O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

9 DE MAIO DE 1996

695

consagra a existência de limites à descentralização (v., neste sentido, Freitas do Amaral, ob. cit., p. 699). . Ainda de acordo com o mesmo autor, um desses limites consiste na intervenção do Estado na gestão das autarquias locais, intervenção que pode revestir diversas formas, a mais importante das quais é a tutela administrativa (ob. cit., p. 699).

A tutela é um poder do Estado-Administração sobre a administração autónoma, consistente no controlo da gestão de outra pessoa colectiva integrada na Administração Pública, visando salvaguardar a legalidade ou o mérito da sua actuação (neste sentido, v. Marcelo Rebelo de Sousa, ob. cit., p. 283). A tutela do Estado sobre as autarquias locais, sobretudo depois da revisão constitucional de 1982, é uma mera tutela de legalidade (cf. artigo 243.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa).

Atendendo ao seu conteúdo, a tutela pode assumir diferentes espécies: integrativa, inspectiva, sancionatória, revogatória e substitutiva (v. Freitas do Amaral, ob. cit., pp. 702-703).

Dessas modalidades assume especial relevância para a economia do presente relatório a tutela inspectiva, entendida como o poder de fiscalização dos órgãos e serviços da entidade tutelada, através de serviços especialmente encarregados de exercer essa função, os serviços inspec-tivos (cf. Freitas do Amaral, ob. cit., p. 705). Tanto mais que, independentemente das discussões doutrinárias quanto à admissibilidade das restantes formas de tutela em relação às autarquias locais (v. Freitas do Amaral, ob. cit., pg. 705 e 706), a tutela do Estado sobre as autarquias locais, nos termos do n.° 1 do artigo 243.° da Constituição, consiste «na verificação do cumprimento da lei», isto é, abrange claramente uma função inspectiva.

A propósito dá norma constitucional que prevê a competência do Governo para exercer tutela sobre a administração autónoma [artigo 202.°, alínea d), da Constituição da República Portuguesa), entende a doutrina que pode a lei dispensá-la, dado que a tutela governamental não é obrigatória (neste sentido v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.* ed., p. 782)..

Afigura-se, todavia, que essa dispensa não será constitucionalmente admissível no que concerne à tutela administrativa sobre as autarquias locais, ex vi, do disposto no artigo 243.° da Constituição. É que o facto de essa norma constitucional prever a tutela enquanto poder administrativo de controlo, vincula o legislador a dotar esse comando de um conteúdo mínimo, designadamente sob o ponto de vista da função inspectiva.

7 — Questão diversa é a de saber se o poder de tutela tem necessariamente de ser exercido pelo Governo, face ' ao disposto no artigo 202.°, alínea d), da Constituição.

De acordo com os constitucionalistas já citados, e no caso das autarquias do continente, nada obsta a que a lei opte por desconcentrar o exercício do poder de tutela (cf. ob. cit., p. 898).

Daqui decorre que o legislador poderá optar por atribuir o exercício do poder de tutela administrativa a outros órgãos da Administração Pública, para além do Governo. Com uma ressalva: tratar-se de um órgão da administração activa, face à natureza do poder em causa.

Ora, o projecto de lei n.° 147/VII, conforme já foi referido, atribui o controlo de legalidade da actuação das entidades autárquicas exclusivamente ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas e aos tribunais administrativos de círculo (v. artigo 3.").

É certo que o artigo 4.°, ao explicitar o conteúdo dos poderes de controlo de legalidade, refere que «o controlo de legalidade exerce-se através de inquéritos e da recolha e análise de informações e esclarecimentos prestados pelas entidades a fiscalizar, sem prejuízo do recurso aos demais instrumentos de fiscalização previstos nas leis orgânicas das entidades competentes». E de presumir que se pretendeu salvaguardar, com o segmento final da norma, as competências inspectivas dos serviços competentes integrados na administração directa do Estado.

Sucede que o exercício dessas competências, nos termos em que estão configuradas no n.° 3 do artigo 4.°, sempre dependerá de decisão do Ministério Público ou do Tribunal de Contas, não detendo os serviços inspectivos qualquer iniciativa nesta matéria. Pelo contrário, face ao disposto no n.° 3 do artigo 4." do projecto de lei, qualquer actuação desses serviços inspectivos sempre dependerá, necessariamente, de prévia decisão do Ministério Público ou do Tribunal de Contas, por iniciativa própria ou por solicitação de diferentes entidades.

Ora, tal solução parece conflituar com o disposto na alínea c) dó artigo 202." da Constituição.

O artigo 4.° do projecto parece, assim, padecer de inconstitucionalidade material, por violação do disposto na alínea d) do artigo 202." da Constituição.

8 — Chegados a este ponto da análise, forçoso é reconhecer que o projecto de }ei n.° 147/VII, independentemente da apreciação do respectivo mérito que pode e deve ser feita pelo Plenário, suscita algumas dúvidas quanto à constitucionalidade do disposto nos seus artigos 3° e 4." Assim, propõe-se que seja adoptado o seguinte

Parecer

Nada obsta a que o projecto de lei n.° 147/VEI suba a Plenário para que se proceda à respectiva apreciação e votação na generalidade.

Assembleia da República, 7 de Maio de 1996. — O Deputado Presidente, Eurico Figueiredo. — O Deputado Relator, Manuel Jorge Goes.

Nota. — O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

PROPOSTA DE LEI N.8 22/VII

(ESTABELECE 0 REGIME DE TUTELA ADMINISTRATIVA A QUE FICAM SUJEITAS AS AUTARQUIAS LOCAIS E ENTIDADES EQUIPARADAS).

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

1 — Com a presente proposta de lei, o Governo, menos que um novo regime da tutela administrativa das autarquias locais, pretende definir, com clareza, o conteúdo da tutela e as formas do respectivo exercício, bem como introduzir mais certeza e segurança na aplicação da lei.

1.1 — No tocante ao conteúdo da tutela e formas do respectivo exercício, salienta-se a realização de auditorias —traduzida na análise da legalidade das operações financeiras, da organização e funcionamento dos serviços autárquicos e dos sistemas contabilísticos e do controlo

Páginas Relacionadas
Página 0694:
694 II SÉRIE-A — NÚMERO 40 Relatório e parecer da Comissão de Administração do Territ
Pág.Página 694