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Sábado, 15 de Julho de 2000 II Série-A - Número 59

VIII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1999-2000)

S U M Á R I O

Propostas de lei (n.os 37 a 41/VIII):
N.º 37/VIII - Autoriza o Governo a aprovar um regime jurídico para a concessão intermunicipal do serviço público de gestão urbana de uma área compreendida nos limites da Zona de Intervenção da Exposição Mundial de Lisboa (EXPO 98).
N.º 38/VIII - Estabelece o regime fiscal do património cultural.
N.º 39/VIII - Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural.
N.º 40/VIII - Aprova a lei da paridade, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos.
N.º 41/VIII - Autoriza o Governo a alterar o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.º 387-E/87, de 29 de Dezembro, n.º 212/89, de 30 de Junho, n.º 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.

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PROPOSTA DE LEI N.º 37/VIII
AUTORIZA O GOVERNO A APROVAR UM REGIME JURÍDICO PARA A CONCESSÃO INTERMUNICIPAL DO SERVIÇO PÚBLICO DE GESTÃO URBANA DE UMA ÁREA COMPREENDIDA NOS LIMITES DA ZONA DE INTERVENÇÃO DA EXPOSIÇÃO MUNDIAL DE LISBOA (EXPO 98)

Exposição de motivos

O relevante interesse público nacional da realização da Exposição Mundial de Lisboa (EXPO 98) e do programa de reconversão e reordenamento urbano da respectiva zona de intervenção justificaram a adopção de um conjunto de medidas e de acções tendentes à disponibilização dos solos necessários à prossecução daqueles objectivos, quer através da desafectação dos bens imóveis que pertenciam ao domínio público do Estado quer ainda, quanto aos demais, através da respectiva aquisição por via de direito privado ou mediante expropriação por utilidade pública.
O conjunto dos solos compreendidos na Zona de Intervenção da EXPO 98 passou, assim, a integrar o domínio patrimonial da sociedade Parque EXPO 98, SA, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, constituída pelo Decreto-Lei n.º 88/93, de 23 de Março (alterado pelos Decretos-Lei n.º 36/96, de 6 de Maio, e n.º 49/2000, de 24 de Março), a qual afectou integralmente tais solos à montagem e realização da Exposição Mundial de Lisboa e ao programa de reordenamento urbanístico da área, no quadro do plano de urbanização aprovado pela Portaria n.º 640/94, de 15 de Julho, posteriormente desenvolvido por planos de pormenor, aprovados pelas Portarias n.º 1210/95, de 6 de Outubro, n.º 1357/95, de 16 de Novembro, n.º 1130-B/99 (que também revê o plano de urbanização) e n.º 1130-C/99, ambas de 31 de Dezembro.
Terminada a exposição, e correspondendo aos objectivos traçados pelo Governo através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/98, de 19 de Maio, foi celebrado, em 24 de Setembro de 1998, um protocolo entre a Parque EXPO 98, SA, e os municípios de Lisboa e de Loures, através do qual foram acordados os princípios para o desenvolvimento conjunto do modelo jurídico, institucional e financeiro da gestão urbana da Zona de Intervenção da EXPO 98 para uma fase de transição até à plena integração da área na gestão municipal das autarquias locais em causa.
No quadro desses princípios a Parque EXPO, SA, irá transferir para o domínio público dos municípios de Lisboa e de Loures as parcelas que no âmbito da zona de intervenção estão, ou deverão ficar, afectas ao uso directo e imediato do público, bem como o conjunto das infra-estruturas de serviço público urbano implantadas na zona no quadro dos investimentos realizados por aquela empresa.
Com o objectivo de assegurar uma qualidade urbana e ambiental de excelência, bem como uma gestão conjunta e articulada entre os municípios de Lisboa e de Loures e a Parque EXPO 98, SA, na zona de intervenção, é intenção das partes constituir entre si uma entidade de tipo empresarial com esse fim exclusivo, à qual será atribuída, por decisão dos municípios e mediante contrato de concessão de serviço público, a responsabilidade de administrar o domínio público municipal e garantir a prestação de um conjunto de serviços urbanos essenciais naquela área.
Dada a especificidade do modelo de concessão intermunicipal visado pelas partes envolvidas, bem como a necessidade de habilitar os municípios a dotarem a futura empresa concessionária de um conjunto de poderes de natureza administrativa, essenciais ao bom desempenho do serviço público de gestão urbana de que ficará incumbida, importa, pois, estabelecer um regime jurídico-legal adequado.
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º
Objecto

Fica o Governo autorizado a aprovar um regime jurídico para a concessão intermunicipal do serviço público de gestão urbana de uma área compreendida nos limites da Zona de Intervenção da Exposição Mundial de Lisboa (EXPO 98), a qual será atribuída conjuntamente pelos municípios de Lisboa e de Loures, por decisão dos respectivos órgãos legalmente competentes e mediante contrato de concessão, a celebrar com uma sociedade anónima a constituir para esse fim por ambas as autarquias e pela sociedade Parque EXPO 98, SA.

Artigo 2.º
Sentido e extensão

O sentido e a extensão da legislação a aprovar pelo Governo, nos termos do artigo anterior, são os seguintes:

a) Definir as condições gerais da concessão intermunicipal referida no artigo 1.º, aprovando as respectivas bases da concessão;
b) Habilitar os municípios de Lisboa e de Loures a atribuírem a concessão referida no artigo 1.º por ajuste directo, sem necessidade de consulta a outras entidades, a uma sociedade anónima a constituir para esse fim por aquelas autarquias e pela sociedade Parque EXPO 98, SA, e pelo prazo máximo de 20 anos, prorrogável por acordo das partes;
c) Autorizar os municípios de Lisboa e de Loures a consignarem a receita correspondente ao pagamento que lhes seja devido pela sociedade concessionária, pela afectação à concessão de bens do domínio público municipal, nos termos do contrato de concessão, à realização da despesa correspondente ao valor que, nos termos a acordar entre as partes, os municípios venham a apagar à sociedade Parque EXPO 98, SA, tendo em conta a valorização resultante do investimento suportado por esta na realização dos bens e infra-estruturas que, encontrando-se actualmente na esfera patrimonial daquela sociedade, vão ser transmitidos aos referidos municípios;
d) Determinar que os empréstimos contraídos pela sociedade concessionária não relevam para os limites da capacidade de endividamento dos municípios de Lisboa e de Loures;
e) Isentar a sociedade concessionária de imposto do selo previsto no artigo 17.º da tabela geral do imposto do selo, aprovada pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro;
f) Prever a atribuição à sociedade concessionária, pelos municípios concedentes, de poderes no domínio da administração dos bens do domínio público municipal afectos à concessão, estabelecendo o regime a que ficam sujeitos tais bens e o respectivo uso e ocupação por terceiros;

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g) Prever a atribuição à sociedade concessionária do poder de cobrar taxas pela prestação dos serviços compreendidos na concessão, sujeitas a aprovação pelos municípios concedentes;
h) Estabelecer que os poderes conferidos aos municípios pela lei e pelo contrato de concessão, enquanto concedentes, devem ser exercidos em conjunto.

Artigo 3.º
Duração

A presente autorização legislativa tem a duração de 90 dias.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 1 de Junho de 2000. O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres - O Ministro da Presidência, Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - O Ministro Adjunto, Fernando Manuel dos Santos Gomes - O Ministro das Finanças, Joaquim Augusto Nunes Pina Moura - O Ministro da Economia, Joaquim Augusto Nunes Pina Moura - O Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

PROPOSTA DE LEI N.º 38/VIII
ESTABELECE O REGIME FISCAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL

Exposição de motivos

A protecção e a valorização do património cultural é um imperativo constitucional, incumbindo ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais, promover a salvaguarda e a valorização deste património, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum.
A lei de bases do património cultural, que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, estatui que o respectivo regime fiscal será objecto de legislação autónoma, devendo ser apresentado, em simultâneo, com aquela.
A concessão de incentivos fiscais é presentemente condicionada e só se justifica para casos de extrema relevância social, cultural e económica expressamente previstos.
A preservação do património cultural é considerada objectivo económico e social prioritário para efeitos de definição e estruturação do regime de incentivos e benefícios fiscais.
Com vista a evitar a dispersão de normas tributárias em legislação avulsa entendeu-se como mais correcto a criação de um diploma que defina o regime fiscal do património cultural de onde constarão os preceitos de natureza fiscal aplicáveis aos bens classificados e inventariado nos termos da lei de bases do património cultural, dando também cumprimento ao estatuído no artigo 96.º da mesma lei.
Foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º
(Âmbito de aplicação)

O regime previsto na presente lei aplica-se aos bens classificados e inventariados nos termos da Lei de Bases da Política e do Regime de Protecção e Valorização do Património Cultural, aprovada pela Lei n.º .../2000, de ... .

Artigo 2.º
(Condições de acesso)

1 - A concessão dos incentivos previstos nos artigos 4.º e 5.º depende da comprovação de que a conservação e valorização dos bens foram objecto de parecer favorável por parte do organismo competente da administração do património cultural.
2 - A concessão das isenções previstas nos artigos 6.º e 7.º está dependente de pedido a apresentar nos serviços locais da Direcção-Geral dos Impostos, instruído com documento comprovativo da qualidade de bem classificado emitido pela administração do património cultural competente.

Artigo 3.º
(Despesas relevantes)

Para efeitos do disposto no presente diploma relevam as despesas líquidas de comparticipações oficiais.

Artigo 4.º
(Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas)

1 - Consideram-se custos ou perdas do exercício, até ao limite de 6/1 000 do volume de vendas ou dos serviços prestados, os que comprovadamente forem despendidos com:

a) Amortizações de bens imóveis classificados pertencentes ao activo imobilizado do sujeito passivo;
b) Despesas com a manutenção, a conservação e a valorização de bens imóveis classificados pertencentes ao activo imobilizado do sujeito passivo;
c) Despesas com a manutenção, a conservação e a valorização de bens móveis classificados pertencentes ao activo imobilizado do sujeito passivo;
d) Encargos com a criação de museus ou a constituição e instalação de fundos ou colecções visitáveis, bem como com a pesquisa, formação, recuperação e restauro desde que respeitem a bens classificados e que haja sido celebrado acordo com a competente administração do património cultural do Estado e das regiões autónomas que estabeleça as condições de qualidade e permanência de tais iniciativas e as formas de fruição cultural dos bens;
e) Os juros de dívidas contraídas para os fins previstos nas alíneas anteriores.

2 - Os custos referidos na alínea b) do número anterior são considerados em valor correspondente a 130% do respectivo total caso os trabalhos ou as obras sejam realizados por iniciativa do sujeito passivo e se destinem a assegurar a integridade do bem e a evitar a sua perda, destruição ou deterioração e a 110% quando sejam considerados necessários, no competente procedimento administrativo, para salvaguarda do bem.
3 - Os custos referidos na alínea c) do n.º 1 são considerados em valor correspondente a 130% do respectivo total quando os bens móveis estejam adstritos de forma permanente à fruição pública.

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4 - O disposto nos números anteriores não prejudica a consideração como custos do exercício, nos termos do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, dos encargos relativos a bens móveis ou imóveis classificados afectos à actividade do sujeito passivo.
5 - A destruição ou deterioração imputáveis ao sujeito passivo e a alienação ou oneração a qualquer título, dos bens imóveis ou móveis classificados objecto de trabalhos ou obras de valorização, antes de decorridos seis anos contados do exercício de início da usufruição do benefício, implica a sua caducidade, devendo ser acrescidas, para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício da verificação dos factos, as importâncias consideradas como custo, majoradas em 10% por cada ano ou fracção, decorrido desde aquele em que como tal foram consideradas.
6 - A inobservância das condições impostas ou acordadas nos termos da alínea d) do n.º 1 determina a caducidade do benefício com as consequências previstas na parte final do número anterior.

Artigo 5.º
(Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares)

1 - O disposto no artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, aos sujeitos passivos de IRS titulares de rendimentos das categorias C e D, residentes em território português.
2 - São dedutíveis à colecta do IRS devido por sujeitos passivos residentes em território português 25% dos seguintes encargos:

a) Com a aquisição de bens imóveis classificados não arrendados nos casos em que não haja recurso ao crédito;
b) Com a manutenção, conservação e valorização de bens imóveis classificados não arrendados;
c) Com a manutenção, a conservação e a valorização de bens móveis classificados;
d) Com a criação de museus ou a constituição e instalação de fundos ou colecções visitáveis, bem como com a pesquisa, formação, recuperação e restauro desde que respeitem a bens classificados e que haja sido celebrado acordo com a competente administração do património cultural do Estado e das regiões autónomas que estabeleça as condições de qualidade e permanência de tais iniciativas e as formas de fruição cultural de tais bens.

3 - Os encargos previstos nas alíneas a) e b) do número anterior não podem ultrapassar o limite previsto no artigo 80.º-H do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, acrescido em 25%.
4 - Os encargos previstos nas alíneas c) e d) não poderão ultrapassar o limite de 15% da colecta líquida das deduções previstas no artigo 80.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
5 - São igualmente dedutíveis à colecta 25% dos juros de dívidas contraídas para os fins referidos no n.º 2, nos termos e condições nele previstos e com os limites dos n.os 3 e 4.
6 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, deduzir-se-ão:

a) As despesas comprovadamente despendidas com a manutenção e conservação dos imóveis classificados que se encontrem arrendados, podendo o resultado negativo apurado ser reportado aos 10 anos seguintes, deduzindo-se nos primeiros cinco anos aos rendimentos da mesma categoria e nos seguintes unicamente às rendas emergentes desses imóveis;
b) Os juros de dívidas contraídas para esses fins, podendo no caso de não ser possível efectuar a dedução no ano em que foram suportados, ser autorizada a dedução nos anos seguintes até ao limite de cinco anos.

7 - As deduções à colecta previstas nos números anteriores só se efectuarão quando as importâncias a que respeitam não tenham sido contabilizadas como custos ou perdas do exercício.
8 - A destruição ou deterioração imputáveis ao sujeito passivo e a alienação ou oneração a qualquer título dos bens imóveis ou móveis classificados objecto de trabalhos ou obras de valorização, antes de decorridos seis anos contados do exercício de início da usufruição do benefício, implica a sua caducidade, com as seguintes consequências:

a) Nos casos previstos no n.º 1 deverão ser acrescidas, para efeitos do apuramento do lucro tributável do exercício da verificação dos factos, as importâncias consideradas como custos, majoradas em 10% por cada ano ou fracção decorrido desde aquele em que como tal foram consideradas;
b) Nos restantes casos, as importâncias deduzidas, majoradas em 10% em cada ano ou fracção, decorrido desde o ano em que foi exercido o direito à dedução, deverão ser acrescidas à colecta do ano da verificação dos factos.

9 - A inobservância das condições impostas ou acordadas nos termos da alínea d) do n.º 1 determina a caducidade do benefício com as consequências previstas na alínea b) do número anterior.

Artigo 6.º
(Contribuição autárquica)

1 - Estão isentos de contribuição autárquica os bens imóveis classificados como de interesse nacional, de interesse público e de interesse regional.
2 - Quando se trate da classificação de conjuntos e sítios, darão direito à isenção prevista no número anterior os imóveis neles abrangidos em condições de os merecer, consoante certidão emitida pela administração do património cultural competente.

Artigo 7.º
(Imposto Municipal de Sisa)

1 - Estão isentas de imposto municipal de sisa as aquisições de bens imóveis classificados como de interesse nacional, de interesse público e de interesse regional.
2 - Quando se trate da classificação de conjuntos e sítios, darão direito à isenção prevista no número anterior os imóveis neles abrangidos em condições de os merecer con

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soante certidão emitida pela administração do património cultural competente.

Artigo 8.º
(Imposto sobre as Sucessões e Doações)

Ficam isentas do imposto sobre as sucessões e doações as transmissões de bens imóveis e móveis classificados bem como de bens móveis inventariados.

Artigo 9.º
(Imposto do selo)

Estão isentos do imposto do selo os actos relativos à aquisição de bens imóveis e móveis classificados.

Artigo 10.º
(Legislação subsidiária)

1 - Às amortizações previstas no presente diploma aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro.
2 - São aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições previstas nos códigos tributários, nomeadamente em matéria do reconhecimento dos benefícios fiscais.

Artigo 11.º
(Entrada em vigor)

Os benefícios fiscais previstos na presente lei entram em vigor na data do início do ano económico seguinte ao da entrada em vigor da presente lei.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 25 de Maio de 2000. O Primeiro- Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres - O Ministro da Presidência, Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - O Ministro das Finanças, Joaquim Augusto Nunes Pina Moura - O Ministro da Cultura, Manuel Maria Ferreira Carrilho.

PROPOSTA DE LEI N.º 39/VIII
ESTABELECE AS BASES DA POLÍTICA E DO REGIME DE PROTECÇÃO E VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO CULTURAL

Exposição de motivos

A protecção e a valorização do património cultural constituem um dos mais claros e reiterados mandatos constitucionais impostos ao Estado. Daí que a legislação fundamental sobre essa matéria se deva considerar uma lei substantivamente necessária, para além do facto de estar formalmente imposta na Constituição. Sucede que, apesar dos inúmeros esforços e iniciativas apresentadas e da aprovação, em 1985, de uma lei do património cultural português, não foi possível ainda consolidar a matriz legislativa adequada à salvaguarda do património cultural do povo português.
Com efeito, a Lei n.º 13/85, de 6 de Julho, pese embora a confiança que nela o legislador depositou, ou não teve exequibilidade, por falta de legislação de desenvolvimento necessária, ou se foi revelando progressivamente mais desajustada às novas exigências e realidades, conclusões estas a que chegaram tanto a doutrina como os principais aplicadores.
Mas outras condicionantes impunham ainda esta reforma. Por um lado, urgia pôr termo à dispersão legislativa e aos vazios de regulamentação e, simultaneamente, adequar o direito interno aos novos critérios e formas de protecção ditados pelo direito internacional e pelo direito comunitário. Por outro lado, para além da necessidade de uma profunda, coerente e exequível resposta legal às exigências da defesa e valorização do património cultural, a reforma era também necessária em face do regime autonómico insular, tanto mais quando no novo artigo 228.º, alínea b), da Constituição se consagra expressamente que o património cultural é matéria de interesse específico das regiões autónomas.
Perante razões tão fortes, que, de resto, foram reforçadas no processo de discussão pública dos relatórios intercalares entretanto apresentados e, em seguida, na proposta de lei n.º 228/VII, tornou-se imperativa a preparação de uma nova lei: uma efectiva lei de bases do património cultural. Neste quadro as principais orientações nela perfilhadas relevam, em primeiro lugar, da procura de um adequado nível de concretização da Constituição do património cultural nas suas dimensões subjectiva e objectiva. Em segundo lugar, este novo texto legal surge especialmente orientado para o aperfeiçoamento da coerência interna do regime jurídico aplicável, de que é ponto de partida uma definição precisa do respectivo objecto e âmbito. Uma terceira orientação tem a ver com a combinação de soluções que, de um lado, vêm da tradição portuguesa, em especial dessas marcantes leis que foram a Lei n.º 1700, de 18 de Dezembro de 1924, e o Decreto n.º 20985, de 7 de Março de 1932, bem como da própria Lei n.º 13/85, de 6 de Julho, e, de outro, com novas fórmulas e novos instrumentos colhidos do direito comparado e da doutrina mais recente. Um objectivo ainda tem a ver com a preocupação de garantir maior eficácia e agilidade a todo o sistema normativo aplicável, objectivo que nesta nova proposta de lei foi substancialmente reforçado, dando assim resposta a críticas surgidas quanto à complexidade da anterior iniciativa legislativa.
Em ordem à concretização da Constituição, ressaltam, de entre as inovações, a definição dos princípios gerais, a explicitação dos direitos, garantias e deveres dos cidadãos e a enunciação dos objectivos e das componentes específicas da política do património cultural, com destaque particular para as directrizes em matéria de planeamento, coordenação e articulação de políticas, inspecção e prevenção, informação, afectação de meios e do controlo e avaliação.
No sentido de garantir a coerência do regime jurídico, deve destacar-se que este passa a estar, primariamente, estruturado em torno do conceito técnico-jurídico de bens culturais, por ser junto dos bens móveis e imóveis que se colocam particulares exigências de protecção, no que constitui o regime geral de protecção. Porém, ao lado deste regime geral passam a figurar, a título inovador entre nós, regimes especiais de protecção e valorização, com destaque para o património arquivístico, audiovisual, bibliográfico, fonográfico e fotográfico, do mesmo passo que se reforça o regime do património arqueológico. A este facto se deve, em boa parte, a relativa extensão do texto legal, ainda assim, encurtado em face da versão anterior.
No campo das soluções acolheu-se o inventário como forma básica de identificação e protecção dos bens culturais, figura que aparece rodeada de especiais benefícios, de

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modo a favorecer a sua receptividade. Abandonou-se a ideia de instituir uma forma intermédia de protecção, a qualificação, mantendo-se a classificação como forma tradicional e base de protecção dos bens culturais e devolvendo aos municípios o poder de classificar - o que, de resto, decorre também do disposto na Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, sobre o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias. O que se conseguiu sem prejuízo da identidade substantiva do regime, uma vez que à anterior qualificação como de interesse nacional corresponde agora a classificação como de interesse público. No que respeita às categorias de bens, acolhendo as que resultam do direito internacional, revelou-se mais adequado manter as formas já enraizadas entre nós, apenas com a substituição de "valores concelhios" por "bens classificados como de interesse municipal".
Em rápida síntese podem ainda elencar-se algumas das soluções e inovações propostas no sentido da garantia de maior eficácia e agilidade do sistema: é criado um registo próprio e um título para cada forma de protecção; são definidos, pela primeira vez, os critérios genéricos para a apreciação do interesse cultural; prevê-se o sistema nacional de informação do património cultural; são definidos prazos e regras claras quanto ao procedimento, prevendo-se a possibilidade de devolução das tarefas; os comproprietários vêem reforçados os seus direitos; são previstas medidas provisórias e reforçados os instrumentos urbanísticos de protecção, além da previsão de medidas especiais para a defesa da paisagem e do contexto dos monumentos, conjuntos e sítios; enunciam-se os elementos de conexão aplicáveis aos bens móveis e impõe-se o inventário obrigatório dos bens públicos, do mesmo passo que se admite a classificação automática de certos bens públicos; dispõe-se, com a densidade necessária, sobre as bases aplicáveis à exportação, à importação e ao comércio de bens culturais; elencam-se as componentes e os instrumentos de valorização; definem-se com rigor as atribuições do Estado, das regiões autónomas e das autarquias, decretando-se providências especiais de carácter organizatório; dinamiza-se o regime de benefícios, incentivos e apoios; reforça-se a tutela penal e institui-se uma tutela contra-ordenacional suficientemente comprometida com as soluções desenhadas.
Foram ainda contempladas diversas soluções normativas tendentes a afastar críticas e insuficiências relevadas quer no processo de discussão parlamentar da proposta de lei n.º 228/VII quer nos contributos, muito diversificados, entretanto vindos a público. Assim, além da simplificação e da unificação de regimes conseguida em torno da classificação e da inventariação, procedeu-se à reformulação de preceitos nos seguintes domínios e sentidos: ampliação da acção pública, reforço da protecção dos particulares na classificação de bens móveis, adequação do regime do direito de preferência, reforço das medidas de apoio e protecção dos centros históricos, expressão ainda mais clara do respeito pela autonomia regional, ajustamentos no regime dos benefícios fiscais, eliminação de uma tipificação criminal, expressa menção aos modos tradicionais de fazer e reforço do poder municipal em matéria de classificação, tornando a lei operativa nesta matéria, mesmo antes da edição da legislação de desenvolvimento.
Por fim, ainda que a lei careça dos indispensáveis desenvolvimentos legislativos, ela mostra-se capaz, em inúmeros dos seus parâmetros, de servir de imediato apoio tanto à administração do património cultural como, desde logo, ao reconhecimento e efectividade dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Título I
Dos princípios basilares

Artigo 1.º
(Objecto)

1 - A presente lei estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, como realidade da maior relevância para a compreensão, permanência e construção da identidade nacional e para a democratização da cultura.
2 - A política do património cultural integra as acções promovidas pelo Estado, pelas regiões autónomas, pelas autarquias locais e pela restante administração pública, visando assegurar, no território português, a efectivação do direito à cultura e à fruição cultural e a realização dos demais valores e das tarefas e vinculações impostas, neste domínio, pela Constituição e pelo direito internacional.

Artigo 2.º
(Conceito e âmbito do património cultural)

1 - Para os efeitos da presente lei integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização.
2 - O interesse cultural relevante, designadamente histórico, arqueológico, arquitectónico, documental, artístico, etnográfico, científico, social ou técnico, dos bens que integram o património cultural reflectirá valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade.
3 - Integram, igualmente, o património cultural aqueles bens imateriais que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva portuguesas.
4 - Constituem, ainda, património cultural quaisquer outros bens que como tal sejam considerados por força de convenções internacionais que vinculem o Estado português, pelo menos para os efeitos nelas previstos.
5 - Integram o património cultural não só o conjunto de bens materiais e imateriais de interesse cultural relevante, mas também, quando for caso disso, os respectivos contextos que, pelo seu valor de testemunho, possuam com aqueles uma relação interpretativa e informativa.
6 - O ensino, a valorização, a defesa e a difusão internacional da língua portuguesa constituem objecto de legislação e políticas próprias.

Artigo 3.º
(Tarefa fundamental do Estado)

1 - Através da salvaguarda e valorização do património cultural, deve o Estado assegurar a transmissão de uma herança nacional cuja continuidade e enriquecimento unirá as gerações num percurso civilizacional singular.
2 - O Estado protege e valoriza o património cultural como instrumento primacial de realização da dignidade da pessoa humana, objecto de direitos fundamentais, meio ao

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serviço da democratização da cultura e esteio da independência e da identidade nacionais.
3 - O conhecimento, estudo, protecção, valorização e divulgação do património cultural constituem, de modo particular, um dever do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.

Artigo 4.º
(Contratualização da Administração do património cultural)

1 - Nos termos da lei, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais podem celebrar com detentores particulares de bens culturais, outras entidades interessadas na preservação e valorização de bens culturais, ou empresas especializadas acordos para efeito da prossecução de interesses públicos na área do património cultural.
2 - Entre outros, os instrumentos referidos no número anterior podem ter por objecto a colaboração recíproca para fins de identificação, reconhecimento, conservação, segurança, restauro, valorização e divulgação de bens culturais, bem como a concessão ou delegação de tarefas, desde que não envolvam a habilitação para a prática de actos administrativos de classificação.
3 - Com as pessoas colectivas de direito público e de direito privado detentoras de acervos de bens culturais de excepcional importância e com as entidades incumbidas da respectiva representação podem o Estado, as regiões autónomas ou as autarquias locais acordar fórmulas institucionais de composição mista destinadas a canalizar de modo concertado, planificado e expedito as respectivas relações no domínio da aplicação da presente lei e da sua legislação de desenvolvimento.
4 - O disposto nos números anteriores aplica-se à Igreja Católica, enquanto entidade detentora de uma notável parte dos bens que integram o património cultural português, com as adaptações e os aditamentos decorrentes do cumprimento pelo Estado do regime dos bens de propriedade da Igreja Católica ou de propriedade do Estado e com afectação permanente ao serviço da Igreja Católica, definido pela Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé.

Artigo 5.º
(Identidades culturais)

1 - No âmbito das suas relações bilaterais ou multilaterais com os países lusófonos, o Estado português contribui para a preservação e valorização daquele património cultural, sito no território nacional ou fora dele, que testemunhe capítulos da história comum.
2 - O Estado português contribui, ainda, para a preservação e salvaguarda do património cultural sito fora do espaço lusófono, que constitua testemunho de especial importância de civilização e de cultura portuguesas.
3 - A política do património cultural visa, em termos específicos, a conservação e salvaguarda do património cultural de importância europeia e do património cultural de valor universal excepcional, em particular quando se trate de bens culturais que integrem o património cultural português ou que com este apresentem conexões significativas.

Artigo 6.º
(Outros princípios gerais)

Para além de outros princípios presentes nesta lei, a política do património cultural obedece aos princípios gerais de:

a) Planeamento, assegurando que os instrumentos e recursos mobilizados e as medidas adaptadas resultam de uma prévia e adequada planificação e programação;
b) Coordenação, articulando e compatibilizando o património cultural com as restantes políticas que se dirigem a idênticos ou conexos interesses públicos e privados, em especial as políticas de ordenamento do território, de ambiente, de educação e formação, de apoio à criação cultural e de turismo;
c) Eficiência, garantindo padrões adequados de cumprimento das imposições vigentes e dos objectivos previstos e estabelecidos;
d) Inspecção e prevenção, impedindo, mediante a instituição de organismos, processos e controlos adequados, a desfiguração, degradação ou perda de elementos integrantes do património cultural;
e) Informação, promovendo a recolha sistemática de dados e facultando o respectivo acesso tanto aos cidadãos e organismos interessados como às competentes organizações internacionais;
f) Equidade, assegurando a justa repartição dos encargos, ónus e benefícios decorrentes da aplicação do regime de protecção e valorização do património cultural;
g) Responsabilidade, garantindo prévia e sistemática ponderação das intervenções e dos actos susceptíveis de afectar a integridade ou circulação lícita de elementos integrantes do património cultural;
h) Cooperação internacional, reconhecendo e dando efectividade aos deveres de colaboração, informação e assistência internacional.

Título II
Dos direitos, garantias e deveres dos cidadãos

Artigo 7.º
(Direito à fruição do património cultural)

1 - Todos têm direito à fruição dos valores e bens que integram o património cultural, como modo de desenvolvimento da personalidade através da realização cultural.
2 - A fruição por terceiros de bens culturais, cujo suporte constitua objecto de propriedade privada ou outro direito real de gozo, depende de modos de divulgação concertados entre a administração do património cultural e os titulares das coisas.
3 - A fruição pública dos bens culturais deve ser harmonizada com as exigências de funcionalidade, segurança, preservação e conservação destes.
4 - O Estado respeita, também, como modo de fruição cultural o uso litúrgico, devocional, catequético e educativo dos bens culturais afectos a finalidades de utilização religiosa.

Artigo 8.º
(Colaboração entre a administração pública e os particulares)

As pessoas colectivas de direito público colaborarão com os detentores de bens culturais, por forma a que estes possam conjugar os seus interesses e iniciativas com a actuação pública, à luz dos objectivos de protecção e valorização

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do património cultural, e beneficiem de contrapartidas de apoio técnico e financeiro e de incentivos fiscais.

Artigo 9.º
(Garantias dos administrados)

1 - Aos titulares de direitos e interesses legalmente protegidos sobre bens culturais, ou outros valores integrantes do património cultural, lesados por actos jurídicos ou materiais da administração pública ou de entidades em que esta delegar tarefas nos termos dos artigos 4.º e 26.º, n.º 2, são reconhecidas as garantias gerais dos administrados, nomeadamente:

a) O direito de promover a impugnação dos actos administrativos e das normas emitidas no desempenho da função administrativa;
b) O direito de propor acções administrativas;
c) O direito de desencadear meios processuais de natureza cautelar, incluindo os previstos na lei de processo civil quando os meios específicos do contencioso administrativo não puderem proporcionar uma tutela provisória adequada;
d) O direito de apresentação de denúncia, queixa ou participação ao Ministério Público e de queixa ao Provedor de Justiça.

2 - É reconhecido, nos termos da lei geral, o direito de participação procedimental e de acção popular para a protecção de bens culturais ou outros valores integrantes do património cultural.
3 - Sem prejuízo da iniciativa processual dos lesados e do exercício da acção popular, compete também ao Ministério Público a defesa dos bens culturais e de outros valores integrantes do património cultural contra lesões violadoras do Direito, através, nomeadamente, do exercício dos meios processuais referidos no n.º 1 do presente artigo.
4 - O direito de acção popular inclui a utilização de embargo judicial de obra, trabalho ou serviço novo iniciados em qualquer bem cultural contra o disposto na presente lei e nas restantes normas do direito do património cultural, bem como o emprego de quaisquer outros procedimentos cautelares adequados, nos termos da alínea c) do n.º 1 do presente artigo.

Artigo 10.º
(Associações de defesa do património cultural)

1 - A participação dos cidadãos interessados na gestão efectiva do património cultural pela administração pública será assegurada, designadamente, pelas associações de defesa do património cultural.
2 - Para os efeitos da presente lei, entende-se por associações de defesa do património cultural as associações dotadas de personalidade jurídica constituídas nos termos da lei geral, que não tenham por fim o lucro económico dos seus associados e que sejam constituídas exclusivamente para a defesa e a valorização do património cultural ou deste e do património natural, conservação da natureza e promoção da qualidade de vida.
3 - As associações de defesa do património cultural são de âmbito nacional, regional ou local e de representatividade genérica ou específica, nos termos da lei que as regular.
4 - As associações de defesa do património cultural gozam do direito de participação, informação e acção popular, nos termos da presente lei, da lei que as regular e da lei geral.
5 - A administração pública e as associações de defesa do património cultural colaborarão em planos e acções que respeitem à protecção e à valorização do património cultural.
6 - As administrações central, regional e local poderão ajustar com as associações de defesa do património cultural formas de apoio a iniciativas levadas a cabo por estas últimas, em particular no domínio da informação e formação dos cidadãos.
7 - As associações de defesa do património cultural gozam dos incentivos e benefícios fiscais atribuídos pela legislação tributária às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.

Artigo 11.º
(Dever de preservação, defesa e valorização do património cultural)

1 - Todos têm o dever de preservar o património cultural, não atentando contra a integridade dos bens culturais e não contribuindo para a sua saída do território nacional em termos não permitidos pela lei.
2 - Todos têm o dever de defender e conservar o património cultural, impedindo, no âmbito das faculdades jurídicas próprias, em especial, a destruição, deterioração ou perda de bens culturais.
3 - Todos têm o dever de valorizar o património cultural, sem prejuízo dos seus direitos, agindo, na medida das respectivas capacidades, com o fito da divulgação, acesso à fruição e enriquecimento dos valores culturais que nele se manifestam.

Título III
Dos objectivos

Artigo 12.º
(Finalidades da protecção e valorização do património cultural)

1 - Como tarefa fundamental do Estado e dever dos cidadãos, a protecção e a valorização do património cultural visam:

a) Incentivar e assegurar o acesso de todos à fruição cultural;
b) Vivificar a identidade cultural comum da Nação portuguesa e das comunidades regionais e locais a ela pertencentes e fortalecer a consciência da participação histórica do povo português em realidades culturais de âmbito transnacional;
c) Promover o aumento do bem-estar social e económico e o desenvolvimento regional e local;
d) Defender a qualidade ambiental e paisagística.

2 - Constituem objectivos primários da política de património cultural o conhecimento, a protecção, a valorização e o crescimento dos bens materiais e imateriais de interesse cultural relevante, bem como dos respectivos contextos.

Artigo 13.º
(Componentes específicas da política do património cultural)

A política do património cultural deverá integrar especificamente, entre outras, as seguintes componentes:

a) Definição de orientações estratégicas para todas as áreas do património cultural;
b) Definição, através de planos, programas e directrizes, das prioridades de intervenção ao nível da

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conservação, recuperação, acrescentamento, investigação e divulgação do património cultural;
c) Definição e mobilização dos recursos humanos, técnicos e financeiros necessários à consecução dos objectivos e das prioridades estabelecidas;
d) Definição das relações e aplicação dos instrumentos de cooperação entre os diversos níveis da administração pública e desta com os principais detentores de bens culturais e com as populações;
e) Definição dos modelos de articulação da política do património cultural com as demais políticas sectoriais;
f) Definição de modelos de aproveitamento das tecnologias da informação e comunicação;
g) Adopção de medidas de fomento à criação cultural.

Título IV
Dos bens culturais e das formas de protecção

Artigo 14.º
(Bens culturais)

1 - Consideram-se bens culturais os bens móveis e imóveis que, de harmonia com o disposto nos n.os 1, 2 e 4 do artigo 2.º, representem testemunho material com valor de civilização ou de cultura.
2 - Os princípios e disposições fundamentais da presente lei são extensíveis, na medida do que for compatível com os respectivos regimes jurídicos, aos bens naturais, ambientais, paisagísticos ou paleontológicos.

Artigo 15.º
(Categorias de bens)

1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no Título VII.
2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público, de interesse regional ou de interesse municipal.
3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional adoptar-se-á, quando for caso disso, a designação de "Monumento Nacional" e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação de "Tesouro Nacional".
4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.
5 - Um bem considera-se de interesse público quando a respectiva protecção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de protecção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado.
6 - Consideram-se de interesse regional os bens cuja protecção e valorização, no todo ou em parte, representem um valor cultural de significado predominante para uma região autónoma.
7 - Consideram-se de interesse municipal os bens cuja protecção e valorização, no todo ou em parte, representem um valor cultural de significado predominante para um determinado município.
8 - A designação de "património mundial" mantém no direito interno o significado que possui no direito internacional.
9 - A existência das categorias e designações referidas neste artigo não prejudica a eventual relevância de outras, designadamente quando previstas no direito internacional.

Artigo 16.º
(Formas de protecção dos bens culturais)

1 - A protecção legal dos bens culturais assenta na classificação e na inventariação.
2 - Cada forma de protecção dá lugar ao correspondente nível de registo, pelo que existirá:

a) O registo patrimonial de classificação;
b) O registo patrimonial de inventário.

3 - A aplicação de medidas cautelares previstas na lei não depende de prévia classificação ou inventariação de um bem cultural.

Artigo 17.º
(Critérios genéricos de apreciação)

Para a classificação ou a inventariação, em qualquer uma das categorias referidas no artigo 15.º, serão tidos em conta algum ou alguns dos seguintes critérios:

a) O carácter matricial do bem;
b) O génio do respectivo criador;
c) O interesse do bem como testemunho simbólico ou religioso;
d) O interesse do bem como testemunho notável de vivências ou factos históricos;
e) O valor estético, técnico ou material intrínseco do bem;
f) A concepção arquitectónica, urbanística e paisagística;
g) A extensão do bem e o que nela se reflecte do ponto de vista da memória colectiva;
h) A importância do bem do ponto de vista da investigação histórica ou científica;
i) As circunstâncias susceptíveis de acarretarem diminuição ou perda da perenidade ou da integridade do bem.

Artigo 18.º
(Classificação)

1 - Entende-se por classificação o acto final do procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural.
2 - Os bens móveis pertencentes a particulares só podem ser classificados como de interesse nacional quando a sua degradação ou o seu extravio constituam perda irreparável para o património cultural.
3 - Dos bens móveis pertencentes a particulares só são passíveis de classificação como de interesse público os que sejam de elevado apreço e cuja exportação definitiva do território nacional possa constituir dano grave para o património cultural.
4 - Os bens móveis pertencentes a particulares só podem ser classificados como de interesse regional quando o seu extravio ou a sua degradação constituam perda irreparável para as características culturais de uma região autónoma.
5 - Só é possível a classificação de bens móveis de interesse municipal com o consentimento dos respectivos proprietários.

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Artigo 19.º
(Inventariação)

1 - Entende-se por inventariação o levantamento sistemático, actualizado e tendencialmente exaustivo dos bens culturais existentes a nível nacional, com vista à respectiva identificação.
2 - O inventário abrange os bens independentemente da sua propriedade pública ou privada.
3 - O inventário inclui os bens classificados e os que, de acordo com o artigo 2.º, n.os 1, 2 e 4, e o artigo 14.º, n.º 1, mereçam ser inventariados.
4 - O inventário abrange duas partes: o inventário de bens públicos, referente aos bens de propriedade do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, e o inventário de bens de particulares, referente aos bens de propriedade de pessoas colectivas privadas e de pessoas singulares.
5 - Só excepcionalmente os bens não classificados pertencentes a pessoas colectivas privadas e a pessoas singulares serão incluídos no inventário sem o acordo destas.
6 - Ficarão a constar do inventário independentemente do desfecho do procedimento os bens que se encontrem em vias de classificação.

Título V
Do regime geral de protecção dos bens culturais

Capítulo I
Disposições gerais

Secção I
Direitos e deveres especiais

Artigo 20.º
(Direitos especiais dos detentores)

Os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados ou inventariados gozam, entre outros, dos seguintes direitos específicos:

a) O direito de informação quanto aos actos da administração do património cultural que possam repercutir-se no âmbito da respectiva esfera jurídica;
b) O direito de conhecer as prioridades e as medidas políticas já estabelecidas para a conservação e valorização do património cultural;
c) O direito de se pronunciar sobre a definição da política, e de colaborar na gestão do património cultural, pelas formas organizatórias e nos termos procedimentais que a lei definir;
d) Direito a uma indemnização sempre que do acto de classificação resultar uma proibição ou uma restrição grave à utilização habitualmente dada ao bem;
e) O direito de requerer a expropriação, desde que a lei o preveja.

Artigo 21.º
(Deveres especiais dos detentores)

1 - Os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados ou inventariados estão especificamente adstritos aos seguintes deveres:

a) Facilitar à administração do património cultural a informação que resulte necessária para execução da presente lei;
b) Conservar, cuidar e proteger devidamente o bem, de forma a assegurar a sua integridade e a evitar a sua perda, destruição ou deterioração;
c) Adequar o destino, o aproveitamento e a utilização do bem à garantia da respectiva conservação.

2 - Sobre os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados incidem ainda os seguintes deveres:

a) Observar o regime legal instituído sobre acesso e visita pública, à qual podem, todavia, eximir-se mediante a comprovação da respectiva incompatibilidade, no caso concreto, com direitos, liberdades e garantias pessoais ou outros valores constitucionais;
b) Executar os trabalhos ou as obras que o serviço competente, após o devido procedimento, considerar necessários para assegurar a salvaguarda do bem.

Artigo 22.º
(Deveres especiais da Administração)

1 - O Estado deverá promover a existência e adequada estruturação e funcionamento de um sistema nacional de informação do património cultural, através da implantação, compatibilização e progressiva inter-operatividade das diferentes redes de bases de dados.
2 - A legislação de desenvolvimento deverá obrigatoriamente regular a constituição, organização e funcionamento das redes nacionais de arquivos, bibliotecas e museus.
3 - Serão assegurados os direitos e as garantias estabelecidas na Constituição e na lei geral em matéria de protecção de dados pessoais e os imperativos de segurança dos bens, designadamente através do estabelecimento de níveis de acesso e gestão adequados.
4 - A administração do património cultural deverá promover a cooperação entre os seus serviços e instituições, a qual poderá incluir a cedência e troca de bens culturais sempre que se trate de integrar ou completar colecções ou fundos de natureza histórica ou de especial interesse literário, artístico, científico ou técnico.

Secção II
Procedimento administrativo

Artigo 23.º
(Direito subsidiário)

Em tudo quanto não estiver expressamente regulado neste Título, são aplicáveis aos procedimentos administrativos previstos na legislação do património cultural os princípios e as disposições do Código do Procedimento Administrativo.

Artigo 24.º
(Prazos gerais para conclusão)

1 - Sempre que a natureza e a extensão das tarefas o permitam, deve o procedimento de inventariação ser concluído no prazo máximo de um ano.

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2 - O procedimento de classificação deve ser concluído no prazo máximo de um ano.
3 - Sempre que, no âmbito do mesmo procedimento, estejam em causa conjuntos, sítios, colecções, fundos ou realidades equivalentes, pode o instrutor prorrogar os prazos até ao limite dos prazos máximos correspondentes.
4 - É de 18 meses o prazo máximo para a definição de Zona Especial de Protecção.
5 - Transcorridos os prazos referidos nos números anteriores, pode qualquer interessado, no prazo de 60 dias, denunciar a mora, para efeitos de a administração decidir de forma expressa e em idêntico prazo, sob pena de caducidade do procedimento.

Artigo 25.º
(Início do procedimento)

1 - O impulso para a abertura de um procedimento administrativo de classificação ou inventariação pode provir de qualquer pessoa ou organismo, público ou privado, nacional ou estrangeiro.
2 - A iniciativa do procedimento pode pertencer ao Estado, às regiões autónomas, às autarquias ou a qualquer pessoa singular ou colectiva dotada de legitimidade, nos termos gerais.
3 - Para efeito de notificação do acto que determina a abertura do procedimento, considera-se também interessado o município da área de situação do bem.
4 - Os bens em vias de classificação ficam sujeitos a um regime especial, nos termos da lei.
5 - Um bem considera-se em vias de classificação a partir da notificação ou publicação do acto que determine a abertura do respectivo procedimento.

Artigo 26.º
(Instrução do procedimento)

1 - A instrução do procedimento compete ao serviço instrutor da entidade competente para a prática do acto final, em conformidade com as leis estatutárias e orgânicas e a demais legislação de desenvolvimento.
2 - As tarefas e funções específicas do procedimento podem ser cometidas a entidades não públicas, desde que excluída a prática de actos ablativos.
3 - Na instrução do procedimento são obrigatoriamente ouvidos os órgãos consultivos competentes, nos termos da lei.

Artigo 27.º
(Audiência dos interessados)

1 - Os interessados têm o ónus de carrear para a instrução do procedimento todos os factos e elementos susceptíveis de conduzir a uma justa e rápida decisão e devem ser ouvidos antes de tomada decisão final, nos termos do Código do Procedimento Administrativo.
2 - Quando o número de interessados for superior a 10 proceder-se-á a consulta pública, nos termos do Código do Procedimento Administrativo.

Artigo 28.º
(Forma dos actos)

1 - A classificação de um bem como de interesse nacional reveste a forma de decreto do Governo.
2 - A classificação de um bem como de interesse público reveste a forma de portaria.
3 - A forma dos demais actos a praticar obedecerá ao disposto na legislação aplicável.
4 - Todo o acto final de um procedimento sobre uma determinada forma de protecção deverá ser devidamente fundamentado, identificando com rigor o bem ou as partes componentes da universalidade em questão.

Artigo 29.º
(Notificação, publicação e efeitos da decisão)

1 - A decisão final é notificada aos interessados, bem como ao município da área a que o bem pertença, quando não seja deste o serviço instrutor, e ainda às associações que tenham participado na instrução do procedimento.
2 - Toda a decisão final deve ser publicada.
3 - Os efeitos da decisão produzem-se a partir da data da notificação da mesma às pessoas directamente interessadas.

Artigo 30.º
(Procedimento para a revogação)

O disposto nesta secção, com as necessárias adaptações, é aplicável aos procedimentos extintivos de actos que tenham instituído alguma forma de protecção.

Capítulo II
Protecção dos bens culturais classificados

Secção I
Bens móveis e imóveis

Artigo 31.º
(Tutela dos bens)

1 - Todo o bem classificado como de interesse nacional fica submetido a uma especial tutela do Estado, a qual pode ser partilhada tanto com as regiões autónomas como com as competentes organizações internacionais, nos termos da lei e do direito internacional.
2 - A classificação de um bem como de interesse nacional consome eventual classificação já existente como de interesse público, de interesse regional, de valor concelhio ou de interesse municipal, devendo os respectivos registos ser cancelados.
3 - O registo patrimonial de classificação abrirá, aos proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre os bens culturais classificados, o acesso aos regimes de apoio, incentivos, financiamentos e estipulação de acordos e outros contratos a que se refere o n.º 1 do artigo 59.º, reforçados de forma proporcional ao maior peso das limitações.
4 - Os bens classificados como de interesse nacional ou de interesse regional ficarão submetidos, com as necessárias adaptações, às limitações referidas no artigo 59.º, n.os 2 e 4, bem como a todos os outros condicionamentos e restrições para eles estabelecidos na presente lei e na legislação de desenvolvimento.

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Artigo 32.º
(Dever de comunicação das situações de perigo)

O proprietário ou titular de outro direito real de gozo sobre um bem classificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, deve avisar imediatamente o serviço governamental competente, os serviços com competência inspectiva, o presidente da câmara municipal ou a autoridade policial logo que saiba de algum perigo que ameace o bem ou que possa afectar o seu interesse como bem cultural.

Artigo 33.º
(Medidas provisórias)

1 - Logo que a administração pública tenha conhecimento de que algum bem classificado, ou em vias de classificação, corra risco de destruição, perda, extravio ou deterioração, deverá o órgão competente da administração central ou regional ou, na impossibilidade deste e a seu pedido, os municípios, determinar as medidas provisórias ou as medidas técnicas de salvaguarda indispensáveis e adequadas.
2 - Se as medidas ordenadas importarem para o detentor a obrigação de praticar determinados actos, deverão ser fixados os termos, os prazos e as condições da sua execução, nomeadamente a prestação de apoio financeiro ou técnico.
3 - Além das necessárias medidas políticas e administrativas, fica o Governo obrigado a instituir um fundo de bens culturais destinado a acudir a situações de emergência ou de calamidade pública.

Artigo 34.º
(Usucapião)

Os bens culturais classificados como de interesse nacional ou de interesse regional são insusceptíveis de aquisição por usucapião.

Secção II
Alienações e direitos de preferência

Artigo 35.º
(Transmissão de bens classificados)

A lei estabelecerá as limitações incidentes sobre a transmissão de bens classificados ou em vias de classificação pertencentes a pessoas colectivas públicas ou a outras pessoas colectivas tituladas ou subvencionadas pelo Estado ou pelas regiões autónomas.

Artigo 36.º
(Dever de comunicação da transmissão)

1 - A alienação, a constituição de outro direito real de gozo ou a dação em pagamento de bens classificados como de interesse nacional ou de interesse público, ou em vias de classificação como tal, depende de prévia comunicação escrita ao serviço competente para a instrução do respectivo procedimento.
2 - A transmissão por herança ou legado de bens classificados como de interesse nacional ou de interesse público ou em vias de classificação como tal, deverá ser comunicada pelo cabeça de casal ao serviço competente referido no número anterior, no prazo de três meses contados sobre a abertura da sucessão.
3 - O disposto no número anterior é aplicável aos bens situados nas zonas de protecção dos bens classificados como de interesse nacional.

Artigo 37.º
(Direito de preferência)

1-- Os comproprietários, o Estado, as regiões autónomas e os municípios gozam, pela ordem indicada, do direito de preferência em caso de venda ou dação em pagamento de bens classificados ou em vias de classificação ou dos bens situados na respectiva zona de protecção.
2 - É aplicável ao direito de preferência previsto neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º do Código Civil, com as necessárias adaptações.
3 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos de preferência concedidos à administração pública pela legislação avulsa.

Artigo 38.º
(Escrituras e registos)

1 - O incumprimento do dever de comunicação estabelecido nos artigos anteriores constituirá impedimento à celebração pelos notários da respectivas escrituras, bem como obstáculo a que os conservadores inscrevam os actos em causa nos competentes registos.
2 - Quando efectuadas contra o preceituado pelos artigos 35.º e 36.º, n.º 1, a alienação, a constituição de outro direito real de gozo ou a dação em pagamento são anuláveis pelos tribunais sob iniciativa do membro do Governo ou do secretário regional responsável pela área da cultura, dentro de um ano a contar da data do conhecimento.

Secção III
Bens imóveis

Subsecção I
Disposições comuns

Artigo 39.º
(Impacte de grandes projectos e obras)

1 - Os órgãos competentes da administração do património cultural têm de ser previamente informados dos planos, programas, obras e projectos, tanto públicos como privados, que possam implicar risco de destruição ou deterioração de bens culturais.
2 - Para os efeitos do número anterior, o Governo, os órgãos do governo próprio das regiões autónomas e os órgãos das autarquias locais estabelecerão, no âmbito das competências respectivas, as medidas de protecção e as medidas correctivas que resultem necessárias para a protecção do património cultural.

Artigo 40.º
(Inscrições e afixações)

1 - É proibida a execução de inscrições ou pinturas em imóveis classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse regional, bem como a colocação de anúncios, cartazes ou outro tipo de material in

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formativo fora dos locais ali reservados para a exposição de elementos de divulgação das características do bem cultural e das finalidades e realizações a que corresponder o seu uso, sem autorização da entidade responsável pela classificação.
2 - A lei pode condicionar a afixação de anúncios ou de cartazes nos centros históricos legalmente reconhecidos, bem como nos locais onde possa prejudicar a perspectiva dos imóveis classificados.

Artigo 41.º
(Efeitos da abertura do procedimento)

1 - A notificação do acto que determina a abertura do procedimento de classificação de bens imóveis como de interesse nacional ou de interesse regional opera, além de outros efeitos previstos na presente lei, a suspensão dos procedimentos de concessão de licença ou autorização de operações de loteamento, obras de urbanização, edificação, demolição, movimento de terras ou actos administrativos equivalentes, bem como a suspensão dos efeitos das licenças ou autorizações já concedidas, pelo prazo e condições a fixar na lei.
2 - As operações urbanísticas que se realizem em desconformidade com o disposto no número anterior são ilegais, podendo a administração do património, cultural competente ou as câmaras municipais ordenar a reconstrução ou demolição, pelo infractor ou à sua custa, nos termos da legislação urbanística, com as devidas adaptações.
3 - A classificação dos bens a que se refere o n.º 1 gera a caducidade dos procedimentos, licenças e autorizações suspensos nos termos deste preceito, sem prejuízo de direito a justa indemnização pelos encargos e prejuízos anormais e especiais resultantes da extinção dos direitos previamente constituídos pela administração.

Artigo 42.º
(Zonas de protecção)

1 - Os imóveis classificados, ou em vias de classificação, como de interesse nacional ou regional beneficiarão automaticamente de uma zona geral de protecção de 50 metros, contados a partir dos seus limites externos, cujo regime é fixado por lei.
2 - Os imóveis classificados como de interesse nacional ou regional devem dispor ainda de uma zona especial de protecção, a fixar por portaria ou por acto dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
3 - Nas zonas especiais de protecção podem incluir-se zonas non aedificandi.
4 - As zonas de protecção são servidões administrativas, nas quais não podem ser concedidas pelo município, nem por outra entidade, licenças para obras de construção e para quaisquer trabalhos que alterem a topografia, os alinhamentos e as cérceas e, em geral, a distribuição de volumes, coberturas ou o revestimento exterior dos edifícios sem prévio parecer favorável da administração do património cultural competente.
5 - Excluem-se do preceituado pelo número anterior obras projectadas em conformidade com as disposições de plano de pormenor de salvaguarda, as quais se regem pelo disposto no n.º 2 do artigo 53.º, e, também, as obras de mera alteração no interior de imóveis.

Artigo 43.º
(Defesa da qualidade ambiental e paisagística)

1 - A lei definirá outras formas para assegurar que o património cultural imóvel se torne um elemento potenciador da coerência dos centros urbanos e da qualidade ambiental e paisagística.
2 - Para os efeitos deste artigo, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais promoverão, no âmbito das atribuições respectivas, a adopção de providências tendentes a recuperar e valorizar zonas, centros e aldeias históricas, parques e jardins e outros elementos naturais, arquitectónicos ou industriais integrados na paisagem.
3 - Relativamente aos centros históricos, a legislação de desenvolvimento estabelecerá especialmente:

a) Os critérios exigidos para o seu reconhecimento legal e os benefícios e incentivos daí decorrentes;
b) Os parâmetros a que devem obedecer os planos, os programas e os regulamentos aplicáveis;
c) Os sistemas de incentivo e apoio à gestão integrada e descentralizada;
d) As medidas de avaliação e controlo.

Artigo 44.º
(Projectos, obras e intervenções)

1 - Os estudos e projectos para as obras de conservação, modificação, reintegração e restauro em bens classificados, ou em vias de classificação, são obrigatoriamente elaborados e subscritos por técnicos de qualificação legalmente reconhecida ou sob a sua responsabilidade directa.
2 - Os estudos e projectos referidos no número anterior devem integrar ainda um relatório sobre a importância e a avaliação artística ou histórica da intervenção, da responsabilidade de um técnico competente nessa área.
3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 112.º, n.º 5, as obras ou intervenções em imóveis classificados ou em vias de classificação serão objecto de autorização e acompanhamento do órgão competente para a decisão final do procedimento de classificação, nos termos definidos na lei.
4 - Concluída a intervenção, deverá ser elaborado e remetido à administração do património cultural competente um relatório de onde conste a natureza da obra, as técnicas, as metodologias, os materiais e os tratamentos aplicados, bem como documentação gráfica, fotográfica, digitalizada ou outra sobre o processo seguido.

Artigo 45.º
(Obras de conservação obrigatória)

1 - No respeito dos princípios gerais e nos limites da lei, os proprietários ou titulares de outros direitos reais de gozo sobre imóveis classificados como de interesse nacional ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, devem executar todas as obras ou quaisquer outras intervenções que a administração do património cultural competente considere necessárias para assegurar a sua salvaguarda.
2 - No caso de as obras ou intervenções não terem sido iniciadas ou concluídas dentro do prazo fixado, poderá a administração competente promover a sua execução coerciva nos termos previstos na legislação em vigor.

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Artigo 46.º
(Embargos e medidas provisórias)

1 - O organismo competente da administração do Estado ou da administração regional autónoma deve determinar o embargo administrativo de quaisquer obras ou trabalhos em imóveis classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, cuja execução decorra ou se apreste a iniciar em desconformidade com a presente lei.
2 - O disposto no número anterior aplica-se também às obras ou trabalhos em zonas de protecção de imóveis classificados como de interesse nacional ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, cabendo em tal caso igualmente às câmaras municipais a competência de embargar.
3 - A lei determinará as demais medidas provisórias aplicáveis.

Artigo 47.º
(Deslocamento)

Nenhum imóvel classificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, poderá ser deslocado ou removido, em parte ou na totalidade, do lugar que lhe compete, salvo se, na sequência do procedimento previsto na lei, assim for julgado imprescindível por motivo de força maior ou por manifesto interesse público, em especial no caso de a salvaguarda material do mesmo o exigir imperativamente, devendo então a autoridade competente fornecer todas as garantias necessárias quanto à desmontagem, à remoção e à reconstrução do imóvel em lugar apropriado.

Artigo 48.º
(Demolição)

1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, não podem ser concedidas licenças de demolição total ou parcial de imóveis classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, sem prévia e expressa autorização do órgão competente da administração central ou regional autónoma, conforme os casos.
2 - A autorização de demolição por parte do órgão competente da administração central ou região autónoma tem como pressuposto obrigatórios existência de ruína ou a verificação em concreto da primazia de um bem jurídico superior ao que está presente na tutela dos bens culturais, desde que, em qualquer dos casos, se não mostre viável nem razoável, por qualquer outra forma, a salvaguarda ou o deslocamento do bem.
3 - Verificado um ou ambos os pressupostos, devem ser decretadas as medidas adequadas à manutenção de todos os elementos que se possam salvaguardar, autorizando-se apenas as demolições estritamente necessárias.
4 - A autorização de demolição por parte do órgão competente da administração central ou região autónoma não deve ser concedida quando a situação de ruína seja causada pelo incumprimento do disposto no presente capítulo, impondo-se aos responsáveis a reposição, nos termos da lei.
5 - São nulos os actos administrativos que infrinjam o disposto nos números anteriores.

Artigo 49.º
(Expropriação)

1 - Ouvidos os interessados e os órgãos consultivos competentes, pode a administração do património cultural promover a expropriação dos bens imóveis classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, nos seguintes casos:

a) Quando por responsabilidade do detentor, decorrente de violação grave dos seus deveres gerais, especiais ou contratualizados, se corra risco sério de degradação do bem;
b) Quando por razões jurídicas, técnicas ou científicas devidamente fundamentadas a expropriação se revele a forma mais adequada de assegurar a tutela do bem;
c) Quando a expropriação tiver sido requerida pelo interessado.

2 - Ouvidos os interessados e os órgãos consultivos competentes, podem ainda ser expropriados os imóveis situados nas zonas de protecção dos bens classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse regional, quando prejudiquem a boa conservação daqueles bens culturais ou ofendam ou desvirtuem as suas características ou enquadramento.

Subsecção II
Monumentos, conjuntos e sítios

Artigo 50.º
(Intervenções)

Não poderá realizar-se qualquer intervenção ou obra, no interior ou no exterior de monumento, nem mudança de uso susceptível de o afectar, no todo ou em parte, sem autorização expressa e o acompanhamento do órgão competente da administração estadual ou regional autónoma.

Artigo 51.º
(Contexto)

1 - O enquadramento paisagístico dos monumentos será objecto de tutela reforçada.
2 - Nenhumas intervenções relevantes, em especial alterações com incidência no volume, natureza, morfologia ou cromatismo, que tenham de realizar-se nas proximidades de um monumento classificado, ou em vias de classificação, podem alterar a especificidade arquitectónica da zona ou perturbar significativamente a perspectiva ou contemplação do bem.
3 - Exceptuam-se do disposto no número anterior as intervenções que tenham manifestamente em vista qualificar elementos do contexto ou dele retirar elementos espúrios, sem prejuízo do controlo posterior.
4 - A existência de planos de pormenor de salvaguarda ou de planos integrados não desonera do cumprimento do regime definido nos números anteriores.

Artigo 52.º
(Planos)

1 - O acto que decrete a classificação de monumentos, conjuntos ou sítios como de interesse nacional, ou de interes

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se regional, obriga o município ao estabelecimento de um plano de pormenor de salvaguarda para a área a proteger.
2 - A administração do património cultural competente pode ainda determinar a elaboração de um plano integrado, reconduzido a instrumento de política sectorial nos domínios a que deva dizer respeito.
3 - O conteúdo dos planos de pormenor de salvaguarda será definido na legislação de desenvolvimento, o qual deve estabelecer, para além do disposto no regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial:

a) A ocupação e usos prioritários;
b) As áreas a reabilitar;
c) Os critérios de intervenção nos elementos construídos e naturais;
d) A cartografia e o recenseamento de todas as partes integrantes do conjunto;
e) As normas específicas para a protecção do património arqueológico existente;
f) As linhas estratégicas de intervenção, nos planos económico, social e de requalificação urbana e paisagística.

Artigo 53.º
(Projectos, obras e intervenções)

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 112.º n.º 5, até à elaboração de algum dos planos a que se refere o artigo anterior, a concessão de licenças, ou a realização de obras licenciadas, anteriormente à classificação do monumento, conjunto ou sítio dependem de parecer prévio favorável da administração do património cultural competente.
2 - Após a entrada em vigor do plano de pormenor de salvaguarda, podem os municípios licenciar as obras projectadas em conformidade com as disposições daquele, sem prejuízo do dever de comunicar à administração do património cultural competente, no prazo máximo de 15 dias, as licenças concedidas.
3 - Os actos administrativos que infrinjam o disposto nos números anteriores são nulos.

Secção IV
Dos bens móveis

Artigo 54.º
(Bens culturais móveis)

1 - Consideram-se bens culturais móveis integrantes do património cultural aqueles que se conformem com o disposto no artigo 14.º, n.º 1, e constituam obra de autor português ou sejam atribuídos a autor português, hajam sido criados ou produzidos em território nacional, provenham do desmembramento de imóveis aí situados, tenham sido encomendados por entidades nacionais ou hajam sido propriedade sua, representem ou testemunhem vivências ou factos nacionais relevantes a que tenham sido agregados elementos naturais da realidade cultural portuguesa, se encontrem em território português há mais de 50 anos ou que, por motivo diferente dos referidos, apresentem especial interesse para o estudo e compreensão da civilização e cultura portuguesas.
2 - Os bens culturais móveis referidos no número anterior constituem espécies artísticas, etnográficas, científicas e técnicas, bem como espécies arqueológicas, arquivísticas, audiovisuais, bibliográficas, fotográficas, fonográficas, e ainda quaisquer outras que venham a ser consideradas pela legislação de desenvolvimento.

Artigo 55.º
(Classificação de bens culturais de autor vivo)

A classificação como de interesse nacional ou de interesse regional de bens culturais de autor vivo depende do consentimento do respectivo proprietário.

Artigo 56.º
(Dever de comunicação de mudança de lugar)

Os proprietários e possuidores de bens móveis classificados como de interesse nacional ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, devem comunicar previamente ao serviço competente para a classificação a mudança de lugar ou qualquer circunstância que afecte a posse ou a guarda do bem.

Artigo 57.º
(Depósito)

1 - Os proprietários de bens móveis classificados como de interesse nacional ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, podem acordar com a administração pública a respectiva cedência para depósito.
2 - Em caso de incumprimento, por parte dos detentores, de deveres gerais, especiais ou contratualizados, susceptível de acarretar um risco sério de degradação ou dispersão dos bens, poderá o Governo ou os órgãos de governo próprio das regiões autónomas ordenar que os mesmos sejam transferidos, a título de depósito, para a guarda de bibliotecas, arquivos ou museus.

Artigo 58.º
(Projectos e intervenções)

1 - As intervenções físicas ou estruturantes em bens móveis classificados como de interesse nacional ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, são obrigatoriamente asseguradas por técnicos de qualificação legalmente reconhecida.
2 - Nos termos da lei, e com as necessárias adaptações, são aplicáveis aos bens móveis classificados, ou em vias classificação, as disposições dos artigos 44.º, 45.º, 46.º e 49.º da presente lei.

Secção V
Particularização de regimes

Artigo 59.º
(Outras disposições aplicáveis aos bens classificados)

1 - O registo patrimonial de classificação abrirá aos proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre os respectivos bens culturais o acesso a regimes de apoio, incentivos, financiamentos e estipulação de contratos e outros acordos, nos termos da presente lei e da legislação de desenvolvimento.
2 - Os bens classificados como de interesse público ficam sujeitos às seguintes restrições e ónus:

a) Dever, da parte do detentor, de comunicar a alienação ou outra forma de transmissão da propriedade ou de outro direito real de gozo, para efeitos de actualização de registo;

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b) Sujeição a prévia autorização do desmembramento ou dispersão das partes integrantes do bem ou colecção;
c) Sujeição a prévia autorização do serviço competente de quaisquer intervenções que visem alteração, conservação ou restauro, as quais só poderão ser efectuadas por técnicos especializados, nos termos da legislação de desenvolvimento;
d) Existência de regras próprias sobre a transferência ou cedência de espécies de uma instituição para outra ou entre serviços públicos;
e) Sujeição da exportação a prévia autorização ou licença;
f) Identificação do bem através de sinalética própria, especialmente no caso dos imóveis;
g) Obrigação de existência de um documento para registos e anotações na posse do respectivo detentor.

3 - Relativamente ao regime definido no número anterior, os bens classificados como de interesse regional ou municipal poderão conhecer níveis menos intensos de limitações, nos termos a especificar na legislação de desenvolvimento.
4 - No respeito pelos princípios gerais aplicáveis, poderá ainda a lei estabelecer, atenta a situação concreta do bem ou do tipo de bens em questão, um regime diferenciado de limitações, designadamente espaciais.
5 - Aos bens imóveis e móveis classificados como de interesse público são correspondentemente aplicáveis, com as especificações a definir na legislação de desenvolvimento, as disposições dos artigos 31.º, n.º 2, 32.º e 39.º a 58.º da presente lei.
6 - As disposições dos artigos 39.º a 59.º da presente lei apenas são aplicáveis, com as necessárias adaptações, aos bens imóveis e móveis classificados como de interesse regional ou municipal quando assim seja previsto na legislação de desenvolvimento.

Capítulo III
Protecção dos bens culturais inventariados

Artigo 60.º
(Inventário geral)

1 - Os bens inventariados gozam de protecção com vista a evitar o seu perecimento ou degradação, a apoiar a sua conservação e a divulgar a respectiva existência.
2 - O inventário geral do património cultural será assegurado e coordenado pelo Ministério da Cultura.

Artigo 61.º
(Inventário de bens de particulares)

1 - Qualquer pessoa pode, mediante solicitação fundamentada, requerer a inventariação de um bem, colecção ou conjunto de que seja detentor, juntando todos os elementos pertinentes.
2 - A solicitação referida no número anterior deverá ser decidida no prazo de 90 dias.
3 - A inclusão de qualquer bem, colecção ou conjunto no inventário geral confere ao respectivo detentor o direito a um título de identidade, sem prejuízo de outros benefícios a reconhecer por lei, em especial quando as operações de inventariação tiverem sido promovidas a expensas do particular.

Artigo 62.º
(Inventário de bens públicos)

1 - Para o efeito da elaboração do inventário dos bens públicos, os representantes das autarquias locais e das demais pessoas colectivas públicas não territoriais devem apresentar ao Ministério da Cultura instrumentos de descrição de todos os bens pertencentes às entidades que representam, susceptíveis de integrar o património cultural de acordo com aos artigos 2.º, n.os 1, 2 e 4, e 14.º, n.º 1, da presente lei.
2 - Idêntico dever de comunicação é extensível aos bens que venham por qualquer título, a integrar no futuro o património da pessoa colectiva.
3 - A lei estabelecerá os termos e condições em que se deve processar a apresentação dos instrumentos de descrição por parte dos serviços da administração central do Estado, da administração regional autónoma e de outros organismos públicos.
4 - A lei poderá estabelecer a classificação automática de certos bens públicos, na sequência do cumprimento do disposto nos números anteriores.

Capítulo IV
Exportação, expedição, importação, admissão e comércio

Artigo 63.º
(Exportação e expedição)

1 - A exportação e a expedição temporárias ou definitivas de bens que integrem o património cultural, ainda que não inscritos no registo patrimonial de classificação ou inventariação, devem ser precedidas de comunicação à administração estadual do património cultural competente com a antecedência de 30 dias.
2 - A obrigação referida no número anterior respeitará, em particular, as espécies a que alude o n.º 2 do artigo 54.º, independentemente da apreciação definitiva do interesse cultural do bem em causa.
3 - A administração estadual competente poderá vedar liminarmente a exportação ou a expedição, a título de medida provisória, sem que de tal providência decorra a vinculação do Estado à aquisição da coisa.
4 - As exportações e as expedições que não obedeçam ao disposto no n.º 1 do presente artigo e nos artigos 64.º, 65.º, n.os 1 e 5, e 66.º são ilícitas.

Artigo 64.º
(Exportação e expedição de bens classificados como de interesse nacional)

1 - A saída de território nacional de bens classificados como de interesse nacional, ou em vias de classificação como tal, fora dos casos previstos nos n.os 2 e 3 do presente artigo, é interdita.
2 - A exportação e expedição temporárias de bens classificados como de interesse nacional, ou em vias de classificação como tal, apenas pode ser autorizada, por despacho do membro do Governo responsável pela área da cultura, para finalidades culturais ou científicas, bem como de permuta temporária por outros bens de igual interesse para o património cultural.
3 - A exportação e expedição definitivas de bens classificados como de interesse nacional, ou em vias de classificação como tal, pertencentes ao Estado, apenas podem ser

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autorizadas, a título excepcional, pelo Conselho de Ministros, para efeito de permuta definitiva por outros bens existentes no estrangeiro que se revistam de excepcional interesse para o património cultural português.
4 - As autorizações ou licenças de exportação ou de expedição de bens referidas nos números anteriores especificarão as condições ou cláusulas modais que forem consideradas convenientes.

Artigo 65.º
(Exportação e expedição de outros bens classificados)

1 - Dependem de autorização ou licença da administração do património cultural a exportação e a expedição definitivas ou temporárias de bens classificados como de interesse público, ou em vias de classificação como tal.
2 - A autorização ou a licença a que se refere o número anterior podem sujeitar a exportação ou a expedição a condições ou cláusulas modais.
3 - A apresentação do pedido de exportação ou de expedição para venda concede ao Estado o direito de preferência na aquisição.
4 - As leis de desenvolvimento regularão o regime de exportação e expedição dos demais bens classificados, assim como os procedimentos e formalidades aplicáveis.
5 - A exportação e a expedição de bens inventariados pertencentes a entidades públicas depende de autorização da administração do património cultural.
6 - A autorização a que se refere o número anterior sujeitar-se-á a condições especiais a definir por lei.

Artigo 66.º
(Exportação de bens culturais de Estados membros da União Europeia)

As formalidades para efeito de exportação de bens pertencentes ao património cultural de Estados membros da União Europeia regem-se pelo disposto no direito comunitário.

Artigo 67.º
(Importação e admissão)

1 - É aplicável à importação e à admissão de bens culturais, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 63.º.
2 - Às importações e admissões de bens culturais promovidas por particulares que se efectuem em conformidade com a lei serão aplicáveis as seguintes regras:

a) O proprietário gozará do direito ao título de identificação do bem, com equivalência ao estatuto de bem inventariado;
b) Salvo acordo do proprietário, é vedada a classificação como de interesse nacional ou de interesse regional do bem, nos 10 anos seguintes à importação ou admissão.

3 - A lei regulará os demais procedimentos e condições a que deve obedecer a importação e a admissão, temporária ou definitiva, de bens culturais.

Artigo 68.º
(Regime do comércio e da restituição)

1 - Em condições de reciprocidade, consideram-se nulas as transacções realizadas em território português incidentes sobre bens pertencentes ao património cultural de outro Estado e que se encontrem em território nacional em consequência da violação da respectiva lei de protecção.
2 - Os bens a que se refere o número anterior do presente artigo são restituíveis nos termos do direito comunitário ou internacional que vincular o Estado português.
3 - A restituição de bens pertencentes ao património cultural dos demais Estados membros da União Europeia pode ser limitada às categorias de objectos relacionadas nos actos de direito comunitário derivado.
4 - As acções de restituição correrão pelos tribunais judiciais, nelas cabendo legitimidade activa exclusivamente ao Estado de onde o bem cultural tenha saído ilegalmente e desde que se trate de Estado membro da União Europeia ou de Estado que seja parte em convenção internacional em vigor na ordem interna portuguesa que lhe confira tal direito.
5 - Na acção de restituição, discutir-se-á apenas:

a) Se o bem que é objecto do pedido tem a qualidade de bem cultural nos termos das normas aplicáveis;
b) Se a saída do bem do território do Estado de origem foi ilícita nos termos das normas aplicáveis;
c) Se o possuidor ou detentor adquiriu o bem de boa fé;
d) O montante da indemnização a arbitrar ao possuidor ou detentor de boa fé;
e) Outros aspectos do conflito de interesses cuja discussão na acção de restituição seja consentido pelas normas aplicáveis do direito comunitário ou do internacional.

6 - A acção de restituição não procederá quando o bem cultural reclamado constitua elemento do património cultural português.
7 - A legislação de desenvolvimento regulará a compra, venda e comércio de antiguidades e de outros bens culturais móveis.

Título VI
Do regime geral de valorização dos bens culturais

Artigo 69.º
(Componentes do regime de valorização)

São componentes do regime geral de valorização dos bens culturais:

a) A conservação preventiva e programada;
b) A pesquisa e a investigação;
c) A protecção e valorização da paisagem e a instituição de novas e adequadas formas de tutela dos bens culturais e naturais, designadamente os centros históricos, conjuntos urbanos e rurais, jardins históricos e sítios;
d) O acesso e a fruição;
e) A formação;
f) A divulgação, sensibilização e animação;
g) O crescimento e o enriquecimento;
h) O apoio à criação cultural;
i) A utilização, o aproveitamento, a rendibilização e a gestão;
j) O apoio a instituições técnicas e científicas.

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Artigo 70.º
(Instrumentos)

Constituem, entre outros, instrumentos do regime de valorização dos bens culturais:

a) O inventário geral do património cultural;
b) Os instrumentos de gestão territorial;
c) Os parques arqueológicos;
d) Os programas e projectos de apoio à musealização, exposição e depósito temporário de bens e espólios;
e) Os programas de apoio às formas de utilização originária, tradicional ou natural dos bens;
f) Os regimes de acesso, nomeadamente a visita pública e as colecções visitáveis;
g) Os programas e projectos de divulgação, sensibilização e animação;
h) Os programas de formação específica e contratualizada;
i) Os programas de voluntariado;
j) Os programas de apoio à acção educativa;
l) Os programas de aproveitamento turístico;
m) Os planos e programas de aquisição e permuta.

Título VII
Dos regimes especiais de protecção e valorização de bens culturais

Capítulo I
Disposições comuns

Artigo 71.º
(Disposições gerais)

1 - As normas do presente Título aplicam-se aos bens culturais e aos demais elementos integrantes do património cultural previstos nos capítulos seguintes.
2 - Em tudo o que não estiver previsto neste Título, aplicam-se os princípios e disposições da presente lei, salvo os que se mostrem incompatíveis com a natureza dos bens.
3 - As leis de desenvolvimento poderão estabelecer formas de protecção, e correspondentes regimes, especialmente aplicáveis aos bens culturais ou a certo tipo de elementos integrantes do património arqueológico, arquivístico, audiovisual, bibliográfico, fonográfico ou fotográfico ou a novos tipos de bens culturais, nomeadamente os que integrem o património electrónico ou o património industrial.
4 - As disposições respeitantes ao património arquivístico aplicam-se subsidiariamente aos bens culturais e aos demais elementos integrantes dos patrimónios audiovisual, bibliográfico, fonográfico e fotográfico, na medida em que se mostrem compatíveis com a natureza dos bens.
5 - Para a classificação ou o inventário dos patrimónios audiovisual, bibliográfico, fonográfico e fotográfico valerão também algum ou alguns dos seguintes critérios de apreciação:

a) Proximidade da matriz ou versão originais;
b) Processos utilizados na criação ou produção;
c) Estado de conservação.

6 - Não carece do consentimento exigido pelo artigo 55.º desta lei a classificação dos elementos matriciais de bens audiovisuais ou fonográficos ou, na falta daqueles, de uma das respectivas cópias.

Artigo 72.º
(Acesso à documentação)

1 - A lei promove o acesso à documentação integrante do património cultural.
2 - O acesso tem, desde logo, por limites os que decorram dos imperativos de conservação das espécies.
3 - A menos que seja possível apresentar uma cópia de onde hajam sido expurgados elementos lesivos de direitos e valores fundamentais, não será objecto de acesso o documento que os contiver.
4 - As restrições legais da comunicabilidade de documentação integral do património cultural caducam decorridos cem anos sobre a data de produção do documento, a menos que a lei estabeleça prazos especiais mais reduzidos.

Capítulo II
Do património arqueológico

Artigo 73.º
(Conceito e âmbito do património arqueológico)

1 - Integram o património arqueológico todos os vestígios, bens e outros indícios da existência do ser humano no passado:

a) Cuja preservação e estudo permitam traçar a história da humanidade e a sua relação com o ambiente;
b) Cuja principal fonte de informação seja constituída por escavações, prospecções, descobertas ou outros métodos de pesquisa relacionados com o ser humano e o ambiente que o rodeia.

2 - O património arqueológico integra estruturas, construções, agrupamentos arquitectónicos, sítios valorizados, bens móveis e monumentos de outra natureza, bem como o respectivo contexto, quer estejam localizados no solo, subsolo ou em meio submerso, no mar territorial ou na plataforma continental.
3 - Entende-se por parque arqueológico qualquer monumento, sítio ou conjunto de sítios arqueológicos de interesse nacional, integrado num território envolvente marcado de forma significativa pela intervenção humana passada, território esse que integra e dá significado ao monumento, sítio ou conjunto de sítios, e cujo ordenamento e gestão devam ser determinados pela necessidade de garantir a preservação dos testemunhos arqueológicos aí existentes.

Artigo 74.º
(Formas e regime de protecção)

1 - Aos bens arqueológicos será desde logo aplicável, nos termos da lei, o princípio da conservação pelo registo científico.
2 - Em qualquer lugar onde se presuma a existência de vestígios, bens, ou outros indícios arqueológicos, poderá ser estabelecido com carácter preventivo e temporário, pelo órgão da administração do património cultural competente, uma reserva arqueológica de protecção, por forma a garantir-se a

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execução de trabalhos de emergência, com vista a determinar o seu interesse.
3 - A legislação de desenvolvimento poderá também estabelecer outros tipos de providências limitativas da modificação do uso, da transformação e da remoção de solos ou de qualquer actividade de edificação sobre os mesmos, até que possam ser estudados dentro de prazos máximos os testemunhos que se saiba ou fundamentadamente se presuma ali existirem.
4 - Desde que os bens arqueológicos não estejam classificados, ou em vias de o serem, poderão os particulares interessados promover, total ou parcialmente, a expensas suas, nos termos da lei, os trabalhos arqueológicos de cuja conclusão dependa a cessação das limitações previstas nos n.os 2 e 3 do presente artigo.
5 - Depende de prévia emissão de licença a utilização de detectores de metais e de qualquer outro equipamento de detecção ou processo destinados à investigação arqueológica, nos termos da lei.
6 - Com vista a assegurar o ordenamento e a gestão dos parques arqueológicos, definidos no n.º 3 do artigo 72.º, a administração do património arqueológico competente pode, nos termos da lei, elaborar um plano especial de ordenamento do território, designado por plano de ordenamento de parque arqueológico.
7 - Os objectivos, o conteúdo material e o conteúdo documental do plano referido no número anterior serão definidos na legislação de desenvolvimento.

Artigo 75.º
(Deveres especiais das entidades públicas)

1 - Constituem particulares deveres do Estado:

a) Criar, manter e actualizar o inventário nacional georeferenciado do património arqueológico imóvel;
b) Articular o cadastro da propriedade com o inventário nacional georeferenciado do património arqueológico;
c) Estabelecer a disciplina e a fiscalização da actividade de arqueólogo.

2 - Constitui particular dever do Estado e das regiões autónomas aprovar os planos anuais de trabalhos arqueológicos.
3 - Constituem particulares deveres da administração pública competente no domínio do licenciamento e autorização de operações urbanísticas:

a) Certificar-se de que os trabalhos por si autorizados, que envolvam transformação de solos revolvimento ou remoção de terreno no solo, subsolo ou nos meios subaquáticos, bem como a demolição ou modificação de construções, estão em conformidade com a legislação sobre a salvaguarda do património arqueológico;
b) Dotar-se de meios humanos e técnicos necessários no domínio da arqueologia ou recorrer a eles sempre que necessário.

Artigo 76.º
(Trabalhos arqueológicos)

1 - Para efeitos da presente lei, são trabalhos arqueológicos todas as escavações, prospecções e outras investigações que tenham por finalidade a descoberta, o conhecimento, a protecção e a valorização do património arqueológico.
2 - São escavações arqueológicas as remoções de terreno no solo, subsolo ou nos meios subaquáticos que, de acordo com metodologia arqueológica, se realizem com o fim de descobrir, conhecer, proteger e valorizar o património arqueológico.
3 - São prospecções arqueológicas as explorações superficiais sem remoção de terreno que, de acordo com metodologia arqueológica, visem as actividades e objectivos previstos no número anterior.
4 - A realização de trabalhos arqueológicos será obrigatoriamente dirigida por arqueólogos e carece de autorização a conceder pelo organismo competente da administração do património cultural.
5 - Não se consideram trabalhos arqueológicos, para efeitos da presente lei, os achados fortuitos ou ocorridos em consequência de outro tipo de remoções de terra, demolições ou obras de qualquer índole.

Artigo 77.º
(Notificação de achado arqueológico)

1 - Quem encontrar, em terreno público ou particular, ou em meio submerso, quaisquer testemunhos arqueológicos fica obrigado a dar conhecimento do achado no prazo de 48 horas à administração do património cultural competente ou à autoridade policial, que assegurará a guarda desses testemunhos e de imediato informará aquela, a fim de serem tomadas as providências convenientes.
2 - A descoberta fortuita de bens móveis arqueológicos com valor comercial confere ao achador o direito a uma recompensa, nos termos da lei.

Artigo 78.º
(Ordenamento do território e obras)

1 - Para além do disposto no artigo 42.º, deverá ser tida em conta, na elaboração dos instrumentos de planeamento territorial, o salvamento da informação arqueológica contida no solo e no subsolo dos aglomerados urbanos, nomeadamente através da elaboração de cartas do património arqueológico.
2 - Os serviços da administração do património cultural condicionarão a prossecução de quaisquer obras à consecução pelos respectivos promotores, junto das autoridades competentes, das alterações ao projecto aprovado capazes de garantir a conservação, total ou parcial, das estruturas arqueológicas descobertas no decurso dos trabalhos.
3 - Os promotores das obras ficam obrigados a suportar os custos das operações de arqueologia preventiva e de salvamento tornadas necessárias pela realização dos seus projectos.
4 - No caso de grandes empreendimentos públicos ou privados que envolvam significativa transformação da topografia ou paisagem, bem como do leito ou subsolo de águas interiores ou territoriais, quaisquer intervenções arqueológicas necessárias deverão ser integralmente financiadas pelo respectivo promotor.

Capítulo III
Do património arquivístico

Artigo 79.º
(Conceito e âmbito do património arquivístico)

1 - Integram o património arquivístico todos os arquivos produzidos por entidades de nacionalidade portuguesa que se revistam de interesse cultural relevante.

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2 - Entende-se por arquivo o conjunto orgânico de documentos, independentemente da sua data, forma e suporte material, produzidos ou recebidos por uma pessoa jurídica, singular ou colectiva, ou por um organismo público ou privado, no exercício da sua actividade e conservados a título de prova ou informação.
3 - Integram, igualmente, o património arquivístico conjuntos não orgânicos de documentos de arquivo que se revistam de interesse cultural relevante e nomeadamente quando práticas antigas tenham gerado colecções factícias.
4 - Entende-se por colecção factícia o conjunto de documentos de arquivo reunidos artificialmente em função de qualquer característica comum, nomeadamente o modo de aquisição, o assunto, o suporte, a tipologia documental ou outro qualquer critério dos coleccionadores.

Artigo 80.º
(Categorias de arquivos)

1 - Para efeitos do disposto no artigo anterior, devem os arquivos ser distinguidos, com base na respectiva proveniência, em arquivos públicos e arquivos privados.
2 - São arquivos públicos os produzidos por entidades públicas ou por pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
3 - Os arquivos públicos distinguem-se em arquivos de âmbito nacional, regional e municipal.
4 - São arquivos privados os produzidos por entidades privadas.
5 - Os arquivos privados distinguem-se em arquivos de pessoas colectivas de direito privado integradas no sector público e arquivos de pessoas singulares ou colectivas privadas.

Artigo 81.º
(Critérios para a protecção do património arquivístico)

Para a classificação ou o inventário do património arquivístico, devem ser tidos em conta algum ou alguns dos seguintes critérios:

a) Natureza pública da entidade produtora;
b) Relevância das actividades desenvolvidas pela entidade produtora num determinado sector;
c) Relevância social ou repercussão pública da entidade produtora;
d) Dimensão da entidade produtora;
e) Valor probatório e informativo do arquivo, decorrente, nomeadamente, da sua relevância jurídica, política, económica, social, cultural, religiosa ou científica.

Artigo 82.º
(Formas de protecção do património arquivístico)

1 - Devem ser objecto de classificação como de interesse nacional:

a) Os arquivos públicos de âmbito nacional, conservados a título permanente na sequência de um processo de avaliação concluído nos termos da lei;
b) Os arquivos públicos com mais de 100 anos;
c) Os arquivos privados e colecções factícias que, em atenção ao disposto no artigo 81.º, se revelem de inestimável interesse cultural.

2 - Devem ser objecto de classificação como de interesse público:

a) Os arquivos públicos de âmbito regional ou municipal, conservados a título permanente na sequência de um processo de avaliação concluído nos termos da lei;
b) Os arquivos privados produzidos por pessoas colectivas de direito privado integradas no sector público, quando conservados a título permanente;
c) Os arquivos privados e colecções factícias que possuam qualquer das características referidas nas alíneas b), c), d) e e) do artigo 81.º e se encontrem, a qualquer título, na posse do Estado;
d) Outros arquivos privados e colecções factícias que, em atenção ao disposto no artigo 81.º, se mostrem possuidores de interesse cultural relevante e cujos proprietários nisso consintam.

3 - Devem ser objecto de inventário os arquivos e colecções factícias abrangidos pela previsão do artigo 79.º e em relação aos quais se verifique algum dos seguintes pressupostos:

a) Se encontrem a qualquer título na posse ou à guarda do Estado;
b) Venham a ser voluntariamente apresentados pelos respectivos possuidores, se outro não for o motivo invocado para a respectiva inventariação nos termos do regime geral de protecção dos bens culturais.

4 - Cada arquivo inventariado, ou apresentado para inventariação, deverá ser descrito de acordo com as Normas Gerais Internacionais de Descrição Arquivística, providenciando-se para que as respectivas descrições sejam compatibilizadas e validadas pelos serviços nacionais.

Capítulo IV
Do património audiovisual

Artigo 83.º
(Património audiovisual)

1 - Integram o património audiovisual as séries de imagens, fixadas sobre qualquer suporte, bem como as geradas ou reproduzidas por qualquer tipo de aplicação informática ou informatizada, também em suporte virtual, acompanhadas ou não de som, as quais, sendo projectadas, dão uma impressão de movimento e que, tendo sido realizadas para fins de comunicação, distribuição ao público ou de documentação, se revistam de interesse cultural relevante e preencham pelo menos um de entre os seguintes requisitos:

a) Hajam resultado de produções nacionais;
b) Hajam resultado de produções estrangeiras distribuídas, editadas ou teledifundidas comercialmente em Portugal;
c) Integrem, independentemente da nacionalidade da produção, colecções ou espólios conservados em instituições públicas ou que, independentemente da natureza jurídica do detentor, se distingam pela notabilidade.

2 - Integram, nomeadamente, o património audiovisual as produções cinematográficas, as produções televisivas e as produções videográficas.

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3 - Sem prejuízo do regime geral, devem ser objecto de classificação como de interesse nacional ou regional:

a) Os elementos matriciais das obras de produção nacional abrangidas pela previsão do n.º 1 do presente artigo ou das que para este efeito lhes sejam equiparadas pela legislação de desenvolvimento;
b) Cópias conformes aos elementos matriciais referidos na alínea anterior, quando estes já não existirem.

4 - Devem ser objecto de inventário todas as obras abrangidas pela previsão do n.º 1 do presente artigo e as séries de imagens amadoras apresentadas voluntariamente pelos respectivos possuidores que sejam portadoras de interesse cultural relevante.

Capítulo V
Do património bibliográfico

Artigo 84.º
(Património bibliográfico)

1 - Integram o património bibliográfico as espécies, colecções e fundos bibliográficos que se encontrem, a qualquer título, na posse de pessoas colectivas públicas, independentemente da data em que foram produzidos ou reunidos, bem como as colecções e espólios literários.
2 - Devem igualmente integrar o património bibliográfico:

a) As espécies, colecções e fundos bibliográficos de pessoas colectivas de utilidade pública, produzidos ou reunidos há mais de 25 anos, se outro não for o valor invocado para a respectiva inventariação;
b) As colecções e espólios literários pertencentes a pessoas colectivas de utilidade pública, se outro não for o valor invocado para a respectiva inventariação;
c) As espécies, colecções e fundos bibliográficos que se encontrem, a qualquer título, na posse privada, produzidos ou reunidos há mais de 50 anos, bem como as colecções e espólios literários, se outro não for o valor invocado para a respectiva inventariação.

3 - Podem ser objecto de classificação as espécies bibliográficas com especial valor de civilização ou de cultura e, em particular:

a) Os manuscritos notáveis;
b) Os impressos raros;
c) As colecções e espólios de autores e personalidades notáveis das letras, artes e ciência, considerados como universalidades de facto reunidas pelos mesmos ou por terceiros.

Artigo 85.º
(Classificação do património bibliográfico como de interesse nacional ou regional)

Sem prejuízo do regime geral, devem ser objecto de classificação como de interesse nacional ou regional:

a) As espécies bibliográficas que possuam qualquer das características referidas no n.º 3 do artigo 84.º, se encontrem, a qualquer título, na posse do Estado e como tal venham a ser registadas;
b) As espécies bibliográficas que possuam qualquer das características referidas no n.º 3 do artigo 84.º, pertencentes a entidades privadas, de que não exista mais que um exemplar em bibliotecas ou colecções bibliográficas de titularidade pública;
c) As colecções e fundos bibliográficos que, independentemente da sua titularidade, tenham sido reunidos há mais de 200 anos e tenham pertencido a instituições ou pessoas notáveis pela respectiva actividade ou obra, na medida em que possam contribuir para o reconhecimento destas.

Artigo 86.º
(Classificação do património bibliográfico como de interesse público)

1 - Sem prejuízo do regime geral, devem ser objecto de classificação como de interesse público:

a) As espécies bibliográficas que possuam qualquer das características referidas no n.º 3 do artigo 84.º e se encontrem, a qualquer título, na posse do Estado;
b) As espécies bibliográficas que possuam qualquer das características referidas no n.º 3 do artigo 84.º pertencentes a entidades privadas de que não existam, pelo menos, três exemplares em bibliotecas ou colecções bibliográficas de titularidade pública;
c) As colecções e fundos bibliográficos que, independentemente da sua titularidade, tenham sido reunidos há mais de 150 anos e tenham pertencido a instituições ou pessoas notáveis pela respectiva actividade ou obra, na medida em que possam contribuir para o reconhecimento destas.

2 - Para efeitos da alínea b) do número anterior, presume-se a existência de mais de três exemplares para as obras impressas em Portugal depois de 1935, salvo se oriundas de prelos clandestinos.

Artigo 87.º
(Inventariação do património bibliográfico)

1 - Devem ser objecto de inventário todas as espécies enunciadas nas alíneas a) e b) do artigo 84.º, n.º 3, bem como as referidas na alínea c) da mesma disposição, que venham a ser voluntariamente apresentadas pelos respectivos possuidores, se outro não for o motivo invocado para a respectiva inventariação nos termos do regime geral de protecção de bens culturais.
2 - Cada espécie bibliográfica inventariada, ou apresentada para inventariação, deverá ser descrita de acordo com as Regras Portuguesas de Catalogação, providenciando-se para que as respectivas descrições sejam compatibilizadas e validadas pelos serviços nacionais.

Capítulo VI
Do património fonográfico

Artigo 88.º
(Património fonográfico)

1 - Integram o património fonográfico as séries de sons, fixadas sobre qualquer suporte, bem como as geradas ou

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reproduzidas por qualquer tipo de aplicação informática ou informatizada, também em suporte virtual, e que, tendo sido realizadas para fins de comunicação, distribuição ao público ou de documentação, se revistam de interesse cultural relevante e preencham pelo menos um de entre os seguintes requisitos:

a) Hajam resultado de produções nacionais ou de produções estrangeiras relacionadas com a realidade e a cultura portuguesas;
b) Integrem, independentemente da nacionalidade da produção, colecções ou espólios conservados em instituições públicas ou que, independentemente da natureza jurídica do detentor, se distingam pela sua notabilidade;
c) Representem ou testemunhem vivências ou factos nacionais relevantes.

2 - As séries de sons amadores podem ser incluídas no património fonográfico, nos termos da lei.

Capítulo VII
Do património fotográfico

Artigo 89.º
(Património fotográfico)

1 - Integram o património fotográfico as espécies constituídas por fotografias, negativos ou películas e provas em papel de revelação, bem como as colecções, séries e fundos compostos por tais espécies que, sendo notáveis pela antiguidade, qualidade do conteúdo, processo fotográfico utilizado ou carácter informativo sobre o contexto histórico-cultural em que foram produzidas, preencham ainda pelo menos um de entre os seguintes requisitos:

a) Hajam sido produzidas por autores nacionais ou por estrangeiros sobre Portugal;
b) Contenham imagens que possuam significado no contexto da história da fotografia nacional ou da fotografia estrangeira quando se encontrem predominantemente em território português há mais de 25 anos;
c) Se refiram a acontecimentos, personagens ou bens culturais ou ambientais relevantes para a memória colectiva portuguesa.

2 - As fotografias inseridas em álbuns ou livros impressos, incluindo imagens originais ou em reprodução fotomecânica, integram o património fotográfico quando correspondam à previsão do número anterior e constem de edições portuguesas ou de edições estrangeiras reproduzindo obras de autores nacionais ou de estrangeiros sobre Portugal.
3 - Sem prejuízo do regime geral, devem ser objecto de classificação como de interesse nacional as espécies, colecções, séries e fundos fotográficos anteriores a 1866 abrangidos pela previsão do n.º 1 ou do n.º 2 do presente artigo quando se verifique em relação a eles algum dos seguintes pressupostos:

a) Tenham pertencido a instituição ou pessoa notáveis cuja actividade ou obra possam ajudar a conhecer;
b) Se encontrem, a qualquer título, na posse do Estado.

4 - Sem prejuízo do regime geral, devem ser objecto de classificação como de interesse público as espécies, colecções, séries e fundos fotográficos posteriores a 1865 abrangidos pela previsão do n.º 1 ou do n.º 2 do presente artigo quando se verifique em relação a eles algum dos seguintes pressupostos:

a) Sejam anteriores a 1881 e se encontrem a qualquer título na posse do Estado;
b) Sejam anteriores a 1881 e delas não existam exemplares em arquivos de titularidade pública;
c) Possuam mais de 100 anos e tenham pertencido a instituição ou pessoa notáveis cuja actividade ou obra possam ajudar a conhecer.

5 - Devem ser objecto de inventário os fundos fotográficos abrangidos pela previsão do n.º 1 do presente artigo em relação aos quais se verifique algum dos seguintes pressupostos:

a) Se encontrem a qualquer título na posse do Estado;
b) Venham a ser voluntariamente apresentados pelos respectivos possuidores, se outro não for o motivo invocado para a respectiva inventariação nos termos do regime geral de protecção dos bens culturais.

Título VIII
Dos bens imateriais

Artigo 90.º
(Âmbito e regime de protecção)

1 - Para efeitos da presente lei, integram o património cultural as realidades que, tendo ou não suporte em coisas móveis ou imóveis, representem testemunhos etnográficos ou antropológicos com valor de civilização ou de cultura com significado para a identidade e memória colectivas.
2 - Especial protecção devem merecer as expressões orais de transmissão cultural e os modos tradicionais de fazer.
3 - Tratando-se de realidades com suporte em bens móveis ou imóveis que revelem especial interesse etnográfico ou antropológico, serão as mesmas objecto das formas de protecção previstas nos Títulos IV e V.
4 - Sempre que se trate de realidades que não possuam suporte material, deve promover-se o respectivo registo gráfico, sonoro, audiovisual ou outro para efeitos de conhecimento, preservação e valorização através da constituição programada de colectâneas que viabilizem a sua salvaguarda e fruição.
5 - Sempre que se trate de realidades que associem, também, suportes materiais diferenciados, deve promover-se o seu registo adequado para efeitos de conhecimento, preservação, valorização e de certificação.

Artigo 91.º
(Deveres das entidades públicas)

1 - Constitui especial dever do Estado e das regiões autónomas apoiar iniciativas de terceiros e mobilizar todos os instrumentos de valorização necessários à salvaguarda dos bens imateriais referidos no artigo anterior.
2 - Constitui especial dever das autarquias locais promover e apoiar o conhecimento, a defesa e a valorização dos bens imateriais mais representativos das comunidades respectivas, incluindo os próprios das minorias étnicas que as integram.

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Título IX
Das atribuições do Estado, regiões autónomas e autarquias locais

Artigo 92.º
(Atribuições comuns, colaboração e auxílio inter-administrativo)

1 - As regiões autónomas e os municípios comparticipam com o Estado na tarefa fundamental de proteger e valorizar o património cultural do povo português, prosseguido por todos como atribuição comum, ainda que diferenciada nas respectivas concretizações e sem prejuízo da discriminação das competências dos órgãos de cada tipo de ente.
2 - Sem prejuízo das reservas das atribuições e competências próprias, o Estado, as regiões autónomas e os municípios articularão entre si a adopção e execução das providências necessárias à realização de fins estabelecidos na presente lei e os respectivos órgãos assegurarão a prestação recíproca de auxílio entre os serviços e instituições deles dependentes no tocante à circulação de informação e à prática de actos materiais que requeiram conhecimentos ou utensilagem especializados.
3 - O Estado, as regiões autónomas e os municípios constituirão fundos e estabelecerão regimes de comparticipação, de modo a enquadrar as intervenções de conservação, restauro, manutenção e valorização dos bens culturais por eles classificados ou inventariados e, tanto quanto possível, de bens culturais que, não obstante haverem sido objecto de um tal acto por parte de outra pessoa colectiva pública, se encontrem na respectiva área de jurisdição.

Artigo 93.º
(Atribuições em matéria de classificação e inventariação)

1 - A classificação de bens culturais como de interesse nacional ou como de interesse público incumbe, nos termos da lei, aos competentes órgãos e serviços do Estado, a classificação como de interesse regional incumbe, nos termos dos respectivos Estatutos político-administrativos e da legislação regional, aos competentes órgãos e serviços das regiões autónomas e a classificação como de interesse municipal incumbe às câmaras municipais.
2 - A classificação de bens culturais pelas câmaras municipais será antecedida de parecer dos competentes órgãos e serviços do Estado, ou das regiões autónomas se o município aí se situar.
3 - Se outra coisa não for disposta pela legislação de desenvolvimento, o silêncio do órgão competente pelo prazo de quarenta e cinco dias vale como parecer favorável.
4 - Os registos de classificação das regiões autónomas serão comunicados ao Estado, e os registos de classificação dos municípios serão comunicados ao Estado, ou ao Estado e à região autónoma.
5 - A classificação de bens culturais pertencentes a igrejas e a outras comunidades religiosas incumbe exclusivamente ao Estado e às regiões autónomas.
6 - Sem prejuízo de delegação de tarefas permitida pelo n.º 2 do artigo 4.º, a inventariação de bens culturais incumbe aos competentes órgãos e serviços do Estado e das regiões autónomas e, bem assim, às câmaras municipais, devendo processar-se com recurso a bases de dados normalizadas e intercomunicáveis, nos termos do disposto pela legislação de desenvolvimento.
7 - À competência para classificar e inventariar, corresponde a de emitir actos em sentido oposto.

Artigo 94.º
(Outras atribuições)

1 - Salvo disposição da lei em contrário e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 112 .º, incumbirá às pessoas colectivas públicas cujos órgãos hajam procedido, por esta ordem, à classificação ou inventariação, ou tenham pendentes procedimentos para esse efeito, a tomada das seguintes decisões, quando a elas haja lugar na base de normas que as prevejam:

a) Expropriação de bens culturais ou de prédios situados na zona de protecção de bens culturais imóveis;
b) Autorização, exercício do direito de preferência ou outras decisões motivadas pela alienação de bens culturais;
c) Emissão de parecer vinculativo, autorização ou asseguramento de intervenções de conservação, restauro, alteração ou de qualquer outro tipo sobre bens culturais ou nas respectivas zonas de protecção;
d) Reconhecimento do acesso de detentores de bens culturais aos benefícios decorrentes da classificação ou inventariação.

2 - Na ausência de normas específicas de distribuição da competência no seio da pessoa colectiva pública apurada nos termos do número anterior, o poder para praticar os actos ali referidos caberá, consoante os casos, ao órgão dirigente do instituto público estadual ou regional cujo escopo corresponda à natureza do bem ou, na sua falta, ao Ministro ou secretário regional responsável pela área da cultura, ou à câmara municipal.

Artigo 95.º
(Providências de carácter organizatório)

No âmbito dos organismos existentes ou a criar, funcionarão obrigatoriamente as seguintes estruturas e cargos:

a) Uma estrutura de coordenação, a nível infra-governamental, das administrações estaduais do ambiente, do ordenamento do território, do equipamento, das obras públicas e da cultura;
b) Serviços de inspecção e observação dos bens classificados;
c) Serviços que especificamente acompanhem o comércio de arte e das antiguidades;
d) Um centro de estudos do direito do património cultural e da promoção, no plano técnico, da sua consolidação, actualização e aperfeiçoamento.

Título X
Dos benefícios e incentivos fiscais

Artigo 96.º
(Regime de benefícios e incentivos fiscais)

A definição e estruturação do regime de benefícios e incentivos fiscais relativos à protecção e valorização do património cultural são objecto de lei autónoma.

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Artigo 97.º
Emolumentos notariais e registrais

1 - Os actos que tenham por objecto bens imóveis ou móveis classificados, bem como a contracção de empréstimos com o fim da respectiva aquisição, estão isentos de quaisquer emolumentos registrais e notariais.
2 - A isenção emolumentar prevista no número anterior não abrange os emolumentos pessoais nem as importâncias correspondentes à participação emolumentar devida aos notários, conservadores e oficiais do registo e do notariado pela sua intervenção nos actos.

Artigo 98.º
(Outros apoios)

1 - O Governo promoverá o apoio financeiro ou a possibilidade de recurso a formas especiais de crédito, em condições favoráveis, a proprietários ou outros titulares de direitos reais de gozo sobre bens culturais classificados ou inventariados com a condição de os mesmos procederem a trabalhos de protecção, conservação e valorização dos bens, de harmonia com as normas estabelecidas sobre a matéria e sob a orientação dos serviços competentes.
2 - Os benefícios financeiros referidos no número anterior poderão ser subordinados a especiais condições e garantias, em termos a fixar, caso a caso, pela administração competente.

Título XI
Da tutela penal e contra-ordenacional

Capítulo I
Da tutela penal

Artigo 99.º
(Infracções criminais previstas no Código Penal)

Aos crimes praticados contra bens culturais aplicam-se as disposições previstas no Código Penal, com as especialidades constantes da presente lei.

Artigo 100.º
(Crime de deslocamento)

Quem proceder ao deslocamento de um bem imóvel classificado, ou em vias de classificação, fora das condições referidas no artigo 47.º, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.

Artigo 101.º
(Crime de exportação ilícita)

1 - Quem proceder à exportação ou expedição de um bem classificado como de interesse nacional ou de interesse regional, ou em vias de classificação como tal, fora dos casos previstos nos n.os 2 ou 3 do artigo 64.º, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - Em caso de negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com multa até 120 dias.

Artigo 102.º
(Crime de destruição de vestígios)

Quem, por inobservância de disposições legais ou regulamentares ou providências limitativas decretadas em conformidade com a presente lei, destruir vestígios, bens ou outros indícios arqueológicos é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.

Capítulo II
Da tutela contra-ordenacional

Artigo 103.º
(Contra-ordenações especialmente graves)

Constitui contra-ordenação punível com coima de 500 000$ a 5 000 000$ e de 5 000 000$ a 100 000 000$, conforme sejam praticados por pessoa singular ou colectiva:

a) O deslocamento ou a demolição de imóveis classificados, ou em vias de classificação, fora das condições referidas nos artigos 47.º e 48.º;
b) A realização de obras que hajam sido previamente embargadas de harmonia com o artigo 46.º, n.º 1;
c) A exportação e a expedição de bens classificados, ou em vias de classificação, em violação do disposto no artigo 64.º;
d) A violação do disposto no artigo 63.º, n.º 1, quando o agente retirar um benefício económico calculável superior a 20 000 000$.

Artigo 104.º
(Contra-ordenações graves)

Constitui contra-ordenação punível com coima de 350 000$ a 3 500 00$ e de 3 500 000$ a 20 000 000$, conforme sejam praticados por pessoa singular ou colectiva:

a) A violação do disposto nos artigos 44.º, n.º 3, 50.º e 74.º, n.º 5, bem como do regime de apresentação de licença de exportação de bens culturais para fora do território aduaneiro da União Europeia, tal como prescrito no artigo 2.º do Regulamento n.º 3911/92/CEE do Conselho, de 9 de Dezembro de 1992;
b) A violação do disposto nos artigos 32.º, 36.º, n.os 1 e 2, 56.º, 63.º, n.º 1, fora dos casos previstos na alínea d), do artigo 103.º, bem como a violação do disposto nos artigos 77.º, n.º 4, e 78.º, n.º 1;
c) A violação do dever de comunicação de importação ou de admissão, decorrente do disposto no artigo 67.º, n.º 1;
d) A violação do disposto nos artigos 44.º, n.º 3, e 50.º, bem como o deslocamento ou a demolição ilícitas, a realização de obras previamente embargadas ou a exportação ou expedição de bens realizadas em desconformidade com o artigo 65.º, n.os 1 e 5, quando, em qualquer dos casos, a violação respeite a bens classificados como de interesse público.

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Artigo 105.º
(Contra-ordenações simples)

Constitui contra-ordenação punível com coima de 100 000$ a 500 000$ e de 500 000$ a 5 000 000$, conforme sejam praticados por pessoa singular ou colectiva:

a) A violação do disposto nos artigos 32.º e 36.º, n.os 1 e 2, quando a mesma respeite a bens classificados como de interesse municipal;
b) A violação do disposto nos artigos 21.º, 40.º, n.º 1, e 45.º, n.º 1, e a violação de algum dos deveres ou restrições previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 59.º.

Artigo 106.º
(Negligência)

A negligência é punível.

Artigo 107.º
(Sanções acessórias)

1 - Conjuntamente com a coima prevista no tipo legal de contra-ordenação, pode ser aplicada ao infractor uma das seguintes sanções acessórias:

a) Apreensão dos bens objecto da infracção;
b) Interdição do exercício da profissão de arqueólogo, antiquário ou leiloeiro;
c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público para efeitos de salvaguarda ou valorização de bem cultural.
d) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos;
e) Encerramento do estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa;
f) Suspensão de autorizações, licenças e alvarás.

2 - As sanções referidas nas alíneas b) e c) do número anterior terão a duração máxima de dois anos, que se contarão a partir da decisão condenatória.

Artigo 108.º
(Responsabilidade solidária)

Quando tiverem sido executados trabalhos de conservação ou restauro que impliquem dano irreparável ou destruição ou demolição em bens classificados ou em vias de o serem, sem prévia autorização do serviço competente, as pessoas a quem se achem vinculados, por contrato de trabalho, de prestação de serviços ou de empreitada, aqueles que cometerem qualquer das contra-ordenações previstas neste diploma, são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento da importância igual à da coima àqueles aplicável, salvo se provarem ter tomado as providências necessárias para os fazer observar a lei.

Artigo 109.º
(Instrução e decisão)

1 - A instrução do procedimento por contra-ordenação cabe ao serviço da Administração do património cultural competente para o procedimento de classificação.
2 - A aplicação da coima compete ao órgão dirigente do serviço referido no número anterior, cabendo o montante da coima em 60% ao Estado e em 40% à entidade respectiva, salvo quando cobradas pelos organismos competentes dos Governos Regionais, caso em que revertem totalmente para a respectiva Região.

Título XII
Disposições finais e transitórias

Artigo 110.º
(Legislação de desenvolvimento)

1 - Sem prejuízo dos poderes legislativos regionais, no prazo de um ano, deve o Governo aprovar, preferencialmente de forma unitária e consolidada, a legislação de desenvolvimento.
2 - No prazo de um ano, deve o Governo aprovar as alterações das leis orgânicas dos vários institutos e serviços da administração estadual do património cultural que se revelem necessárias à compatibilização daqueles diplomas com as orientações formuladas na presente lei.

Artigo 111.º
(Anteriores actos de classificação e inventariação)

1 - Mantêm-se em vigor os efeitos decorrentes de anteriores formas de protecção de bens culturais móveis e imóveis, independentemente das conversões a que tenha de se proceder por força da presente lei.
2 - Os bens imóveis anteriormente classificados pelas regiões autónomas como de interesse público passam a considerar-se bens classificados como de interesse regional.
3 - Os bens imóveis anteriormente classificados pelo Estado ou pelas regiões autónomas como valores concelhios passam a considerar-se bens classificados de interesse municipal.
4 - A legislação de desenvolvimento determinará as demais regras necessárias à conversão para novas formas de protecção e designações.

Artigo 112.º
(Disposições finais e transitórias avulsas)

1 - Consideram-se feitas para as correspondentes disposições desta lei todas as remissões para normas da Lei n.º 13/85, de 6 de Julho, contidas em leis ou regulamentos avulsos.
2 - Enquanto não for editada a legislação de desenvolvimento da presente lei, no território do continente considerar-se-ão em vigor as normas até agora aplicáveis do Decreto n.º 20 985, de 7 de Março de 1932, com as sucessivas alterações, em tudo o que não contrarie princípios ou disposições fundamentais da presente lei.
3 - Os representantes das autarquias locais e das demais pessoas colectivas públicas não territoriais deverão remeter ao Ministério da Cultura, no prazo de dois anos a contar da entrada em vigor da presente lei, os instrumentos de descrição a que se refere o artigo 62.º.
4 - Legislação especial assegurará um regime transitório de protecção urbanística aplicável aos conjuntos e sí

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tios já classificados e àqueles que o venham a ser até à entrada em vigor da legislação e dos instrumentos que tornem exequível o disposto nos artigos 52.º, 53.º e 74.º da presente lei.
5 - Nada na presente lei colide com a actual repartição de atribuições e competências entre os diversos organismos da administração central do Estado.
6 - O Governo fica obrigado à apresentar à Assembleia da República, de três em três anos e com início em 2001, um relatório circunstanciado sobre o estado do património cultural em Portugal.

Artigo 113.º
(Normas revogatórias)

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, são revogadas as Leis n.º 2032, de 11 de Junho de 1949, e n.º 13/85, de 6 de Julho, bem como todas as disposições de leis gerais da República que contrariem o disposto na presente lei.
2 - São revogados o artigo 9.º, n.º 1, alínea b), e artigos 21.º a 30.º do Decreto-Lei n.º 16/93, de 23 de Janeiro, bem como os artigos 6.º e 46.º-A deste mesmo diploma, na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 14/94, de 11 de Maio.

Artigo 114.º
(Entrada em vigor)

1 - Em tudo o que seja exequível ou não necessite de desenvolvimento, esta lei entra em vigor 60 dias após a respectiva publicação.
2 - As demais disposições, que não puderem ter exequibilidade por força do disposto no n.º 2 do artigo 112.º, entram em vigor com os respectivos diplomas de desenvolvimento ou com a legislação de que se mostrem carecidas.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 25 de Maio 2000. O Primeiro- Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres - O Ministro da Presidência, Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - O Ministro do Equipamento Social, Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - O Ministro da Defesa Nacional, Jaime José Matos da Gama - O Ministro Adjunto, Fernando Manuel dos Santos Gomes - O Ministro das Finanças, Joaquim Augusto Nunes Pina Moura - O Ministro da Economia, Joaquim Augusto Nunes Pina Moura - O Ministro da Justiça, António Luís Santos da Costa - O Ministro do Ambiente e Ordenamento do Território, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - O Ministro da Cultura, Manuel Maria Ferreira Carrilho.

PROPOSTA DE LEI N.º 40/VIII
APROVA A LEI DA PARIDADE, QUE ESTABELECE QUE AS LISTAS PARA A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, PARA O PARLAMENTO EUROPEU E PARA AS AUTARQUIAS LOCAIS SÃO COMPOSTAS DE MODO A ASSEGURAR A REPRESENTAÇÃO MÍNIMA DE 33% DE CADA UM DOS SEXOS

Exposição de motivos

Introdução

O advento do dia 25 de Abril e a correspondente aprovação da Constituição de 1976 criaram as condições políticas e jurídicas para que todas as portuguesas obtivessem, há 24 anos, o pleno direito de votar e de serem eleitas para todos os cargos políticos.
As reformas que, sucessivamente, ocorreram em Portugal, após o dia 25 de Abril, permitiram que as desigualdades jurídicas e as injustiças sociais de que as mulheres eram vítimas fossem sendo atenuadas. Porém, nenhuma daquelas reformas influenciou, decisivamente, a representação das mulheres no seio do mundo político.
Com efeito, segundo as estatísticas mais recentes, muito embora as mulheres representem 52% da população nacional, 53% dos eleitores, 44,5% da mão-de-obra do mercado formal de emprego, 54,8% dos especialistas das profissões intelectuais e científicas, 48,1% dos técnicos e profissionais de níveis intermédios, 50,8% dos quadros técnicos superiores da Administração Pública, 59,4% dos trabalhadores da Administração Pública Central, 75,6% dos agentes de ensino, 57,1% dos estudantes universitários e 63,8% dos diplomados, elas não constituem mais do que 17,4% dos Deputados à Assembleia da República, 20% dos Deputados ao Parlamento Europeu, menos de 10% dos membros do Governo, 3,9% dos presidentes de câmara e 6% dos autarcas.
Esta situação significa que o princípio da igualdade formal, consagrado na Constituição, não tem tido plena correspondência na realidade, particularmente no que se refere à vida pública e política.
Entretanto, o artigo 109.º da Constituição, depois da revisão de 1997, dispõe - e, por certo, não por acaso - que "a participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício de direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos públicos". E ele deve ser conjugado com a nova alínea h) do artigo 9.º, que declara tarefa fundamental do Estado promover a igualdade entre homens e mulheres.
O único sentido útil da norma constitucional consiste na imposição ao legislador ordinário da efectivação, por processos adequados, dessa igualdade de participação, devendo o legislador agir em tempo razoável. A isso se destina a presente proposta de lei.
É, pois, no quadro do aprofundamento da qualidade da democracia que a Constituição, após a revisão de 1997, passa a exigir um instrumento legal que efective a participação tanto dos homens quanto das mulheres na vida política.
Esta revisão da Constituição não veio reconhecer às mulheres direitos que elas não tinham, nem retirar aos homens direitos que fossem seus, no que se refere à participação na vida pública e política, ela veio incentivar um processo necessário, em relação ao qual o tempo se encarregará de mostrar ser pertinente a adopção de medidas positivas.
A presente proposta de lei será, portanto, um marco histórico da nossa democracia. E se a mesma em si não constitui uma verdadeira reforma, certamente, contribuirá para a reforma cultural, através de uma composição mais justa e adequada das nossas instituições representativas.
Baseia-se num novo conceito e tem um objectivo que ultrapassa a questão dos direitos das mulheres: aperfeiçoar o nosso sistema democrático pela construção de uma democracia paritária.
A proposta de lei fixa em 33,3% a representação mínima para ambos os sexos nas listas eleitorais, com reflexos equivalentes nos eleitos e nas eleitas, o que corresponde a uma meta quantitativa no caminho para a paridade.

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Esta proposta de lei vai, assim, muito para além de quaisquer propostas que visem a instauração de outros modelos, o que, em nosso entender, não se aplicam à participação das mulheres.
Efectivamente, modelos de representação como os referidos configuram uma estratégia que normalmente se aplica a determinados grupos que, pela sua dimensão ou interesses específicos, exigem mecanismos próprios de representação para a defesa dessa especificidade. As mulheres, porém, não são um mero grupo especial, ou uma categoria específica, são mais de metade da Humanidade e uma das suas duas únicas componentes.
No que se refere à representação homens-mulheres deve-se falar de democracia paritária. Não se trata de um grupo específico, cujos interesses próprios importa salvaguardar mas, sim, de metade da Humanidade e dos interesses dessa mesma Humanidade no seu conjunto. Por isso, trata-se de estabelecer um princípio e uma disposição permanente que possam garantir a representação real do povo na sua dualidade do masculino e do feminino.
É certo que, no passado, a adopção de outros modelos produziu efeitos positivos em alguns países e permitiu um avanço considerável na participação feminina em algumas sociedades; mas é a paridade que verdadeiramente reconhece estas duas dimensões essenciais e dá resposta ao princípio da igualdade, enquanto requisito democrático e direito fundamental.
A estas duas dimensões da Humanidade, a do masculino e a do feminino, a história e a cultura têm atribuído tarefas e mundos diferentes, que o nosso tempo, de modo especial, se encarregou de contestar.
O facto de os homens se terem dedicado à esfera pública e as mulheres à esfera privada foi durante muito tempo considerado como relevando da ordem natural das coisas. O peso da história, da ideologia, da cultura, das desigualdades persistentes nos domínios económico e social, assim como a relação dos homens com o poder têm constituído, do mesmo modo, obstáculos no caminho das cidadãs e dos cidadãos para uma efectiva paridade de participação e representação.
A consagração do princípio da paridade, nos termos da presente proposta de lei, tem fundamento num facto incontestável e incontornável: a Humanidade é constituída por homens e por mulheres que concorrem, em conjunto e em complementaridade, para a perenidade da espécie humana.
Por isso, as mulheres devem também participar, em conjunto e complementarmente, na condução dos assuntos da res publica, em termos paritários. Devem participar em igualdade na gestão da polis, portanto na vida política no seu sentido mais amplo e profundo.
A sub-representação das mulheres é um défice lançado contra o universalismo republicano e a igualdade que o fundamenta. A paridade é o único meio de o suprimir, permanecendo fiel ao princípio da igualdade. Porque recusando a desigualdade que caracteriza a situação actual e que é profundamente injusta e anti-democrática, ela aceita e valoriza a diferença, que reconhece a especificidade das pessoas.
Uma participação mais significativa das mulheres na vida política, sendo essencialmente um requisito de justiça e de democracia, permitirá também o aparecimento de novos olhares sobre a realidade e de pontos de vista diferentes, já que homens e mulheres têm, naturalmente, vivências e experiências que são histórica e culturalmente diferentes.
Matérias, até há pouco, situadas fora do âmbito das questões políticas passam a sê-lo, por força da evolução da situação das mulheres e do seu acesso à vida profissional, pública e política. Exemplo relevante na nossa sociedade é o que se refere às questões da compatibilização da vida profissional e pública e da vida privada e familiar, que é a questão chave da organização social do nosso tempo. Por força da entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho, o que era matéria que relevava da vida privada passou, por força de tais circunstâncias, para a esfera do político.
Do mesmo modo, em outras áreas - a organização social e do trabalho, as questões da saúde, designadamente a saúde reprodutiva, a organização e gestão da educação e do sistema de ensino - a visão e experiência histórica das mulheres podem contribuir para novas soluções políticas mais abrangentes e inovadoras.
A presente proposta de lei, de forma clara e simples, poderá, assim, constituir uma importante inovação na vida pública, e na renovação das elites políticas, contribuindo também para uma evolução da presença da mulher nos outros sectores da sociedade. De facto, a paridade na vida política, como em outros sectores da sociedade, é um instrumento constitutivo de uma melhor igualdade.
A paridade é, também, uma reforma cultural de grande alcance e profundidade. E nenhuma reforma desta grandeza pode ter êxito sem um mínimo de pragmatismo. Uma paridade de princípio sem objectivos e metas quantificadas e sem um processo de controlo não seria eficaz.
No domínio dos princípios que neste contexto interessa reafirmar, o reconhecimento da igualdade de direitos de mulheres e de homens em relação à cidadania e à participação democrática constitui, por certo, uma das aquisições fundamentais a ter em conta. Por um lado, representa um corolário da afirmação do princípio da dignidade humana, um dos pilares da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e, por outro, vem emprestar consistência ao conceito de democracia, também ele um dos seus alicerces fundantes.
"Não obstante, no dizer de Manuela Silva, in Igualdade de Género - Caminhos e Atalhos para uma Sociedade Inclusiva, Lisboa, 1999, subsiste, nas nossas sociedades, como que uma "mão invisível", que tem impedido a concretização deste direito, no que respeita à representatividade e à participação paritária de mulheres e homens nos órgãos e processos de tomada de decisão política.
Deste facto incontestável decorrem consequências duplamente negativas. Em primeiro lugar, para as próprias mulheres que vêem, na prática, ser-lhes cerceada a sua cidadania, com privação de direitos e deveres que formalmente lhes são conferidos; em segundo lugar, para a democracia, que deixa de contar com os recursos potenciais de metade da população supostamente abrangida e, bem assim, perde credibilidade no terreno do respeito pela igualdade, ao marginalizar e, no limite, excluir as mulheres das suas instituições mais genuínas.
Mais do que nunca, as mulheres (mas não só elas!) dão-se conta de que existe um enorme e injusto fosso entre o seu contributo, directo e indirecto, para a produção nacional e a riqueza colectiva, para a constituição das receitas dos orçamentos públicos, para o progresso científico e tecnológico, para a cultura, em suma para o desenvolvimento da sociedade no seu todo e na sua participação efectiva nas tomadas de decisão relativamente à orientação dessas esferas da vida colectiva.
Isto não porque faltem às mulheres as correspondentes qualificações académicas e profissionais, mas tão-somente porque o poder político instituído as mantém ausentes da

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cena política e, sistematicamente, as afasta dos lugares de decisão.
Acresce, por outro lado, que a sociedade contemporânea desenvolveu inter-dependências aos vários níveis (do económico ao cultural, do tecnológico ao geo-estratégico ...) que tornam cada indivíduo, particularmente, vulnerável ao colectivo e, por conseguinte, hoje, está muitíssimo reforçado o alcance das macro-decisões na vida quotidiana de cada pessoa. É ao nível da macro-decisão que, em boa parte, se determinam aspectos fundamentais da vida pessoal: maior ou menor oportunidade de emprego, acesso e qualidade da educação e da saúde; tempo livre e lazer, nível de segurança, situações de guerra e de paz, salvaguarda do equilíbrio ecológico no presente e para as gerações futuras.
Estas questões não podem deixar de interessar vivamente as mulheres, por causa delas próprias, mas também pelos seus filhos.
Tomar parte efectiva nestas decisões constitui, assim, uma legítima aspiração que é, simultaneamente, um direito e um dever. A democracia paritária reveste, por isso, o carácter de um direito humano fundamental.
Por outro prisma, importa reconhecer também que o afastamento das mulheres das estruturas democráticas constitui uma grave doença da própria democracia e talvez explique, em boa parte, o definhamento que ronda algumas estruturas políticas, em muitos estados de democracia representativa" (fim de citação).
Em síntese, a democracia paritária concorrerá para dar maior visibilidade aos representados(as); permitirá introduzir novas problemáticas no debate político; tornará as agendas políticas mais próximas dos interesses dos quotidianos dos cidadãos e das cidadãs; integrará novas lógicas na abordagem e resolução dos problemas, complementando e enriquecendo a lógica masculina prevalecente até agora.
Na presente proposta de lei, que se fundamenta nos pressupostos acima enunciados, foi instituído um sistema simples e decisivo. Apenas uma obrigação: todas as listas devem obedecer ao princípio da paridade, respeitando aquele limiar quantitativo, a partir do qual a paridade começa a ser possível. Uma sanção: caso não seja cumprida esta obrigação, as listas são rejeitadas.
Respeitados estes parâmetros, em breve teremos uma nova visão da representação política. Nos próximos actos eleitorais para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais haverá uma entrada significativa de mulheres e uma melhoria quantitativa e qualitativa do panorama da representação política.
"Um novo olhar sobre a humanidade", como diz a Dr.ª Regina Tavares da Silva, in Democracia Paritária: Um conceito novo ou um novo olhar sobre a Democracia - Dito- & Escritos, n.º 6, hoje reconhecido como necessário, conduzirá a um novo olhar sobre a democracia, a qual, para ser verdadeira, deve ser, não apenas representativa e pluralista, mas também paritária. É naturalmente verdade que a democracia não deveria precisar de ser adjectivada. A democracia é ou não é, existe ou não existe. Mas enquanto não existe de maneira perfeita e tentamos construí-la, a adjectivação sublinha os aspectos que ela deve ainda revestir para ser genuína.
No que diz respeito à participação das mulheres, poderíamos afirmar que, sendo a igualdade real sempre o princípio de base e o objectivo final, há, porém, que definir e adoptar uma nova estratégia - a estratégia da democracia paritária - que reconhece valor e dignidade iguais aos dois sexos e exige uma reavaliação/redefinição dos papéis das mulheres e dos homens na sociedade" (fim de citação).
O objectivo último é a igualdade, em si mesma, durante muito tempo desvalorizada, mas hoje considerada como direito fundamental. A paridade é, realmente, um instrumento, entre outros, para alcançar esta igualdade.

II
Direito comparado

No prefácio do Relatório do Comité de Sábios, constituído em 1995 pela Comissão Europeia para analisar as consequências susceptíveis de serem tiradas da Carta Comunitária dos Direitos Sociais dos Trabalhadores, no âmbito da revisão dos Tratados da União Europeia, intitulado Para uma Europa dos Direitos Cívicos e Sociais, foi afirmado pela sua Presidente que direitos cívicos e direitos sociais são interdependentes e que ao colocarmos a questão dos direitos sociais abrangemos todo o conjunto de direitos que se exprimem na cidadania. Aprofundar essa cidadania no quadro da União não poderá constituir, para cada país, senão uma ocasião para ir mais longe na sua própria cidadania. Afirma ainda o Comité: "A Europa não se construirá com base em desemprego e exclusão, nem assente num défice de cidadania. A Europa será de todos os cidadãos, ou então não terá consistência", pelo que será necessário desenvolver uma concepção activa de cidadania, onde todos aceitem assumir obrigações relativamente aos outros e renovar profundamente as nossas políticas públicas, que devem prevenir em vez de curar ...".
A cidadania plena, em todas as suas implicações, está, aliás, no cerne das preocupações das grandes organizações internacionais e regionais, bem como nos programas de acção que resultam das grandes conferências e cimeiras da década de 90 promovidas pelas Nações Unidas. Também no que se refere à situação das mulheres e à igualdade de direitos e oportunidades, tal perspectiva está presente. Seja em relação ao ambiente ou ao desenvolvimento, ou às questões de população ou de direitos humanos, ou de habitat ou qualquer outra, não é mais possível pensar nas soluções para os problemas do nosso tempo, sem incluir nelas uma perspectiva de género e uma consideração atenta da situação das mulheres e da medida da sua contribuição para o desenvolvimento e para a gestão das sociedades, incluindo o seu efectivo acesso e partilha do poder e da decisão a todos os níveis.
A Plataforma de Acção, aprovada na 4ª Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, realizada em Pequim, em 1995, considera, de entre os seus objectivos estratégicos, adoptar medidas que garantam às mulheres a igualdade de acesso e a plena participação nas estruturas de poder e de tomada de decisão, para o que prevê, como medidas a implementar pelos governos, nomeadamente, o acompanhamento e avaliação dos progressos alcançados na representação das mulheres através da recolha, análise e difusão regulares de dados quantitativos e qualitativos sobre mulheres e homens a todos os níveis das várias posições da tomada de decisão nos sectores público e privado, e difundir anualmente dados sobre o número de mulheres e de homens em funções a vários níveis dos governos ...
Por outro lado, a Plataforma de Pequim, que o Estado português também subscreveu, considera que "a realização do objectivo da igualdade de participação das mulheres e dos homens na tomada de decisão dará origem a um equilíbrio que reflecte mais correctamente a composição da sociedade e que é necessário para reforçar a democracia e promover o seu correcto funcionamento".
A Plataforma de Acção, adoptada no seu âmbito, aponta, assim, para a necessidade de os governos equacionarem os

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compromissos aí assumidos, designadamente no que se refere ao acesso das mulheres à tomada de decisão.
A mesma Conferência evidenciou ainda que atingir a igualdade de oportunidades não interessa apenas às mulheres, mas é antes uma condição fundamental para alcançar o desenvolvimento social, que interessa à sociedade no seu conjunto.
A Plataforma obriga também os Estados signatários a estabelecerem o equilíbrio entre mulheres e homens nos governos e instituições, enquanto factor necessário ao desenvolvimento social e meio para reforçar a legitimidade das instituições.
A Sessão Especial das Nações Unidas destinada à avaliação da Plataforma veio sublinhar a importância deste objectivo.
A nível da União Europeia, o IV Programa de Acção para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens, em curso desde 1996 até ao ano 2000, define como um dos seus grandes objectivos o de "integrar uma participação equilibrada dos homens e das mulheres no processo de decisão".
O V Programa de Acção, já aprovado em sede de Comissão, insiste na importância desta participação.
Aliás, no âmbito da União Europeia, a Recomendação do Conselho 96/694/CE, de 2 de Dezembro de 1996, relativa à participação equilibrada das mulheres e dos homens nos processos de tomada de decisão recomenda aos Estados membros, designadamente, que promovam e melhorem a recolha e a publicação de dados estatísticos que permitam conhecer melhor a participação relativa das mulheres e dos homens em todos os níveis dos processos de tomada de decisão nas áreas política, económica, social e cultural. No âmbito desta Recomendação é obrigação dos Estados membros uma avaliação de progressos nesta área, a que se procedeu, recentemente, a nível dos quinze.
No final dessa Recomendação, o Conselho convidava a Comissão a elaborar um projecto de recomendação a fim de promover a participação equilibrada das mulheres e dos homens nos processos de tomada de decisão, enquanto parte integrante do Programa Comunitário a Médio Prazo. Nos termos desta Recomendação, o Conselho propõe aos Estados membros que adoptem uma estratégia integrada e global e que desenvolvam ou criem, com esse objectivo, as medidas apropriadas, sejam elas legislativas, regulamentares ou de estímulo.
Tal estratégia deverá cobrir todas as vertentes da sociedade e ser implementada em parceria com todos os actores sociais envolvidos a nível europeu, nacional, regional e local. O esforço a fazer deverá ser concertado e não se resumir a simples acções ou medidas dispersas.
Devemos, porém, realçar que o desenvolvimento desta problemática na UE progrediu, consideravelmente, com os trabalhos da rede comunitária de peritas nesta matéria, tendo, ao mesmo tempo, a Plataforma de Pequim sido um importante factor de pressão para a adopção desta Recomendação.
Esta Recomendação segue, aliás, na esteira de uma Resolução do Conselho da União Europeia, de Março de 1995, sobre a participação equilibrada de mulheres e de homens no processo de decisão.
Também o Parlamento Europeu tem, repetidamente, abordado esta temática em relatórios e resoluções. Recentemente, adoptou, em 2 de Março de 2000, uma resolução sobre as mulheres no processo de tomada de decisão, instando os Estados membros, designadamente a diligenciarem, activamente, no sentido de alcançarem uma representação mais equilibrada de homens e mulheres em todas as instituições da União Europeia, e convidando-os a promoverem a formação do pessoal superior e dos dirigentes - homens e mulheres - por forma a promover relações de trabalho isentas de discriminação e a introduzirem o desenvolvimento de capacidades nos organismos governamentais, tendo em vista a evolução na carreira das mulheres.
No Conselho da Europa a questão da igualdade de oportunidades para as mulheres e os homens é uma questão de direitos humanos fundamentais e de democracia genuína. O conceito de democracia paritária surge no âmbito do tema da participação das mulheres na vida pública e política. O estudo e reflexão que daí decorrem são parte integrante do programa do Conselho da Europa sobre Direitos Humanos e Democracia Genuína, que procura clarificar, aprofundar e definir, de um modo mais conciso, os valores e os princípios da democracia. Estes estudos surgem ligados ao facto da sub-representação das mulheres na vida pública e política.
Um grupo de especialistas sobre igualdade e democracia elaborou um relatório sobre esta matéria que foi publicado em 1996. Partindo de uma análise histórica, debruça-se sobre a situação actual de sub-representação das mulheres, analisa os obstáculos à participação e prevê as mudanças estruturais necessárias para uma mudança neste domínio. Na óptica de especialistas, a realização da democracia paritária é um requisito para a igualdade e para o futuro da própria democracia. Neste sentido são propostas medidas e estratégias consideradas necessárias para uma alteração de situação e mesmo de paradigma da vida política.
No seu conjunto, as Nações Unidas, a União Europeia e o Conselho da Europa consideram a promoção da participação das mulheres um dos campos de acção prioritários na última década do século XX e uma condição para a concretização de uma efectiva igualdade de oportunidades para as mulheres e os homens e para o progresso da democracia.
É também, internacionalmente, reconhecido que uma representação desequilibrada na tomada de decisão política gera um défice para a democracia.
Várias democracias europeias já fizeram face a este problema fixando como meta uma representação significativa das mulheres nos postos de decisão política, o que acarretou mudanças visíveis no que se refere à actividade dos governos e administrações, à relação entre governantes e governados, à capacidade de fazer corresponder a política à vida real e ao quotidiano das/dos cidadãos. Os recursos e as competências das mulheres revelaram-se preciosos para superar a crise política e para o aprofundamento da democracia. Trata-se, assim, de permitir que estes possam emergir e de torná-los operacionais. É nessa medida que se torna relevante a existência de novas regras e mecanismos que enquadrem a selecção da classe dirigente, tornando-a mais transparente. Os países que têm hoje em dia uma presença feminina elevada nos postos de decisão utilizaram outros modelos como medida mais directa para alcançarem o equilíbrio entre mulheres e homens. Considerados como medidas transitórias e temporárias, foram adoptados por partidos políticos, no seu âmbito para se alcançar o equilíbrio pretendido, e suprimidos a partir do momento em que este foi alcançado.
Países como a Suécia, a Finlândia e, em geral, os países nórdicos obtiveram com essas mudanças resultados satisfatórios.
O Partido Socialista Popular da Dinamarca foi dos primeiros partidos a introduzi-los. O partido acordou, em 1977, que em todos os órgãos partidários e assembleias eleitorais, cada sexo teria direito a uma representação mínima de 40%.

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Em 1979, 64% dos representantes do partido no parlamento eram mulheres. Em 1984, esses mecanismos foram usados na selecção de candidatos do partido ao Parlamento Europeu e, em 1988, o partido adoptou-os nas eleições autárquicas. Este sistema foi abolido em 1990, quando se verificou que havia sido atingido o objectivo fixado de uma representação equilibrada dos dois sexos, mas a sua prática continua a ser a regra.
A introdução alternada de mulheres e de homens nas listas de candidatos, ou a recomendação de 50% de todos os cargos políticos serem ocupados por mulheres, foi adoptada na Suécia em 1994 pelo Partido Social Democrata.
Em 1992, os dados disponíveis mostravam que, pelo menos, 56 partidos políticos em 32 países haviam adoptado mecanismos de participação, geralmente partidos socialistas ou trabalhistas. Nos países que atingiram e ultrapassaram a "massa crítica" de 35% de mulheres no parlamento e no governo, encontramos partidos que praticaram o sistema de quotas na selecção de candidatos - Noruega, Dinamarca e Suécia. Na Noruega este sistema é usado há mais de 20 anos e as mulheres norueguesas atribuem-lhes grande parte do seu êxito político.
A adopção deste sistema está frequentemente associado à imposição de uma duração máxima de ocupação de mandatos públicos e à interdição de acumulação de mandatos, limitações que contribuem para aumentar as oportunidades de acesso das mulheres aos cargos políticos, favorecendo a substituição das classes dirigentes.
No entanto, e muito embora os resultados da adopção de mecanismos de quotas se tenham revelado conclusivos, em muitos países, o conceito de paridade tem vindo a ganhar um número crescente de adesões, designadamente em França, onde o debate sobre os sistemas de quotas esteve muito aceso nos últimos anos.
No início de Maio a França adoptou o regime da paridade, consagrando que as listas eleitorais são constituídas por 50% de homens e por 50% de mulheres.
De inspiração filosófica distinta do sistema de quotas, a paridade considera como princípio orientador a dualidade da humanidade, a existência de cidadãos e cidadãs. De acordo com esse princípio, 50% dos cargos políticos deveriam ser idealmente ocupados por mulheres.
Porém, e porque a vida nem sempre funciona em termos de matemática pura, tem sido geralmente considerado que um mínimo de 30% de cada sexo poderá constituir o "limiar de paridade", o limiar a partir do qual é possível uma representação efectiva e eficaz da humanidade no seu conjunto e uma expressão das suas vertentes masculina e feminina.
"Em França, a ideia da paridade transcende hoje a mobilização das mulheres, é um debate intelectual e político. Devemos reconhecer que o objectivo da paridade é muito mais aceitável para as mulheres que a ideia de outros mecanismos (...) A ideia da paridade não apresenta o aspecto negativo de outros modelos. Não enferma da ideia de que as mulheres são uma minoria social, reconhece que as mulheres são a metade do género humano e que esta diferença constitui uma componente essencial e positiva da humanidade. Se, em França, a ideia da paridade fez consenso, é porque não está em contradição com o universalismo republicano, mas afirma esta verdade evidente, e contudo desde sempre negada, que a humanidade é sexuada, e que a política pura, se quiser ser humana, deverá ser sexuada."
Atendendo à autonomia dos partidos políticos nos Estados membros, os governos manifestam, por vezes, relutância em impor-lhes a adopção deste tipo de medidas. O Governo da Holanda encontrou uma forma de contornar a política da "não interferência", oferecendo apoio financeiro a cada partido político representado no Parlamento, com a condição de este ser utilizado em actividades destinadas a aumentar o número de mulheres nos órgãos eleitorais. Noutros casos tem-se procedido a uma prática de incentivos financeiros para os partidos que adoptem medidas no sentido da paridade. Chegamos, assim, a um ponto de transição entre o estabelecimento da paridade enquanto livre decisão dos partidos e a adopção de medidas legislativas.
Medidas positivas deste tipo estão hoje em vigor na Bélgica, tendo no passado sido propostas em Itália e em França. A lei belga de 24 de Novembro de 1994 impõe uma percentagem mínima de candidatos de cada sexo. Para as eleições entre 1996 e 1999, as listas dos partidos deveriam integrar 25% de representantes de cada sexo. Após 1999 este valor deveria aumentar para 33%. Foi considerado que esta regra de percentagens mínimas respeitava o objectivo constitucional da igualdade entre os sexos, na medida em que é aplicada a candidatos masculinos e femininos. Foi ainda decidido que os lugares na lista, legalmente reservados a uma mulher candidata, não podem ser ocupados por candidatos masculinos e serão deixados em branco. Assim, as listas que não apliquem esta regra terão de eliminar um terço dos seus candidatos.
A introdução deste tipo de legislação pode ser considerada como uma consequência lógica do direito constitucional à igualdade entre sexos. Pode ainda ser considerada como uma consequência lógica da ratificação da Convenção das Nações Unidas Sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificada por Portugal, sem reservas em 1980, cujo artigo 4.º prevê expressamente a adopção de medidas especiais temporárias para o estabelecimento da igualdade e a correcção de desequilíbrios.
Quando não se verificam quaisquer progressos e os partidos não adoptam, espontaneamente, medidas a favor do aumento da participação das mulheres na política, a legislação pode ser a derradeira solução.

III
Portugal

Parece ser esta a situação em Portugal no momento actual.
Em Portugal profundas mudanças políticas, económicas e sociais ocorridas em consequência da implantação da democracia permitiram que se produzisse uma rápida modificação do estatuto e da situação das mulheres e que estas desempenhassem um papel de crescente importância na vida económica e social. A democracia acarretou, aliás, grandes mudanças em matéria de legislação, designadamente daquela que tem uma particular incidência sobre a igualdade.
Como já se referiu na introdução, as mulheres portuguesas possuem hoje uma das taxas mais elevadas de actividade a tempo completo da União Europeia, constituem a maioria dos diplomados do ensino superior, estão fortemente representadas na administração pública. O aumento da sua presença na tomada de decisão tem, porém, ocorrido a um ritmo demasiado lento, sendo muito ligeiros os progressos verificados ao longo das já mais de duas décadas de democracia. Em matéria de tomada de decisão, as mulheres continuam, de facto, minoritárias, como os números atrás referidos, amplamente documentam.
O XIII Governo Constitucional reconheceu este facto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/97, que aprova o Plano Global para a Igualdade de Oportunidades, afirmando que "nem a igualdade constitucional e legalmente estabelecida, nem a presença e estatuto das mulheres no

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mercado de trabalho têm sido suficientes para a realização de uma efectiva igualdade entre homens e mulheres. De facto, embora se tenham verificado mudanças significativas nas relações sociais de género nos últimos anos, (...) essas mudanças não se traduziram ainda numa melhoria global do estatuto das mulheres nem no usufruto de uma plena cidadania."
Permanece, assim, um fosso entre a lei, o discurso e a prática, um fosso entre o efectivo contributo das mulheres para o desenvolvimento da nossa sociedade e a possibilidade de acederem às decisões que dizem respeito não só a si próprias mas à sociedade no seu conjunto. Subsistem ainda mecanismos que contribuem para a sua exclusão política e social.
A evolução dos resultados eleitorais, desde as eleições para a Assembleia Constituinte, em 1975, até aos nossos dias, mostra que há uma progressão extremamente lenta, com momentos prolongados de estagnação e até de retrocesso. Assim, depois dos primeiros 8% de mulheres eleitas, em 1975, as eleições para a Assembleia da República contaram com 4,9% de eleitas em 1976, oscilando depois nos vários actos eleitorais, até 1991, entre valores percentuais que não ultrapassam os 8,7%, verificando-se apenas em 1995 uma subida para os 12,5% e em 1999 uma subida para os 17,4%, e mantendo-se uma gritante sub-representação de mulheres no Parlamento.
Também nos vários outros níveis da tomada de decisão política as mulheres permanecem sub-representadas e a evolução verificada não corresponde às mudanças que se têm operado no estatuto das mulheres e no papel por elas hoje desempenhado na nossa sociedade.
Também no que se refere ao poder local, a evolução é preocupante. A representação das mulheres tem-se mantido muito baixa ao longo das duas décadas de construção da democracia em Portugal, sendo a este nível, ao invés do que se verifica noutros Estados membros da União Europeia e contra todas as expectativas, que a participação das mulheres nos órgãos de decisão é mais baixa. Esta fraca participação feminina tem-se perpetuado ao longo dos anos, sofrendo poucas alterações. Por exemplo, as mulheres representavam 1,3% dos presidentes de Câmara eleitos em 1979. Essa percentagem manteve-se inferior a 2% ao longo dos vários actos eleitorais - 1982, 1985 e 1993, com excepção de 1989, ano em que atingiu os 2,3% e apenas nas últimas eleições autárquicas, 1997, e mau grado a duplicação do número de mulheres presidentes de câmara de cinco em 1993 para 12 em 1997, as mulheres representam 3,9% do total de presidentes de câmara.
A representação feminina permanece também muito baixa em todos os órgãos autárquicos e nos vários cargos dentro destes órgãos. As mais altas percentagens atingidas verificaram-se ao nível dos membros das assembleias municipais, com 10,8% em 1989 e 11,3% de mulheres em 1993.
As mulheres encontram-se menos representadas nos cargos de maior protagonismo. Se nos reportarmos às eleições de 1993, as últimas para as quais dispomos de dados mais completos, a representação das mulheres nos cargos de presidente de câmara municipal (1,6%), de assembleia municipal (6,2%), de junta de freguesia (3,1%) e de assembleia de freguesia (6,5%), é sempre menor que nos cargos de vereadores das mesmas câmaras (8,7%), ou de membro de assembleia municipal (11,3%), de assembleia de freguesia (8,1%), ou de vogal de junta de freguesia (6,2%).
As mulheres estão mais representadas nos órgãos deliberativos que nos órgãos executivos - mais representadas nas assembleias municipais do que nas câmaras municipais, e mais representadas nas assembleias de freguesia do que nas juntas de freguesia.
Sendo a autarquia o nível político mais próximo dos cidadãos, seria de esperar que as mulheres pudessem pôr ao serviço da comunidade e das próprias mulheres os talentos, os valores, os interesses e as experiências que decorrem do seu dia a dia, chamando a atenção e procurando soluções para problemas em relação aos quais elas são tradicionalmente mais sensíveis, tais como a habitação, os transportes, o ambiente, a violência na família, a guarda de crianças, o cuidado com os idosos, os problemas ligados à conciliação da vida familiar com a vida profissional, à igualdade de oportunidades, o aumento da representação das mulheres nos órgãos de tomada de decisão teria resultados que ultrapassariam a legitimação democrática. Produziria mudanças sociais em benefício das mulheres e dos homens.
No entanto, a construção da igualdade deve assumir carácter privilegiado à escala regional e local, dado que estes níveis estão ligados, por excelência, ao exercício da cidadania e que o sexo do decisor tem um papel determinante, não só enquanto modelo de identificação, mas também na orientação das suas decisões e na definição das suas prioridades.
Assim, decisões de grande importância nas áreas política, social, económica ou cultural são tomadas por grupos maioritariamente masculinos, não só nas instituições políticas mas em todos os tipos de organizações. Estas decisões reflectem tendencialmente os valores, os pontos de vista e as experiências pessoais dos seus actores, mas afectam, não obstante, o conjunto da sociedade.
A subalternização das mulheres em muitas esferas da sociedade impede, assim, que a igualdade consagrada na lei consiga ter os necessários reflexos na prática.
Factores de vária ordem concorrem para que tal aconteça: históricos, culturais, factores sócio-económicos. Pesam também factores políticos tais como os critérios e os processos de selecção dentro dos partidos políticos, que utilizam valores masculinos, e o próprio sistema eleitoral. A organização e funcionamento dos partidos continuam a seguir uma lógica essencialmente masculina. As instituições políticas sempre se apresentaram, de facto, pouco acessíveis às mulheres, indecifráveis nos seus mecanismos, alheias à sua sensibilidade, aos seus tempos, aos seus modos de viver e de conceber a existência.
No que se refere aos critérios e processos de selecção utilizados pelos partidos políticos, verificamos que os líderes políticos ao nível nacional demonstram um maior grau de preocupação com a presença equilibrada das mulheres e dos homens na tomada de decisão do que os líderes locais. Ao nível local, a existência de fortes lobbies de pressão, conjugados com a inexistência de critérios objectivos para a integração de candidatos nas listas às eleições autárquicas, contribuem para a sub-representação das mulheres nessas listas ou para a sua presença em lugares não elegíveis.
A divisão tradicional dos papéis entre os sexos constitui outro dos principais obstáculos, pois os modelos veiculados, não são somente interiorizados pelas pessoas, mas estão antes imbricados na própria organização da sociedade e no seu funcionamento.
E, no entanto, não é de mais repeti-lo, a representação igualitária das mulheres e dos homens na tomada de decisão deve ser encarada como um direito humano fundamental e como questão de base de qualquer democracia. Mas somos levados a constatar que a democracia parlamentar não constitui, por si só, uma garantia de participação igualitária.

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As democracias europeias que já fizeram face a este problema fixando como meta uma representação significativa das mulheres nos postos de decisão política, constataram mudanças visíveis no que se refere à actividade dos governos e administrações, à relação entre governantes e governados, à capacidade de fazer responder a política à vida real e ao quotidiano das/dos cidadãos. Os recursos e as competências das mulheres revelaram-se preciosos para superar a crise política e para o aprofundamento da democracia. Trata-se, assim, de permitir que tais recursos e competências possam emergir e de os tornar operacionais. É nessa medida que se torna relevante a existência de novas regras e mecanismos que enquadrem a selecção da classe dirigente.
Consciente desta situação o Programa do XIV Governo Constitucional estabelece que a presente "Legislatura marcará um impulso decisivo na promoção da igualdade de oportunidades entre os homens e as mulheres, o que implica a reformulação de concepções arreigadas quanto à organização da vida familiar e da própria vida político-partidária, à repartição de tarefas entre os homens e as mulheres, à organização do mundo laboral e das instituições de ensino em função deste novo paradigma de paridade".
Em resumo, a plena e igual participação, quer dos homens quer das mulheres na vida política é hoje, em Portugal, um requisito fundamental da democracia.
E porque a organização social não soube ainda encontrar, sem norma expressa, outras formas de encorajar uma maior partilha entre as mulheres e os homens no processo de decisão política, a presente proposta de lei é necessária.
Ela é um instrumento de correcção da clara desigualdade de oportunidades de participação na vida política que, na prática e com prejuízo para a sociedade e para o aproveitamento integral das pessoas, se tem verificado entre homens e mulheres.
A proposta de lei é, sobretudo, um passo importante para o equilíbrio da participação das mulheres e dos homens no processo de decisão na vida política, sendo também determinante para a incorporação da igualdade de oportunidades no quotidiano.
O caminho para a igualdade entre homens e mulheres exige grandes e concertados esforços, de muita gente, por muito tempo, ao mesmo tempo, em vários níveis e espaços de influência, importando ter presente a relevância legitimadora de um acto forte de vontade política como será o de promover a paridade no acesso à Assembleia da República, ao Parlamento Europeu e às autarquias locais.
A partilha visível do poder entre as mulheres e os homens com uma dimensão expressiva tanto de umas como de outros, torna evidente que não há mais um só modelo para o poder. Nem para o modo de organizar o trabalho. Na vida pública e na vida privada.
Quanto mais depressa esta proposta passar a lei, mais e mais rápidos progressos se verificarão nas garantias da autonomia individual e na partilha de direitos e de responsabilidades entre mulheres e homens, com iguais direitos na esfera pública, com iguais direitos na esfera privada.
Quanto mais depressa esta proposta passar a lei, melhor será a qualidade da vida das portuguesas e dos portugueses.

IV
Direito

Com a lei eleitoral para a Assembleia Constituinte e com a Constituição de 1976 as mulheres alcançaram total igualdade de capacidade activa e passiva em todas as eleições. Com a Lei Constitucional n.º. 1/97 foi-se mais longe e é o próprio exercício de funções políticas representativas que se tem em vista.
Até 1997, seria, porventura, inconstitucional uma lei que prescrevesse acções positivas para efeito de acesso de mulheres aos órgãos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais. Após 1997 verificar-se-á inconstitucionalidade por omissão se tais medidas legislativas não forem aprovadas, com as devidas consequências jurídicas e políticas.
Naturalmente, em sede de direitos fundamentais, a Constituição continua a não fazer acepção de sexos. São todos os cidadãos, homens e mulheres, que têm o direito e o dever de tomar parte na vida política, de receber informação acerca da gestão dos assuntos públicos, de votar, de aceder a cargos políticos, de petição e acção popular (artigo 48.º. e seguintes). E são também eles que gozam do direito de pré-iniciativa de referendo nacional e regional (artigo 115.º, n.º. 2), de propor candidaturas a Presidente da República e aos órgãos do poder local (artigos 124.º e 239.º, n.º. 4), de iniciativa legislativa (artigo 167.º, n.º. 1) e de iniciativa de referendo local (artigo 240.º, n.º. 2).
Mas a universal e igual atribuição de direitos de manifestação da soberania popular (artigo 10.º) não tolhe a promoção da igualdade no exercício dos mesmos direitos - assim como a igualdade perante a lei (artigo 13.º) não se queda diminuída pela promoção da igualdade real (artigos 9.º, alínea d), 81.º, alínea b) ou 104.º, n.º 1), ou pelo mandado de desenvolvimento harmonioso de todas as regiões e de correcção das desigualdades derivadas da insularidade (artigos 81.º, alínea d), e 229.º, n.º. 1).
Mais ainda a ideia de igualdade efectiva em qualquer dos campos acabados de mencionar pode ou deve considerar-se requerida pela própria ideia de igualdade jurídica, pela necessidade de lhe buscar um conteúdo efectivo; e, mesmo quando envolve a concessão de certos direitos ou de certas vantagens a determinadas pessoas - as que se acham em situações de inferioridade, de carência ou de menor protecção - a diferenciação está ao serviço da igualdade, oferece-se instrumental para este fim.
A representação política moderna estreia-se na universalidade e unidade da cidadania, na unidade do povo ou comunidade política, acima de quaisquer categorias ou qualidades particulares de representados e de representantes.
No entanto, isso não impede que se considerem medidas, directas ou indirectas, tendentes a dar aos órgãos representativos uma representação equilibrada de homens e mulheres - sendo esta divisão inerente às pessoas humanas - de tal sorte que a soberania do povo se traduza em cidadania assumida em plenitude por todos os seus membros, homens e mulheres.
Não está em causa o direito de eleger ou o direito de ser eleito. Só estão em causa os requisitos de legitimidade procedimental para a sua propositura, o que é muito diferente. Nem se trata de fraccionar, e tão somente de reforçar a unidade política. Tudo está em que os preceitos legais sejam tomados estritamente em vista desse objectivo e só pelo tempo estritamente necessário, confiando-se depois na dinâmica social e cultural que se venha a desenvolver. Não se trata de segregar, mas, pelo contrário, de integrar.
A Constituição continua, seguramente, a não permitir que se estabeleçam restrições tanto ao princípio da unidade e universalidade indivisível do sufrágio activo como ao princípio do mandato representativo, que constituem a base da democracia representativa e que nada no artigo 109.º autoriza a excepcionar. Pode haver limites máximos ou mí

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nimos quanto à participação de homens e mulheres, em função do sexo; não pode haver divisão dos eleitores, nem discriminação funcional de mandatos de acordo com esse factor.
Os eleitores votam em todos os candidatos independentemente do sexo; os representantes representam todos os cidadãos independentemente do sexo.
Não pode haver representação separada dos sexos, tal como não pode haver representação separada de grupos económicos, sociais, étnicos, religiosos ou territoriais.
Por isso, também não teriam cabimento constitucional entre nós propostas mais radicais tendentes a uma espécie de "democracia paralela", um apartheid sexual de representação política (duas componentes iguais e separadas), com colégios eleitorais distintos, candidaturas paralelas e constituição fraccionada das assembleias representativas. A democracia representativa pode e deve ser equilibradamente participada por cidadãos e cidadãs. Mas não pode ser fraccionada numa democracia masculina e numa democracia feminina. Do que se cuida é de uma democracia compartilhada e não de uma democracia dividida, mesmo se, quantitativamente, "paritária".
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º

As listas de candidatura apresentadas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a promover a paridade entre homens e mulheres.

Artigo 2.º

Entende-se por paridade, para efeitos de aplicação do presente diploma, a representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos para as listas.

Artigo 3.º

1 - Para cumprimento do disposto no artigo anterior da presente lei, as listas apresentadas para círculos plurinominais não podem conter, sucessivamente, mais de dois candidatos do mesmo sexo colocados, consecutivamente, na ordenação da lista.
2 - Nas eleições em que haja círculos uninominais, a totalidade de candidatos efectivos e suplentes no conjunto do círculo parcial e respectivos círculos uninominais, têm de assegurar a representação mínima de cada um dos sexos prevista no artigo 2.º.
3 - No caso de uma lista não observar o disposto no presente diploma, o mandatário é notificado, nos termos fixados na lei eleitoral aplicável, para proceder à sua correcção, no prazo estabelecido na mesma lei, sob pena de rejeição da lista em causa.
4 - Excepciona-se do disposto no artigo 2.º a composição das listas para os órgãos das freguesias com 500 ou menos eleitores e para os órgãos dos municípios com 5000 ou menos eleitores.

Artigo 4.º

Efectuadas as eleições para os órgãos mencionados no presente diploma, as substituições dos eleitos devem garantir a paridade fixada no artigo 2.º.

Artigo 5.º

A avaliação do impacto resultante da aplicação da presente lei na construção da paridade será objecto de relatório do Governo, elaborado no final de cada legislatura, que o enviará à Assembleia da República.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 21 de Junho de 2000. O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres - O Ministro da Presidência, Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - O Ministro Adjunto, Fernando Manuel dos Santos Gomes - O Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, Alberto de Sousa Martins - A Ministra para a Igualdade, Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina.

PROPOSTA DE LEI N.º 41/VIII
AUTORIZA O GOVERNO A ALTERAR O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 78/87, DE 17 DE FEVEREIRO, ALTERADO PELOS DECRETOS-LEI N.º 387-E/87, DE 29 DE DEZEMBRO, N.º 212/89, DE 30 DE JUNHO, N.º 317/95, DE 28 DE NOVEMBRO, E PELA LEI N.º 59/98, DE 25 DE AGOSTO

Exposição de motivos

1 - Pretende ajustar-se o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.º 387-E/87, de 29 de Dezembro, n.º 212/89, de 30 de Junho, n.º 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a uma das prioridades da política de Justiça, a saber, o combate à morosidade processual.
2 - A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem algumas causas de morosidade processual, que comprometem a eficácia do direito penal e o direito do arguido "ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa", nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tornando-se, assim, imperioso efectuar algumas alterações no processo penal de forma a alcançar tais objectivos.
3 - Para a consecução de tais desígnios introduz-se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha, ou, caso residam ou forem residir para fora da comarca onde o processo corre, uma pessoa que residindo nesta, tome o encargo de receber as notificações que lhes devam ser feitas, e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou a sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
Nestes casos o distribuidor do serviço postal deposita o expediente na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada na data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.

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Com efeito, nestas situações não se justifica a necessidade de notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência ( artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha ou, caso resida ou for residir para fora da comarca onde o processo corre, uma pessoa que residindo nesta, tome o encargo de receber as notificações que lhe devam ser feitas (artigo 196.º, n.º 2 ). Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coacção justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas próprias notificações.
4 - Afigura-se ainda oportuno limitar o número de testemunhas no processo comum e abreviado, permitindo-se que tal limite seja ultrapassado, em casos devidamente fundamentados, ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material.
5 - Atendendo ao facto de uma das principais causas de morosidade processual residir nos sucessivos adiamentos das audiências de julgamento por falta de comparência do arguido, limitam-se os casos de adiamento da audiência em virtude dessa falta, nomeadamente quando aquele foi regularmente notificado.
Com efeito, a posição do arguido no processo penal é protegida pelo princípio da presunção de inocência, prevista no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, que surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo, o qual implica a absolvição do arguido no caso do juiz não ter certeza sobre a prática dos factos que subjazem à acusação.
Se o arguido já beneficia deste regime processual especial, não pode permitir-se a sua total desresponsabilização em relação ao andamento do processo ou, ao seu julgamento, razão que possibilita, por um lado, a introdução da modalidade de notificação por via postal simples, nos termos acima expostos e, por outro, permite que o tribunal pondere a necessidade da presença do arguido na audiência, só a podendo adiar nos casos em que aquele tenha sido regularmente notificado da mesma e a sua presença desde o início da audiência se afigure absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material.
Se o tribunal considerar que a presença do arguido desde o início da audiência não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material ou, se a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.os 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, podendo o tribunal inverter a ordem de produção de prova prevista no artigo 341.º, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes e as suas declarações documentadas, sem prejuízo da possibilidade de aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 117.º
A limitação da possibilidade de adiamento da audiência estende-se também aos casos de falta de comparência de qualquer pessoa cuja presença seja indispensável à boa decisão da causa ou seja imposta por força da lei ou de despacho do tribunal, caso em que igualmente se permite a inquirição ou audição das pessoas presentes, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341.º, procedendo-se, no entanto, à documentação dos depoimentos ou esclarecimentos prestados.
6 - A introdução nos tribunais de equipamentos técnicos que permitem o recurso a meios de telecomunicação em tempo real, no decurso da audiência de julgamento, possibilita a previsão da tomada de declarações ao assistente, às partes civis, às testemunhas, aos peritos ou consultores técnicos, residentes noutra comarca, através da utilização dessa tecnologia, nomeadamente através da teleconferência, a ser solicitada ao juiz dessa comarca, evitando-se a deslocação das referidas pessoas, que tem frequentemente sido a causa da falta de comparência das mesmas.
7 - O tempo despendido na realização das perícias tem sido um dos grandes factores de entorpecimento do processo penal, situação que se verifica em virtude do grande número de pedidos que congestionam as entidades às quais a autoridade judiciária requer essas perícias, devido aos inúmeros pedidos que têm de atender.
Assim sendo, impõe-se a previsão da possibilidade dessas entidades puderem contratar terceiros para realizar as perícias que lhes são cometidas, de modo a cumprir os prazos estipulados pelo tribunal.
8 - No que diz respeito à instrução e ao julgamento dos processos sumários e abreviados, o despacho de pronúncia ou não pronúncia, e a sentença, serão proferidos no final do debate instrutório ou da audiência, respectivamente, sendo de imediato ditados para a acta, pois não existem motivos que justifiquem mais uma audiência só para efeitos de leitura do referido despacho ou da sentença.
O juiz de instrução criminal pode remeter a fundamentação do despacho de pronúncia para os factos e argumentos enunciados no despacho de acusação do Ministério Público ou na acusação apresentada pelo assistente, ao abrigo dos artigos 284.º ou 285.º
9 - Por fim, prevê-se a possibilidade dos acórdãos absolutórios enunciados na alínea d) do n.º 1 do artigo 400.º, que confirmem decisão de 1ª instância sem qualquer declaração de voto, poderem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida, pois esta já fornecerá todos os elementos indispensáveis à tomada da decisão.
10 - Foram ouvidos o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público, a Ordem dos Advogados, a Associação Sindical dos Juizes Portugueses e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º
Objecto

Fica o Governo autorizado a rever o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.º 387-E/87, de 29 de Dezembro, n.º 212/89, de 30 de Junho, e n.º 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, sendo o sentido e a extensão das alterações a introduzir, em matérias abrangidas pela reserva de competência legislativa da Assembleia, os constantes dos artigos subsequentes.

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Artigo 2.º
Notificações por via postal simples

1 - Fica o Governo autorizado a prever a notificação do arguido, do assistente e das partes civis mediante via postal simples, nos casos em que aqueles já tenham indicado à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha ou, caso residam ou forem residir para fora da comarca onde o processo corre, uma pessoa que residindo nesta, tome o encargo de receber as notificações que lhes devam ser feitas.
2 - Nos casos referidos no número anterior, o distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse depósito, e enviá-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada na data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.

Artigo 3.º
Limitação do número de testemunhas

Em processo comum e abreviado, prever a limitação do rol a 20 testemunhas, podendo tal limite ser ultrapassado desde que a prestação de depoimentos se afigure necessária à descoberta da verdade material, designadamente quando tiver sido praticado algum dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º ou se o processo se revelar de excepcional complexidade, devido ao número de arguidos ou ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

Artigo 4.º
Limitação dos casos de adiamento da audiência de julgamento

1 - A falta de comparência de pessoa que não possa ser de imediato substituída e de cuja presença não se prescinda ou que seja indispensável à boa decisão da causa ou cuja presença seja imposta por força da lei ou de despacho do tribunal, não determina o adiamento da audiência, sendo todas as outras pessoas inquiridas ou ouvidas, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341.º.
2 - As declarações referidas no número anterior serão documentadas, e ao caso nele previsto não se aplica o artigo 328.º, n.º 6.

Artigo 5.º
Realização da audiência na ausência do arguido

1 - Se o arguido, regularmente notificado, não estiver presente na hora do início da audiência:

a) O presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e, a audiência de julgamento só será adiada se o tribunal considerar absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência;
b) Se o tribunal considerar que a presença do arguido desde o início da audiência não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, ou se a falta do arguido for justificada, ao abrigo dos n.os 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas as testemunhas e ouvidos o assistente, os peritos ou consultores técnicos ou as partes civis presentes.

2 - As declarações referidas no número anterior serão documentadas, e ao caso nele previsto não se aplica o artigo 328.º, n.º 6.

Artigo 6.º
Meios de comunicação

Permite-se o alargamento da utilização dos meios de telecomunicação em tempo real à tomada de declarações ao assistente, às partes civis, às testemunhas, aos peritos ou consultores técnicos, residentes noutra comarca, a ser solicitada ao juiz dessa comarca, e ainda o recurso à teleconferência para ouvir os peritos ou consultores técnicos, nos próprios locais de trabalho, sempre que estes disponham dessa tecnologia.

Artigo 7.º
Perícias

As perícias requisitadas às diversas entidades devem ser cumpridas dentro do prazo fixado pela autoridade judiciária, prevendo-se:

a) A possibilidade destas assegurarem o cumprimento desse prazo através da contratação de entidades terceiras, que não tenham qualquer interesse na decisão final ou ligação com o assistente ou com o arguido;
b) A necessidade de comunicação da impossibilidade de cumprimento do prazo fixado pela autoridade judiciária, para que esta possa determinar a eventual designação de novo perito.

Artigo 8.º
Despacho de pronúncia ou de não pronúncia

Encerrado o debate instrutório, o despacho de pronúncia ou de não pronúncia é logo proferido verbalmente e ditado para acta, considerando-se notificado aos presentes, podendo o despacho de pronúncia remeter a sua fundamentação para as razões de facto e de direito enunciadas no despacho de acusação do Ministério Público ou, na acusação apresentada pelo assistente ao abrigo dos artigos 284.º ou 285.º.

Artigo 9.º
Sentença nos processos sumários e abreviados

No final da audiência de julgamento dos processos sumários e abreviados, é logo proferida sentença verbalmente e ditada para a acta.

Artigo 10.º
Recursos

Os acórdãos absolutórios enunciados na alínea d) do n.º 1 do artigo 400.º, que confirmem decisão de 1ª instância sem qualquer declaração de voto, podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida.

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Artigo 11.º
Duração

A autorização concedida pela presente lei caduca no prazo de 120 dias.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 7 de Julho de 2000. O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres - O Ministro da Presidência, Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - O Ministro da Justiça, António Luís Santos da Costa.

Anexo

No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo ..... da Lei n.º ......, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.º
Alterações ao Código de Processo Penal

Os artigos 113.º, 145.º, 158.º, 196.º, 277.º, 283.º, 284.º, 285.º, 307.º, 313.º, 315.º, 316.º, 317.º, 318.º, 328.º, 331.º, 332.º, 333.º, 334.º, 335.º, 350.º, 364.º, 386.º, 389.º, 391.º-E e 425.º, do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho, n.º 387-E/87, de 29 de Dezembro, n.º 387 E/87, de 29 de Dezembro, e n.º 317/95, de 28 de Novembro, e Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 113.º
(...)

1 - (...)

a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)

2 - Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.
3 - Quando efectuadas por via postal simples, o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada na data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
4 - ( anterior n.º 3 ).
5 - ( anterior n.º 4 ).
6 - ( anterior n.º 5 ).
7 - ( anterior n.º 6 ).
8 - ( anterior n.º 7 ).
9 - ( anterior n.º 8 ).
10 - ( anterior n.º 9 ).
11 - ( anterior n.º 10 ).

Artigo 145.º
Declarações e notificações do assistente e das partes civis

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - Para o efeito de serem notificados, o assistente ou as partes civis indicarão a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha, ou se residirem ou forem residir para fora da comarca onde o processo corre, devem indicar pessoa que, residindo nesta, tome o encargo de receber as notificações que lhe devam ser feitas.
6 - A indicação de local para efeitos de notificação, nos termos do número anterior, é acompanhada da advertência ao assistente ou às partes civis de que a mudança da morada indicada deve ser comunicada através da entrega de requerimento ou a sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.

Artigo 158.º
(...)

1 - ( anterior proémio do artigo )

a) (...)
b) (...)

2 - Os peritos dos estabelecimentos, laboratórios ou serviços oficiais são ouvidos por teleconferência a partir do seu local de trabalho, sempre que tal seja tecnicamente possível, sendo tão só necessária a notificação do dia e da hora a que se procederá à sua audição.

Artigo 196.º
(...)

1 - (...)
2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Se o arguido residir ou for residir para fora da comarca onde o processo corre, deve indicar pessoa que, residindo nesta, tome o encargo de receber as notificações que lhe devam ser feitas.
3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:

a) (...)
b) (...)
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar

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1895 | II Série A - Número 059 | 15 de Julho de 2000

 

presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º

4 - (...)

Artigo 277.º
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - As comunicações a que se refere o número anterior efectuam-se:

a) Por notificação mediante contacto pessoal ou via postal registada ao assistente e ao arguido, excepto se estes tiverem indicado um local determinado para efeitos de notificação por via postal simples, nos termos dos artigos 145.º, n.os 5 e 6, e 196.º, n.os 2 e 3, alínea c), e não tenham entretanto indicado uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento;
b) Por editais, se o arguido não tiver defensor nomeado ou advogado constituído e não for possível a sua notificação mediante contacto pessoal, via postal registada ou simples, nos termos previstos na alínea anterior;
c) (anterior alínea b));
d) (anterior alínea c)).

Artigo 283.º
( ...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)

a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respectiva identificação e, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no artigo 128.º, n.º 2, as quais não podem exceder o número de cinco;
e) (...)
f) (...)
g) (...)

4 - (...)
5 - (...)
6 - As comunicações a que se refere o número anterior efectuam-se mediante contacto pessoal ou por via postal registada, excepto se o arguido e o assistente tiverem indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos do artigo 113.º, n.º 1, alínea c).
7 - O limite do número de testemunhas previsto na alínea d) do n.º 3 pode ser ultrapassado desde que tal se afigure necessário para a descoberta da verdade material, designadamente quando tiver sido praticado algum dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º ou se o processo se revelar de excepcional complexidade, devido ao número de arguidos ou ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

Artigo 284.º
(...)

1 - (...)
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 7 do artigo anterior, com as seguintes modificações:

a) (...)
b) (...)

Artigo 285.º
(...)

1 - (...)
2 - É correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto no artigo 283.º, n.os 3 e 7.
3 - (...)

Artigo 307.º
(...)

1 - Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, sendo logo proferido verbalmente e ditado para acta, considerando-se notificado aos presentes, podendo no primeiro caso remeter a fundamentação para as razões de facto e de direito enunciadas no despacho de acusação pelo Ministério Público, ou na acusação apresentada pelo assistente ao abrigo dos artigos 284.º ou 285.º
2 - (...)
3 - ( anterior n.º 4 )
4 - ( anterior n.º 5 )
5 - ( anterior n.º 6 )

Artigo 313.º
(...)

1 - (...)

a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)

2 - O despacho, acompanhado da cópia da acusação ou da pronúncia, é notificado ao Ministério Público, bem como ao arguido e seu defensor, ao assistente, às partes civis e aos seus representantes, pelo menos 30 dias antes da data fixada para a audiência.
3 - A notificação do arguido e do assistente ao abrigo do número anterior, tem lugar nos termos do artigo 113.º, n.º 1, alíneas a) e b), excepto quando aqueles tiverem indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no

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1896 | II Série A - Número 059 | 15 de Julho de 2000

 

inquérito ou na instrução, e nunca tiverem comunicado a alteração da mesma através de carta registada, caso em que a notificação é feita mediante via postal simples, nos termos do artigo 113.º, n.º 1, alínea c).
4 - ( anterior n.º 3 )

Artigo 315.º
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - Ao rol de testemunhas é aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea d), e n.º 7.

Artigo 316.º
(...)

1 - O Ministério Público, o assistente, o arguido ou as partes civis podem alterar o rol de testemunhas, inclusivamente requerendo a inquirição para além do limite legal, nos casos previstos no n.º 7 do artigo 283.º, contanto que o adicionamento ou a alteração requeridos possam ser comunicados aos outros até três dias antes da data fixada para a audiência.
2 - (...)
3 - (...)

Artigo 317.º
(...)

1 - As testemunhas, os peritos e os consultores técnicos indicados por quem se não tiver comprometido a apresentá-los na audiência são notificados para comparência, excepto os peritos dos estabelecimentos, laboratórios ou serviços oficiais apropriados, os quais são ouvidos por teleconferência a partir do seu local de trabalho, sempre que tal seja tecnicamente possível, sendo tão só necessária a notificação do dia e da hora a que se procederá à sua audição.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)
7 - (...)

Artigo 318.º
(...)

1 - Excepcionalmente, a tomada de declarações ao assistente, às partes civis, às testemunhas, a peritos ou a consultores técnicos pode, oficiosamente ou a requerimento, não ser prestada presencialmente, podendo ser solicitada pelo presidente ao juiz de outra comarca, por meio adequado de comunicação, nos termos do artigo 111.º, se:

a) (...)
b) (...)
c) (...)

2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - A tomada de declarações realiza-se em simultâneo com a audiência de julgamento, com recurso a meios de telecomunicação em tempo real.
6 - (...)
7 - (...)

Artigo 328.º
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)

a) Faltar ou ficar impossibilitada de participar pessoa que não possa ser de imediato substituída e cuja presença seja indispensável, por força da lei ou de despacho do tribunal, excepto se estiverem presentes outras pessoas, caso em que se procederá à sua inquirição ou audição, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341.º, sendo as suas declarações documentadas;
b) (...)
c) (...)
d) (...)

4 - (...)
5 - Salvo o caso previsto no n.º 3, alínea a), o adiamento por tempo superior ao referido no número anterior é sempre precedido de despacho do presidente. Retomada a audiência, o tribunal oficiosamente ou a requerimento, decide de imediato se alguns dos actos já realizados devem ser repetidos.
6 - (...)
7 - (...)

Artigo 331.º
(...)

1 - (...)
2 - Se o presidente, oficiosamente ou a requerimento, decidir, por despacho, que a presença de alguma das pessoas mencionadas no número anterior é indispensável à boa decisão da causa e não for previsível a obtenção do seu comparecimento com a simples interrupção da audiência, são inquiridas as testemunhas e ouvidos o assistente, os peritos ou consultores técnicos ou as partes civis presentes, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341.º, sendo documentados os depoimentos ou esclarecimentos prestados.
3 - (...)

Artigo 332.º
(...)

1 - É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos 333.º, n.os 1 e 2, e 334.º, n.os 1 e 2.
2 - (...)

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1897 | II Série A - Número 059 | 15 de Julho de 2000

 

3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)
7 - (...)
8 -(...)

Artigo 333.º
(...)

1 - Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.
2 - Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.os 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas as testemunhas, ouvidos o assistente, os peritos ou consultores técnicos ou as partes civis presentes, alterando-se a ordem de produção de prova referida no artigo 341.º, sendo as suas declarações documentadas, podendo aplicar-se o disposto no n.º 6 do artigo 117.º
3 - (...)
4 - No caso previsto no n.º 1, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.
5 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 116.º, n.os 1 e 2, 254.º e nos n.os 4 e 5 do artigo seguinte.

Artigo 334.º
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - ( anterior n.º 4)
4 - ( anterior n.º 6)
5 - ( anterior n.º 7)
6 - Fora dos casos previstos nos n.os 1 e 2, a sentença é notificada ao arguido que foi julgado como ausente logo que seja detido ou se apresente voluntariamente.
7 - ( anterior n.º 9)

Artigo 335.º
(...)

1 - Fora dos casos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo anterior, se, depois de realizadas as diligências necessárias à notificação a que se refere o artigo 313.º, n.os 2 e primeira parte do n.º 3, não for possível notificar o arguido do despacho que designa dia para a audiência, ou executar a detenção ou a prisão preventiva referidas nos artigos 116.º, n.º 2, e 254.º, ou consequentes a uma evasão, o arguido é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)

Artigo 350.º
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - Os peritos dos estabelecimentos, laboratórios ou serviços oficiais são ouvidos por teleconferência a partir do seu local de trabalho, sempre que tal seja tecnicamente possível, sendo tão só necessária a notificação do dia e da hora a que se procederá à sua audição.

Artigo 364.º
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - Quando a audiência se realizar na ausência do arguido, nos termos do artigo 333.º, n.os 1 ou 4, as declarações prestadas oralmente são sempre documentadas.
4 - (...)

Artigo 386.º
(...)

1 - (...)

a) (...)
b) (anterior alínea c))

2 - (...)
3 - Se faltarem testemunhas de que o Ministério Público, o assistente ou o arguido não prescindam, a audiência não é adiada, sendo inquiridas as testemunhas presentes e as suas declarações documentadas, mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova referida no artigo 341.º

Artigo 389.º
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)
7 - A sentença é logo proferida verbalmente e ditada para acta.

Artigo 391.º-E
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - A sentença é logo proferida verbalmente e ditada para acta.

Página 1898

1898 | II Série A - Número 059 | 15 de Julho de 2000

 

Artigo 425.º
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - Os acórdãos absolutórios enunciados no artigo 400.º, n.º 1, alínea d), que confirmem decisão de 1ª instância sem qualquer declaração de voto, podem limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.
6 - (anterior n.º 5)"

Artigo 2.º
Aditamento do artigo 160.º-A

Ao Código de Processo Penal é aditado o artigo 160.º-A, com a seguinte redacção:

"Artigo 160.º-A
(...)

1 - As perícias referidas nos artigos 152.º, 159.º e 160.º podem ser realizadas por entidades terceiras que para tanto tenham sido contratadas por quem as tivesse de realizar, desde que aquelas não tenham qualquer interesse na decisão a proferir ou ligação com o assistente ou com o arguido.
2 - Quando por razões técnicas ou de serviço, quem tiver de realizar a perícia não conseguir, por si ou através de entidades terceiras para tanto contratadas, observar o prazo determinado pela autoridade judiciária, deve imediatamente comunicar-lhe tal facto, para que esta possa determinar a eventual designação de novo perito.

Artigo 3.º
Norma revogatória

É revogado o artigo 380.º-A do Código de Processo Penal.

Artigo 4.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor em 1 de Janeiro de 2001.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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