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27 DE MARÇO DE 1998

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Estado constitucional, designadamente o princípio do pluralismo da organização política democrática (artigo 2.°). Se da arquitectura do projecto de lei n.° 509/VII é verdade que resulta uma proporcionalidade global da representação, a um nível inclusivamente superior ao actual (paradoxalmente, alcançando um resultado que, na sua solução material,

se mostra antagónico com o discurso da estabilidade e da

governabilidade tradicionalmente assumido pelos autores do projecto como pressuposto fundamental de qualquer reforma eleitoral), não é menos verdade que o direito de todos os cidadãos a tomar parte na vida pública e na direcção dos assuntos públicos do País, directa ou indirectamente (artigo 48.° da Constituição da República Portuguesa), surge potencialmente afectado, em todos os círculos territoriais uninominais relativamente aos cidadãos cujo voto não haja contribuído para a designação do titular aí eleito segundo o sistema maioritário. Afectação que se exprime numa demasiado óbvia dualidade da representação: fortemente personalizada para uns, demasiado distante (com expressão plural apenas no círculo nacional) para outros. As características de reforço da centralização do funcionamento da organização política (e, por esta via, implicando uma consequente quebra da personalização do voto, o segundo objectivo reputado essencial à reforma eleitoral) vão, pois, também elas, à revelia, da orientação pedida pelo princípio da subsidiariedade quanto à organização e ao funcionamento do Estado (artigo 6°).

As alegações de afectação do princípio da igualdade do voto e, por efeito dela, do valor da representação encontram inteiro cabimento em face do contrastante resultado da distribuição de mandatos, sobretudo entre os círculos regionais dos Açores e da Madeira e certos círculos uninominais do continente. Como o Sr. Presidente da Assembléia da República judiciosamente exarou no seu despacho:

Na economia do projecto, o número de mandatos a atribuir em cada círculo regional é determinado em função do número total de Deputados (184), sendo o número de mandatos a atribuir em cada distrito do continente determinado em função do número de círculos uninominais (85).

Da aplicação de diferentes fórmulas para a determinação de mandatos resultam distorções não negligenciáveis que, expressas em números, evidenciam que, enquanto a 200 000 eleitores recenseados nos círculos regionais correspondem, no mínimo, quatro mandatos, ao mesmo universo de eleitores recenseados nos distritos do continente correspondem, no máximo, dois mandatos, sendo que nos distritos de Beja e Évora a um universo de mais de 150 000 eleitores corresponde apenas um mandato.

E acrescenta-se ainda no referido despacho «que tais distorções não resistem a um juízo de censura jurídico-constitucional, quando confrontadas, quer com o disposto no artigo 149.°, n.° 2, da Constituição, quer com os princípios constitucionais da igualdade do voto e da proporcionalidade, na sua dimensão da proibição do excesso».

Em face da desigualdade das soluções verificadas, inda-gando-se no articulado do projecto de lei, nele se descortina manifesta dualidade de critérios. Entre o disposto no n.° 4 do artigo 5.°, que, para efeitos de aferição da proporcionalidade na distribuição dos mandatos em cada um dos círculos eleitorais dos Açores e da Madeira, toma por base o número total dos 184 Deputados propostos, e o disposto no n.° 1 do artigo 611.° que, para distribuição dos

círculos uninominais no território continental (artigo 3.°, n.° 1), não pode tomar por base senão o seu número proposto, que é de 85.

A solução resulta, assim, particularmente agravada no território continental, e dramaticamente em certos pontos dele, por efeito cruzado da finitude do número de círculos

uninominais em decorrência da amplitude (incontornável, na

arquitectura do sistema proposto) do círculo nacional acompanhada da diminuição drástica do número de Deputados. É, pois, a desigualdade dos pressupostos de aplicação da norma constitucional — a do já citado n.° 2 do artigo 149." — que arrasta a resultados de efeito desigual na aferição da proporcionalidade. E esse resultado desigual -— que, mais uma vez a titulo de exemplo, implicaria que um distrito como Santarém, com o dobro de eleitores do círculo da Madeira, • acabasse por eleger menos um Deputado (quatro) do que este (cinco) — é um resultado inconstitucional, pois, como se salienta no despacho citado, põe em causa o princípio da igualdade do voto (artigo 101.° da Constituição da República Portuguesa) e do consequente valor igual da representação. Pior ainda, porque o põe em causa com violação do próprio princípio da igualdade no tratamento legal de cidadãos, todos eles sediados em território nacional, em circunstâncias, portanto, que a Constituição não permite discriminar.

Merecem igualmente acolhimento as preocupações reveladas quanto ao critério legal (do artigo 5.°, n.° 6) de atribuição, ainda nos círculos regionais autonómicos, de um número ímpar de Deputados, por se afigurar solução arbitrária (mais uma vez, literalmente em afectação do princípio da igualdade de tratamento dos círculos territoriais plurinomJnais, nos termos do artigo 149.°, n.° 2), solução que mais agravaria o desequilíbrio da representação entre regiões autónomas e círculos do continente. E na medida em que os autores justificam o critério «de modo a propiciar uma definição maioritária das opções políticas específicas das autonomias», mais se realça a inconstitucionalidade da solução por ela prefigurar propósitos de vinculação de mandato, com evidente ameaça dos princípios constitucionais, por um lado, da não vinculatividade territorial. Os Deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos (artigo 152.°, n.° 2) — e, por outro, da liberdade do exer% cicio do mandato de Deputado (artigo 155.°, n.° 1).

A crítica à solução de constituição de três círculos eleitorais — artigo 3.°, n.° 2 —, em lugar dos dois actualmente existentes) fora do território nacional não alude à possibilidade de aplicação constitucional do critério de excepção à regra da atribuição do número de Deputados proporcionalmente ao número de cidadãos eleitores nele inscritos; não equaciona, portanto, ser essa excepção consentido pelo n.° 2 do artigo 149.° da Constituição. O que ocorre justamente como forma de viabilizar a participação eleitoral dos portugueses no estrangeiro.

A observação, porém, contribui para uma necessidade de ponderação, qual deva ser se a excepção à regra da distribuição do número de mandatos proporcionalmente ao número de inscritos suporta uma leitura constitucional que permita acentuadamente prejudicar o número global de mandatos a atribuir no território nacional, podendo assim dar origem a fenómenos de subrepresentacão entre os cidadãos residentes, directamente organizados em comunidade política, em favor de fenómenos de sobrerepresentacão dos ausentes do território. Uma vez mais poderá ter de atender-se à proibição do excesso. Com efeito, à luz dos dados disponíveis do recenseamento estariam a ser directamente atribuídos dois novos mandatos a um universo eleitoral rondando

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