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16 DE MAIO DE 1992

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podemos dizer nemine discrepante, mas com com uma opinião esmagadoramente maioritária, o critério de morte cerebral.

A identificação do momento do passamento com a morte cerebral significa a aceitação de que a vida humana permanece enquanto se mostrar susceptível de actividade o órgão do qual depende a coordenação das diversas funções corpóreas e a própria unidade e individualidade da pessoa enquanto ente psíquico (cf. L. Eusebi, «Beni penalmente rilevanti e trapianti d'organo», Rivista Italiana di Medicina Legale, 1986; pp. 999 e segs.). A proposta de lei (artigo 16.°) e o projecto'de lei (artigo 10.°) prevêem que, por/1 decreto-lei, receptício dos pareceres do Conselho de Ética para as Ciências da Vida e da Ordem dos Médicos, seja definido o conjunto de regras de semiologia médico-legal a observar para que se considere verificada a morte.

Compreendemos que o legislador deva acautelar, por uma questão de prudência na formulação do juízo sobre a morte, quaisquer hipóteses de precipitação, mesmo que remotas. Daí o artigo 3.°, n.05 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 553/76 ter exigido que a certificação de morte se faça por dois médicos alheios à equipa que procede à colheita e que o óbito seja confirmado pelo cirurgião e pela respectiva equipa médica. Essas regras são mantidas no artigo 8.° do projecto de lei e até melhoradas pela adição de um novo paragrafo no artigo 15.° da proposta de lei. Quanto à definição, com a rigidez da sua consagração num texto legal, das regras de semiologia médico-legal, apesar do conforto de alguns exemplos do direito comparado, temos algumas dúvidas quanto à bondade da solução. Uma outra alternativa a considerar será a enunciação daquelas regras por órgão da Ordem dos Médicos, associação pública que pode elaborar directrizes ou normas vinculativas para todos os profissionais que exercem medicina. É questão a ser devidamente ponderada.

6 — A necessidade do consentimento à colheita dado pelo dador ou já depois da morte deste pelos seus familiares é outro ponto fundamental a ser dilucidado e resolvido pela legislação sobre transplantes. Deixando de parte a discussão sobre a condição jurídica do cadáver — v., v. g., a resenha bibliográfica feita por António Carvalho, A Colheita de órgãos e Tecidos nos Cadáveres, Coimbra, 1986, pp. 33 e segs. —, há aqui que separar, por um lado, o valor do respeito tributado à pessoa humana, que se estende aos seus despojos e deve ter em atenção as disposições post mortem tomadas em relação ao seu. corpo e., por outro, o relevo atribuído à possibilidade de salvar ou melhorar substancialmente as condições de vida de outros seres humanos. O cadáver nem deve ser considerado uma res communitatis de que a sociedade livremente pode dispor, nem um bem cujo destino, para além do cumprimento das regras de higiene sanitária, seja indiferente à solidariedade social e à protecção da vida dos outros. A solução, necessariamente de compromisso, há--de atender aos direitos de personalidade, aos sentimentos religiosos e de piedade dominantes e aos interesses em jogo, e dependerá da cultura e idiossincrasia do povo que se considerar, do grau de difusão de conhecimentos sobre o progresso das ciências médicas e sobre a utilidade terapêutica ou científica de que pode revestir-se a colheita de Órgãos ou tecidos.

O sentimento religioso e o respeito piedoso pelo cadáver e sobretudo pela dignidade da pessoa e pelos direitos de personalidade fazem excluir qualquer solução que considere irrelevante o consentimento, mesmo em estado

de necessidade de outra pessoa. Dando ao consentimento a devida relevância, contrapõem-se, em direito comparado, dois modelos: o da necessidade do consentimento expresso (Einwillungsmodell) e o da legitimidade da colheita na falta de oposição (Widerspruchmodell) (cf., em geral, Schreiber, «Vorueberlegungen fuer ein kuenftiges Transplantationsgesetz», in Festschrift fuer Klug, n, Colónia, 1983, pp. 349 e segs.). Qualquer dos projectos que estudamos optou pelo modelo de falta de oposição, autorizando que a colheita possa realizar-se desde que o de cujus não tenha manifestado em vida oposição a tal procedimento (artigos 15.°, n.° 1, da proposta de lei e 7.°, n.° 1, do projecto de lei). Julgamos que. tendo em conta a nossa cultura e os nossos hábitos sociais, é a solução correcta. Não esqueçamos, de resto, que solução bem mais publicista, considerando irrelevante qualquer eventual manifestação de vontade do de cujus ou familiares, é adoptada em matéria de obrigatoriedade de autópsia por razões médico-legais.

7 — Neste capítulo importa ainda resolver se a dádiva post mortem dos menores de 14 anos — a idade é fixada por sintonia com a lei penal — ou de incapazes deve ser sujeita a regras especiais. Pensamos que, na hipótese que estamos a tratar, colheita em cadáver, deve manter-se o modelo da falta de oposição ou, como também se diz, do consentimento presumido, com a diferença óbvia de que caberá ao representante legal do menor ou do incapaz manifestar em vida destes a oposição à possibilidade de serem encarados como dadores.

Os termos em que a oposição deve ser manifestada deverão ser idênticos aos do consentimento expresso quando exigido, isto é, a oposição deve ser um acto pessoal, livre, esclarecido e inequívoco, apenas podendo ser praticado pelo representante legal quanto aos menores e incapazes. O acto de oposição deve igualmente ser livremente revogável. Julga-se, de resto, útil regular em preceito próprio o direito de oposição e a forma da sua manifestação (v. os artigos 7° do projecto e 13.°, n.° 1, da proposta, com redacções que se nos afiguram incompletas).

8 — A necessidade de organização de um registo nacional dos não dadores, devidamente informatizado, e a de emissão de cartões para os não dadores — meio privilegiado ou mesmo único de evidenciar a oposição — são aspectos organizatórios essenciais para que este dispositivo legal funcione. Uma vacatio legis suficientemente longa para permitir pôr de pé este esquema, ou um período de transição adequado, são indispensáveis para evitar soluções de continuidade entre a situação actual de consentimento presumido sem forma obrigatória de prova e o novo sistema de registo nacional dos não dadores.

V — Colheita em dadores vivoe

9 — Na colheita de órgãos ou tecidos em dadores vivos, a lei tem de ser muito mais exigente quanto aos requisitos da sua admissibilidade. Haverá que distinguir claramente entre substâncias regeneráveis e não regeneráveis. Haverá sempre que atender ao juízo de proporcionalidade entre os danos que causa ao dador e os riscos em que o faz incorrer, por um lado, e os benefícios terapêuticos proporcionados ao receptor, por outro. O princípio da prevalência de preservação da vida deverá ser sempre observado. Na prática tal significa que, quanto às

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