O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0181 | II Série A - Número 012 | 02 de Novembro de 2001

 

Nos países de trânsito e de destino, o tráfico de seres humanos mantém a sua natureza de logro e de exploração económica, mas ganha um carácter particularmente violento. Existem intermediários ou grupos de extorsão que lucram ou obtêm outros tipos de proveitos através do uso do engano, da ameaça, da força, da coacção e de violência, explorando o/a imigrante das mais variadas formas, mantendo-o/a engajado/a utilizando os mais variados métodos como a apreensão de passaportes, ameaças físicas e morais e o sequestro, ou através de cobrança de dívidas que são constantemente contraídas - uma espécie de "servidão por dívidas"-, submetendo-os/as a situações de escravatura, e em condições que representam uma clara violação de direitos humanos fundamentais, salvaguardados em diversos instrumentos internacionais (Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948; Convenção Internacional Para a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Imigrantes e Seus Familiares, 1990; Convenção Suplementar Sobre a Abolição da Escravatura, o Tráfico de Escravos e as Práticas Análogas à Escravatura, 1956) e na Constituição da República Portuguesa.
O tráfico de pessoas com vista à sua exploração sexual passa pelos mesmos métodos referidos, embora possa caracterizar-se por uma violência e exploração particularmente brutal. Muitas das vítimas (na sua maior parte mulheres) podem ser repetidamente sujeitas a violações e práticas sexuais desumanas. Para além disso, os dividendos retirados da sua exploração são muito maiores: estudos indicam que uma imigrante apanhada numa rede de prostituição não chega, muitas vezes, a receber o seu salário e pode ser sucessivamente vendida.
O "engajamento" do/a imigrante pode envolver não só imigrantes que foram recrutados/as nos países de origem, sob a promessa de trabalho bem pago, mas também imigrantes que viajaram à margem das redes de tráfico, mas que são recrutados/as nos países de destino, com base em falsas promessas ou através da ameaça e da coacção. As redes procuram assim tirar proveito de situações de vulnerabilidade de imigrantes que se encontram isolados/as num território que não lhes é familiar, pois mal conhecem a linguagem, a cultura local e o sistema legal do País, e que, acima de tudo, precisam de trabalho para sobreviver. Os/as imigrantes ficam, assim, facilmente dependentes de engajadores.
A tendência actual é para o crescimento das actividades associadas ao trafficking, já que é mais rentável transportar um/a trabalhador/a que reembolsará o preço da sua viagem ao longo dos anos. E é neste tipo de crime que estão envolvidas as redes mais sofisticadas, que mais exploram a vítima e que têm uma acção que, pela sua natureza, é mais gravosa pelo nível de violência e exploração que a caracterizam. No entanto, no quadro legislativo português, as actividades penalizadas são as que estão associadas ao smuggling, aqui encarado apenas enquanto crime de "auxílio à imigração ilegal", e as associadas ao trafficking, mas apenas quando ligadas à prostituição.

Definições legais
As disposições legais sobre tráfico de pessoas, previstas nos instrumentos legais internacionais mais importantes dos quais Portugal é signatário e na legislação portuguesa, restringem a definição deste tipo de crime às actividades associadas à exploração sexual (Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrém, de 1949; Acção Comum do Conselho da União Europeia, relativa à acção contra o tráfico de seres humanos e a exploração sexual de crianças; Código Penal - artigo 169.º e artigo 176.º). No entanto, e na perspectiva da Organização Internacional para as Migrações sobre o problema, embora mulheres e crianças estejam particularmente vulneráveis a este tipo de crime, especialmente nos casos de tráfico com vista à exploração sexual, a verdade é que a exploração e a violação de direitos humanos fundamentais afecta, quer homens quer mulheres imigrantes. Em Portugal, é conhecido o recente florescimento das redes de tráfico de imigração clandestina oriunda dos países de leste, que têm apostado na exploração de mão-de-obra masculina destinada à construção civil e de mão-de-obra feminina para a prostituição. Ao que tudo indica, estas redes investem primeiro na exploração do trabalho masculino na construção civil, e só quando estão mais implantadas no território é que vão avançando para a exploração sexual de mulheres.
Por outro lado, a legislação portuguesa prevê o crime de "auxílio à imigração ilegal", onde a tónica é colocada na criminalização do acto de "favorecer ou facilitar (...) a entrada irregular de cidadão estrangeiro em território nacional" (Artigo 134.º do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro), adoptando essencialmente o ponto de vista do controlo das fronteiras. Neste contexto, o quadro legislativo português acaba por revelar-se desadequado à realidade actual do Tráfico de Seres Humanos desvalorizando (excepto no caso do tráfico de pessoas com vista à sua exploração sexual) a exploração que está associada a este tipo de negócio.
O documento de síntese apresentado por Willy Bruggeman na Conferência Europeia sobre Tráfico de Mulheres, realizada em Viena, a 10 e 11 de Junho de 1996 e organizada pela Comissão Europeia conjuntamente com a Organização Internacional para Migrações, aponta a importância de definir bem a natureza deste tipo de crime. Considera que não é a ausência de consentimento o elemento essencial da definição do tráfico de seres humanos, mas sim a situação de exploração baseada num "jogo de forças" desigual no contexto de uma relação entre o explorador e a vítima. A gravidade do crime deverá então ser avaliada a partir do facto de o agente tirar proveito de uma relação de forças desequilibrada e dos danos causados à vítima. No entanto, esta tónica na exploração e na violação de direitos humanos não está clarificada no chamado crime de "auxílio à imigração ilegal". O centro do problema está então no uso da força e do engano, segundo conclusões da Conferência de Utrecht sobre o Tráfico de Pessoas, realizada em 1994.

A protecção à vítima e o combate ao tráfico de pessoas
Segundo os dados das "Estatísticas da Justiça de 1998" foram condenadas, em 1998, três pessoas por crimes de tráfico de pessoas e lenocínio, num total de nove processos, não sendo certo que algum desses corresponda a condenação por tráfico de pessoas. Embora haja poucos dados sobre a dimensão do fenómeno, estes indicadores são pouco encorajadores quanto à eficácia do combate ao tráfico de pessoas.
O modelo repressivo de controlo de fronteiras acaba por influenciar a política de combate ao tráfico de seres humanos (assim como a concretização desta política) que está muito mais centrada no combate ao auxílio à imigração ilegal do que na criminalização da exploração associada a este tipo de tráfico e na protecção da vítima. O Relatório de Segurança Interna de 2000 ilustra bem este facto ao referir 103 inquéritos/processos crime e 56 detenções relacionados com os crimes de auxílio à imigração ilegal e falsificação

Páginas Relacionadas
Página 0184:
0184 | II Série A - Número 012 | 02 de Novembro de 2001   Artigo 9.º (Med
Pág.Página 184