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1228 | I Série - Número 028 | 25 de Janeiro de 2001

 

Nesta Convenção reconheceu-se "que a dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo" e que "a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão".
O reconhecimento dos direitos fundamentais e a sua defesa intransigente tem vindo cada vez mais, nas últimas décadas, a ser considerada a marca das comunidades civilizadas.
Esta Convenção veio contribuir para o desenvolvimento de um conjunto de medidas destinadas a assegurar o respeito pela criança, enquanto ser humano que carece de uma protecção especial.
Os maus tratos às crianças no contexto familiar são uma realidade. A natureza privada do espaço "familiar" prejudica, contudo, o conhecimento do fenómeno na sua verdadeira extensão. É hoje reconhecido, no entanto, que é nesse espaço que os maus tratos são mais frequentes e perigosos.
Todos os estudos realizados, quer no nosso país quer no estrangeiro, concluem no sentido de que o abuso sexual da criança é uma forma particular de maus tratos que assume enorme gravidade, sobretudo se tiver lugar dentro da família.
Consciente desta realidade, a própria Convenção sobre os Direitos da Criança, noutro mesmo preceito - artigo 19.° -, prevê todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, incluindo a violência sexual, enquanto a criança se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada.
Também a União Europeia tem vindo a dar cada vez maior importância a esta problemática, sendo várias as recomendações e as resoluções sobre as medidas a adoptar em situações de violência familiar, patentes, designadamente, nos programas adoptados para combater este fenómeno.
Em Portugal a situação das crianças vítimas de maus tratos tem vindo a merecer a atenção da comunidade social e científica, sobretudo a partir da década de 80, e a ocupar o legislador, que, pela primeira vez, em 1982 introduziu no Código Penal o crime de maus tratos em menor, atribuindo-lhe, desde então, natureza pública.
Aquando da revisão do Código Penal em 1995 houve a preocupação de aumentar as penas correspondentes aos crimes de abuso sexual de crianças e procurou-se melhorar a sua sistemática.
Todavia, a par do reconhecimento da gravidade deste tipo de infracções que conduziu a uma mais gravosa punição, assistiu-se a um movimento no sentido de conferir à vítima do crime sexual o direito de dar início ao procedimento criminal, conferindo natureza semi-pública a todos os crimes sexuais.
Sucede, porém, que o que será adequado para o adulto não o é seguramente para uma criança, sobretudo se o agente da infracção é justamente o representante legal.
Ou seja, nos casos em que a criança é vítima de abuso por parte do pai ou do padrasto ou do companheiro da mãe fica quase sempre inteiramente desprotegida, visto que, sendo o pai o abusador, a mãe, muitas vezes também ela vítima de violência conjugal, não apresenta queixa.
Nestes casos a família constrói um muro de silêncio, não chegando ao conhecimento do Ministério Público que a criança é vítima de abuso sexual.
A vida tem vindo a demonstrar que são escassos os casos em que o mecanismo introduzido pela Lei n.° 65/98, de 2 de Setembro (n.° 2 do artigo 178.° do Código Penal), é eficaz, precisamente porque são inúmeros os casos em que o Ministério Público não tem sequer notícia da infracção.
Os factos chegam por vezes ao Tribunal de Família e Menores muito tempo após a prática do crime, quando os indícios já são frágeis e quando as suas consequências são já enormes e extraordinariamente perversas.
Há casos de pais que praticaram a violação sucessiva das filhas, sempre impunemente.
Como afirma a Magistrada Dulce Rocha, "nos casos em que o agressor é o pai, ou o padrasto ou o companheiro da mãe, o abuso sexual continua, entre nós, a ficar impunemente silenciado. É um crime cujas consequências irão repercutir-se, de forma devastadora e dramática, durante muito tempo na vida das vítimas".
A impunidade põe em causa os fins das penas de prevenção geral, de prevenção especial e de punição e gera um sentimento acrescido na vítima que cresce sem afecto, sem tranquilidade e com enorme revolta.
São crianças e adolescentes cuja auto-estima os impede de desenvolver-se de uma forma saudável, cujo equilíbrio emocional se encontra abalado. Psicologicamente destruídos quando adultos, muitas vezes não conseguem estabelecer relações afectivas profundas e gratificantes.
Para o psicanalista João Seabra Diniz, "quando uma criança é vítima de abuso sexual por parte de um adulto é todo o delicado complexo processo de crescimento que entra em ruptura de uma forma brutal; a diferença das gerações é traumaticamente anulada; a capacidade de intimidade destruída; a liberdade de fantasiar é drasticamente impedida pela violência daquela experiência imposta. Um adulto violador é um falso adulto, que atraiçoa a criança com a sua patologia, quando o que mais importava era que a apoiasse com a sua maturidade. Quando se dá este abuso sexual da criança as referências simbólicas fundamentais para a sua evolução ficam comprometidas".
Importa, ainda, salientar que os dados fornecidos por entidades públicas e privadas - Instituto de Medicina Legal do Porto e Associação Portuguesa de Apoio à Vítima - apontam para um aumento deste tipo de crimes, sendo certo que todos os estudos efectuados são conclusivos no sentido de que cerca de 90% dos abusos sexuais de crianças são perpetrados dentro da família.
Houve ainda um dado surpreendente que não pode ser ignorado e que consiste no facto de um número significativo de crianças vítimas de abuso sexual terem idades muito baixas, sendo certo que nas crianças com idade inferior a 12 anos são causadas com frequência lesões graves devido ao facto dos órgãos genitais não terem atingido o seu pleno desenvolvimento, o que se associa a um grande sofrimento e exige que o Estado não possa alhear-se em caso algum destas situações.
De realçar, ainda, o facto de no estudo encomendado sobre esta matéria pela Assembleia da República ao Centro de Estudos Judiciários, e realizado por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, se afirmar que se verifica no abuso sexual o prolongamento dos estereótipos de género.
Por todos estes fundamentos, embora continue a admitir-se que o crime de abuso sexual de crianças possa ter natureza semi-pública, quando o agente seja elemento exterior à família, razões de política criminal aconselham que todos os

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