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II SÉRIE — NÚMERO 92

frontalmente violados, são normas que assumem uma natureza fundamentalmente programática, e por isso de sindicabilidade mais polémica. Não se pretende com tal verificação reduzir o alcance jurídico das normas programáticas, ou sequer concluir pela impossibilidade da sua violação por parte da legislação ordinária.

De facto, no nosso ordenamento jurídico-constitucio-nal, tais normas assumem relevância jurídica idêntica à das chamadas normas perceptivas e, tal como estas, são susceptíveis de ser violadas por acção dos órgãos de poder, não obstante o seu carácter prospectivo suscitar mais frequentemente o poblema da respectiva violação por omissão dos comportamentos que lhe devam dar conteúdo.

Tem de se reconhecer, no entanto, a maior dificuldade inerente a um juízo acerca da conformidade dos actos do poder com as normas constitucionais programáticas; como tem de se reconhecer o carácter de relativa discricionariedade com que aquele tipo de disposições habilita o legislador ordinário, com as consequentes dificuldades em fixar limites precisos à sua actividade.

£, se estas dúvidas se colocam invariavelmente ao intérprete que aborde o problema da constitucionalidade por via principal, elas adquirem um relevo ainda mais problematizante quando se situam no âmbito de um recurso de impugnação da admissibilidade de uma poposta de lei, na medida em que, em nosso entender e nesta sede, só as inconstitucionahdades mais flagrantes e indiscutíveis devem constituir fundamento de provimento destes recursos, como aliás vem sendo «jurisprudência» pacífica nesta Comissão e na Assembleia.

Se assim não fora, e antes houvesse que exprimir um juízo de valor, em outra sede, sobre a constitucionalidade das normas em apreciação, teríamos de concluir que de alguns deles — e do espírito de toda a proposta de lei— ressuma uma nítida vontade e finalidade de contrariar o objectivo definido na alínea a) do n.° 1 do artigo 96.° da Constituição, alínea em cuja parte final se postula a «transferência progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham».

4— Pode, no entanto, tal como se faz no recurso do PCP, invocar-se também a violação de normas constitucionais perceptivas, como os artigos 83.° e 104.° da lei fundamental.

Estariam, assim, por os violar, feridos de inconstitucionalidade os artigos 34.°, 40.° e 46.° do proposta — e são estes exactamente aqueles que justificam agora referência individualizada.

Assim, quanto ao artigo 34.°, a «participação dos trabalhadores», nos termos definidos no artigo 104.° da Constituição da República, não parece assegurada de forma inequívoca. Aliás, a redacção do texto proposto e o facto de se prever que a «audição» dos interessados, neles incluindo os trabalhadores, possa ser «efectivada por edital» — o que, salvo o devido respeito, não faz sentido, devendo tratar-se de um lapsus calami, pois através de um edital não se pode ouvir ninguém ... pode é avisar-se os interessados de que se podem fazer ouvir ... — não ajudam à clareza do preceito.

No que concerne ao artigo 40.°, igualmente se suscitam fundadas as mais reservas, pois, quando se retira ao seu texto a palavra «indisponível» e a interdição de tais bens poderem «ser alienados salvo a outras entida-

des públicas para fins de utilidade pública», está-se a permitir que tais prédios possam vir a ser objecto, de novo, de propriedade privada.

E, de resto, o que clara e expressamente permite também o artigo 46.° da proposta em análise, que, como o artigo 40.°, não teríamos dúvida, mesmo nesta sede em considerar manifesta e flagrantemente inconstitucional, assim recusando a admissibilidade da proposta de lei n.° 29/IV, se a reversão permitida não se referisse apenas aos «prédios rústicos expropriados», mas também aos nacionalizados. Ainda aqui, porém, se pode dizer —na esteira de Gomes Canotilho e Vital Moreira— que a solução deve ser a mesma e que, para este efeito, não há distinção de fundo entre expropriação e nacionalização. Nestes termos, o artigo 46.° da proposta violaria frontalmente o princípio da irreversibilidade das nacionalizações efectuadas após o 25 de Abril consagrado no artigo 83° da Constituição da República Portuguesa.

Deve, em todo o caso, reconhecer-se que a doutrina proposta por estes autores não é de todo pacífica. Ainda que se admita que nesta matéria n Constituição não prima pela delimitação rigorosa dos conceitos (cf., assim, Dimas de Lacerda, A Constituição e o Direito Agrário, Lisboa, 1977, pp. 58 e segs.), não pode, sem mais, identificar-se «nacionalização» e «expropriação», pois, correspondendo a primeira a uma apropriação «por lei», já a segunda será uma aquisição «conforme a lei» operada por acto administrativo. Aliás, na admissibilidade desta distinção — reiterada em todo o processo legislativo de 1974-1976 e também na Lei n.° 77/ 77 (cf. Carlos Ferreira de Almeida, Direito Económico, li, AAFDL, 1979, pp. 485 e segs.), parecem, de algum modo, convergir Gomes Canotilho e Vital Moreira {ob. cit. p. 391) quando escrevem que «a Constituição pressupõe —ou pelo menos admite— regimes jurídicos distintos para a expropriação (em sentido estrito, excluída a nacionalização) e para a nacionalização propriamente dita (artigos 82.° e 83.°)».

De acordo com tal interpretação, pressupondo uma separação de regime jurídico-consritucional para estas duas figuras, a garantia consagrada no artigo 83.° da Constituição da República Portuguesa não incluiria as expropriações dos prédios rústicos verificados no âmbito da Reforma Agrária, pelo que os artigos 40.° e 46." da proposta de lei n.° 29/IV não estariam já feridos de inconstitucionalidade.

Propendemos, assim, a considerar que nestes casos particulares não devem os argumentos sobre as questões de inconstitucionalidade sustentados no recurso do PCP ser liminarmente acolhidos ou rejeitados, antes exigindo uma ponderação e reflexão pouco compatíveis com uma decisão de rejeição de admissibilidade da proposta a tomar nesta fase.

5 — Termos em que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, levando ao limite a sua jurisprudência no sentido de não inviabilizar, salvo em caso extremo, a admissibilidade dos projectos e propostas de lei, não obstante entender que a proposta de lei n.° 29/IV contém normas que, a virem a ser aprovadas, deveriam ou poderiam ser consideradas inconstitucionais, entendeu por maioria, com os votos do PS, do PCP e do MDP/CDE, que ela deve subir ao Plenário para ali ser discutida e votada.

Palácio de São Bento, 21 de Julho de 1986.— O Relator, José Carlos Vasconcelos. — O Presidente da Comissão, António de Almeida Santos.

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