O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1068

II SÉRIE-A — NÚMERO 53

Para além do mais, o internamento compulsivo previsto na Lei de Saúde Mental não tem sequer, verdadeiramente, a natureza de uma medida de segurança, mas, sim, de uma medida assistencial de natureza administrativa, desde logo porque não é pressuposto da sua imposição a existência de um estado de perigosidade. Sobretudo no que toca aos internamentos de urgência, estamos até perante verdadeiras medidas de polícia, podendo estar desta forma salvaguardada a constitucionalidade deste tipo de internamentos, por apelo ao artigo 272." da Constituição da República Portuguesa.

No entanto, contra este entendimento, a informação da Secretaria de Estado da Saúde, transmitida pela circular n.° 2144 da Procuradoria da República do Porto de 19 de Julho de 1977 atribuiu ao internamento em regime fechado a natureza de medida de segurança, pelo que se pronunciou no sentido de se manter em vigor, quanto a este ponto, a Lei da Saúde Mental: o internamento em regime fechado é uma privação total da liberdade em consequência de aplicação judicial de medida de segurança (artigo 27.°, n.° 2, parte final, da Constituição da República Portuguesa). E o mesmo entendimento foi subscrito pelo Acórdão da Relação do Porto de 28 de Fevereiro de 1984.

8 — Ora, e' ainda que se defenda a possibilidade de a ordem jurídica portuguesa comportar medidas de segurança pré-delituais, esta categoria não esgota situações de internamento em regime fechado previstas na Lei de Saúde Mental, pois nem todas têm como pressuposto a existência de um estado de perigosidade.

Mas, para além do mais, esta lei atribui a autoridades administrativas a competência para decidir o internamento, o que contraria, desde logo o artigo 27.°, n.° 2, parte final, da Constituição da República Portuguesa, quando impõe que a privação da liberdade ocorra por via de aplicação judicial de medidas de segurança.

9 — Como se diz no Despacho n.° 7/96, de 23 de . Agosto, publicado no Diário da República, 2.° série, de

9 de Setembro de 1996, que criou o grupo de trabalho para a revisão da Lei de Saúde Mental, o regime definido por esta lei colide, em alguns pontos, com a Constituição da República Portuguesa, mostrando-se em geral desactualizada, nomeadamente no que diz respeito à tutela dos direitos dos doentes mentais internados.

Na verdade, este é um dos pontos em que se nota o decurso de tempo, muito embora a Lei de Saúde Mental até estabeleça um sistema de fiscalização das situações de internamento em regime fechado.

De todo o modo,- a Lei de Saúde Mental deixa ainda espaço para mecanismos de tutela efectiva dos direitos dos internados e dos internandos, nomeadamente para aqueles que instâncias internacionais recomendam.

10 — Impunha-se, por isso, em sede da revisão da lei vigente, obviar às dificuldades observadas, adequar o conteúdo normativo aos princípios consütucionais, actualizar o ordenamento jurídico aos ganhos evolutivos da psiquiatria e, sendo caso disso, inovar em soluções que tivessem em conta a eficácia que se pretende de um sistema.

11 —Assim, a alteração legislativa ao quadro normativo da prestação de cuidados de saúde mental, dos direitos dos utentes destes serviços e do tratamento e internamento compulsivo das pessoas afectadas por doença mental, quadro esse até agora conformado pela Lei da Saúde Mental, leva em linha de conta, por um lado, a evolução da psiquiatria e saúde mental e, por outro, uma série de princípios de natureza jurídica e organizacional que gozam de consenso no plano nacional e internacional.

No que diz respeito à evolução da psiquiatria, esteve sempre presente a sua maior capacidade de intervenção, nomeadamente a nível terapêutico e organizativo, o que permite necessariamente modalidades mais simples, mais eficazes e menos prolongadas de tratamento (psicofarma-cológicas, psicoterapêuticas e psicossociais).

Quanto aos princípios jurídicos, são eles os formulados em órgãos internacionais — Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa [Recomendação n.° 818 (1977) e Recomendação n.° 1235 (1994)], Comité de Ministros do Conselho da Europa [Recomendação n.° R (83) 2], Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução n.° 46/ 119, de 17 de Dezembro de 1991), Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Decisão Winterwerp v. The Netherland, de 24 de Outubro de 1979, e a Decisão X v. United Kingdom, de 5 de Novembro de 1981) e Organização Mundial de Saúde (Lei dos Cuidados de Saúde Mental: Dez Princípios Básicos, 1996)—, os que encontraram consagração em soluções de direito comparado, designadamente na Lei belga de 26 de Junho de 1990 e na Lei francesa de 27 de Junho de 1990, e ainda os princípios decorrentes da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Constituição da República Portuguesa.

12 — Um aspecto essencial das concepções modernas de saúde mental consiste na necessidade de evitar a segregação das pessoas afectadas por doença mental e de facilitar a sua reabilitação e inserção social.

Seguindo as recomendações das Nações Unidas (Resolução n.° 46/119, de 17 de Dezembro de 1991) e da Organização Mundial de Saúde (Lei de Cuidados de Saúde Mental: Dez Princípios Básicos, de 1996), relativamente, a este aspecto, incluem-se entre os princípios gerais de política de saúde mental a promoção prioritária da prestação de cuidados de saúde mental a nível da comunidade, a prestação destes cuidados no meio menos restritivo possível e o tratamento de doentes mentais em regime de internamento tendencialmente em hospitais gerais. Igual fundamentação preside à inclusão da directriz que estabelece a prestação de cuidados a doentes que careçam de reabilitação psicossocial, preferencialmente em centros de dia e estruturas residenciais inseridas na comunidade e adaptadas ao grau específico de autonomia dos doentes.

Consagra-se, em termos gerais, a possibilidade de comparticipação nos encargos com os serviços prestados no âmbito da reabilitação e inserção social, apoio residencial e reinserção profissional.

O envolvimento dos utentes, profissionais de saúde mental, subsistemas de saúde, departamentos governamentais com áreas de actuação conexa e outras entidades constitui actualmente uma contribuição indispensável para o eficaz funcionamento do sistema de saúde mental. Com vista a garantir o referido envolvimento, prevê-se a criação de um Conselho Nacional de Saúde Mental, órgão de consulta do Governo, com composição, competências e normas de funcionamento a definir através de decreto-lei.

13 —A Lei de Bases da Saúde — Lei n.° 48/90 — estabelece o estatuto dos utentes do sistema de saúde, definindo os respectivos direitos e deveres. A natureza específica das doenças mentais, as suas repercussões a nível das capacidades de autodeterminação de quem as sofre, bem como as implicações particulares dos tratamentos psiquiátricos, obrigam, contudo, a que outros direitos e deveres sejam assegurados aos doentes mentais para além dos já considerados na Lei n.° 48/90. •

Páginas Relacionadas
Página 1066:
1066 II SÉRiE-A — NÚMERO 53 ANEXO Declaração de voto do PS Os Deputados represe
Pág.Página 1066
Página 1067:
19 DE JUNHO DE 1997 1067 saúde mental no sistema geral dos cuidados de saúde, embora
Pág.Página 1067
Página 1069:
19 DE JUNHO DE 1997 1069 Especialmente importantes neste domínio são as recomendações
Pág.Página 1069
Página 1070:
1070 II SÉRIE-A — NÚMERO 53 cípio da subsidiariedade. É que o internamento deve ser a
Pág.Página 1070
Página 1071:
19 DE JUNHO DE 1997 1071 Artigo 3.° Princípios gerais de política de saúde mental
Pág.Página 1071
Página 1072:
1072 11 SÉRiE-A —NÚMERO 53 Artigo 8.° Princípios gerais 1 — O internamento comp
Pág.Página 1072
Página 1073:
19 DE JUNHO DE 1997 1073 internando viva em condições análogas às dos cônjuges são no
Pág.Página 1073
Página 1074:
1074 II SÉRIE-A — NÚMERO 53 Artigo 24.º Apresentação do internando 0 internando
Pág.Página 1074
Página 1075:
19 DE JUNHO DE 1997 1075 das informações e esclarecimentos necessários à decisão sobr
Pág.Página 1075
Página 1076:
1076 II SÉRIE-A — NÚMERO 53 Artigo 42.° Cooperação 1 — Para os fins previ
Pág.Página 1076