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II SÉRIE-A — NÚMERO 22

só os executavam como ensinavam a perpetrar o mesmo (António Leite, «Legislações recentes sobre o aborto», in Scientia Jurídica, L xxn, n.os 122-123, p. 384), tudo indicando, no entanto, terem sido punidos com as legislações de Licurgo e Sólon. Foi na Grécia, de resto, que se começou a especular sobre a ideia metafísica de animação do feto.

Platão e Aristóteles, respectivamente na República e Política, fixavam limites e condições para o aborto, sendo plausível que fora de tais parâmetros se não pudesse verificar licitamente, tendo Actzus, por sua vez, transmitido a profusa lista das substâncias abortivas e anticoncepcionais indicadas por Aspásia, companheira de Péricles.

6 — Em Roma, não obstante algumas leis antigas que pareciam proibi-lo, sobretudo a partir do império, o aborto tornou-se prática corrente e mesmo entre as classes mais elevadas a procuratio abortes não era repelida, influenciados pela filosofia estóica, o feto era considerado uma parte das vísceras da mãe, podendo esta dispor daquilo que era seu.

No tempo dos imperadores António e Septímio Severo passou, no entanto, a ser punido com penas muito graves, que eram dirigidas à mulher e a terceiros.

7 — Com o advento do Cristianismo, a prática do aborto é considerada contrária ao quinto mandamento — «não matar» — e, com a conversão dos imperadores romanos e depois de a religião cristã ter sido adoptada como religião do Estado, ter-se-ão multiplicado as leis civis contra os que praticavam o aborto e todos os que nele colaboravam.

8 — No começo da Idade Média os teólogos disputaram muito em torno da incriminação do aborto. Ainda baseado na doutrina de Aristóteles, que admitia o aborto no caso de o feto ainda não haver adquirido alma, Santo Agostinho, considerando que tal só ocorria 40 ou 80 dias depois da concepção, respectivamente quod hominem e quod feminam, não considerava criminoso o aborto praticado antes do decurso de tais períodos. Muitos médicos e teólogos, baseados na teoria, supunham que até àquele período o embrião passava pelo estádio de vida meramente vegetativa, seme-' lhante à das plantas, e depois vida sensitiva, como a dos animais, para só depois atingir a vida humana, quando lhe era infundida a alma. Tal era, por exemplo, o parecer de São Tomás de Aquino, seguido por numerosíssimos discípulos (v. António Leite, p. 385).

9 — Numa resenha retrospectiva temporalmente mais próxima (anos 60/70) também consideradora da geografia do aborto, no que à Europa respeita, pode dizer-se que se vislumbravam, ainda não há muito tempo, três tendências principais.

Uma de cariz mais repressivo fazia sentir-se nas legislações da Bélgica, Espanha, Grécia, Itália e Portugal. Numa linha mais liberal situavam-se países como a URSS e a Hungria, onde o aborto provocado era livre, nomeadamente nos três primeiros meses de gravidez.

Como tendência intermédia havia ainda uma corrente que autorizava o aborto em vários casos, tomando em consideração a saúde física ou mental da mãe, a violação e o incesto, permitindo-se, de uma maneira geral, o aborto terapêutico, eugénico e social. Apresentavam-se como seguidores iniciais desta orientação os países escandinavos, a Suíça e a Grã-Bretanha.

As tendências mais recentes serão descritas no ponto vm deste relatório.

IV

Do enquadramento legal — Lei n-° 6784 e Código Penal

4.1 — A Lei n.° 6/84 teve por antecedente o projecto de lei n.° 265/lTJ —Exclusão da ilicitude de interrupção vo-

luntária da gravidez, apresentada pelo PS, tendo sido aprovado com os votos contra do PSD e CDS.

Por força desta lei foram alterados os artigos 139.°, 140.° e 141.° do Código Penal e estabeleceram-se normas criando punição para os médicos por conduta negligente, adequada organização dos estabelecimentos de saúde para o efeito da prática de IVG, a consagração do direito à objecção de consciência por parte da classe médica e, por fim, a obrigação de os médicos e demais profissionais clínicos se vincularem ao segredo de justiça. _

Esta lei acabou por ficar revogada (no referente aos artigos que alteravam o Código Penal) com a revisão do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.° 48/95, de 15 de Março, ao introduzir-se novo texto aos artigos 139.° e 141." e algumas normas destinadas a legitimar a prática do aborto.

Vejamos cada um dos artigos de per si, seguindo de perto os comentários de M. Maia Gonçalves. .

Quanto ao actual artigo 140.° (anterior artigo 139.°), verifica-se que reproduz, com meras alterações formais, os n.os 2 e 3 do artigo 139.° da anterior versão do Código, na redacção que fora introduzida na Lei n.° 6/84, de 11 de Maio. A Comissão de Revisão do Código Penal, nas suas 22." e 44.° sessões, em 16 de Janeiro e 10 de Dezembro de 1990, considerou que após a intensa polémica registada quanto ao aborto e à IVG, com a intervenção dos diversos órgãos de soberania e sociedade civil, não parecia legítimo a curto prazo proceder a modificações importantes neste domínio. Assim, a revisão manteve as soluções de fundo que à data vigoravam e que representam o ponto de equilíbrio alcançado na sociedade portuguesa, apenas oferecendo somente uma melhor redacção, do ponto de vista técnico, às soluções contidas na Lei n.° 6/84.

Quanto ao artigo 141.°, «Aborto agravado», verifica-se que os preceitos dos n.os I e 2 correspondem aos n.os 5 e 6 do artigo 139.°, segundo a redacção que lhes fora dada pela Lei n.° 6/84, de 11 de Maio, os quais, por sua vez, correspondiam ao artigo 150.° do projecto de parte especial do Código Penal de 1966. Em relação à versão anterior dos n.os 5 e 6 do artigo 139.°, como se referiu supra, nota-se uma acentuada simplificação do texto, o que não implicou nenhuma alteração de fundo relevante.

No tocante ao artigo 142.°, «Interrupção da gravidez não punível» —anterior artigo 140.°, sobre a exclusão da ilicitude do aborto —, o texto deste artigo é resuJtaníe da revisão do Código levada a efeito pelo Decreto-Lei n.° 48/95, de 15 de Março.

Os n.051 e 2 correspondem aos n.05 1 e 2 do artigo 140.° da versão originária do Código, com a redacção que íhe fora dada pela Lei n.° 6/84, de 11 de Maio. A CRCP propusera o período de 22 semanas no n.° 1, alínea c), para a interrupção da gravidez nos casos designados de aborto eugénico. O entendimento governamental foi diferente, porquanto a proposta de lei n.° 92/V1 retomou o período de 16 semanas de gravidez da referida Lei n.° 6/84.

Esta situação encontra-se também descrita no relatório da 1.° Comissão sobre essa mesma proposta de lei:

A comissão revisora optara pelo seu alargamento até 22 semanas, no pressuposto de que algumas das anomalias do feto que justificam a prática do aborto (por fazerem provar que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação) só podem ser detectadas nessa altura. O facto de a proposta reverter ao prazo legal já previsto não se deve a qualquer ponderação de bens jurídicos a ter em conta . nesta sede (designadamente, o acréscimo de pengo ^rasa.

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