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22 DE FEVEREIRO DE 1997

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de 1968 foi de novo admitido o aborto a pedido da mulher, continuando, porém, a revelar-se um grave flagelo e a ser usado como método de regulação da fertilidade à falta de adequado planeamento familiar (Progress Postponed. Abortion in Europe in the )990s, International Planned Parenthood Federation, Europe Region, 1991, p.79); Não faz nenhum sentido reduzir o debate a um cruzar violento de acusações de «indiferença perante as questões fulcrais da vida» ou de «insensibilidade ao enorme sofrimento causado às mulheres portuguesas pela persistência do aborto clandestino», como se fosse possível ao legislador reconhecer a alguém um monopólio da sensibilidade, da verdade e da razão ou tornar-se ele próprio militante desse cruzar de cruzadas.

Aliás, adversários e opositores da ampliação do actual quadro legal podem encontrar-se, sem quebra de convicções recíprocas, no tocante a temas cruciais.

Estão neste caso as questões de prevenção do aborto e do seu não uso como meio contraceptivo, a definição de medidas tendentes ao cumprimento das disposições que protegem a maternidade livre, consciente e voluntária ou a adopção de soluções que ponham fim à penúria de indicadores sobre aspectos relevantes da situação nacional em matéria de saúde feminina. Essa penúria é grave e não apenas por diminuir os instrumentos de decisão a usar pelos órgãos de poder. Ela lesa também o direito à informação objectiva e verdadeira, essencial para mobilizar a opinião pública, incentivar a livre iniciativa e assegurar a participação esclarecida dos cidadãos na tomada de decisões públicas.

4 — Fundamental é que sejam exactamente delimitadas e discutidas, de forma pluralista e democrática, as questões que verdadeiramente carecem de ser decididas.

De facto, desde 1984, as soluções legais então aprovadas, em Portugal, viram alteradas as fronteiras da sua aceitação e rejeição social. Ampliou-se muito a primeira, mas diminuiu a segunda. Na óptica apontada, a seguinte declaração de Paulo Portas é perfeitamente paradigmática do referido «reajustamento de fronteiras» ocorrido entre 1984 e 1997:

Eu sou contrário à liberalização total do aborto, porque entendo que o princípio da protecção do direito à vida deve prevalecer sobre circunstâncias que sejam manifestamente menores face a esse princípio. Eu não gostaria de viver num Estado que dá como sinal à sociedade o seguinte: abortar é como trocar de camisa, é tão simples como ir ao supermercado fazer uma compra. Não! Há aqui uma questão de valores, profunda, onde é preciso equilibrar com humanidade o que está em causa. Não gostaria, portanto, de uma banalização do aborto. Sou favorável, em certo sentido, à actual lei. Por isso, considero este debate um debate errado. Ou seja, dito de forma clara que defendo a protecção do direito à vida, quero confessar que intimamente eu não sou capaz de condenar uma mulher que aborta porque escolhe, no caso de opção de vida da mãe e do feto. Reconheço a heroicidade das mães que morrem para salvar a vida de um filho, mas não acho que o Estado possa impor isso como comportamento geral. Segundo caso, a violação. Um filho . é um acto de amor. Não consigo condenar uma mulher que, além da violação, se faz um aborto nessas circunstâncias tenha ainda uma pena. E, em terceiro lugar, a malformação do feto.

Estes são os três casos — malformação do feto, violação, opção de vida entre a mãe e o feto — em que eu aceito uma não penalização.

Portanto, gostaria que este debate atingisse graus de humanidade importantes, que não fosse demagógico e que atingisse também elevados padrões éticos, científicos e de cidadania. Porque o que está aqui em causa é importante, é relevante, é uma ideia da sociedade que nós temos. [Telejornal da SIC, 3 de Fevereiro de 1997.]

Nos muitos anos já decorridos desde a entrada em vigor da reforma legislativa ocorreram tantas e tão fundas mudanças que o fim do século ocorreu antecipadamente. Para além das desejáveis e inevitáveis diferenças de opiniões, existe hoje uma cultura comum a diferentes correntes de pensamento em tomo de questões que outrora eram tabu e, só por si, ajudavam a definir com clareza as várias famílias políticas.

E assim que ninguém pensará hoje em memorizar ou valorizar o sofrimento humano em função da origem de classe da mulher que sofre ou da cor da sua pele, nem razoavelmente se fundará neste ponto o traçar das grandes fronteiras político-ideológicas do nosso tempo.

Faz, sem dúvida, parte da história aquele certeiro verso com que a Deputada Natália Correia assinalou o dobrar de paginada nossa vida legislativa em 1984. Ainda bem, porém, que não pode com justiça ser repetido no presente e tudo indica que no futuro do Parlamento Português.

II — Metodologia adoptada

1 — Nos termos regimentais, o relator procurou obter dados públicos sobre os aspectos em causa, tendo dirigido a diversas entidades pedidos tendentes a apurar a evolução dos principais indicadores em matéria de saúde materna, a situação do País em matéria de planeamento familiar, educação sexual e aborto.

2 — Por outro lado, em cooperação entre as Comissões de Saúde e da Paridade e a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi. organizado um importante ciclo de audições públicas que permitiram uma espécie de «primeira leitura» das iniciativas pendentes e facultaram a transmissão à Assembleia da República de relevantes contribuições tanto para a presente fase de debate como para as subsequentes.

Nessas audições — as audições tiveram lugar nos dias 30 de Janeiro (Ordem dos Médicos, Ordem dos Advogados, Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Di-recção-Geraí da Saúde), 3 de Fevereiro (alta-comissária para as Questões da Promoção da Igualdade e da Família, Associação Portuguesa de Diagnóstico Pré-Natal, Associação para o Planeamento da Família, Comissão para a Igualdade è para os Direitos das Mulheres, Conferência Episcopal Portuguesa, Associação de Juristas Católicos, Associação dos Médicos Católicos Portugueses, Prof. Daniel Serrão, Movimento Democrático das Mulheres, Comissão Nacional de Saúde da Mulher e da Criança; Movimento para a Defesa da Vida), 4 de Fevereiro (Departamento das Mulheres da CGTP/TN, Associação O Ninho) e 6 de Fevereiro (Prof. Agostinho Almeida Santos, da Faculdade de Medicina de Coimbra; Prof. Pereira Leite, da Faculdade de Medicina do Porto; Profs. Luís Graça e Miguel de Oliveira, da Faculdade de Medicina de Lisboa; Prof.* Purificação Tavares, directora do Centro de Genética da Clínica Professor Amândio Tavares)—, que foram integralmente registadas e devem ser publicadas e devidamente divulgadas, tomou-se patente que

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