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6 DE JUNHO DE 1998

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É o que pede a circunstância de a proposta ter sido submetida a exame de outras comissões parlamentares especializadas, nomeadamente a 12." Comissão, à qual cabe, naturalmente, ocupar-se, por exemplo, da riquíssima problemática médica que a procriação humana medicamente assistida suscita. Em todo o caso, os aspectos especificamente reservados às reflexões da 1* Comissão afiguram-se de difícil delimitação: mexendo com a herança genética da humanidade e o próprio futuro da espécie humana, a procriação medicamente assistida acabará por transgredir sempre quaisquer fronteiras conceituais com que se queira balizar a discussão racional dos seus problemas jurídicos e constitucionais.

3 — As ordens jurídicas em geral supõem a «inevitabilidade» ou «fatalidade» do uso das técnicas de procriação humana medicamente assistida ou, por outras palavras, do recurso à procriação humana «artificial» ou «não natural».

A verdade é que a ciência e a técnica, goste-se ou não, vêm desvendando, cada dia mais, o mistério da origem da vida humana individual e alteram constantemente o destino e os seus jogos para cada um. A tentativa de as expulsar, por força de uma proibição legal, deste domínio, até agora tido como «sagrado» ou «indisponível» para o homem, contrariaria uma liberdade—a de inquirir e aprender— inerente à história e à natureza humanas. Além disso, uma tentativa dessas estaria votada ao fracasso, pura e simplesmente. Não constituiria senão um «direito de desejo» (Wünschsrecht), pois que careceria de toda e qualquer eficácia prática. Para um legislador prudente e avisado o que há a fazer é, pois, regular a aplicação da tecnociência à geração ou gestação humanas de forma a proibir as modalidades que sejam intoleráveis à luz dos valores éticos e jurídico-constitucionais mais cimeiros («o primado da pessoa humana» e a sua «eminente dignidade, a inviolabilidade da vida humana», o repúdio pela mercantilização das dádivas de esperma, de ovócitos e de embriões, etc.) e a orientar as acções em si toleráveis e admitidas pelos princípios da ordem jurídica do Estado de direito democrático.

É assim que, por toda a parte, os legisladores parecem proceder. E tal terá sido também, porventura, a intenção originária inscrita na proposta de lei n." 135/VJJ. Se o Governo logrou, ou não, realizar tal intenção, isso dependerá do exame e da opinião que tivermos das soluções constantes do diploma em apreciação.

4 — A proposta de lei n.° 135/VTJ distribui os preceitos do respectivo articulado por seis capítulos, sucessivamente, subordinados às epígrafes «Disposições gerais» (i), «Utilização de técnicas de procriação medicamente assistida» (n), «Inseminação artificial» (iu), «Fecundação in vitro» (iv), «Sanções» (v) e «Disposições finais» (vi).

A arrumação das matérias sofre de alguma incongruência. Dois exemplos: o capítulo n trata da mesma matéria do capítulo i, pois que se refere ainda a princípios gerais, pelo que os seus preceitos deveriam estar englobados no capítulo i; o capítulo vi, apesar da epígrafe, não trata só de disposições finais (categoria a que pertence, sem dúvida, o artigo 35.°), trata também de técnicas de procriação medicamente assistida que figurariam melhor num outro capítulo, a colocar ao lado do capítulo m ou do capítulo iv.

Acentue-se, em jeito de compensação, que a exposição de motivos possui uma qualidade substancial e formal, a bem dizer, exemplar. Pela completude e clareza da formulação dos princípios que inspiram as soluções, ela possui relevante valor hermenêutico para a interpretação da proposta.

5 — Um «primeiro princípio» inspirador da iniciativa governamental reconduz as técnicas de reprodução medicamente assistida, por regra, à condição de «meios de tratamento

da esterilidade» de um casal de pessoas de sexo diferente, unidas pelo casamento ou por união de facto em condições análogas às dos conjugues. Tais técnicas não constituem, na óptica da proposta de lei, um «modo alternativo», mas apenas Um «método subsidiário» e «excepcional» da procriação humana (artigo 2.° e artigo 4.°, n.° 1).

Daí o corolário segundo o qual na regulamentação desta matéria o primado cabe à criança a nascer. O que, entre outras coisas, impõe que ambos os membros do casal recebedor, paciente ou beneficiário tenham idades compreendidas dentro de determinados limites (artigo 4.°, n.° 2). No entanto, o articulado só prevê uma idade mínima para ambos os membros do casal, ao contrário de, outras legislações, que fixam um mínimo e um máximo de idade para ambos. Daí também, por outro lado, que a lei em perspectiva garanta ao casal recebedor o direito a ser informado das condições em que lhe será possível recorrer à adopção de uma criança e a tomar consciência da relevância social deste instituto [artigo 9.°, alínea e)]. A aplicação de técnicas de procriação medicamente assistida configura-se na lei, assim, como a via «última» para a satisfação do natural desejo do casal infértil de também ele criar, desde o berço, um novo ser humano ao qual possa chamar filho.

Outro «primeiro princípio» é o de a legitimidade das técnicas de procriação medicamente assistida depender do consentimento dos beneficiários — um consentimento «livre, esclarecido, de forma expressa e por escrito» e precedido da prestação de todas as informações sobre os riscos da sua utilização e sobre as suas implicações éticas, sociais e jurídicas. Porém, a proposta de lei, embora estabeleça que o consentimento é livremente revogável, admite a revogação apenas «até ao início dos processos terapêuticos». O que se afigura manifestamente restritivo: o artigo 5.° da Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina é mais ajustado à dignidade própria de uma decisão destas, na medida em que a toda a pessoa voluntariamente sujeita a intervenções no domínio da saúde garante o «direito de, a qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento».

De entre os princípios instrumentais destacam-se: o de as técnicas de procriação medicamente assistida só poderem ser praticadas em estabelecimentos autorizados e por pessoas qualificadas, uns e outras, ao que parece, sujeitas periodicamente a avaliação (artigo 3.°), e o de ser obrigatória a organização de um registo de dados relativos aos processos ocorridos (artigo 13.°).

Quanto às proibições absolutas estabelecidas na proposta de lei salientam-se: a proibição da criação de seres idênticos, designadamente por clonagem; a proibição de se utilizar a procriação medicamente assistida para conseguir determinadas características do nascituro (a «eugenia privada», a que se referem alguns autores); a proibição das mães de substituição, e a proibição da experimentação científica em embriões (artigos 5.°, 6.° e 7.°).

6 — Mais controversos parecem ser outros princípios acolhidos na proposta de lei. Neste grupo estarão incluídos os seguintes:

1) A admissibilidade da utilização de espermatozóides ou ovócitos de um dador ou dadora, ou de um dador e de uma dadora, estranhos ao casal beneficiário (inseminação ou fecundação «heterólogas») (artigos 15.°-17.°);

2) A proibição de inseminação ou de fecundação da mulher com esperma do marido ou do homem com quem vivia em união de facto (portanto, inseminação ou fecundação «homóloga») «após a morte deste», ainda que ele houvesse consentido

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