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11 DE JUNHO DE 1988

1588-(23)

11 — Também no aresto se refere que a consideração de causas objectivas como motivo de despedimento, depois de posteriormente suprimida do Decreto-Lei n.° 372-A/75, veio a ser sempre repudiada, ao nivel da legislação ordinária, quer pelo Decreto-Lei n.° 84/76, quer pelos diplomas ulteriores. Com isto se está a querer sugerir — é evidente — que o legislador comum, depois da entrada em vigor da Constituição (25 de Abril de 1976), sempre leu o conceito constitucional de justa causa em termos estritos, ou seja, como abarcando unicamente uma motivação de tipo subjectivo.

Ora isto, historicamente, não é verdadeiro, pois que o Decreto-Lei n.° 508/80, de 21 de Outubro, que regulamentou o contrato do serviço doméstico, veio dar de justa causa uma definição alargada, aliás, e na minha óptica, em perfeita consonância com a conceitualização constitucional de tal figura jurídica. De facto, aí se diz no artigo 16.°, n.° 1, que «constitui, em geral, justa causa qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção das relações que decorrem da natureza especial do contrato de serviço doméstico», especificando-se no artigo 17.°, mas a título meramente exemplificativo, uma série de comportamentos do trabalhador susceptíveis de preencher o conceito de justa causa prefixado no artigo anterior.

Mais um erro histórico — este, aliás, de somenos importância — que se aponta ao acórdão.

A concluir esta análise, há agora que fazer a síntese do que para trás se disse, há que salientar, em suma, que no acórdão o pensamento raciocinante se perdeu no labirinto da história jurídica e chegou a uma conclusão errada sobre o conceito constitucional de justa causa. Este é o elemento histórico que decisivamente o diz, é um conceito amplo e não estrito.

12 — Todavia, cabe ainda dizê-lo, não foi apenas por razões históricas que se entendeu que o artigo 53.° da Constituição consagrava um conceito amplo de justa causa.

Algo combinatoriamente com o arrazoado de ordem pregressa que se veio tecendo, surgem outras linhas de argumentação que com ele confluem.

Nesta ordem de ideias, e antes de mais, cabe lembrar, a este propósito, que o artigo 16.°, n.° 2, da Constituição determina que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem». Ora, em tal domínio, esta Declaração Universal limita-se a determinar, no artigo 23.°, n.° 1, que «toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego».

À luz deste dispositivo, poder-se-á dizer que causas objectivas que tornem impossível a manutenção da relação de trabalho não correspondem afinal a condições equitativas e satisfatórias no que se refere à cessação de tal relação por despedimento? Creio absolutamente que não.

Aliás, deste modo também o entendeu a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é hoje simples instituição especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), a cuja Assembleia Geral se deve, como é sabido, a proclamação da referida Declaração Universal dos Direitos do Homem. E, dado o estreito relacionamento que presentemente se observa, na sequência do acordo de 1946, entre a OIT e a ONU, é de presumir que aquela, nas suas recomendações,

tenha muito particularmente em conta essa mesma afirmação de direitos constante da citada Declaração Universal. Ora, a OIT, na Recomendação n.° 119, sujeita à epígrafe «Recomendação respeitante à cessação da relação laboral por iniciativa do empregador», determina, a dado passo, o seguinte:

2. (1) Nenhum despedimento se deverá verificar sem que ocorra motivo válido de despedimento ligado à aptidão ou à conduta do trabalhador ou devido a necessidades de funcionamento da empresa, do estabelecimento ou do serviço.

Como se vê, a própria OIT, naturalmente interpretando nesse sentido a Declaração Universal dos Direitos do Homem, considerou justificável o despedimento por razões objectivas, desde que impostas por necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço. Tendo, pois, em conta o disposto no artigo 16.°, n.° 2, da Constituição, deveria ter sido interpretado nesta mesma linha o artigo 53.° da Constituição. Não foi isso, porém, o que se verificou.

13 — Por fim, não se quer deixar de referir que, segundo o n.° 3 do artigo 9.° do Código Civil, «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». Estes princípios de hermenêutica são geralmente considerados como princípios de aplicação universal na nossa ordem jurídica. E a eles se deverá recorrer na interpretação da própria Constituição, desde logo porque esta não fixa quaisquer princípios em ordem à interpretação das suas normas.

Dito isto, importa recordar aqui o que escreveu José Gil de Jesus Roque, Da Justa Causa do Despedimento face à Actual Lei Portuguesa, p. 33:

Como se sabe, o desemprego é desde há muito uma das maiores preocupações de quase todos os governantes do Mundo e das associações sindicais.

Tais situações são devidas principalmente a uma luta permanente que existe entre o binómio — estabilidade no emprego e equilíbrio económico das empresas —, o que em última análise redundará no desejo constante de desenvolvimento económico das nações e o bem-estar social dos seus povos.

São, como é bom de ver, duas constantes que se digladiam, mas que necessitam uma da outra para sobreviverem.

Sem empresa não haverá trabalho, mas sem trabalho não haverá empresa.

Traça-se aqui, e em poucas linhas, um quadro realista da situação, mostrando-se claramente como os problemas da estabilidade do emprego e do equilíbrio económico das empresas estão intimamente interligados. Tendo em conta estas duas vertentes da situação, não será naturalmente fácil, nem talvez possível, dizer--se — para efeitos de aplicação do critério hermenêutico do artigo 9.°, n.° 3, do Código Civil ao artigo 53.° da Constituição — qual deveria ser, em termos de equidade, a solução mais acertada na definição do conceito de justa causa.

Uma coisa, no entanto, tem-se por segura. Uma interpretação extremista do artigo 53.° da Constituição, como a que foi acolhida no acórdão, interpretação que protege quase absolutamente a estabilidade no emprego e prejudica quase absolutamente o equilíbrio económico