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24 DE FEVEREIRO DE 1988

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rector deste órgão manifesta-se perplexo e apreensivo por o Ministério resolver as críticas «calando os técnicos que as produzem através da exoneração ou represálias semelhantes».

Prevendo que, a partir de agora, todos se calarão, receosos da «censura» ministerial, o Conselho denuncia o facto de o especialista ter sido substituído no cargo por dois inspectores, não médicos, que «poderão ser excelentes polícias, mas que de medicina ou de sangue nada percebem».

(Expresso, de 13 de Fevereiro de 1988.)

Benvindo Justiça, exonerado esta semana do cargo de director do Instituto Nacional de Sangue (INS), afirmou ao Expresso ter mantido informado o Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Saúde, Faria e Almeida, «sobre o estado caótico dos serviços de sangue hospitalares». O ex-director do INS contestava assim a justificação oficial para o seu afastamento, sublinhando: «Se a Ministra não estava informada, o problema não é meu.»

A nota em que o Ministério anuncia a exoneração dizia que a Ministra Leonor Beleza não tivera «conhecimento prévio» do teor das declarações feitas por Benvindo Justiça ao Jornal de Notícias, que tem publicado uma série de reportagens sobre a falta de segurança nas transfusões de sangue nos hospitais portugueses.

O ex-director (cargo para que fora indicado pelo antigo director-geral dos Hospitais Jacinto Magalhães) exibiu ao Expresso um documento datado de 10 de Outubro do ano passado, dirigido ao Secretário de Estado, em que traçava uma panorâmica da situação e fazia uma proposta de reorganização global dos serviços. Aí, a determinada altura, afirmava que em Portugal se fazem «transfusões imediatas, após a colheita e sem qualquer estudo».

Este terá sido o ponto a que Leonor Beleza se terá mostrado mais sensível, nas reportagens efectuadas a propósito pelo Jornal de Notícias, em que se realçou que os testes de detecção da sida não ofereciam garantias de segurança. «Houve, de facto, uma extrapolação jornalística, legítima, neste ponto», referiu Benvindo Jutiça, acrescentando que, «quando se diz que isso acontece em metade dos hospitais nacionais, não se pode concluir daí que metade do sangue não é analisado, já que os hospitais centrais asseguram a maior parte da recolha». Segundo os seus cálculos, será de cerca de 15% o sangue recolhido e utilizado em condições deficientes.

Sobre o «alarmismo» de que é acusado pelo Ministério, Benvindo Justiça disse que durante meses tentara «dissuadir» o Jornal de Notícias de publicar a reportagem que deu origem à sua exoneração, «por pensar» que a sua «actuação à frente do INS acabaria por eliminar os factores que a justificavam».

«Quando me convenci que de facto nada mudava, e numa altura em que o jornalista já sabia mais do que eu, no concreto, não fiz mais do que confirmar o que já se sabia», declarou. «Quem levanta o problema é o jornalista, como ia eu desmentir o seu trabalho, quando era verdade?»

Confirmando a informação de que já tinha pedido a sua demissão em 2 de Fevereiro («num cartão pessoal enviado a Faria e Almeida»), o ex-director do INS

disse que encarava a sua «tarefa como um serviço, que nunca foi remunerado», e que a situação se apresenta «insustentável», opinião que também deu a entender várias vezes ao Secretário de Estado.

«Se não há especialistas, técnicos responsáveis e dinheiro para que todos os hospitais possam fazer análises, não é com despachos que as questões se resolvem», afirmou Benvindo Justiça, acrescentando que, ao dizer-se que «em metade dos hospitais» não se fazem análises «está-se a ser optimista».

Quanto aos casos de sida (em Portugal foram detectados cerca de 90 e nenhum por transfusão sanguínea), declarou que as probabilidades de a contrair são pequenas, mas que «temos tido sorte». Isso «não impede que a única situação correcta seja a de garantir que todas as recolhas de sangue sejam analisadas», concluiu.

O Ministério da Saúde anunciou, entretanto, a constituição de uma comissão de gestão do INS, com dois assessores da Inspecção-Geral de Saúde, que estão a levar a cabo um inquérito sobre a situação. «Espera--se que os resultados desse inquérito estejam prontos a ser divulgados no princípio da próxima semana», garantiram ao Expresso fontes governamentais. — Rogério Gomes.

(Expresso, de 13 de Fevereiro de 1988.)

Os dois inspectores que, por determinação da Ministra Leonor Beleza, foram substituir no Instituto Nacional de Sangue o Dr. Benvindo Justiça poderão ser «excelentes polícias», mas de medicina «nada percebem».

A opinião pertence ao Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, que, através de um comunicado ontem divulgado, critica aquela decisão da responsável do Ministério da Saúde.

Também a assembleia do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, reunida no Hospital de D. Estefânia, em Lisboa, aprovou uma moção na qual se denuncia a «atitude prepotente» do Ministério da Saúde e manifesta solidariedade para com Benvindo Justiça, pela sua atitude «digna e corajosa».

(«Fim de Semana», edição de O Diário, de 13 de Fevereiro de 1988.)

O Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos afirmou ontem que a Ministra da Saúde substituiu, no Instituto Nacional de Sangue, um médico especialista por dois inspectores, que poderão ser «excelentes polícias», mas que de medicina ou de sangue «nada percebem».

«A sida não se neutraliza nem se destrói com processos disciplinares», conforme se sublinha num comunicado distribuído pelo Conselho.

Depois de considerar que Benvindo Justiça foi punido «por ter alertado» a opinião pública sobre os eventuais perigos para a saúde resultantes das deficiências do Instituto que dirigia, aquele Conselho manifesta «perplexidade e apreensão» por o Ministério da Saúde resolver as críticas de carácter técnico «calando os especialistas».

«A partir de agora, os técnicos de saúde não se atreverão a alertar os Portugueses sobre os perigos que os ameaçam, sob pena de se tornarem vítimas da censura ministerial», denuncia o Conselho.

E conclui: «Assim vai o Ministério da Saúde.»