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20 DE JULHO DE 2023

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do artigo 9.º da Constituição, promover a igualdade entre homens e mulheres. Não falta, assim, base

constitucional para a intenção destes dois projetos-lei ou ela faltaria, por exemplo, para o que já impusemos às

empresas (privadas!) cotadas em bolsa. Acresce que estes lugares judiciais em concreto são também lugares

de representação e os juízes são criadores de direito, já não os positivistas de há mais de um século: são sujeitos

da ideia de representação. Essa ideia não deixa de ter particular acutilância quando relativa a um Tribunal sui

generis. O Tribunal Constitucional (TC) administra a justiça em matéria jurídico-constitucional, anula «decisões»

do legislador democraticamente eleito — (é um legislador negativo), pelo que, por isso mesmo, tem uma

dimensão política evidente (o Prof. Jorge Miranda explica este ponto muitíssimo bem).

Em sendo convocado, é o TC que decide se a vontade da polis expressada na Assembleia da República

deve valer de acordo com a interpretação que 13 juízes fazem da Lei Fundamental. A maior parte dos juízes do

TC é eleita por uma Assembleia da República que está sujeita a uma lei de representação paritária. Não me faz

sentido que quem cumpre a paridade não a cumpra nessa eleição, nas listas de nomes que agora podem ser

só de um género, sendo que os eleitos podem igualmente excluir, na cooptação, um género. Custa-me muito

que se entenda que, em Portugal, a igualdade possa ser inconstitucional. A atual «situação dificilmente cumpre

a exigência constitucional de promoção da igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos», como afirmou,

e bem, a Associação de Mulheres Juristas.

Há mais mulheres no Supremo Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Administrativio, onde o concurso

é curricular do que no TC. Ou seja, aqui, ao se escolher quem vai ser juiz no TC não cumprimos esse patamar.

É assim absurdo comparar o TC, com as características referidas, com os restantes tribunais.

Há quem fale em constitucionalistas, no plural, para defender a inconstitucionalidade destes diplomas.

Lamento, mas o único constitucionalista que se pronunciou nesse sentido acerca destes projetos de lei foi o

Prof. Vital Moreira. De resto, na sua exposição, fala em «fundamentalismo paritário». Tive ocasião de me

pronunciar sobre tal parecer em artigo publicado no Expresso, no qual escrevi, em parte, isto:

«Diz-se que falta base constitucional para essa “ação afirmativa”. Nas palavras de Vital Moreira, a

Constituição (CRP) só admite a promoção do equilíbrio de género para a participação na vida política — o que

permitiu as quotas eleitorais e afins —, onde não cabe manifestamente o Tribunal Constitucional”. Vital Moreira,

de resto, diz que sem lei os Deputados podem fazer listas paritárias para o TC, pelo que a lei é desnecessária

e conclui que estamos perante “fundamentalismo paritário”».

O artigo 109.º da CRP diz que a lei deve promover a igualdade no exercício de direitos cívicos e políticos e

a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos. Este comando inserido na Lei Fundamental

em 1997 serviu de base à chamada «lei das quotas» que mudou radicalmente a Assembleia da República,

sendo certo que, seguindo o otimismo de Vital Moreira, a lei não teria sido necessária, pois teria bastado aos

partidos, que fazem as listas de Deputados, passarem a lembrar-se da igualdade, certo? Não. Claro que não.

A CRP consagra, desde a sua redação originária, o princípio da igualdade, no seu artigo 13.º Com a revisão

constitucional de 1997 foi acrescentada ao elenco das tarefas fundamentais do Estado a promoção da igualdade

entre homens e mulheres [alínea h) do artigo 9.º].

Os que pensam que só há habilitação constitucional para «quotas políticas» estão, portanto, a dizer que a

lei-quadro das entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos

setores privado, público e cooperativo, que fixou quotas de género, é inconstitucional, certo? Ou terá sido

fundamentalismo?

E o regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de

fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa? É inconstitucional

ou terá sido fundamentalismo?

E a Lei n.º 26/2019, de 28 de março, que estabelece o regime da representação equilibrada entre homens e

mulheres no pessoal dirigente e nos órgãos da Administração Pública? É inconstitucional ou terá sido

fundamentalismo?

E nem se diga que o artigo 222.º da Constituição, mencionando os requisitos para se ser juiz do TC e o

processo da sua eleição, impede «mais» requisitos, porque o género não é um requisito como ser-se jurista, é

antes um dado a ter em conta numa República sã.

Não anda sã uma República cujo TC só em 1989 viu uma mulher chegar a juíza. Foram precisos quase 30

anos para uma mulher chegar a vice-presidente. Em 40 anos, nunca houve uma Juíza Presidente. Na lista de

todos os 66 juízes do Tribunal Constitucional há 15 mulheres.

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