O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1704

II SÉRIE — NÚMERO 92

2.2 — Não resta dúvida que dessas disposições se terão de exceptuar (como, aliás, se assinala na «nota justificativa» que acompanha a proposta de lei) a alínea é) do n.° 1 do artigo 1.° e o artigo 5.° Isto «por serem os únicos preceitos do diploma que fazem depender, respectivamente, a conservação da nacionalidade e a conservação ou concessão da mesma de uma declaração de vontade ou de uma decisão do Governo, prestada aquela e proferida esta a todo o tempo».

Não descabida seria uma sumária reflexão sobre o alcance da revogação de todo o diploma, com especial incidência no artigo 4.°, que é o seu mais determinante preceito. Realmente, e bem vistas as coisas, o enunciado feito nos artigos 1.° e 2.° serve fundamentalmente para apurar quem, por não se integrar em qualquer das hipóteses neles postas, perde a nacionalidade.

Por assim ser, perguntar-se-á se, uma vez revogado o artigo 4.°, os portugueses que o eram face ao sistema da Lei n.° 2098 perderam irremediavelmente a nacionalidade ou se ainda a poderão ter, sem ser pela via do artigo 5.° do decreto-lei ou por naturalização.

Tudo estará em apurar se a perda da nacionalidade se operou instantaneamente pelo simples facto do acesso dos países ultramarinos à independência, ou se constitui uma mera consequência desse facto, mas só enquanto vigorar uma norma excepcional como é aquele artigo 5.0

Não é de esquecer que o direito à nacionalidade é um direito fundamental, hoje constitucionalmente consagrado (*). O que implicará uma especial cautela no seu manuseamento, mesmo para além do quadro normativo do artigo 18.° da Constituição.

2.3 — Não é de esquecer, por outro lado, as situações de algum modo injustas que advieram do decreto-lei de 1975 e de que dão, por exemplo, conta os pareceres da Procuradoria-Geral da República de 13 de Novembro de 1975 {Boletim do Ministério da Justiça, n.° 256, p. 28) e de 27 de Janeiro de 1977 (idem, n.° 274, p. 23).

(*) Artigo 26.°, n.° 1. O direito à nacionalidade e o direito à cidadania são, no essencial, equivalentes, embora indiciando o primeiro um tratamento predominantemente privatísüco e postulando o segundo um enquadramento de direito público. Cf. o que a este propósito assinala Moura Ramos (ob. cit., 1984, p. 3, em nota). Jorge Miranda opta abertamente pela adopção, em qualquer caso, da fórmula «cidadania», o que parece excessivo, face ao difundido emprego da palavra «nacionalidade» (ob. cit, p. 83). Esta não tem, aliás, conotações com a ideia de Nação, no seu sentido ideologicamente negativo, próprio dos nacionalismos autoritários. É um conceito jurídico. E, de qualquer modo, a anfibologia da palavra Nação cobrirá as mais diversas acepções, que irão desde as que estiverem na base da Revolução Francesa (Constituição de 1791) às puramente sociológicas, que a identificavam com a noção de Pátria. Cf., sobre os diversos sentidos de Nação, Charles Rousseau, Droit international public, il, 1974, pp. 19 e segs. Um deles resultaria da identidade da língua. «L' identité de langue a été elle-aussi maintes fois présentée comme le seul critère objectivement valable de la nation, notamment par Talleyrand, Fichte, Bluntschli et de nos jours par le grand linguiste Meillet. Rivaro) avait déjà dit: 'Ma patrie, c'est la langue dans laquelle j'écris.'» (Rousseau, ob. cit., p. 21.) A curiosidade da transcrição está em que, ao que tudo faz crer, sem se inspirar em Rivarol, que foi um escritor francês que viveu na segunda metade do século xvm (1753-1801), Fernando Pessoa viria a dizer, no Livro do Desassossego, que a «minha pátria é a lfngua portuguesa». O que vem comprovar a polivalência da ideia de nação e a associabilidade do conceito jurídico de nacionalidade apenas à vertente que coincidir com a noção de Estado. Aliás, para ajuizar do sentido preciso da frase de Fernando Pessoa, parece útil lembrar o seu contexto: «Não tenho sentimento nenhum, politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentido patriótico. Minha pátria é a lingua portuguesa. Nada pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente.» A ideia de Nação é aqui inexistente, enquanto realidade política ou sociológica ou enquanto fórmula estatal. Cf., a este respeito, Eduardo Prado Coelho, «A lingua dos 'infantes'», na ICALP — Revista, Julho de 1986, máxime p. 62.

2.4 — Visto o problema, afigura-se que a revogação do Decreto-Lei n.° 308-A/75 não terá o efeito negativo (ou, pelo menos, controvertível) hipotisado.

É que, na realidade, e como exactamente sustenta o seu mais declarado «opositor», Dr. Moura Ramos, ele «viu já produzirem-se a maior parte dos efeitos a que era dirigido».

Realmente, «tendo em vista regular as consequências da descolonização e da emergência de novos Estados sobre a nacionalidade portuguesa (problema que não pôde ser tratado, como melhor seria, em instrumento internacional), a maior parte das suas regras apenas poderão ter algum interesse para o futuro se a metade ocidental (*) da ilha de Timor, hoje objecto de anexação pela Indonésia [...] ou o território de Macau se tornarem independentes» (Moura Ramos, ob. cit., 1984, p. 70).

Quer isto dizer que, quanto aos territórios ultramarinos já acedidos à independência e ao quadro fáctico nele directa e imediatamente previsto, o decreto-lei já produziu os seus efeitos.

Claro que, a ser assim, como parece ser, não seria inteiramente desfocada a questão de indagar sobre a vantagem de uma revogação relativamente a um diploma já sem aplicabilidade pelo menos em quase todos os seus preceitos.

A justificação que a revogação encontrará será a de que, com ela, as situações ficarão mais clarificadas e a ordem jurídica mais concludente, no que agora está em causa.

Não há violação de legitimáveis expectativas.

E o recurso ao artigo 5.°, quando não feito até agora, terá perdido, no que é essencialmente tutelável, a sua razão de ser.

É evidente que, estando Portugal vinculado a promover e garantir o direito à independência de Timor Leste (cf., sobretudo, artigo 297.° da Constituição), da revogação do diploma em causa nunca poderá decorrer uma diminuição das expectativas criadas aos portugueses de Timor Leste.

2.5 — Ainda quanto ao artigo 5.°, e tendo em vista que mais de uma dezena de anos passados sobre a publicação do diploma ainda continuavam a afluir, em ritmo impressionante, os pedidos de conservação ou concessão da nacionalidade (o que, aliás, já se registou no Despacho Normativo n.° 11/82, de 20 de Janeiro, do Secretário de Estado da Administração Interna), tem-se que, na verdade, o acto de graça que ele implica por parte do Governo melhor motivará um processo de naturalização.

A excepção deverá ser convolada para o regime regra.

Trata-se, no fundo, de mecanismos análogos. Mas os segundos ganham na vantagem de serem os mais naturais.

3 — Pelo que fica dito, é de concluir que a proposta de lei n.° 63/V foi correctamente admitida, estando em condições de subir a Plenário.

Palácio de São Bento, 6 de Julho de 1988. — O Relator e Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Mário Raposo.

(*) Há um lapso de escrita. Deve ler-se oriental (Timor Leste).

Páginas Relacionadas
Página 1707:
13 DE JULHO DE 1988 1707 RESOLUÇÃO inquérito parlamentar ao acidente de camarat
Pág.Página 1707