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Sábado, 16 de Março de 1996

II Série-A — Número 28

DIÁRIO

da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

1.a SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

SUMÁRIO

Decretos (n." 12/VII e 13/VTi):

N.' 12ATI — Estabelece um novo regime de incompatibilidades .............................................................................. 486

N.° — Regime aplicável ao exercício do mandato

dos membros das juntas de freguesia.............................. 486

Vnfrftai de U (n.« 118AH a lZt/VTI):

N." 118/VI1 —Elevação da povoação de Olival Basto, no concelho de Loures, à categoria de vila (apresentado pelo PCP)(a).

N.° 119AfII— Elevação da povoação de Camarate, no concelho de Loures, à categoria de vila (apresentado pelo PCP) Ca).

N.° I20/VH — Elevação da vila de Sacavém, no concelho de Loures, à categoria de cidade (apresentado pelo PCP) (a).

N.° 121 ATI Código Cooperativo (apresentado pelo PS) (ty.

Proposta de lei (n.° 14/VTXj (Estabelece a redução dos períodos normais de trabalho superiores a quarenta horas semanais)'.

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias................. 488

Propostas de resolução (n." 2/VII e 3/VH) (c):

N.° 2/VH — Aprova, para ratificação, o Acordo Euro--Mediterrfinico que Cria Uma Associação entre as Comunidade Europeias e os Seus Estados Membros, por um lado, e a República da Tunísia, por outro, e Respectivos Protocolos e Anexos, bem como a Acta Final com as Declarações, assinado em Bruxelas. N.° 3/VH —Aprova, para ratificação, o Acordo de Parceria e Cooperação Que Estabelece Uma Parceria entre as Comunidades Europeias e os Seus Estados Membros, por um lado, e a Federação Russa, por outro, e Respectivos Anexos e Protocolos, bem como a Acta Final com as Declarações, assinado em Corfu

(a) Serão publicados no n.° 29 desta subsérie do Diário.

(6) Vem publicado em suplemento a este número, (c) Dada a sua extensão vêm publicadas em 2.° suplemento.

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II SÉRIE-A — NÚMERO 28

DECRETO N.s 12/VII

ESTABELECE UM NOVO REGIME DE INCOMPATIBILIDADES

A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.°, alínea d), 167.°, alínea Q, e 169.°, n.° 3, da Constituição, o seguinte:

Artigo 1." Regime de exclusividade

1 — Os presidentes, vice-presidentes e vogais da direcção de instituto público, fundação pública ou estabelecimento público, bem como os directores-gerais e subdirecto-res-gerais e aqueles cujo estatuto lhes seja equiparado em razão da natureza das suas funções, exercem os cargos em regime de exclusividade, independentemente da sua forma de provimento ou designação.

2 — O regime de exclusividade implica a incompatibilidade dos cargos aí referidos com:

á) Quaisquer outras funções profissionais, remuneradas ou não;

b) A integração em corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos ou a participação remunerada em órgãos de outras pessoas colectivas.

Artigo 2.° Excepções

1 — Exceptuam-se do disposto no artigo anterior:

a) As actividades de docência no ensino superior, bem como as actividades de investigação, não por dendo o horário em tempo parcial ultrapassar um limite a fixar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Educação;

b) As actividades derivadas do cargo e as que são exercidas por inerência;

c) A participação não remunerada quer em comissões ou grupos de trabalho, quer em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos colegiais, quando previstos na lei e no exercício de fiscalização ou controlo do uso de dinheiros públicos;

d) As actividades ao abrigo do artigo 32.° do De-creto-Lei n.° 73/90, de 6 de Março, e do artigo único do Decreto Regulamentar n.° 46/91, de 12 de Setembro.

2 — Os titulares de altos cargos públicos referidos no artigo 1.° poderão auferir remunerações provenientes de:

a) Direitos de autor;

b) Realização de conferências, palestras, acções de formação de curta duração e outras actividades de idêntica natureza.

Artigo 3.° Remissão

Aos titulares de altos cargos públicos referidos no artigo 1.° são aplicáveis os artigos 8.°, 9.°, 11.°, 12." e, com as necessárias adaptações, 13." e 14." da Lei n.° 64/ 93, de 26 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.° 28/95, de 18 de Agosto.

Artigo 4.° Norma revogatória

É revogado o n.° 2 do artigo 3.° da Lei n.° 64/93, de 26 de Agosto, na redacção dada pelo n.° 4 do artigo 8.° da Lei n.° 39-B/94, de 27 de Dezembro.

Artigo 5."

Aplicação

As situações jurídicas constituídas na vigência da lei anterior serão adequadas ao disposto na presente lei no prazo de 60 dias após a sua entrada em vigor.

Aprovado em 29 de Fevereiro de 1996.

O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.

DECRETO N.a 13/VII

REGIME APUCÁVEL AO EXERCÍCIO DO MANDATO DOS MEMBROS DAS JUNTAS DE FREGUESIA

A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.°, alínea d), 167.°, alínea 0. e 169.°, n.° 3, da Constituição, o seguinte:

Artigo 1." Regime de tempo inteiro e meio tempo

Os membros das juntas de freguesia podem exercer o mandato em regime de permanência, a tempo inteiro ou a meio tempo.

Artigo 2.°

Deliberação sobre o regime de tempo inteiro e meio tempo

1 — Compete à assembleia de freguesia, nos casos previstos nos n.0* 3 e 4 do artigo 3.°, sob proposta da junta, deliberar sobre a existência de membros em regime. de permanência, a tempo inteiro ou meio tempo.

2 — A deliberação prevista no número anterior só será eficaz quando tomada por maioria absoluta dos membros em efectividade de funções.

3 — Em caso de recusa ou ineficácia da deliberação não pode ser apresentada nova proposta no decurso do ano em que esta tiver sido submetida.

Artigo 3." Limites

1 — Nas freguesias com o mínimo de 5000 eleitores c o máximo de 10 000 eleitores ou nas freguesias com mais de 3500 eleitores e 50 km2 de área o presidente da junta poderá exercer o mandato em regime de meio tempo.

2 — Nas freguesias com mais de 10 000 eleitores ou nas freguesias com mais de 7000 eleitores e 100 km2 de área o presidente da junta poderá exercer o mandato em regime de tempo inteiro.

3 — Poderão ainda exercer o mandato em regime de meio tempo os presidentes das juntas de freguesia com mais de 1000 eleitores desde que o encargo anual com -ò. respectiva remuneração, nos termos do artigo 5.°, não ul-

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trapasse 10 % do valor total geral da receita constante da conta de gerência do ano anterior nem do inscrito no orçamento em vigor.

4 — Poderão ainda* exercer o mandato em regime de tempo inteiro os presidentes das juntas de freguesia com mais de 1500 eleitores desde que o encargo anual com a respectiva remuneração, nos termos do artigo 5.°, não ultrapasse 10 % do valor total da receita constante da conta de gerência do ano anterior nem do inscrito no orçamento em vigor.

Artigo 4.° Distribuição de funções

1 —O presidente poderá atribuir a um dos restantes membros da junta o exercício das suas funções em regime de permanência.

2 — Quando cumpra o seu mandato em regime de tempo inteiro o presidente poderá:

a) Optar por exercer as suas funções em regime de meio tempo atribuindo a qualquer dos restantes membros o outro meio tempo;

b) Repartir o tempo inteiro em dois meios tempos e atribuir cada um deles a dois restantes membros da junta.

Artigo 5.° Remuneração

1 — O valor base da remuneração do presidente da junta de freguesia em regime de permanência é fixado por referência ao vencimento base atribuído ao Presidente da República, de acordo com os escalões seguintes:

a) Freguesias com mais de 20 000 eleitores — 25 %;

b) Freguesias com mais de 10 000 e menos de 20 000 eleitores — 22 %;

c) Freguesias com mais de 5000 e menos de 10 000 eleitores — 19 %;

d) Freguesias com menos de 5000 eleitores — 16 %.

2 — Nos casos previstos no artigo 4.° mantém-se o valor da remuneração do n.° 1 do presente artigo.

3 — A remuneração prevista no n.° 1 deste artigo não acumula com o abono previsto no artigo 7.°

Artigo 6.° Periodicidade da remuneração

A remuneração prevista no artigo 5.° tem periodicidade mensal, acrescendo-lhe dois subsídios extraordinários de montante igual aquela, em Junho e em Novembro.

Artigo 7." Abonos aos Ütulares das juntas de freguesia

1 — Os presidentes das juntas de freguesia que não exerçam o mandato em regime de permanência têm direito a uma compensação mensal para encargos, fixada por referência às remunerações atribuídas aos presidentes das câmaras municipais dos municípios com menos de 10 000 eleitores, de acordo com os índices seguintes:

d) Freguesias com 20 000 ou mais eleitores — 12 %;

b) Freguesias com mais de 5000 e menos de 20 000 eleitores — 10 %;

c) Restantes freguesias — 9%.

2 — Os tesoureiros e secretários das juntas de freguesia que não exerçam ó mandato em regime de permanência têm direito a idêntica compensação no montante de 80 % da atribuída ao presidente do respectivo órgão.

Artigo 8."

Senhas de presença

1 — Os vogais das juntas de freguesia que não sejam tesoureiros ou secretários têm direito a uma senha de presença por cada reunião ordinária ou extraordinária correspondente a 7 % do abono previsto no n.° 1 do artigo 7."

2 — Os membros da assembleia de freguesia têm direito a uma senha de presença por cada reunião ordinária ou extraordinária correspondente a 5% do abono previsto no n.° 1 do artigo 7."

Artigo 9."

Dispensa do exercício parcial da actividade profissional

Os membros das juntas de freguesia que não exerçam o mandato em regime de permanência têm direito à dispensa do desempenho das suas actividades profissionais, para o exercício das suas funções autárquicas, ficando obrigados a avisar a entidade patronal com vinte e quatro horas de antecedência, nas seguintes condições:

a) Nas freguesias de 20 000 ou mais eleitores — o presidente da junta até 36 horas mensais e dois membros até vinte sete horas;

b) Nas freguesias com mais de 5000 e até 20 000 eleitores — o presidente da junta até trinta e seis horas mensais e dois membros até dezoito horas;

c) Nas restantes freguesias — o presidente da junta até 36 horas mensais e um membro até dezoito horas.

Artigo 10.° Pagamentos ou encargos

1 — A verba necessária ao pagamento das remunerações e encargos com os membros da junta em regime de tempo inteiro ou de meio tempo será assegurada directamente pelo Orçamento do Estado.

2 — O disposto no número anterior não se aplica aos casos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 3."

Artigo 11.° Legislação aplicável

Aplicam-se subsidiariamente aos eleitos para órgãos das juntas de freguesia, com as necessárias adaptações, as normas da Lei n.° 29/87, de 30 de Junho.

Artigo 12.° Incompatíbilldades

Aplica-se aos membros das juntas de freguesia que exerçam o seu mandato em regime de permanência a tempo inteiro o disposto nas normas da Lei n.° 64/93, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 28/95, de 18 de Agosto.

Artigo 13." Revogação

São revogados o artigo 9.° e o n.° 3 do artigo 10.° da Lei n.° 29/87, de 30 de Junho.

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Artigo 14.° Entrada em vigor

O presente diploma produzirá os seus efeitos com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para o presente ano económico.

Aprovado em 29 de Fevereiro de 1996.

O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.

PROPOSTA DE LEI N.2 14/VII

ESTABELECE A REDUÇÃO DOS PERÍODOS NORMAIS DE TRABALHO SUPERIORES A QUARENTA HORAS POR SEMANA.

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso de admissibilidade da proposta de lei apresentado pelo PCP.

I — Razão de ordem

A proposta de lei n.° 14/VII vem na sequência do acordo económico e social de 1990, ao considerar que o calendário de redução do tempo de trabalho para as quarenta horas e um conjunto de linhas orientadoras de adaptabilidade da organização de trabalho não foi atingido no quadro da negociação colectiva então previsto.

Assim, a proposta de lei, na sequência do acordo da concertação social de curto prazo, de 24 de Janeiro de 1996, e tendo em conta o quadro dos princípios estabelecidos no acordo económico e social, visa concretizar, pela via legislativa, esses mesmos objectivos ao estabelecer um calendário para a redução de períodos normais de trabalho, que faz acompanhar de um conjunto de princípios de adaptabilidade dos horários.

Para além dos princípios de adaptabilidade previstos no artigo 3.° da proposta de lei, esta introduz ainda alterações ao Decreto-Lei n.° 409/71, de 27 de Setembro, e ao artigo 22.° do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 91 408, de 24 de Novembro de 1961.

II — Fundamentos do recurso

Alguns Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista interpuseram recurso do despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta de lei n.° 14/VII, por considerarem que a mesma «viola grosseiramente a Constituição da República conforme fundamentação» que aduzem.

Consideram os recorrentes nas suas conclusões que a proposta de lei espezinha verdadeiramente a Constituição da República e os direitos dos trabalhadores, violando os artigos 2.°, 9.°, alínea d), 17.°, 18.°, 56.°, n.° 3, 58.°, 59.°, alíneas b) e d), e 61." da Constituição da República Portuguesa.

Em traços gerais, os recorrentes, numa versão marcadamente ideológica, fazem da proposta de lei uma análise que conclui pela inconstitucionalidade com base numa aplicação alargada do princípio de retrocesso social em matéria de direitos fundamentais.

Citam a propósito os constitucionalistas Vital Moreira e Gomes Canotilho (in Fundamentos da Constituição), refe-

rindo que o princípio do Estado social implica: «proibição de retrocesso social, subtraindo à livre e oportunista disposição do legislador a diminuição dos direitos adquiridos, em violação do princípio de confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural.» Genericamente, os recorrentes consideram que:

O Governo não pretende a redução do horário de trabalho para as quarenta horas semanais, conforme proposto pelo PCP, mas, pelo contrário, cedendo ao grande patronato e com a colaboração de outros parceiros sociais, segue a caminhada do PSD na desregulamentação completa das relações laborais, enfraquecendo mais ainda a posição dos trabalhadores;

Ao proceder desta forma se está a atentar contra «conquistas históricas» resultantes de lutas e sacrifícios que muitas vezes representaram o sacrifício da própria vida;

A limitação da duração do trabalho constitui parte dos inacessíveis direitos à felicidade e à realização pessoal, direitos que têm consagração constitucional e que quando confrontados com a avidez do lucro teriam fatalmente de produzir confrontos e mártires;

A limitação de poderes da entidade patronal no que toca às tarefas exigíveis aos trabalhadores resulta do direito à realização profissional;

O Governo age com uma óptica empresarial, colocando os trabalhadores à mercê das entidades patronais, assegurando que estas disponham dos tempos de repouso e dos lazeres dos trabalhadores conforme lhes convêm, retirando-lhes disponibilidade para a realização pessoal e das suas famílias;

Esta proposta de lei constitui um retrocesso social, anulando direitos consagrados em leis datadas de 1961 e 1971, e que o Governo avança com uma das mais graves medidas contra os trabalhadores;

É que Constituição da República Portuguesa não admite tal afrontamento aos direitos dos trabalhadores, pelo que a proposta de lei, onde são manifestas as inconstitucionalidades, não deveria ter sido admitida.

Do ponto de vista jurfdico-constitucional o recurso apresentado sintetiza a sua análise crítica à proposta do Governo em quatro aspectos fundamentais, que depois desenvolve para concluir pela referida inconstitucionalidade.

São os seguintes:

a) «Introduz no quadro da organização de trabalho o conceito de trabalho efectivo»;

b) «Procede à desconstrução da norma de organização semanal do trabalho, enveredando pela constituição de uma outra baseada na organização do trabalho por ciclos, no caso concreto por períodos de quatro meses»;

c) «Alarga desmedidamente o jus variandi, impondo ao trabalhador a realização de tarefas não compreendidas no objecto do contrato»;

d) «Anula os regimes obtidos quanto à redução de horários de trabalho e os regimes de organização da duração semanal de trabalho, obtidos por convenção colectiva, mesmo que mais favoráveis para os trabalhadores do que os previstos no diploma, impondo as reduções da proposta de lei».

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São estes os quatro aspectos que, metodologicamente, passaremos a analisar, confrontando a argumentação apresentada com a lógica constitucional, tendo em vista uma conclusão final quanto à eventual admissibilidade do recurso apresentado.

Ill — Analisa da argumentação apresentada

1 —Quanto à introdução de um novo conceito de trabalho efectivo:

Os recorrentes consideram estarem em causa os preceitos constitucionais da alínea b) do n.° 1 do artigo 59.° (direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificastes, de forma a facultar a realização pessoal) e da alínea d) do mesmo número e artigo (direito ao repouso e aos lazeres,, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas).

Ora, a noção de trabalho efectivo (n.° 3 do artigo 1." da proposta de lei) parece assumir uma finalidade específica e exclusiva.

Esta finalidade é a de determinar o modo por que se faz a redução para quarenta horas. Não se trata, portanto, da introdução de um «novo» conceito de trabalho, como pretendem os requerentes, assumindo esta noção de trabalho efectivo um conteúdo meramente instrumental nos termos da proposta de lei.

Deve atender-se ao facto de que todas as regras legais ou convencionais que consideram «tempo de serviço» para variados efeitos (designadamente remuneratórios), os períodos em que não é prestado efectivamente trabalho permanecem em vigor.

Não é aceitável a ideia de que a mediação da redução para quarenta horas de trabalho efectivo envolva condições menos dignificantes da organização do trabalho, impeça a realização pessoal do trabalhador, restrinja o direito ao repouso, elimine ou aumente o limite máximo da jornada de trabalho ou contenda com o descanso semanal ou com as férias pagas.

Pelo contrário, a consagração do trabalho efectivo, na redução, pode ser vista como vantajosa para os trabalhadores: estes terão uma diminuição de duas horas efectivas de trabalho e não apenas uma diminuição de duas horas de tempo de permanência na empresa.

A, interpretação dada pelos recorrentes ao mencionado a." 3 do artigo 1.° da proposta de lei é de duvidosa consistência, porquanto os recorrentes omitem que as interrupções de trabalho excluídas do conceito de trabalho efectivo são aquelas que impliquem «[...] a paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador [...]», desde que «[...] resultantes de acordos, de normas de instrumentos de regulamentação colectiva ou de lei [...]».

As interrupções em causa são, portanto, respeitantes a casos como, por exemplo: as interrupções para refeições ou tempos alargados de repouso e nunca a do caso dado como exemplo do recurso — um motorista que esteja parado enquanto o camião é carregado ou descarregado.

Ou seja, o que a proposta de lei consagra é que os trabalhadores obtenham, para além de interrupções já garantidas por lei ou convenção colectiva, a redução de mais duas horas no seu trabalho efectivo, sem prejuízo das interrupções anteriormente conquistadas.

Relativamente a esta matéria introduzem ainda os recorrentes uma distinção entre três ópticas de analisar o conceito de trabalho.

Para esta distinção não apresentam apoio na lei, nem doutrinário, concluindo, no entanto, que o diploma em

causa introduziria um conceito empresarial de trabalho contrário ao da Constituição que, no seu entender, consagra a «perspectiva individual» do trabalho.

A conclusão dos recorrentes neste ponto parece-nos inconsistente, pois não só resulta de uma aglutinação e de uma interpretação duvidosas das diversas normas dó artigo 59.°, carecendo de apoio doutrinário, como, em qualquer caso, o legislador tem de aderir às soluções materiais impostas pela lei e não a uma conceitualização da mesma.

A conclusão dos recorrentes poderia levar, por absurdo, a que a imposição constitucional de um limite ao horário de trabalho pudesse compreender, por exemplo, o tempo de deslocação de um trabalhador entre á sua residência e o trabalho.

2 — Quanto à centralização da duração média semanal de trabalho em períodos de quatro meses:

Sustentam os recorrentes que as regras da proposta de lei são inconstitucionais por estabelecerem o conjunto da duração média semanal do trabalho em períodos de quatro meses, admitindo, em consequência, semanas com mais e com menos de quarenta horas e jornadas de trabalho que poderão ir até às dez horas ou descer até às seis horas.

Invocam, de novo, o desrespeito pelos preceitos das alíneas b)td)úo n.° 1 do artigo 51.° da Constituição, considerando que a proposta constitui um «retrocesso social».

Ora, analisando o texto constitucional, verificamos que o direito consagrado na alínea d) do referido artigo 51.° se reporta unicamente a «[...] um limite máximo da jornada de trabalho [...]». Efectivamente a proposta de lei contém limites máximos da duração do trabalho semanal e diário, pelo que, ao contrário do que pretendem os recorrentes, a proposta cumpre o imperativo constitucional.

De resto, os limites estabelecidos péla proposta de lei são inclusivamente mais favoráveis para os trabalhadores do que os consagrados na lei em vigor: o período máximo do trabalho normal é reduzido de quarenta e quatro para quarenta horas.

Quanto ao cálculo da duração média do trabalho semanal num período mais alargado, não se trata de uma inovação absoluta, pois já está previsto na lei actual (artigo S, n.° 7, do Decreto-Lei n.° 401/71, com a redacção do Decreto--Lei n.° 398/91), podendo ser estabelecido por convenção colectiva.

Comparativamente, podemos destacar ainda os seguintes aspectos:

A lei actual prevê o cálculo da média ao longo de um período de três meses, a proposta de lei passa para quatro meses, o que não parece traduzir um agravamento significativo;

O limite máximo diário da proposta de lei (dez horas) é igual ao da lei actual;

O maior limite semanal proposto (cinquanta horas) é igual ao da lei actual, prevendo a proposta de lei, para certos casos, limites mais baixos.

Por último, é de referir que a proposta de lei. consagra um intervalo mínimo de doze horas entre duas jornadas de trabalho sucessivas, aspecto inovador não só de um ponto de vista legislativo mas tendo também em consideração a própria contratação colectiva.

Não colhe, portanto, a argumentação dos recorrentes no sentido de estarmos perante um retrocesso social, pois a proposta de lei respeita os imperativos constitucionais sobre a matéria e sem introduzir significativas alterações aos

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limites diario e semanal, que baixa ou mantém, reduz de quarenta e quatro horas para quarenta horas o limite de duração semanal de trabalho, em termos médios.

3 — Quanto à ampliação do jus variandi: Consideram os recorrentes que a proposta de lei amplia

de forma inadmissível o recurso ao jus variandi, alargando de forma desmesurada a possibilidade de a entidade patronal impor ao trabalhador a realização de tarefas não compreendidas nas funções para que foi contratado, o que, no entender dos recorrentes, conflitua com o artigo 58.° da Constituição, colidindo também com o artigo 61." e traduzindo, mais uma vez, um retrocesso social.

Para os recorrentes trata-se de «uma medida inadequada, desproporcionada e desnecessária (a não ser, é claro, para o desmedido lucro privado)».

Mais do que qualquer consideração acerca da bondade da medida em si, ou da lógica que ela introduz, importa, no âmbito deste relatório, confrontá-la com as disposições constitucionais.

O jus variandi, tal como está previsto hoje no regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (artigo 22.°), é um regime especial que permite que a entidade patronal retire temporariamente o trabalhador da sua função normal e lhe exija, em vez dela, trabalho qualitativamente diferente, mediante certos requisitos.

Diverso é o alcance da proposta de lei. Esta reporta-se a uma situação em que a função normal do trabalhador permanece, admitindo-se apenas que ela seja completada por tarefas acessórias, desde que não influam negativamente na valorização profissional.

O exercício dessas tarefas, quando se trata de tarefas mais qualificadas, confere, após seis meses, o direito à categoria mais alta que lhes corresponda.

É manifestamente abusivo concluir que se trata de um retrocesso social quando, pelo contrário, a proposta de lei se situa num nível de protecção mais elevado do que o constante no actual regime do contrato individual de trabalho.

Porque o regime proposto diz respeito, unicamente, a tarefas acessórias, sem alterar o horário e sem perda da actividade principal, não se compreende de igual modo de que forma pode colidir com o direito ao trabalho (previsto no artigo 58.° da Constituição), como pretendem os recorrentes.

4 — Quanto às limitações às convenções colectivas: Segundo os recorrentes, a proposta de lei vai contra o

artigo 5.° da Constituição, pondo em causa a autonomia contratual colectiva.

Em boa verdade, a proposta de lei, no seu artigo 7.°, determina expressamente o seu carácter supletivo quanto às normas de convenções colectivas posteriores à sua entrada em vigor, salvaguardando sempre a possibilidade de estas poderem regular as mesmas matérias em sentido mais favorável aos trabalhadores e às empresas.

É certo que no n.° 2 do artigo 4.° prevê que, na falta de acordo, o regime proposto se aplique prevalecendo sobre a negociação colectiva anterior.

Tal solução é, no entanto, justificada por razões de justiça. Trata-se de garantir que as empresas que seguiram a

direcção apontada pelo acordo de 1990 não possam, por esse facto, ficar prejudicadas.

Parece esta solução não só não querer prejudicar as mais céleres na negociação, como introduzir um elemento de confiança na contratação colectiva.

O n.° 3 do artigo 56." da Constituição estabelece que «compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei», e o n.° 4 do mesmo artigo determina que: «A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas.»

Em bom rigor outra coisa não sucede nos termos da proposta de lei objecto do recurso.

A norma atacada tem justamente o sentido previsto constitucionalmente, ou seja, o de definir, em certos termos, a eficácia das disposições convencionais referentes a certos temas.

Nada na Constituição impede que o proposto tenha o alcance que tem, quando para mais tal se apresenta como um incentivo à negociação colectiva, não limitando o exercício do direito por parte das associações sindicais, antes manifestando o desígnio de favorecer esse exercício e declarando-se supletiva em relação ao que vier a ser negociado.

IV — Conclusão

Em conclusão, o recurso baseado numa perspectiva ideológica e numa certa conceitualização da Constituição material, nalguns casos ao arrepio do próprio texto constitucional e, quase sempre, para além da letra da lei fundamental, não encontra razões suficientes para a sua sustentação.

Finalmente, sempre se diga que, baseando-se o recurso na alegada violação de normas constitucionais de carácter programático, como é o caso do artigo 59.° e da repetida invocação de um hipotético retrocesso social, deve ter-se em conta, como afirma Jorge Miranda, que se exige a «ponderação das normas com a realidade circundante. Sendo copiosas as normas e escassos os recursos, dessa apreciação poderá resultar a necessidade de estabelecer diferentes tempos, graus e modos de efectivação dos direitos».

Posto o que não se vê que a proposta de lei n." 14/VÜ padeça de qualquer inconstitucionalidade.

Parecer

A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é, pois, de parecer que a proposta de lei n.° 14/VII não sofre de qualquer inconstitucionalidade, pelo que o rercurso deve ser rejeitado.

Palácio de São Bento, 13 de Março de 1996.— O Deputado Relator, Jorge Ferreira. — O Deputado Presidente, Alberto Martins.

Nota. — o relatório e parecer foi aprovado, com votos a favor do ps e do pp, votos contra do pcp e a abstenção do psd.

A DrvisAo de Redacção e Apojo Audiovisual.

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