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10 DE JANEIRO DE 1979

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Todas estas considerações a respeito dos círculos eleitorais não devem fazer perder de vista o princípio nuclear de um sistema representativo: que os Deputados representam todo o País, e não os círculos por que são eleitos (artigo 152.°, n.° 3, da Constituição e artigo 11.° do decreto).

11 — O exercício de sufrágio é pessoal, prescreve o artigo 48.°, n.° 2, da Constituição. E pessoalidade significa, nos termos gerais, comummente aceites, exercício de um direito pela própria pessoa que é seu titular, sem o veículo de representação legal ou voluntário.

Esta característica flui da ideia básica em que se traduzem os direitos políticos: a participação dos cidadãos na vida política, a qual deve ser directa e activa (artigo 112.°), mesmo se ligada, como sucede na eleição, à designação de titulares de órgãos através dos quais, representativamente, os cidadãos também exercem o poder político (artigo 48.°, n.° 1). Flui ainda da exigência de liberdade em que essa participação se deve traduzir, liberdade que poderia aparecer diminuída fogo na outorga de poderes de representação a outrem, nomeadamente nas hipóteses previstas no decreto. E pode, porventura, entender-se que ressalta, enfim, como consequência do princípio de igualdade: o sufrágio deixaria de ser igual, quando, por virtude da transferência de poderes de decisão inerente ao mandato, o representante agisse investido, na prática, de dois votos, o seu e o de representante.

Eis porque o artigo 82.° do Decreto-Lei n.° 621-C/ 74, de 15 de Novembro, estabeleceu que o direito de sufrágio só podia ser exercido pelo cidadão eleitor e não se consentia forma alguma de representação. Eis porque, clarificando o entendimento do artigo 48.°, n.° 2, a Comissão de Redacção da Assembleia Constituinte acrescentou o qualificativo de pessoal ao sufrágio, afirmando que esse aditamento «deriva da natureza do sufrágio, que não deve admitir representação ou procuração no seu exercício» 0).

Por estas razões, tem de se considerar inconstitucional o artigo 79.° do decreto, que, tendo embora por epígrafe «pessoalidade do voto», concede a faculdade de exercício do voto por intermédio de representante aos membros das forças armadas e das forças militarizadas que no dia de eleição estiverem impedidos de se deslocar à assembleia ou secção de voto em que se encontrem inscritos por imperativo do exercício das suas funções (n." 2) e aos cidadãos que na data fixada para a eleição se encontrem presumivelmente embarcados (n.° 3). E é o mesmo artigo 79.° que dissipa quaisquer dúvidas acerca do seu sentido, ao proclamar que a representação «envolve a transferência para o representante dos direitos e deveres que pertenciam ao representado» (n.° 5).

Não se ignora que as situações a que pretende atalhar o decreto são reais e que o legislador deve procurar meios adequados à efectivação do direito de todos os cidadãos portugueses de votar. Assim como não se ignora que, não obstante o disposto no artigo 82." do Decreto-Lei n.° 621-C/74, primeiro, e no artigo 48.°, n.° 2, da Lei Fundamentai, depois, a sucessiva legislação eleitoral (provisória) veio con-

(1) Diário, n.° 131, de 2 de Abril de 1976, p. 4373.

templar o voto por representação como expediente para resolver aqueles problemas (2).

Tão-pouco é lícito desconhecer o inequívoco alcance do preceito constitucional, assim como a possibilidade de recurso a outras formas para obviar à situação daqueles que, por motivo inadiável, não possam exercer o seu sufrágio fisicamente numa assembleia de voto. Entre estas formas conta-se o voto por correspondência, de uso tão frequente em tantas eleições e que a Constituição apenas repele na eleição do Presidente da República, por aí impor o voto presencial (artigo 124.°, n.° 2).

Resta acrescentar que com a representação, e nem sequer com o mandato, nada tem de ver o regime facultado pelo decreto (na linha ainda do Decreto-Lei n.° 621-C/74), para o voto dos cegos ou de quaisquer pessoas afectadas por doença ou deficiência física notórias que a mesa da assembleia eleitoral verifique não poderem, sozinhas, preencher o boletim de voto; e uma pessoa numa destas condições vota acompanhada de um cidadão eleitor por si escolhido que garanta a fidelidade de expressão do seu voto e que fica obrigado a absoluto sigilo (artigo 97.°), sujeito, em caso de dolo, a uma grave sanção criminal (artigo 150.°). Nitidamente, não se trata em tal hipótese de mandato (3), mas tão-somente de um auxílio material.

11 — O exercício do sufrágio constitui um dever cívico, reza o artigo 48.°, n.° 2, in fine, da Constituição. O que seja um dever cívico parece, porém, difícil de definir (4). Há quem sustente que a fórmula utilizada pretende, justamente, obstar a que se caracterize o voto como um dever jurídico, como uma obrigação, susceptível de sanção (3). Há quem entenda que a noção constitucional não impõe nem impede que a lei ordinária confira obrigatoriedade jurídica revestida de sanções ao sufrágio — e isso porque, desde que se não traduzam em restrições de direitos não constitucionalmente previstas (artigo 18.°, n.° 2), a lei ordinária pode criar outros deveres além dos estabelecidos na Constituição (6).

O assunto tem sido também dos mais candentes ultimamente no Parlamento português. Na sessão legislativa finda, por duas vezes a Assembleia recusou impor sanções pecuniárias —e à volta disso pairou a discussão acerca do voto obrigatório— aos cidadãos eleitores que não votassem (7). Mas no decreto em apreço ficou estabelecido que, salvo motivo justificado

(2) Decretos-Leis n." 137-B/75. de 17 de Março, e 188-A/ 75, de 8 de Abril, e Portaria n.° 264-A/75, de 19 de Abril; Decretos-Leis n." 93-C/74, de 29 de Janeiro, e 456-A/76, de 8 de Junho (no relatório deste último diploma encontra-se uma tentativa de justificação do voto por representação t face do artigo 48.° da Constituição).

(3) A rubrica do artigo 150.° é incorrecta.

(4) O debate na Assembleia Constituinte não é, a este respeito, elucidativo: v. Diário, n.° 42, de 4 de Setembro de 1975, pp. 1186 e 1187.

(5) J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. c/7., pp. 65 e 66.

(6) Jorge Miranda, «O direito eleitoral ...», cit., loc. cit., p. 472.

(7) As sanções pecuniárias constavam dos projectos de lei n." 127/I e 128/I e já tinham sido advogadas no projecto de lei n.* 84/I, do PSD (Diário da Assembleia da República, 2.* sessão legislativa, 2.* série, n.° 12, e 1." série, a." 22, de 21 de Dezembro de 1977, pp. 768 e seguintes).