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II SÉRIE-A — NÚMERO 49

Esta inovação constitui uma alteração profunda nas regras processuais civis relativas à legitimidade e nas regras processuais penais relativas à constituição de assistente, à semelhança do que já hoje acontece com as associações de defesa do ambiente e, mais recentemente, das associações anti-racistas.

4 — Inversão do ónus da prova. — Dispõe o artigo 7.° do projecto de lei n.° 133/VIJ que, no âmbito de acções tendentes a provar qualquer prática discriminatória, provada tal medida, critério ou prática, prejudicando, de modo desproporcionado os indivíduos de um dos sexos, caberá ao empregador o ónus de provar que os mesmos se baseiam em factores diversos do sexo.

Os Decretos-Leis n.05 392/79, de 20 de Setembro, e 426/88, de 18 de Novembro (artigos 9.°, n.° 4, e 10.°, respectivamente), já previam que «compete ao trabalhador ou trabalhadora que alegue a discriminação fundamentar tal alegação [...], incumbindo à entidade a quem preste serviço provar que as diferenças de estatuto efectivo assen-♦ tam em factos diversos do sexo».

Não obstante, no projecto de lei em análise, poder caber à associação que represente os trabalhadores a prova de práticas discriminatórias, ainda que não concretas, mantém-se a incumbência de a entidade empregadora provar que os actos ou medidas discriminatórias se baseiam em factores diversos do sexo, conforme já estabelecia a legislação anterior.

5 — Indispensabilidade de justificação de desproporções entre a taxa de feminização no ramo de actividade e a taxa verificada nos cursos que lhe dão acesso. — Constitui indício de prática discriminatória a desproporção, considerável, não justificada, entre a taxa de feminização existente no ramo de actividade e- a taxa verificada nos serviços do empregador, por um lado, e entre esta taxa e a taxa verificada nos estabelecimentos de ensino ou cursos de formação profissional cujo curriculum vitae dê acesso aos lugares para que houve recrutamento (artigo 5.°).

Esta disposição afigura-se como de difícil comprovação, podendo levar a graves distorções e injustiças, nomeadamente quando a taxa do ramo não esteja devidamente apurada, quando, os estabelecimentos de ensino cujo curriculum vitae dê acesso aos lugares para que houve recrutamento não tenham igual qualidade de ensino e, ainda, quando o curso em causa possa dar acesso a outras actividades (o que distorce o valor da taxa de feminização do curso) ou quando a função exercida nos lugares para que houve recrutamento não tenham necessariamente de ser desempenhados por indivíduos com uma única formação profissional. A relação formação profissional/actividade profissional exercida é cada vez menos rígida e linear.

Por outro lado, estabelecer na lei os indícios de práticas discriminatórias poderá condicionar a actuação das entidades que têm obrigação legal de fiscalizar, acusar e julgar tais práticas.

6 — Registo, publicação e afixação de decisões que tenham declarado a existência de violação do direito à igualdade de tratamento. — O projecto de lei ora em análise prevê que toda e qualquer decisão que declare ter havido prática discriminatória será enviada pelo tribunal para publicação num dos jornais mais lidos no País, devendo o empregador providenciar a afixação dessa decisão em todos os locais em que exerça a sua actividade.

Todas as decisões serão enviadas para a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, que organizará um registo das mesmas (artigo 14.°), ao qual os juízes deverão recorrer oficiosamente no decurso de qualquer processo deste âmbito.

A ratio legis desta norma é a de estabelecer uma punição «social» às entidades que pratiquem actos discriminatórios.

7 — Obrigatoriedade de manutenção de registos por parte do empregador. — Todas as entidades públicas e privadas deverão manter durante cinco anos registo de todos os recrutamentos feitos de onde constem, por sexo, uma série de elementos que permitam analisar a existência de eventuais discriminações das mulheres naquele trabalho ou emprego.

Nos termos do artigo 15.°, a violação dos deveres de registo e a sonegação de elementos acima referidos constitui crime de desobediência, o que nos parece manifestamente excessivo (artigo 348.° do Código Penal).

8 — Conclusões. — Verificamos, assim, que o projecto de lei em análise contém algumas inovações relativamente à legislação anterior, de que se destacam a qualificação de práticas discriminatórias como contra-ordenações puníveis còm coima, mesmo quando não se apure a discriminação relativamente a qualquer trabalhadora em concreto, a legitimidade das associações sindicais representativas dos trabalhadores para proporem acções judiciais e para se constituírem assistentes no processo penal e o registo obrigatório de todos os recrutamentos e da publicação das decisões.

Verifica-se, porém, uma certa falta de coerência formal e sistemática, porquanto nos termos do artigo 2.°, n.° 1, não se faz qualquer referência expressa ao regime aplicável às situações de práticas discriminatórias concretas, estabelecendo unicamente que constitui contra-ordenação punível com coima qualquer prática discriminatória em função do sexo quando não se apure uma ou várias vítimas em concreto.

No que refere ao valor das coimas proposto, não se esclarece se tais coimas se aplicam exclusivamente aos casos referidos no n.° 1 do artigo 2.°, ou seja, se o projecto de lei em análise se aplica unicamente aos casos de não verificação em concreto de práticas discriminatórias, o que remeteria a punição de actos discriminatórios em concreto para o regime do Decreto-Lei n.° 392/79, de 20 de Setembro, e do Decreto-Lei n.° 426/88, de 18 de Novembro, bem como do Decreto-Lei n.° 491/85, de 26 de Novembro, caso se entenda que estes diplomas não seriam revogados tacitamente pelo diploma em análise.

No projecto de lei em análise não se estabelece qualquer distinção, para efeitos de graduação da pena, entre práticas discriminatórias directas e indirectas, nem entre a discriminação relativamente a uma trabalhadora em concreto e quando tal não se verifique.

Acresce que, neste projecto de diploma, não se indica a revogação ou alteração de qualquer legislação, o que vem complicar sobremaneira a sua harmonização com o normativo vigente.

O artigo 11.° remete, certamente por lapso, às associações sindicais referidas no artigo 4.° do projecto de lei, devendo tal remissão ser feita para o artigo 6.° do mesmo projecto.

O mesmo artigo 11.° pode conduzir a um recurso excessivo a processos contra-ordenacionais, muitos deles sem qualquer fundamento, em virtude da isenção indiscriminada do pagamento de taxas de justiça (custas).

Foram consultadas, nos termos legais, diversas associações representativas dos trabalhadores no sentido de emitirem parecer sobre este projecto. No entanto, como o prazo para entrega dos mesmos à Comissão de Trabalho, Segurança Social, Solidariedade e Família só terminava no dia 8 de Junho, apenas foi possível apreciar o parecer, áiiàs

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