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3 DE JULHO DE 1996

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permitindo, pelo menos por enquanto, recursos de «terceiro grau de jurisdição», os quais deverão aguardar a aprovação do Código de Processa Administrativo Contencioso para merecer consagração legal.

Significa isto, conforme se refere no citado acórdão do Tribunal Constitucional sobre proposta de idêntico teor, que com o tribunal que se pretende criar se visa única e exclusivamente «desbloquear a acumulação processual existente nos tribunais, que serão amputados das res-, pectivas competências sem que, por esse facto, venham a diminuir as garantias dos cidadãos administrados, urna vez que sempre se mantém o direito de recurso num duplo grau de jurisdição».

Deve referir-se, por outro lado, como aliás se sublinha na «Exposição de motivos» da proposta de lei n.° 49/VIJ, que com esta alteração legislativa não são subtraídas do conhecimento do Supremo Tribunal Administrativo algumas matérias «que podem ser fundamentais para o desenvolvimento do Estado de direito democrático, como é o caso do ambiente e qualidade de vida, do urbanismo, da perda de mandato de membro e dissolução de órgão autárquico».

Com efeito, sendo as decisões relativas a estas matérias, em regra, proferidas em 1." instância pelos tribunais administrativos de círculo, as mesmas serão passíveis de recurso per salium directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, que só não funcionará como instância de recurso no julgamento dos respectivos meios processuais acessórios, que passam a ser da competência do Tribunal Central Administrativo.

Esta solução, permitindo embora afastar alguns dos perigos que resultariam da transferência para o Tribunal Central Administrativo das competências anteriormente atribuídas ao Supremo Tribunal Administrativo como tribunal de 2.a instância, não parece no entanto recolher a unanimidade das opiniões dos operadores judiciários, sendo, aliás, o próprio Governo o primeiro a reconhecer que «não parece dogmática nem praticamente admissível a institucionalização do recurso per saltum de decisões dos tribunais administrativos de círculo».

De acordo com as soluções propostas pelo Governo nos dois projectos de diploma que estão a ser objecto de discussão pública, «deve caminhar-se no sentido da criação de um 'recurso de terceiro grau', cujos pressupostos terão de ser tão amplos que permitam abranger todas as matérias susceptíveis de pôr em causa aquele princípio e tão restritos que não abram, por essa via, mais uma possibilidade de protelar a execução de uma decisão jurisdicional desfavorável ao recorrente».

5 — É provável que a controvérsia quanto ao mérito das soluções contidas na proposta em análise, a existir, não resida tanto na perspectiva da criação de um tribunal intermédio na estrutura dos tribunais administrativos e fiscais, hoje pacífica entre os diversos operadores judiciários [a este respeito é elucidativo o que sobre a matéria escreveu Sérvulo Correia: «Parece hoje quase pacífica entre os profissionais do direito mais ligados ao funcionamento dos tribunais administrativos a ideia de que o descongestionamento das vias contenciosas só se obterá pela transformação do Supremo Tribunal Administrativo em tribunal quase apenas de revista, associada à criação de um ou mais tribunais administrativos de 7." instância» (cf. Contencioso Administrativo, Lisboa, 1990, p. 162)], mas, sobretudo, na intenção de o fazer sem que,

simultaneamente, sejam introduzidas as correspondentes alterações na lei processual, designadamente aquelas que estabelecem a necessária articulação entre os diferentes níveis da jurisdição administrativa.

Em causa está, fundamentalmente, o papel que está reservado ao Supremo Tribunal Administrativo, já que não é seguro que ele possa desempenhar na plenitude a. sua função de tribunal de revista enquanto se mantiver como tribunal de 1.° instância para o recurso contencioso de anulação de determinados actos, designadamente os actos administrativos, ou em matéria administrativa dos órgãos de soberania e seus membros.

A repartição da competência para o conhecimento destes recursos entre o Supremo Tribunal Administrativo e o novo Tribunal Central Administrativo em razão da respectiva matéria, se, por um lado, é benéfica, por permitir descongestionar o funcionamento daquele primeiro, não deixa de introduzir um certo grau de incerteza na tarefa de fixação do tribunal competente, na medida em que constitui um desvio ao tradicional critério orgânico de distribuição de competências em razão do autor do acto recorrido [critério que, segundo alguns autores, poderia ser mantido apesar da criação do tribunal intermédio. A este propósito Sérvulo Correia já sugeriu que «com excepção para os recursos de actos em matéria administrativa de Órgãos de soberania e de actos administrativos dos ministros, para os quais se manteriam duas instâncias no seio do Supremo Tribunal Administrativo, este Tribunal conheceria apenas dos recursos interpostos de decisões dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais administrativos de 2." instância, com exclusivo fundamento em matéria de direito. Os tribunais administrativos de 2." instância conheceriam em recurso das decisões dos tribunais administrativos de círculo sem exclusivo fundamento em matéria de direito e, directamente, dos recursos de anulação interpostos dos actos administrativos dos secretários de Estado, de outras entidades de que hoje cabe recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo e também de órgãos da administração central de cujos actos hoje se recorre para os tribunais administrativos de círculo» (cf. Contencioso Administrativo, Lisboa, 1990, pp. 162-163)].

Acresce que não é líquido que a divisão material proposta corresponda, em todas as circunstâncias, aos diferentes níveis de garantia pretendidos pelo legislador, não sendo impossível de prever que alguns dos actos relativos ao funcionalismo público, que passarão a ser conhecidos em 2." e última instância pelo Tribunal Central Administrativo, poderão estar em colisão com direitos fundamentais dos administrados, sem que, no entanto, alguma vez o Supremo Tribunal Administrativo sobre eles se pronuncie.

Sem prejuízo dos mecanismos de uniformização da jurisprudência dos tribunais administrativos que a presente proposta de lei também consagra, existem alguns riscos de que a existência de regimes diferenciados de recursos de actos administrativos de um mesmo órgão possa gerar alguma desigualdade no tratamento dos administrados perante a justiça administrativa.

É sintomático, a este propósito, que a presente proposta de lei venha a consagrar a existência de um segundo grau de jurisdição relativamente a pedidos de suspensão da eficácia de actos administrativos praticados por membros do Governo em matéria de função pública, que passam a

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