata-se de um projeto
errado porque dispensa totalmente a vontade da vítima. Não toma em linha de conta aquilo que, para nós, ainda
é elemento fundamental, que é justamente a manifestação expressa da vontade da vítima.»
Esta foi a intervenção do CDS no debate sobre a consagração da violência doméstica como crime público.
Todo o caminho que fizemos, desde lá para cá, provou que o CDS estava errado nesse debate.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): ⎯ Vê-se!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Não sou só eu nem é só o Bloco de Esquerda que compara este crime com
esse. Rui Pereira, ex-Ministro do Partido Socialista, disse exatamente isso, que os mesmos meios de proteção
da vítima que existem nos casos de violência doméstica podem existir nos casos de violação.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Não é igual!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Essa comparação não é inédita e não é completamente absurda.
A Sr.ª Deputada diz que o nosso projeto é requentado — e termino, Sr. Presidente —, mas ele será
requentado quantas vezes for preciso e será melhorado. Não podemos continuar a ser um dos pouquíssimos
países da Europa que não aceita a Convenção de Istambul e que não aceita que a consagração da violação
como crime público tem um elemento de prevenção.
Não é apenas a justiça para as vítimas — que a merecem, obviamente — dentro da forma como quiserem
participar no processo.
Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.
Tem a ver com a prevenção, e esse é um debate que farei, em consciência, enquanto representante do meu
partido e enquanto mulher. Enquanto eu estiver nesta Câmara, poderá contar com muitos projetos requentados
para que a violação seja consagrada como crime público.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Cláudia Santos.
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sr.ª Deputada Joana Mortágua,
gostava de recordar, em primeiro lugar, que o parecer do Ministério Público refere expressamente que a solução
portuguesa, desde 2015, vai ao encontro dos compromissos assumidos na Convenção de Istambul.
Não tenho tempo para explicar o que diz o artigo 55.º da Convenção de Istambul e a razão pela qual a nossa
solução legal respeita a Convenção de Istambul. De qualquer maneira, procurando ser compreensiva com o
projeto de lei do Bloco de Esquerda e admitindo que ele só existe porque não há uma compreensão total daquilo
para que serve o processo penal e daquilo que é o processo penal, ainda assim, há uma coisa que gostava de
enfatizar: o Projeto de Lei do Bloco de Esquerda é, hoje, o único, neste Plenário, que prevê um crime totalmente
público,…
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Já disse que estamos disponíveis para evoluir!
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A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — … ou seja, um crime de ação pública incondicionada, um crime em que a
vontade da vítima é completamente irrelevante.
Todos os outros projetos, de uma forma ou de outra, admitem que, em momento posterior, a vítima vá ao
processo dizer: «Afinal, não quero.» Todos!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Acabei de dizer que estamos disponíveis para evoluir!
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Curiosamente, o projeto da Iniciativa Liberal, a seguir ao do Bloco, é o menos
liberal,…
Protestos do Deputado da IL Rodrigo Saraiva.
… porque só se aceita a suspensão provisória do processo se não houver oposição do arguido e do juiz de
instrução. Portanto, a vontade da vítima, sozinha, não serve para matar o processo penal.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Agora vai querer dizer-nos o que é liberal!
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Mas o projeto do Bloco tem esta peculiaridade de que a vontade da vítima
não pode ser tida em conta em nenhum momento do processo.
A Sr.ª Deputada diz «podemos proteger a vítima, ela não tem de falar», mas aquilo que eu queria que
percebesse é que se a vítima não falar o arguido é absolvido, e isso é mau! É mau para a vítima!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Como na violência doméstica!
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — É mau para a vítima, não favorece a ressocialização do arguido e é mau para
a sociedade. Destrói o processo penal!
Portanto, era bom que não nos posicionássemos neste debate como havendo uma separação entre aqueles
que querem defender as vítimas e aqueles que não querem — estamos muito preocupados com a proteção das
vítimas e com a igualdade de género.
Para terminar, Sr.ª Deputada, precisámos de centenas de anos para não termos os maridos e os pais a
dizerem-nos aquilo que é melhor para nós, não vamos ter agora a Sr.ª Deputada a dizer aquilo que é melhor
para nós!
O Sr. João Dias (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Nem o Estado!
Aplausos do PS.
Protestos da Deputada do BE Joana Mortágua.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr.
Deputado André Ventura.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projetos que temos hoje em discussão
procuram resolver um problema que é da sociedade e que é grave. Há décadas que não tínhamos, em Portugal,
tantas violações como temos hoje. Sublinho estas palavras: há mais de uma década, há 15 anos, que não havia
tantas violações como agora.
A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Não eram denunciadas!
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O Sr. André Ventura (CH): — Se não eram denunciadas, mais razão dão ao nosso projeto! Se não eram
denunciadas, mais razão nos dão ao dizermos que é preciso ter uma atuação com caráter público para resolver
o problema.
Aplausos do CH.
A segunda questão, igualmente importante, é que, de facto, como disse a Sr.ª Deputada Cláudia Santos, o
projeto do Bloco de Esquerda enferma do problema de ser uma contradição com o nosso processo penal.
Ao não ter nenhum instituto intermédio de suspensão, ao descaracterizar por completo a vontade da vítima,
acaba por fazer o pior que pode acontecer em processo penal, que é quando se quer combater um crime e se
anula a vítima completamente — e é isso que pode acontecer no projeto do Bloco de Esquerda.
O projeto do Chega não vai por esse sentido, pois dá a possibilidade ao Ministério Público de atuar, mas de
o processo ser suspenso, tal como neste momento é já previsto para outro tipo de crimes.
A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, que tem, aliás, bastantes e conhecidas mulheres juristas,
diz o seguinte: «[…] refira-se a total concordância com a atribuição de natureza pública aos crimes de coação
sexual e violação, não apenas por ser a forma adequada ao combate ao aumento exponencial deste tipo de
criminalidade, atento os dados do RASI de 2017…» — está a ver, Sr.ª Deputada?! Atento os dados do RASI
(Relatório Anual de Segurança Interna) de 2017! — «[…] como por ser o meio apropriado à garantia do direito
à liberdade de segurança […]».
Que diabo, estão sempre a dizer que somos misóginos e tal, mas são as mulheres juristas que o dizem! Não
é ninguém que está aqui atrás de mim que o diz, são as mulheres juristas que o dizem.
Aplausos do CH.
É a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas! Está neste parecer e é facilmente consultável.
O orador exibiu o documento que mencionou.
De facto, como diz a Sr.ª Deputada Cláudia Santos, o próprio Ministério Público não está de acordo com a
atribuição de natureza pública, mas, na análise que faz, deixa também a entender, por exemplo, que as
declarações para memória futura e as perícias médicas, propostas do projeto do Chega, tinham também
utilidade, tal como temos o processo penal hoje.
Finalmente — Sr. Presidente, sei que o meu tempo também já está a terminar —, a própria APAV, que
reconhece os perigos da situação, diz que os crimes sexuais estão envoltos num silêncio ensurdecedor, que o
número de casos denunciados é gritantemente baixo e, portanto, que este escasso número de denúncias tem
de ser resolvido de alguma maneira.
Não podemos inventar a pólvora nem a roda! Quer dizer, se a vítima não quer fazer queixa, compreendo o
que o PS diz: se nunca falar ao longo do processo, o mais provável é uma absolvição, e isso é mau, é negativo.
É negativo para o processo e é negativo para o País, é mau, mas temos de fazer alguma coisa e fazer alguma
coisa não é ficar quieto.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Portanto, entendemos, no projeto que apresentamos, que é de dar, de facto,
natureza pública, mas combinada com a possibilidade de suspender provisoriamente o processo se a vítima
assim o quiser. Ou seja, se a vítima quiser, o processo é suspenso, com declarações para memória futura, que,
processualmente, como a Sr.ª Deputada sabe, podem ser validadas e utilizadas, e ainda com perícias
adequadas.
Aqui está um projeto adequado, ponderado, a olhar para o futuro e que podia resolver os problemas que,
aparentemente, PS e PSD não querem resolver.
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Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Assim terminamos o segundo ponto da nossa ordem do dia, e a ordem do dia no seu
conjunto.
A próxima reunião plenária é amanhã, às 10 horas, e consta do primeiro ponto da agenda a reapreciação do
Decreto da Assembleia da República n.º 23/XV/1.ª — Regula as condições em que a morte medicamente
assistida não é punível e altera o Código Penal.
No segundo ponto teremos a discussão conjunta do Projeto de Resolução n.º 482/XV/1.ª (PSD) —
Recomenda ao Governo que emita orientações para garantir o direito de acesso efetivo de todos os cidadãos à
Administração Pública, assegurando a possibilidade de atendimento presencial e espontâneo em todos os seus
serviços e do Projeto de Lei n.º 677/XV/1.ª (CH) — Altera o Decreto-Lei n.º 58/2016, de 29 de agosto,
assegurando atendimento presencial ao público aos beneficiários de atendimento prioritário.
Do terceiro ponto consta a discussão do Projeto de Resolução n.º 442/XV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo
que seja dotado de recursos financeiros o Comité de Cogestão para a Apanha de Percebes na Reserva Natural
das Berlengas (RNB) e criação e financiamento do Comité de Cogestão da Pescaria do Polvo do Algarve.
No quarto ponto teremos a discussão do Projeto de Lei n.º 258/XV/1.ª (CH) — Determina a proibição da
comercialização de madeira ardida resultante dos incêndios florestais.
Por fim, haverá votações regimentais.
Muito boa tarde a todos.
Eram 18 horas e 26 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.