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Sexta-Feira, 2 de Novembro de 2001 II Série-A - Número 12

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

S U M Á R I O

Resolução:
Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo da construção da União Europeia durante o ano de 2000.

Projectos de lei (n.os 514 a 517/VIII):
N.º 514/VIII - Medidas para a protecção da vítima de tráfico de seres humanos (apresentado pelo BE).
N.º 515/VIII - Altera a composição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, criado pela Lei n.º 14/90, de 9 de Junho (apresentado pelo PS).
N.º 516/VIII - Mecanismos de controlo à realização transparente de sondagens de opinião (apresentado pelo PSD).
- Texto e despacho n.º 114/VIII de admissibilidade.
N.º 517/VIII - Primeira alteração à Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (apresentado pelo PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).

Propostas de lei (n.os 82, 92, 93, 94 e 95/VIII):
N.º 82/VIII [Altera o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime geral das contra-ordenações), em matéria de prescrição]:
- Texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 92/VIII [Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (revoga o Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho)]:
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 93/VIII [Aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (revoga o Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril)]:
- Idem.
N.º 94/VIII (Estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira):
- Relatório de votação na especialidade e texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
- Proposta de alteração apresentada pelo PSD.
N.º 95/VIII [Lei da responsabilidade civil extracontratual do Estado (revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967)]:
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Proposta de resolução n.º 67/VIII (Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho, de 29 de Setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (2000/597/CE, EURATOM):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Europeus.
- Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

Rectificação:
- Ao suplemento ao n.º 6, de 15 de Outubro de 2001.

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RESOLUÇÃO
APRECIAÇÃO PARLAMENTAR DA PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NO PROCESSO DA CONSTRUÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA DURANTE O ANO DE 2000

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, o seguinte:

1 - Reafirmar o entendimento, já expresso em anteriores resoluções sobre estes relatórios, de que o Relatório do Governo acima citado deverá assumir um carácter eminentemente político ou, pelo menos, relevar a interpretação política das várias componentes.
2 - Registar o facto de se ter chegado na Conferência Intergovernamental concluída em Nice, em Dezembro, a um acordo sobre os temas pendentes de Amsterdão e sobre o desenvolvimento das cooperações reforçadas.
3 - Sublinhar que em Nice foi relançada a discussão sobre o futuro da Europa em que a Assembleia da República, órgão de soberania representativo de todos os cidadãos portugueses, não deixará de ter um papel relevante.
4 - Manifestar o apreço pelo desempenho da República Portuguesa durante a Presidência Portuguesa da União Europeia no 1.º semestre de 2000, e os contributos então dados para o desenvolvimento da União Europeia.
5 - Congratular-se com os passos dados no estabelecimento de um Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça e expressar a sua vontade de que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia venha a constituir um marco relevante na afirmação do respeito pelos Direitos Humanos no espaço europeu.
6 - Encorajar os progressos realizados no ano 2000 para a afirmação da União Europeia na cena das relações internacionais.
7 - Evidenciar a importância de que os fluxos financeiros colocados à disposição de Portugal no âmbito do QCA III contribuam decisivamente para o reforço da coesão nacional e para a diminuição significativa das disparidades regionais entre Portugal e a União Europeia.
8 - Afirmar a necessidade de o Relatório anual apresentado pelo Governo à Assembleia da República declarar explicitamente a natureza e os montantes de fluxos financeiros entre a União e o Estado português.

Aprovada em 18 de Outubro de 2001. - O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.

PROJECTO DE LEI N.º 514/VIII
MEDIDAS PARA A PROTECÇÃO DA VÍTIMA DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS

Fundamentação

O fenómeno do tráfico de seres humanos
De entre os 20/30 milhões de imigrantes clandestinos que se estima haver no mundo (três milhões na Europa) é difícil calcular quantos são vítimas de tráfico. Mas, segundo dados do Centro Internacional para o Desenvolvimento de Políticas Migratórias, pensa-se que as redes de tráfico de seres humanos podem obter, por ano, 15 mil milhões de dólares, constituindo assim um dos negócios mais lucrativos da actualidade. É uma das actividades criminosas mais rentáveis, implica baixos riscos e constitui uma actividade de traficância em clara proliferação na Europa, com o aumento da imigração clandestina.
As pessoas emigram por várias razões. Muitas procuram segurança, fugindo à guerra, à violência, à perseguição. Muitas outras procuram melhores condições de vida, fugindo a situações de calamidade provocadas por catástrofes naturais ou a situações de pobreza e miséria extrema - que são faces visíveis de uma ordem económica mundial dominada pela globalização neoliberal. Ao mesmo tempo, muitos Estados, muitos deles Estados da União Europeia, têm imposto políticas restritivas de controlo de fronteiras externas e de entrada de imigrantes. Em muitas partes do mundo e, especificamente, em Portugal, as possibilidades de imigração legal têm diminuído.
Face a este modelo restritivo de imigração, os imigrantes acabam por procurar canais clandestinos para entrar em países que têm falta de mão-de-obra (países de destino), situação esta que é aproveitada por redes de imigração clandestina, que têm adoptado modos de operar cada vez mais sofisticados e explorado novas rotas em função das variações deste tipo de "mercado". O número de países envolvidos tem aumentado, as rotas são cada vez mais diversificadas e o envolvimento da criminalidade individual e organizada é crescente. Há inclusive indicadores de que as redes de crime organizado tradicional (tráfico de drogas, tráfico de armas) começam a transferir a sua actividade para este tipo de tráfico.
O tráfico de seres humanos não é um acto isolado, mas sim um processo, através do qual se submetem as pessoas a um estado de servidão, no qual ficam encurraladas, através do engano, do uso da força e da coacção.
A ONU e, especificamente, a OIM distingue hoje dois tipos de tráfico:

- O trafficking, que consiste na exploração dos clandestinos num dado território;
- O smuggling, que se define exactamente pelo auxílio à entrada ilegal num dado país, pelo auxílio à transposição ilegal de fronteiras.

O processo de tráfico de seres humanos pode começar quando o imigrante é envolvido (recrutado, raptado, vendido, etc.) e/ou transportado, quer dentro de um dado Estado quer através de fronteiras internacionais. Neste contexto, no do smuggling, o nível de organização e estrutura pode variar. O recrutamento e os preparativos para a viagem podem verificar-se através de redes informais de amigos e familiares de imigrantes em países de origem, trânsito ou destino, ou através de pequenos operadores que providenciam aos imigrantes um serviço específico, como o transporte, de barco ou carrinhas, através das fronteiras.
No outro extremo da escala, no do tráfico em grande escala, existem redes de imigração clandestina com contactos em todo o mundo e que podem providenciar um leque variado de serviços, incluindo documentação falsa, alojamento, transporte ou até estratégias de fugir ao controlo fronteiriço. Os/as imigrantes, atraídos/as pela promessa de bons empregos e de altos rendimentos e sem estarem conscientes do logro e dos riscos que correm nos países de trânsito e de destino, são muitas vezes recrutados por agências, às quais pagam verbas elevadas. O logro refere-se não só à disponibilização de informação errada ou falsa, mas também ao abuso intencional que representa o facto de se tirar vantagem da desinformação do/a imigrante.

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Nos países de trânsito e de destino, o tráfico de seres humanos mantém a sua natureza de logro e de exploração económica, mas ganha um carácter particularmente violento. Existem intermediários ou grupos de extorsão que lucram ou obtêm outros tipos de proveitos através do uso do engano, da ameaça, da força, da coacção e de violência, explorando o/a imigrante das mais variadas formas, mantendo-o/a engajado/a utilizando os mais variados métodos como a apreensão de passaportes, ameaças físicas e morais e o sequestro, ou através de cobrança de dívidas que são constantemente contraídas - uma espécie de "servidão por dívidas"-, submetendo-os/as a situações de escravatura, e em condições que representam uma clara violação de direitos humanos fundamentais, salvaguardados em diversos instrumentos internacionais (Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948; Convenção Internacional Para a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Imigrantes e Seus Familiares, 1990; Convenção Suplementar Sobre a Abolição da Escravatura, o Tráfico de Escravos e as Práticas Análogas à Escravatura, 1956) e na Constituição da República Portuguesa.
O tráfico de pessoas com vista à sua exploração sexual passa pelos mesmos métodos referidos, embora possa caracterizar-se por uma violência e exploração particularmente brutal. Muitas das vítimas (na sua maior parte mulheres) podem ser repetidamente sujeitas a violações e práticas sexuais desumanas. Para além disso, os dividendos retirados da sua exploração são muito maiores: estudos indicam que uma imigrante apanhada numa rede de prostituição não chega, muitas vezes, a receber o seu salário e pode ser sucessivamente vendida.
O "engajamento" do/a imigrante pode envolver não só imigrantes que foram recrutados/as nos países de origem, sob a promessa de trabalho bem pago, mas também imigrantes que viajaram à margem das redes de tráfico, mas que são recrutados/as nos países de destino, com base em falsas promessas ou através da ameaça e da coacção. As redes procuram assim tirar proveito de situações de vulnerabilidade de imigrantes que se encontram isolados/as num território que não lhes é familiar, pois mal conhecem a linguagem, a cultura local e o sistema legal do País, e que, acima de tudo, precisam de trabalho para sobreviver. Os/as imigrantes ficam, assim, facilmente dependentes de engajadores.
A tendência actual é para o crescimento das actividades associadas ao trafficking, já que é mais rentável transportar um/a trabalhador/a que reembolsará o preço da sua viagem ao longo dos anos. E é neste tipo de crime que estão envolvidas as redes mais sofisticadas, que mais exploram a vítima e que têm uma acção que, pela sua natureza, é mais gravosa pelo nível de violência e exploração que a caracterizam. No entanto, no quadro legislativo português, as actividades penalizadas são as que estão associadas ao smuggling, aqui encarado apenas enquanto crime de "auxílio à imigração ilegal", e as associadas ao trafficking, mas apenas quando ligadas à prostituição.

Definições legais
As disposições legais sobre tráfico de pessoas, previstas nos instrumentos legais internacionais mais importantes dos quais Portugal é signatário e na legislação portuguesa, restringem a definição deste tipo de crime às actividades associadas à exploração sexual (Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrém, de 1949; Acção Comum do Conselho da União Europeia, relativa à acção contra o tráfico de seres humanos e a exploração sexual de crianças; Código Penal - artigo 169.º e artigo 176.º). No entanto, e na perspectiva da Organização Internacional para as Migrações sobre o problema, embora mulheres e crianças estejam particularmente vulneráveis a este tipo de crime, especialmente nos casos de tráfico com vista à exploração sexual, a verdade é que a exploração e a violação de direitos humanos fundamentais afecta, quer homens quer mulheres imigrantes. Em Portugal, é conhecido o recente florescimento das redes de tráfico de imigração clandestina oriunda dos países de leste, que têm apostado na exploração de mão-de-obra masculina destinada à construção civil e de mão-de-obra feminina para a prostituição. Ao que tudo indica, estas redes investem primeiro na exploração do trabalho masculino na construção civil, e só quando estão mais implantadas no território é que vão avançando para a exploração sexual de mulheres.
Por outro lado, a legislação portuguesa prevê o crime de "auxílio à imigração ilegal", onde a tónica é colocada na criminalização do acto de "favorecer ou facilitar (...) a entrada irregular de cidadão estrangeiro em território nacional" (Artigo 134.º do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro), adoptando essencialmente o ponto de vista do controlo das fronteiras. Neste contexto, o quadro legislativo português acaba por revelar-se desadequado à realidade actual do Tráfico de Seres Humanos desvalorizando (excepto no caso do tráfico de pessoas com vista à sua exploração sexual) a exploração que está associada a este tipo de negócio.
O documento de síntese apresentado por Willy Bruggeman na Conferência Europeia sobre Tráfico de Mulheres, realizada em Viena, a 10 e 11 de Junho de 1996 e organizada pela Comissão Europeia conjuntamente com a Organização Internacional para Migrações, aponta a importância de definir bem a natureza deste tipo de crime. Considera que não é a ausência de consentimento o elemento essencial da definição do tráfico de seres humanos, mas sim a situação de exploração baseada num "jogo de forças" desigual no contexto de uma relação entre o explorador e a vítima. A gravidade do crime deverá então ser avaliada a partir do facto de o agente tirar proveito de uma relação de forças desequilibrada e dos danos causados à vítima. No entanto, esta tónica na exploração e na violação de direitos humanos não está clarificada no chamado crime de "auxílio à imigração ilegal". O centro do problema está então no uso da força e do engano, segundo conclusões da Conferência de Utrecht sobre o Tráfico de Pessoas, realizada em 1994.

A protecção à vítima e o combate ao tráfico de pessoas
Segundo os dados das "Estatísticas da Justiça de 1998" foram condenadas, em 1998, três pessoas por crimes de tráfico de pessoas e lenocínio, num total de nove processos, não sendo certo que algum desses corresponda a condenação por tráfico de pessoas. Embora haja poucos dados sobre a dimensão do fenómeno, estes indicadores são pouco encorajadores quanto à eficácia do combate ao tráfico de pessoas.
O modelo repressivo de controlo de fronteiras acaba por influenciar a política de combate ao tráfico de seres humanos (assim como a concretização desta política) que está muito mais centrada no combate ao auxílio à imigração ilegal do que na criminalização da exploração associada a este tipo de tráfico e na protecção da vítima. O Relatório de Segurança Interna de 2000 ilustra bem este facto ao referir 103 inquéritos/processos crime e 56 detenções relacionados com os crimes de auxílio à imigração ilegal e falsificação

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de documentos, mas é omisso quanto à investigação do crime de tráfico de pessoas, crime que se sabe em proliferação no nosso país.
Por outro lado, muitas vítimas, mesmo as de tráfico de pessoas com vista a exploração sexual, são legalmente perseguidas com base no seu estatuto de ilegalidade. Em vez de serem encaradas como vítimas, são encaradas como infractores/as, que violaram as leis de estrangeiros e que devem ser expulsos, sem a mínima protecção. Existe um vazio legal no que diz respeito à protecção da vítima, mesmo no que diz respeito à vítima de tráfico de pessoas com vista à sua exploração sexual.
É fundamental identificar e declarar ilegal os elementos de violência, coacção e engano que o tráfico de pessoas encerra, sendo essencial que, ao fazê-lo, não se coloquem novos obstáculos aos/às imigrantes, que, esses sim, só contribuirão para colocar o/a imigrante nas mãos das redes de imigração clandestina. Deste ponto de vista, quanto menos direitos e menos alternativas tiver a vítima, mais vulnerável fica às redes de tráfico de pessoas. E isto tem de ser tido em conta na actuação das autoridades, o que não acontece. Muitas vítimas deste tipo de tráfico que se encontram em situação de clandestinidade, acabam por ser detidas e expulsas dos países em que se encontram, sem sequer terem direito a apoio social, médico ou jurídico.
Mesmo que estejam convencidas de que o criminoso será condenado, a única certeza que têm é de que serão expulsas, que o investimento inicial terá sido em vão e que voltarão para a mesma situação que motivou a emigração. A sua situação de vulnerabilidade e o seu estatuto irregular impede-as de denunciar a exploração de que são vítimas, testemunhar em processo judicial e exigir algum tipo de reparação relativamente ao crime de que são vítimas.
Tem sido anunciado pelo Governo Português que a actual lei de estrangeiros - o Decreto-Lei n.º 4/2001, de 4 de Janeiro -, inclui uma norma que representaria uma medida de protecção às vítimas deste tipo de crime e de combate ao tráfico de pessoas. De facto, o artigo 87.º do referido diploma, que estabelece as condições nas quais é dispensado o visto para a obtenção de autorização de residência, prevê, na sua alínea f), a dispensa desse visto aos "que colaborem com a justiça na investigação de actividades ilícitas passíveis de procedimento criminal, nomeadamente ao nível da criminalidade organizada", o que, para além de representar um medida avulsa, demonstra ser uma distorção do conceito de protecção da vítima. Na prática, esta medida constitui uma forma de premiar, através da atribuição de autorização de residência, eventuais colaboradores/as da investigação criminal, independentemente do tipo de crime em causa.
A lógica da protecção à vitima é bem diferente da preconizada no referido artigo. O objectivo central deverá ser o de proteger os direitos humanos das vítimas, em particular o direito de decidir sobre si mesmas, o direito à vida e de ver garantida a sua protecção contra todo dano corporal, o que passa por medidas de natureza social e jurídica que permitam criar condições para que a vítima possa recuperar controlo sobre a sua vida. De entre estas medidas destacam-se as seguintes:

a) Criar Gabinetes de Atendimento com linhas SOS, que forneçam informação jurídica e façam o encaminhamento necessário;
b) Providenciar assistência jurídica, com a garantia de todos os direitos e liberdades fundamentais inerentes a todas vítimas de crimes, inclusive o direito de se constituir assistente e parte cível em processo judicial;
c) Garantir possibilidades de indemnização e reparação pelos danos económicos, físicos e psicológicos causados;
d) Assegurar que a vítima possa permanecer no País durante todas as diligências que se relacionem com o facto de ter sido vítima de tráfico ou, se for essa a vontade da vítima, dar possibilidade de acesso a autorização de residência, nos termos da lei;
e) Providenciar a assistência de tradutor competente e qualificado durante todo o processo judicial;
f) Garantir confidencialidade absoluta.

Por outro lado, tendo em conta os poucos dados existentes sobre a dimensão e natureza do tráfico de pessoas em Portugal, torna-se necessária a realização de estudos que permitam compreender este fenómeno nas suas múltiplas dimensões, não só no que diz respeito às rotas utilizadas, aos métodos utilizados, mas também no que diz respeito à reacção da vítima e às respostas institucionais habitualmente usadas.
Num outro plano - o institucional - é importante dotar os serviços para que respondam eficazmente na detecção de vítimas de tráfico de pessoas, no seu correcto atendimento e encaminhamento. Por exemplo, nos casos em que a vítima é sujeita a violência física e recorre aos serviços de saúde, a barreira da língua, o medo de represálias por parte das redes ou de expulsão por parte das autoridades portuguesas, acabam por constituir obstáculos objectivos ao encaminhamento e protecção da vítimas. Num contexto diferente, a realização de rusgas a estabelecimentos de diversão nocturna e, em particular, casas de alterne, poderia ser uma boa oportunidade para detectar situações de tráfico de mulheres e para accionar os mecanismos necessários à protecção das vítimas deste tipo de tráfico. No entanto, a prática das forças policiais tem sido de simplesmente expulsar as estrangeiras ilegais detectadas, mesmo estando em curso o actual processo de legalização.
Neste sentido, são necessárias medidas que mudem a resposta dos serviços públicos que mais contactam com potenciais vítimas de tráfico de pessoas, de forma a que defesa dos direitos humanos e o apoio e protecção da vítima sejam eixos fundamentais a serem tidos em conta na actuação dos técnicos e profissionais envolvidos, especialmente técnicos de saúde e forças policiais.
Propõem-se as seguintes medidas:

- Realização de acções de formação, sobre o tráfico de seres humanos, situação da vítima, formas de atendimento e mecanismos de encaminhamento e protecção, dirigidas a técnicos de saúde, agentes policiais, inspectores de trabalho e técnicos de segurança social;
- Divulgação, no âmbito da administração pública, de brochuras informativas sobre o tráfico de pessoas;
- Criação de uma bolsa nacional de tradutores a serem disponibilizados, sempre que necessário, para prestar apoio em hospitais, centros de segurança social, esquadras de polícia e postos de atendimento do SEF;

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Assim sendo, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Objecto e Definições

Artigo 1.º
(Objecto)

O presente diploma tem como objecto o reforço dos mecanismos de protecção legal à vítima de tráfico de pessoas.

Artigo 2.º
(Definições)

1 - Por tráfico de pessoas entende-se todo o acto que implique a captação de pessoas para trabalhar ou oferecer serviços num país do qual não sejam originárias, por meio de violência, ameaças, coacção, abuso de autoridade, manobras fraudulentas ou outras formas de logro, apreensão de documentos, ou qualquer outro tipo de imposição, ou utilizando a servidão por dívidas.
2 - Para efeitos de aplicação do presente diploma, considera-se que a captação pode ocorrer no país de origem, de trânsito ou de destino.
3 - Servidão por dívidas consiste no compromisso de garantir uma dívida com a prestação dos seus serviços pessoais, ou de alguém sobre quem exerça autoridade e quando se verifique uma das seguintes situações:

a) O valor dos serviços prestados, equitativamente determinados, não se adeque ao montante da dívida;
b) Não se limite a duração do pagamento;
c) Não se defina a natureza dos serviços.

Capítulo II
Direitos e garantias da vítima

Artigo 3.º
(Direitos e garantias da vítima de tráfico de seres humanos)

1 - São garantidos à vítima de tráfico de seres humanos os seguintes direitos:

a) Facilidades para comunicar com a sua embaixada ou consulado;
b) Todos os salvaguardados pela legislação às vítimas de crimes, inclusive o direito de se constituir assistente e parte cível em processo judicial, o direito de indemnização e reparação pela lesão dos direitos económicos, físicos e psicológicos;
c) À protecção adequada, segundo o previsto no artigo 7.º;
d) A permanecer no país durante todas as diligências que se relacionem com o facto de ter sido vítima de tráfico ou, se for essa a sua vontade, ter possibilidade de acesso a autorização de residência, nos termos da lei;
e) A assistência jurídica;
f) A tradutor competente e qualificado durante todo o processo judicial;
g) A acesso à assistência social e económica suficiente para poder reconstruir a sua vida ou voltar ao seu país;
h) A acesso a assistência médica, quando for esse o caso;
i) A garantia de confidencialidade absoluta.

Capítulo III
Programa de protecção às vítimas de tráfico

Artigo 4.º
(Programa de protecção às vítimas de tráfico)

É criado um programa de protecção às vítimas de tráfico de seres humanos com vista a assegurar o seu esclarecimento, protecção, apoio jurídico e social e garantir a indemnização pelos danos económicos, físicos e psicológicos causados.

Artigo 5.º
(Campanhas de informação e formação)

1 - Compete ao Governo a elaboração e distribuição gratuita de brochuras sobre os direitos da vítima de tráfico de pessoas, editadas em diferentes línguas, onde deverão constar informações sobre: a natureza e dimensão do tráfico de seres humanos; os direitos das vítimas; os serviços de apoio a que poderão recorrer; os mecanismos processuais através dos quais poderão salvaguardar os seus direitos ou garantir a sua protecção.
2 - Compete ao Governo promover acções de formação sobre tráfico de seres humanos, situação da vítima, estratégias de atendimento e mecanismos de encaminhamento e protecção, dirigidas a técnicos de saúde, agentes policiais, inspectores de trabalho e técnicos de segurança social.

Artigo 6.º
(Realização de estudos)

Compete ao Governo promover a realização de estudos que visem a compreensão do fenómeno do tráfico de pessoas nas suas múltiplas dimensões, não só no que diz respeito às rotas utilizadas e aos métodos utilizados, mas também no que diz respeito à reacção da vítima e à eficácia das respostas institucionais disponíveis.

Artigo 7.º
(Acção dos serviços públicos e autoridades policiais)

As autoridades policiais e demais serviços públicos deverão accionar todos os mecanismos de investigação e de encaminhamento da vítima sempre que for detectada uma situação de tráfico de seres humanos, de acordo com o estabelecido no presente diploma.

Artigo 8º
(Criação de gabinetes de apoio à vítima de tráfico de pessoas)

1 - Serão criados, sempre que a incidência geográfica o justifique, gabinetes de atendimento à vítima de tráfico de pessoas, com linhas SOS, que deverão ter por função informar as vítimas deste tipo de crime sobre os seus direitos e proceder ao seu encaminhamento.
2 - No âmbito destes gabinetes deverá ser garantido o direito a assistência jurídica, que deverá ser gratuita quando a vítima não tiver meios suficientes para pagar os custos da mesma.

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Artigo 9.º
(Medidas sociais)

Deverá ser garantido, sempre que necessário, apoio médico e psicológico adequado, confidencial, e a assistência social, apoio económico e alojamento necessários, até que a vítima possa refazer a sua vida.

Artigo 10.º
(Protecção de testemunhas em processo penal)

1 - Nas situações em que esteja em causa a integridade física da vítima deverão ser accionadas, com a celeridade e eficácia que a situação exigir, as medidas adequadas a garantir a sua protecção, previstas na Lei n.º 91/99, de 14 de Julho, sobre medidas para a protecção de testemunhas em processo penal.
2 - No casos em que estiver em causa a integridade física de familiares, ou outras pessoas próximas à vítima, ausentes no estrangeiro, deverão ser encetados todos os contactos necessários com as autoridades policiais desse país, com vista à garantia de protecção das pessoas em causa.

Artigo 11.º
(Acesso de autorização de residência)

Os estrangeiros que beneficiem do regime de protecção à vítima de tráfico de seres humanos não carecem de visto para a obtenção de autorização de residência.

Artigo 12.º
(Bolsa nacional de tradutores)

Compete ao Governo assegurar a criação de um bolsa nacional de tradutores qualificados para prestar apoio, sempre que necessário, em hospitais, esquadras de polícia, postos de atendimento do SEF, tribunais e centros de segurança social, com vista a facilitar o acesso dos cidadãos estrangeiros a estes serviços públicos.

Capítulo IV
Alterações ao Código Penal

Artigo 13.º

Ao Código Penal, é aditado o seguinte artigo:

"Artigo 160.º-A
(Tráfico de pessoas)

1 - Quem captar outra pessoa para trabalhar ou oferecer serviços, num país de que a segunda não seja originária, por meio de violência, ameaças, coacção, abusos de autoridade, manobras fraudulentas ou outras formas de logro, de apreensão de documentos, ou de qualquer outro tipo de imposição, ou utilizando a servidão por dívidas, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2 - A captação pode ocorrer no país de origem, de trânsito ou de destino.
3 - Quem fizer parte ou integrar grupos ou organizações para a prática de tráfico de pessoas, será punido com pena de 3 a 8 anos.
4 - Quem chefiar tais grupos ou organizações, será punido com prisão de 5 a 10 anos".

Artigo 14.º

O artigo 169.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 169.º
(Tráfico de pessoas para a exploração sexual)

1 - Quem levar outra pessoa à pratica de prostituição ou de actos sexuais de relevo, em país de que a segunda não seja originária, por meio de violência, ameaças, coacção, abusos de autoridade, manobras fraudulentas ou outras formas de logro, de apreensão de documentos, ou de qualquer outro tipo de imposição, ou utilizando a servidão por dívidas, é punido com pena de prisão de 3 a 8 anos.
2 - Quem fizer parte ou integrar grupos ou organizações para a prática do tráfico de pessoas para a exploração sexual, será punido com prisão de 5 a 10 anos.
3 - Quem chefiar tais grupos ou organizações, será punido com pena de 6 a 12 anos".

Capítulo V
Disposições finais

Artigo 15.º
(Norma revogatória)

Fica revogada a alínea f) do artigo 87.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações decorrentes da Lei n.º 97/99, de 26 de Julho, e do Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro.

Artigo 16.º
(Regulamentação)

A presente lei será regulamentada no prazo de 60 dias após a sua entrada em vigor.

Palácio de São Bento, 25 de Outubro de 2001. - Os Deputados do BE: Francisco Louçã - Fernando Rosas.

PROJECTO DE LEI N.º 515/VIII
ALTERA A COMPOSIÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA, CRIADO PELA LEI N.º 14/90, DE 9 DE JUNHO

Exposição de motivos

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, criado através de Lei n.º 14/90, de 9 de Junho, é um órgão independente que funciona junto da Presidência do Conselho de Ministros, competindo-lhe, designadamente, proceder à análise sistemática dos problemas morais suscitados pelos progressos nos domínios da biologia, medicina e da saúde em geral.
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida é, nos termos do artigo 3.º do citado diploma legal, composto, para além do seu Presidente designado pelo Primeiro-Ministro, por 20 membros, dos quais 14 são personalidades de reconhecido mérito (sete na área das ciências humanas e sociais, que tenham demonstrado especial interesse pelos problemas éticos, e sete na área da medicina ou da biologia

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com implicações de ordem ética) e seis personalidades com reconhecida qualidade técnica e idoneidade moral, tendo em conta as principais correntes éticas e religiosas.
Os membros do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida são designados por vários organismos. Assim, as sete personalidades de reconhecido mérito na área das ciências humanas e sociais são designadas pelos Ministros do Planeamento, da Administração do Território, da Justiça, da Educação, da Juventude e do Desporto, pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, pela Ordem dos Advogados e pela Comissão da Condição Feminina. As sete personalidades de reconhecido mérito nas áreas da medicina ou da biologia com implicações de ordem ética são designadas pelo Ministro da Saúde, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, Academia das Ciências de Lisboa, Ordem dos Médicos, Instituto Nacional de Investigação Científica, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e Conselho Superior de Medicina Legal. Por último, as seis personalidades de reconhecida qualidade técnica e idoneidade moral são designados pela Assembleia da República, segundo o sistema proporcional.
Volvidos que são 10 anos sobre a existência do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, o Grupo Parlamentar do PS entende que se devem, desde já, introduzir algumas alterações, alargando a sua composição, visando garantir-lhe uma maior funcionalidade e representatividade, no sentido de poder contar com um membro designado pela Ordem dos Biólogos e outro designado pelo Ministro da Ciência e da Tecnologia, introduzindo também a possibilidade de se fazer a avaliação e reflexão em torno da definição, do enquadramento e funcionamento deste órgão independente.
Com efeito, atentas as competências do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, nomeadamente no que respeita à análise dos problemas morais suscitados pelos progressos científicos no domínio da biologia, faz todo o sentido a alteração legislativa que se pretende, que no caso da representação dos biólogos constitui uma justa e legítima expectativa da respectiva Ordem Profissional.
A não consagração de representantes da Ordem dos Biólogos e do Ministro da Ciência e da Tecnologia, na Lei n.º 14/90, de 9 de Junho, tem como fundamentação o facto de à data da criação deste órgão não existir nem a Ordem dos Biólogos nem o Ministro da Ciência e da Tecnologia.
A participação no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida de uma personalidade de reconhecido mérito e competência a designar pela Ordem dos Biólogos, para além de não pôr em crise as regras de funcionamento deste órgão, tem o mérito de enriquecer e comportar uma mais-valia no plano da sua composição e funcionamento.
Quanto ao Ministro da Ciência e da Tecnologia, o mesmo passa a designar uma personalidade, eliminando-se tal prerrogativa relativamente ao Ministro do Planeamento, porquanto só o fazia uma vez que, à data da aprovação da Lei n.º 14/90, de 9 de Julho, integrava na sua orgânica a Secretaria de Estado da Ciência e da Tecnologia.
Por último, de salientar que se procede a alguns ajustes quanto às designações das entidades com competência para designar personalidades para o Conselho, assim como a eliminação da referência ao Instituto Nacional de Investigação Científica, já extinto, e a substituição da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, também extinta, pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Nestes termos, os Deputados do Partido Socialista, abaixo assinados, apresentam o presente projecto de lei:

Artigo único

O artigo 3.º da Lei n.º 14/90, de 9 de Junho, passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 3.º
(...)

1 - (...)
2 - As personalidades a que se refere a alínea a) do n.º 1 são designadas pelas entidades seguintes:

a) Ministro da Ciência e da Tecnologia;
b) (...)
c) (...)
d) (...)
e) (...)
f) Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres

3 - As personalidades a que se refere a alínea b) do n.º 1 são designadas pelas entidades seguintes:

a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)
e) Ordem dos Biólogos;
f) Fundação para a Ciência e Tecnologia;
g) (...)

4 - (...)".

Palácio de São Bento, 25 de Outubro de 2001. - Os Deputados do PS: Victor Moura- Gil França - Victor Baptista - Fernanda Costa - João Sobral - Luísa Portugal - Paulo Pisco - Helena Ribeiro - José Saraiva - Barbosa Ribeiro - Fernando Jesus - e uma assinatura ilegível.

PROJECTO DE LEI N.º 516/VIII
MECANISMOS DE CONTROLO À REALIZAÇÃO TRANSPARENTE DE SONDAGENS DE OPINIÃO

Exposição de motivos

As sondagens e os inquéritos de opinião são, sem qualquer dúvida, um elemento precioso na auscultação dos anseios das populações em relação a cada questão, em concreto, bem como importantes instrumentos de trabalho na preparação de campanhas eleitorais.
Geralmente, as sondagens e os inquéritos de opinião, quando feitos de forma séria e assentes em critérios éticos, prevêem resultados próximos dos que se verificam nos actos eleitorais que aqueles precedem.
A avaliação da independência das empresas em função de critérios político-partidários deve traduzir-se em elementos de transparência que não permitam gerar sondagens ou inquéritos de opinião que, dando como previsíveis os resultados desejados, manipulem, dessa forma, a evolução das campanhas e influenciem os futuros resultados eleitorais.
Importa, por isso, criar condições para que seja assegurada a transparência e o cumprimento de procedimentos éticos

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acima de qualquer suspeita, por forma a ser garantida uma objectividade que salvaguarde os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PSD apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

1 - É aditado um novo n.º 5 ao artigo 7.º da Lei n.º 10/2000, de 21 de Junho, com a seguinte redacção:

"Artigo 7.º
Regras a observar na divulgação ou interpretação de sondagens

(...)
5 - Para além das referências constantes do n.º 2, a publicação de qualquer sondagem ou inquérito de opinião deverá ser obrigatoriamente acompanhada das:

a) Relação dos detentores do capital social da empresa ou empresas responsáveis pela sua realização ou análise;
b) Relação dos membros dos órgãos sociais da empresa ou empresas responsáveis pela sua realização ou análise;
c) Relação do director técnico ou dos responsáveis técnicos da empresa ou empresas responsáveis pela sua realização ou análise".

2 - É aditado um novo n.º 6 ao artigo 17.º da Lei n.º 10/2000, de 21 de Junho, com a seguinte redacção:

"Artigo 17.º
Regime sancionatório

(...)
6 - A violação do disposto no artigo 12.º-B determina a revogação da credencial para o exercício de actividade".

Artigo 2.º

São aditados dois novos artigos à Lei n.º 10/2000, de 21 de Junho, com a seguinte redacção:

"Artigo 12.º-A
Sociedades anónimas

As entidades que realizem sondagens e inquéritos de opinião que revistam a forma de sociedades anónimas terão o seu capital social obrigatoriamente representado por acções nominativas.

Artigo 12.º-B
Incompatibilidades

1 - As entidades que realizem sondagens e inquéritos de opinião, cujos detentores do capital social, membros dos órgãos sociais ou directores ou responsáveis técnicos sejam ou tenham sido membros de partidos políticos nos últimos três anos, ou desempenhem ou tenham desempenhado, no referido período de tempo, qualquer cargo de nomeação política, não podem realizar sondagens e inquéritos de opinião que envolvam questões eleitorais ou matérias de natureza político-partidária.
2 - É igualmente vedado às entidades que realizem sondagens e inquéritos de opinião que envolvam questões eleitorais ou matérias de natureza político-partidária serem, directa ou indirectamente, detidos ou participados por entidades do sector público".

Artigo 3.º

A presente lei entra imediatamente em vigor.

Palácio de São Bento, 25 de Outubro de 2001. - Os Deputados do PSD: Manuela Ferreira Leite - Luís Marques Guedes - Manuel Moreira - Telmo Antunes - Rui Gomes da Silva - Henrique Chaves.

Texto e despacho n.º 114/VIII de admissibilidade

Admito o presente projecto de lei, com dúvidas sobre a constitucionalidade do disposto no novo artigo 12.º-B, que se pretende aditar ao "Regime jurídico da publicação ou difusão de sondagens e inquéritos de opinião".
Julgo que, sob a epígrafe "incompatibilidades", se restringe de forma que, salvo melhor opinião, me parece inconstitucional, a liberdade de iniciativa privada e a garantia constitucional de uma equilibrada concorrência entre as empresas (artigos 61.º e 81.º, alínea e) da Constituição da República Portuguesa), apoiada numa também, a meu ver, inconstitucional "capitis deminutio" dos cidadãos membros de partidos políticos ou titulares de qualquer cargo de nomeação política.
Baixa à 1.ª Comissão.
Registe-se, notifique-se e publique-se.

Palácio de São Bento, 29 de Outubro de 2001. - O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.

PROJECTO DE LEI N.º 517/VIII
PRIMEIRA ALTERAÇÃO À LEI ORGÂNICA N.º 1/2001, DE 14 DE AGOSTO, QUE REGULA A ELEIÇÃO DOS TITULARES DOS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS

Exposição de motivos

A nova Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, veio regular a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais e introduzir novas disposições em matéria de composição das mesas de voto, visando melhorar e assegurar os vectores de rigor e transparência do acto eleitoral.
Procurando alcançar tal desiderato, a Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, estabelece, no seu artigo 76.º, a impossibilidade/incompatibilidade de poderem ser designados membros de mesa de assembleia de voto, para além dos eleitores abrangidos por alguma das inelegibilidades gerais e especiais previstas nos artigos 6.º e 7.º do mesmo diploma legal, os Deputados, os membros do Governo, os membros dos governos regionais, os governadores e vice-governadores civis, os Ministros da República, os membros dos órgãos executivos das autarquias locais, os candidatos e os mandatários das candidaturas.
Trata-se, pois, de uma disposição legal cuja ratio essendi sendo compreensível no plano dos objectivos enunciados, levanta, contudo, quanto à incompatibilidade dos candidatos, problemas de ordem funcional e organizacional das mesas de assembleia de voto, importando garantir a nível nacional o seu bom e normal funcionamento.

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Com efeito, tal incompatibilidade gera dificuldades aos partidos políticos e por razão de maioria às candidaturas de grupos de cidadãos, quanto à designação de cidadãos para membros de mesa de assembleia de voto.
Com o presente projecto de lei, visa-se dar resposta a um problema de ordem funcional que tem sido levantado de "norte a sul" do País, pela generalidade dos partidos políticos e candidatos às próximas eleições autárquicas, propondo-se, para o efeito, que seja fundamentalmente reposta a situação que sempre vigorou sem causar problemas.
Nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

O artigo 76.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 76.º
Incompatibilidades

Não podem ser designados membros de mesa de assembleia de voto, para além dos eleitores referidos nos artigos 6.º e 7.º, os Deputados, os membros do Governo, os membros dos governos regionais, os governadores e vice-governadores civis, os Ministros da República, os membros dos órgãos executivos das autarquias locais e os mandatários das candidaturas".

Artigo 2.º

A presente lei entra imediatamente em vigor.

Palácio de São Bento, 31 de Outubro de 20001. - Os Deputados: Osvaldo Castro (PS) - Luís Marques Guedes (PSD) - António Filipe (PCP) - Telmo Correia (CDS-PP) - Heloísa Apolónia (Os Verdes) - Francisco Louçã (BE).

PROPOSTA DE LEI N.º 82/VIII
[ALTERA O DECRETO-LEI N.º 433/82, DE 27 DE OUTUBRO (REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES), EM MATÉRIA DE PRESCRIÇÃO]

Texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Artigo único

Os artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, passam a ter a seguinte redacção:
"Artigo 27.º
(...)

1 - O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a 10 000 000$;
b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a 500 000$ e inferior a 10 000 000$;
c) Um ano, nos restantes casos.

Artigo 27.º-A
(...)

1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

Artigo 28.º
(...)

1 - (...)

a) (...)
b) (...)
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infracções a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade".

Palácio de São Bento, 30 de Outubro de 2001. - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.

Nota: O texto final foi aprovado por unanimidade.

PROPOSTA DE LEI N.º 92/VIII
[APROVA O CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (REVOGA O DECRETO-LEI N.º 267/85, DE 16 DE JULHO)]

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Nota prévia

O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei que "Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativo- Revoga o Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho".
Essa apresentação é efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República.

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A proposta de lei reúne os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República de 17 de Julho de 2001, a proposta vertente desceu à 1.ª Comissão para emissão do respectivo relatório e parecer.
Esta iniciativa legislativa surge acompanhada de duas outras propostas de lei que se inscrevem igualmente no âmbito da Reforma Administrativa e incidem especificamente sobre "Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais" (proposta de lei n.º 93/VIII) e "Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado" (Proposta de lei n.º 95/VIII).
Ao longo do ano 2000, o Ministério da Justiça promoveu a realização de um amplo debate público sobre as grandes questões que se colocam à reforma do contencioso administrativo. Em diversos colóquios, realizados sob o patrocínio do Ministério da Justiça nas principais faculdades de direito do País, foram equacionadas as múltiplas questões envolvidas. Os textos das intervenções proferidas, muitos deles também publicados em revistas jurídicas, foram condensadas em volume publicado pelo Ministério.
Paralelamente, o Ministério da Justiça criou uma página web com informação relativa ao contencioso administrativo e à reforma, na qual foi mantido um fórum de debate em que os interessados puderam participar, emitindo opiniões acerca dos temas em discussão.
Por outro lado, o Ministério promoveu a realização e divulgação de dois estudos que também foram objecto de colóquios em que foram apresentados e discutidos. Um primeiro estudo, foi realizado pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que foi apresentado e debatido em realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
A Andersen Consulting, SA (actualmente, Accenture, SA), elaborou o segundo estudo, em parceria com a sociedade de advogados Sérvulo Correia & Associados, escolhida após concurso público internacional levado a cabo para o efeito, analisou a organização e o funcionamento dos tribunais administrativos, identificando os pontos críticos e formulando propostas concretas tendentes à racionalização da gestão, à melhoria do funcionamento e ao aumento da eficácia e da eficiência daqueles tribunais, com projecção nos domínios da delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, da distribuição de competências, da definição do regime da tramitação processual e da redefinição das regras de funcionamento interno dos tribunais administrativos, no sentido de se procurar a optimização dos recursos materiais e humanos.
Nesta matéria, e no decurso da Legislatura anterior, permitimo-nos destacar a aprovação da Lei n.º 49/96, de 4 de Setembro, que no uso de autorização legislativa possibilitou a publicação do Decreto-Lei n.º 229/96, de 4 de Setembro - Cria o Tribunal Central Administrativo (altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de processo nos Tribunais Administrativos). [A proposta de lei n.º 49/VII - Cria o Tribunal Central Administrativo (altera o estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), já referia na sua exposição de motivos que se "encontra em discussão pública junto dos operadores judiciários, desde finais de Fevereiro do corrente ano, dois projectos de diploma destinados, nuclearmente, a substituir a Lei de processo nos Tribunais Administrativos e o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Foram elaborados conjuntamente, por forma que as respectivas disposições se revelem intrinsecamente harmónicas entre si e tem-se por certo que devem iniciar a sua vigência simultaneamente (In DAR II Série A, n.º 51, de 22 de Junho de 1996")].

II - Do objecto e motivação

Para o XIV Governo Constitucional "A reforma do contencioso administrativo foi assumida como uma prioridade. Trata-se de uma reforma essencial à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, pois incide sobre o principal instrumento de garantia desses direitos perante a Administração Pública".
Entende o Governo que se trata de uma reforma absolutamente indispensável à plena instituição, no nosso país, do Estado de direito que a Constituição da República Portuguesa veio consagrar.
Referem ainda em sede preambular que o contencioso administrativo português não foi objecto da reforma profunda que a instituição do regime democrático exigia e que, em sucessivas revisões constitucionais, o legislador constituinte tem vindo a reclamar. Crescentemente aguardada, mas sucessivamente adiada, a necessária reforma foi sendo substituída por medidas de alcance mais limitado, que, aperfeiçoando embora o sistema, não alteraram as suas traves-mestras.

III - O Novo Código de Processo Administrativo - As soluções apresentadas

O Código de Processo nos Tribunais Administrativos é composto por 190 artigos, os quais se sistematizam da seguinte forma:

Título I- Parte geral (compreende o Capítulo I - Disposições fundamentais; Capítulo II - Das partes; Capítulo III - Da Competência; Capítulo IV - Dos actos processuais; Capítulo V - Do valor das causas e das formas do processo);
Título II - Da acção Administrativa Comum (compreende Capítulo I - Disposições gerais; Capítulo II - Impugnação de Actos Administrativos; Capítulo III - Marcha do Processo;
Título III - Da Acção Administrativa Especial (compreende Capítulo I - Disposições gerais; Capítulo II - Disposições particulares; Capítulo III - Marcha do Processo);
Título IV - Dos Processos Urgentes (compreende Capítulo I - Das impugnações urgentes, Capítulo II - Das intimações;
Título V - Dos Processos cautelares (compreende Capítulo I - Disposições comuns; Capítulo II - Disposições particulares;
Título VI - Dos Conflitos de jurisdição e de competência;
Título VII - Dos Recursos Jurisdicionais (compreende Capítulo - Disposições gerais; Capítulo II - Recursos Ordinários; Capítulo III - Recurso de revisão;
Título VIII - Do Processo Executivo (compreende Capítulo I - Disposições Gerais;
Título IX - Tribunal Arbitral e Centros de Arbitragem;
Título X - Disposições Finais e Transitórias.

3.1 - Parte geral

Em termos de sede geral o legislador optou pela densificação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, dos artigos 2.º, n.º 2, e 37.º, n.º 2, como a densificação do princípio

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da livre cumulação de pedidos, nos artigos 4.º, n.º 2, 46.º, n.º 3, e 47.º, n.º 2.
O artigo 4.º consagra o princípio da livre cumulação de pedidos, que é de facto uma inovação que vem pôr termo a um sistema em que o interessado que se dirigia à justiça administrativa se via, muitas vezes, forçado a utilizar mão de sucessivos meios processuais para obter a satisfação de pretensões inseridas numa mesma relação jurídica material. Às eventuais dificuldades que a modificação pudesse colocar, procurou-se obviar com as soluções introduzidas nos artigos 5.º e 21.º, e, no plano específico da tramitação processual, com a previsão introduzida nos n.os 3 e 4 do artigo 90.º.
Reveste-se de especial importância, por contraponto com a tradição do nosso contencioso administrativo, o princípio da igualdade das partes, do artigo 6.º, e os corolários que dele decorrem. Deste princípio resulta, a possibilidade de condenação das entidades públicas por litigância de má-fé. No mesmo sentido concorre a opção de impor ao Estado e às demais entidades públicas a obrigação do pagamento de custas, prevista no artigo 189.º e a concretizar com a revisão do Código das Custas Judiciais.
Optou-se por estabelecer, no artigo 10.º, que, quando a acção seja proposta contra uma entidade pública, parte demandada seja a pessoa colectiva de direito público ou o Ministério sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos, efectuar as prestações ou observar os comportamentos pretendidos ou a cujos órgãos seja imputável a actuação ilegal impugnada, sem prejuízo de a regra dever ser afastada quando esteja em causa um litígio entre órgãos da mesma pessoa colectiva. Porque, entretanto, se afigura justificado que, nos processos em que esteja em causa a actuação ou omissão de um determinado órgão administrativo, seja esse órgão a conduzir a defesa da conduta adoptada. Admite-se, no artigo 11.º, que, nesses casos, possa ser ele a designar o representante a quem incumbe o patrocínio em juízo da pessoa colectiva ou do Ministério.
Ainda em sede de parte geral refira-se que poucos ajustamentos foram introduzidos no que se refere aos critérios de distribuição da competência territorial. Sem prejuízo da reconhecida necessidade de aproximar a justiça de quem a ela recorre, afigurou-se que a generalização do critério da residência do autor, para além da extensão em que é prevista, poderia trazer mais inconvenientes do que vantagens, sobretudo porque a manutenção do critério da entidade pública demandada no domínio da administração local pode assegurar uma mais adequada distribuição dos processos pelo território nacional, sem ser especialmente gravosa para o autor.
No tocante ao valor das causas, consagrou-se em secção própria, a necessidade de se passar a atender ao valor das causas para determinar a forma do processo nas acções administrativas comuns, para estabelecer se o processo, em acção administrativa especial, é julgado por tribunal singular ou em formação de três juizes e para saber se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância e se esse recurso, a existir, é apenas de apelação ou também pode ser de revista.

3.2 - Acção administrativa comum e acção administrativa especial

No entender do Governo, "sem prejuízo do disposto em matéria cautelar, o imperativo constitucional de assegurar que a justiça administrativa proporcione a quem dela necessite uma tutela judicial efectiva exige, nas palavras do legislador constituinte, que os administrados, para além de poderem impugnar os actos administrativos e as normas que os lesem, possam obter dos tribunais administrativos o reconhecimento dos seus direitos ou interesses, bem como a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. Impunha-se, por isso, modificar o sistema, por forma a ampliar o leque das providências que os tribunais administrativos podem conceder a quem a eles recorre".
A efectividade da tutela aconselhava a que se permitisse que, logo no processo declarativo em que o interessado impugna o acto ilegal ou exige a sua adopção, pudessem ser debatidas e decididas questões que, até hoje, têm sido remetidas para um novo processo, complementar do primeiro, o processo de execução de julgados. A possibilidade de uma livre cumulação de pedidos compreende, naturalmente:

- A possibilidade de pedir, desde logo, a condenação da Administração à adopção dos actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado;
- Dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto impugnado;
- Prevê-se que, sempre que num processo movido contra a Administração, se verifique que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta ou que o cumprimento, por parte da Administração, dos deveres a que seria condenada ou dos deveres em que ficaria constituída por efeito da sentença originaria um grave prejuízo para o interesse público, o tribunal não profira a sentença requerida;
- Verificada a existência do que, no modelo tradicional, corresponde a uma causa que legitimaria a inexecução da sentença, pode avançar-se, de imediato, para a fixação da indemnização que, até aqui, apenas podia ter lugar no mencionado processo de execução de julgados.

A estrutura do Código de Processo nos Tribunais Administrativos parte do entendimento de que, sem prejuízo de excepções de âmbito circunscrito ou da introdução de uma ou outra particularidade em certos domínios, os processos do contencioso administrativo devem seguir uma de duas tramitações principais:

1 - A tramitação que se optou por qualificar como "comum" e que, remetendo para o modelo do processo civil de declaração, corresponde basicamente à que é tradicionalmente seguida no clássico contencioso das acções. Embora a tradição do nosso contencioso administrativo seja a de remeter, no contencioso das acções sobre contratos e responsabilidade, para o processo civil de declaração na forma ordinária, a remissão passa, contudo, a ser feita também para a forma sumária e para a forma sumaríssima, em função do valor da causa.
2 - A tramitação que se entendeu qualificar como "especial", por contraposição à primeira, por obedecer a um modelo específico, próprio do contencioso administrativo, e que, embora com diversas adaptações que o aproximam da forma de processo "comum", resulta da fusão das duas formas de tramitação do recurso contencioso de anulação.

Adoptado, pois, o critério das formas de processo como parâmetro estrutural, é a propósito de cada forma de processo que se faz referência aos tipos de pretensões que podem ser accionadas no contencioso administrativo, regulando

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os aspectos específicos que a respeito de cada um deles cumpre definir. Nesta perspectiva se deve entender a referência que às pretensões accionáveis é feita, sobretudo no Capítulo II do Título III do Código (artigo 50.º e seguintes).
A acção administrativa especial caracteriza-se pelo facto de se reportar à prática ou omissão de actos administrativos ou de normas.
É da tradição do contencioso administrativo o especial cuidado colocado na regulação dos pressupostos respeitantes à impugnação de actos administrativos, pretensão cujo regime exige, na verdade, maior número de precisões. Mas também as outras pretensões cuja tramitação segue os termos da acção administrativa especial, precisamente por envolverem o exercício de poderes de autoridade, apresentam particularidades que justificam alguma atenção do legislador.

Regime processual das anulações ou nulidade

Procurou-se definir o acto administrativo impugnável, tendo presente que:

a) Não pode não ser lesivo de direitos ou interesses individuais, mas sem deixar, de harmonia com o texto constitucional, de sublinhar o especial relevo que a impugnação de actos administrativos assume nesse caso;
b) Deixa de se prever a definitividade como um requisito geral de impugnabilidade, não exigindo que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental ou no exercício de uma competência exclusiva para poder ser impugnado;
c) Alarga-se o prazo geral de impugnação para três meses, mantendo-se o prazo de um ano para o exercício da acção pública;
d) Flexibiliza-se o regime respeitante ao momento em que o acto administrativo pode ser impugnado;
e) Alargando os casos de impugnação de actos ineficazes e possibilitando a admissão de impugnações para além do prazo normal de três meses quando ocorram circunstâncias que o justifiquem, designadamente situações de justo impedimento que, assim, se tornam aplicáveis ao prazo de impugnação de actos administrativos;
f) Estabelece-se, enfim, que a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa, com o que o interessado fica dispensado de lançar mão da via contenciosa até ao momento em que venha a ser notificado da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou até ao decurso do respectivo prazo legal;
g) O objecto do processo impugnatório passa a poder ser ampliado à impugnação de actos que, na sua pendência, sejam praticados no âmbito do procedimento a que pertence o acto impugnado, bem como ao contrato que entretanto venha a ser celebrado, no caso de o acto impugnado ser relativo à formação de um contrato, o que se compreende em harmonia com o alargamento a terceiros da legitimidade para fazer valer a invalidade de contratos.

Determinação judicial da prática de actos devidos

Passa a prever-se que, pela forma da acção administrativa especial, possa ser pedida a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado.
No propósito de simplificar o mais possível o sistema e evitar quaisquer dúvidas, procurou-se deixar claro que, no caso de a Administração indeferir expressamente uma pretensão dirigida à emissão de um acto administrativo, o tribunal não deve limitar-se a verificar se a recusa foi ilegal mas deve pronunciar-se sobre o bem fundado da pretensão do interessado, na exacta medida em que tal seja possível sem invadir o espaço próprio da discricionariedade administrativa. Por este motivo se determina que, sempre que dê razão ao autor, o tribunal não anule ou declare nula a recusa, mas imponha a prática de um acto administrativo, determinando o seu conteúdo ou, no caso de não o poder fazer, explicitando as vinculações a observar pela Administração na sua emissão. A condenação proferida tem, só por si, o alcance de eliminar da ordem jurídica o indeferimento porventura proferido.
Esclareceu-se que se pretende acabar com a anulação de indeferimentos e que a condenação à prática do acto devido substitui a pronúncia anulatória - pelo que, uma vez proferida a sentença de condenação, não se pode sustentar que o indeferimento ainda subsiste na ordem jurídica, por não ter sido devidamente anulado.

Normas emitidas no exercício da função administrativa

No que se refere às normas emitidas ou a emitir no exercício da função administrativa:

1) Simplifica-se o regime da impugnação, admitindo que, a título incidental ou a título principal, quando a norma seja directamente lesiva, o interessado possa obter a sua desaplicação, fundada no reconhecimento judicial da ilegalidade de que padece.
2) O Ministério Público e qualquer interessado, se a norma tiver sido objecto de desaplicação em três casos, pode pedir a declaração da sua ilegalidade com força obrigatória geral. Esta declaração passa a produzir efeitos retroactivos e repristinatórios, sem prejuízo dos casos julgados e dos actos administrativos inimpugnáveis, bem como da possibilidade de o juiz determinar que os efeitos da decisão se produzam apenas a partir da data do trânsito em julgado da sentença, quando razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de excepcional relevo, devidamente fundamentadas, o justifiquem.
3) Introduz-se uma solução inovadora que é a possibilidade de o tribunal administrativo ser chamado a verificar a existência de situações de ilegalidade por omissão de normas cuja adopção seja devida para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação, fixando prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida.

Tramitação em acção administrativa especial

No plano da tramitação da acção administrativa especial, procedeu-se, em diversos aspectos, a uma aproximação às soluções do processo civil, sem prejuízo das especialidades provenientes do modelo do recurso contencioso que se entendeu justificado manter por estarem directamente relacionadas com a circunstância de o processo se reportar à prática ou omissão de manifestações de poder público, por regra associadas a um procedimento administrativo e, por outro lado, relacionadas com interesses públicos cuja tutela no processo merece especial atenção.
Tal como sucedia com a tramitação do recurso contencioso, as especificidades que caracterizam a acção administrativa especial continuam, assim, a resultar do facto de se fazer corresponder esta forma de processo a litígios centrados no exercício de poderes por parte das autoridades administrativas. Nessa

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perspectiva se compreende, por exemplo, o papel que é dado ao processo administrativo a apresentar pela administração em juízo, como a presunção de que, em muitos casos, as questões poderão ser analisadas e decididas sem necessidade de produção de prova, designadamente por a matéria de facto, documentalmente fixada, não ser controvertida. Na mesma linha se inscreve a previsão da acção pública, como a atribuição de poderes de intervenção ao Ministério Público nas acções em que não figure como parte, seja para invocar a nulidade de actos que sejam impugnados, seja para requerer a realização de diligências instrutórias, seja para se pronunciar sobre o mérito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de interesses colectivos ou difusos, podendo invocar, para o efeito, causas de invalidade que não tenham sido alegadas pelo autor.
Na perspectiva de aproximação, com limitações, ao modelo do processo civil se inscreve:

- A extensão ao contencioso administrativo do regime do processo civil em matéria de entrega ou remessa das peças processuais e de citações e notificações - sem prejuízo de um regime especial de citação por publicação de anúncio, quando estejam em causa normas ou, em geral, processos com um elevado número de contra-interessados;
- A possibilidade de a secretaria recusar oficiosamente a recepção da petição com fundamento em razões de ordem formal, cuja apreciação dispense a intervenção do juiz, bem como a previsão, nos mais amplos termos, do dever de o juiz proferir despacho de suprimento de excepções dilatórias e aperfeiçoamento dos articulados, dirigido a promover a prossecução da causa e o seu julgamento de mérito;
- A previsão da possibilidade de proferir despacho saneador, em que se impõe ao juiz o dever de conhecer de qualquer questão prévia, cuja apreciação deixa de poder ter lugar em momento ulterior e, portanto, de poder ser remetida para a decisão final; mas em que o tribunal também pode conhecer, total ou parcialmente, do mérito da causa, bem como ordenar a abertura de um período de produção de prova.
- Passarem a ser admitidos em qualquer processo do contencioso administrativo todos os meios de prova que são admitidos na jurisdição comum, podendo, no entanto, o juiz indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando tal se afigure claramente desnecessário.
- A introdução da possibilidade de existência de uma audiência pública para o debate oral sobre a matéria de facto e de direito, quando requerida pelas partes ou determinada pelo juiz.

O Ministério Público continua a exercer a acção pública nos termos de sempre, podendo, também, assumir a posição de autor, requerendo o seguimento de processo que, por decisão ainda não transitada, tenha terminado por desistência ou outra circunstância própria do autor.
É eliminada a vista final do Ministério Público, bem como a possibilidade de estar presente nas sessões de julgamento.
É introduzido o dever de o tribunal se pronunciar sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, bem como de identificar eventuais causas de invalidade que não tenham sido invocadas.

Referência especial merecem as soluções introduzidas para procurar dar resposta a dificuldades sentidas na prática administrativa e manifestadas ao longo da discussão pública, que se prendem com a frequente existência de processos em massa, que colocam a mesma questão de direito. Permite-se assim que, nesses casos, o presidente do tribunal determine, ouvidas as partes, que seja dado andamento a apenas um dos processos, a julgar por todos os juízes do tribunal, e se suspenda a tramitação dos demais; admitindo, entretanto, que a fundamentação das decisões jurisdicionais seja sumária, consistindo na simples remissão para decisões precedentes que já tenham decidido a mesma questão.
Por outro lado, para favorecer a qualidade das decisões dos tribunais administrativos de círculo e alguma uniformidade na resolução de diferentes processos sobre a mesma matéria, permite-se que, sempre que à apreciação de um tribunal administrativo de círculo se coloque uma questão de direito nova, que suscite dificuldades sérias e possa vir a ser suscitada noutros litígios, o respectivo presidente determine que o julgamento se processe com a intervenção de todos os juízes do tribunal e que possa pedir ao Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito de um reenvio prejudicial, que este indique o sentido em que essa questão deve ser decidida.

3.3 - Processos urgentes

Porque o que, na verdade, os distingue a todos das duas formas de processo principais, a acção administrativa comum e a acção administrativa especial, é a urgência e a necessidade de uma tramitação simplificada que dela resulta, entendeu-se agrupar no Título IV do Código os chamados "processos urgentes". Refira-se, contudo, que vários deles seguem a forma da acção administrativa especial e não uma tramitação própria - seguem-na, no entanto, sempre com adaptações que a particularizam. É o que precisamente sucede com as impugnações urgentes, que, de resto, já existiam, sensivelmente nos mesmos moldes, sem que, quanto a elas tenham sido introduzidas modificações muito significativas.
No que se refere ao chamado "contencioso pré-contratual", ele resulta da incorporação no Código, com as adaptações que entretanto se revelaram necessárias, do regime do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, na parte respeitante à impugnação contenciosa de actos administrativos relativos à formação de certo tipo de contratos. O âmbito atribuído a este regime, de impugnação urgente, corresponde às exigências impostas pela Directiva n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, a que se veio juntar a Directiva 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro.
As adaptações ao regime do Decreto-Lei n.º 134/98 prendem-se, no essencial, com a extensão do âmbito de aplicação do regime ao contencioso relativo à formação de contratos de concessão de obras públicas e à impugnação de determinações contidas nos próprios documentos do procedimento de formação do contrato, por forma a assegurar a adequada transposição das referidas directivas; na duplicação do prazo para a impugnação contenciosa do Decreto-Lei n.º 134/98, que vinha sendo geralmente considerado excessivamente curto, sem que as directivas imponham solução tão drástica; e na inovadora introdução da possibilidade de o tribunal, oficiosamente ou a requerimento das partes, optar pela realização de uma audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, em que as alegações finais serão proferidas por forma oral e no termo da qual será imediatamente ditada a sentença.

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Foi suscitada, no âmbito da discussão pública, a questão de saber se não seria contraditório reconhecer carácter urgente a este tipo específico de processos, quando a outros, eventualmente mais lesivos, não é dado o mesmo tratamento. E pelo menos proposta a extensão deste regime ao contencioso pré-contratual no seu conjunto, abrangendo todos os processos impugnatórios de decisões tomadas em procedimentos relativos à formação de contratos. Foi tida, no entanto, em conta a advertência, tantas vezes repetida, de que a generalização da urgência tem efeitos perversos, pois onde tudo é urgente, nada é urgente. Justifica-se, por isso, alguma parcimónia na administração dos processos urgentes, por forma a assegurar as condições para que, nesses específicos processos, a urgência funcione. Não parece que a extensão do regime a todo o universo das questões pré-contratuais, que, em muitos aspectos, não colocam questões sensivelmente diversas, de resto, daquelas que noutros domínios se levantam (pense-se apenas no exemplo dos concursos na função pública…), se compadeça com esta directriz.
No que se refere à intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, formaliza-se, enfim, a sua transformação num processo autónomo, por meio do qual podem ser exercidos os direitos fundamentais à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos - sem prejuízo de o processo poder ser utilizado, quando necessário, para obter elementos destinados a instruir pretensões a deduzir pela via administrativa ou pela via contenciosa, suspendendo, nesse caso, os eventuais prazos de impugnação que estejam em curso.
Com carácter inovador surge um novo meio processual, destinado a dar cumprimento à determinação contida no artigo 20.º, n.º 5, da Constituição: a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha a adopção de uma conduta, positiva ou negativa, se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar.

4 - Processos cautelares

Inovação fundamental é a que se prende com a transformação profunda do regime do contencioso administrativo em matéria cautelar, com a introdução efectiva, no Título V, de um princípio de atipicidade das providências cautelares que podem ser concedidas pela jurisdição administrativa. Ao lado da clássica suspensão da eficácia de actos administrativos, como, em geral, quando tal se justifique, de qualquer das providências cautelares especificadas que a lei processual civil regula, os tribunais administrativos passam, assim, a poder adoptar toda e qualquer providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, designadamente a intimação para um comportamento, agora também accionável contra a Administração.
Também aqui se trata de dar cumprimento à Constituição, que, do mesmo passo que ampliou as garantias de tutela principal, passou a consagrar o direito dos administrados à adopção das medidas cautelares adequadas. Houve, entretanto, o cuidado de configurar o regime por forma a assegurar que toda e qualquer pessoa ou entidade, incluindo o Ministério Público, que tenha legitimidade para o exercício do direito de acção no contencioso administrativo também esteja legitimada a requerer a providência ou as providências adequadas a acautelar a utilidade do processo principal.
As providências cautelares tanto pode ser requerida antes como depois da propositura da acção principal e, ouvidas as partes, o tribunal pode adoptar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar ou atenuar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente e seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados, em presença.
Os critérios para a atribuição ou recusa da tutela cautelar são o periculum in mora e o fumus boni iuris, cabendo, entretanto, ao tribunal ponderar, em conjunto, os interesses públicos e privados envolvidos, de modo a evitar que os danos resultantes da concessão da tutela cautelar sejam superiores àqueles que resultariam da sua recusa.
No que diz respeito ao periculum in mora, admite-se que ele existe quando haja o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal. No que se refere ao critério da aparência de bom direito, adopta-se um critério gradualista, admitindo que esse critério seja decisivo em situações de manifesta procedência da pretensão material do interessado e que deva ser de indagação mais exigente quando esteja em causa a adopção de uma providência antecipatória do que a adopção de uma providência meramente conservatória - com o que, no que diz respeito a providências conservatórias como a suspensão da eficácia de actos administrativos, se evita a adopção de um regime mais restritivo, que conferisse à aparência de bom direito um papel decisivo que tradicionalmente não lhe é atribuído.
Inovação importante é a de admitir que, quando a manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito, o tribunal possa antecipar o juízo sobre a causa principal, tendo as partes a possibilidade de impugnar tal decisão.
Por outro lado, a decisão tomada no sentido de adoptar ou de recusar a adopção de providências cautelares pode ser revogada, alterada ou substituída na pendência da causa principal, por iniciativa do próprio tribunal ou a requerimento de qualquer dos interessados ou do Ministério Público, quando tenha sido este o requerente, com fundamento na alteração das circunstâncias inicialmente existentes.
Finalmente, admite-se que o requerente possa responder pelos danos que, com dolo ou culpa grave, cause ao requerido e aos contra-interessados e prevê-se que a pronúncia judicial que atribua uma providência cautelar possa ser objecto de execução forçada, pelas formas previstas no Código para o processo executivo, em caso de não acatamento por parte da Administração.
No que se refere às disposições particulares do Capítulo II do Título V, referência à previsão específica da suspensão da eficácia de normas e da regulação provisória do pagamento de quantias.
Nos casos em que a providência cautelar se destine a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil ou em que haja especial urgência, admite-se, entretanto, que o tribunal possa decretar a providência a título provisório, porventura no prazo de apenas 48 horas, sem prejuízo de poder decidir

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o seu levantamento ou alteração, uma vez ouvidas as partes e apreciada a questão com detenção um pouco maior.
A razão de ser, por outro lado, da previsão de um regime particular quanto às providências relativas a procedimentos de formação de contratos reside no facto de, também no plano da tutela cautelar, se ter pretendido incorporar no Código o regime do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio. Entendeu-se, no entanto, que, neste plano, não se justificava circunscrever o âmbito de aplicação do regime aos específicos contratos abrangidos pelas directivas comunitárias, pelo que se optou por estendê-lo a todas as situações de natureza pré-contratual. No que se refere ao conteúdo do regime, passa entretanto a admitir-se que, quando, no processo cautelar, o juiz considere demonstrada a ilegalidade de especificações contidas nos documentos do concurso, ele possa determinar a sua correcção, assim decidindo, desde logo, a causa principal, segundo o disposto no artigo 121.º.
Sem prejuízo das reservas que, do ponto de vista doutrinal, possa suscitar, a opção de enquadrar a produção antecipada de prova no título respeitante à tutela cautelar vai ao encontro de propostas nesse sentido formuladas no âmbito da discussão pública e evita dificuldades de ordem sistemática que outra solução colocaria.

5 - Recursos contenciosos

Por força da proposta de lei vertente, passa a atender-se ao valor da causa para determinar se as sentenças proferidas em primeira instância são passíveis de recurso de apelação ou de revista.
No que se refere à revista, são, entretanto, introduzidos dois novos recursos de revista para o Supremo Tribunal Administrativo.
O primeiro deles é um recurso de revista relativo a matérias que, pela sua relevância jurídica ou social, se revelem de importância fundamental, ou em que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito. Num novo quadro de distribuição de competências em que o Tribunal Central Administrativo passa a funcionar como instância normal de recurso de apelação, afigura-se útil que, em matérias de maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência em questões que, independentemente de alçada, considere mais importantes. Não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios. Ao Supremo Tribunal Administrativo caberá dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema.
O outro recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo é um recurso per saltum que é admitido quando, em processos de valor elevado, apenas sejam suscitadas questões de direito, relacionadas com a violação de lei substantiva ou processual. Não havendo discussão sobre a matéria de facto, que se considera fixada, justifica-se evitar a apelação e avançar, de imediato, para a revista perante o Supremo.
Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses por ela prosseguidos, passa, entretanto, a poder ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo. Quanto ao resto, as principais inovações prendem-se com o facto de as alegações passarem a ser apresentadas com a própria interposição do recurso e, sobretudo, com o facto de se estabelecer que os recursos não são de mera cassação, devendo o tribunal superior substituir a sentença a que, decidindo definitivamente as questões sobre as quais se pronunciam. Esclarece-se, entretanto, que as decisões jurisdicionais de conteúdo declarativo que são proferidas em processo executivo são recorríveis.

6 - Processos executivos

Para além da introdução de instrumentos que reforçam significativamente os meios de que os tribunais administrativos passam a dispor para forçar as entidades administrativas a cumprir as sentenças que contra elas proferem, o Título VIII introduz uma reformulação profunda e que se pretende clarificadora do regime da execução das sentenças da jurisdição administrativa.
A clarificação começa no facto, já referido, de passar a ser possível deduzir, logo no processo declarativo, pretensões que, até hoje, só podiam ser formuladas no processo de execução de julgados. Não se deixa de prever um processo que, para evitar rupturas inúteis, se preferiu qualificar como "de execução das sentenças de anulação", em que se continua a admitir que possam ser deduzidas as pretensões, complementares em relação à anulação, que não tenham sido cumuladas no próprio processo impugnatório e que se dirijam ao cumprimento do clássico dever de a Administração executar a sentença de anulação - processo cuja tramitação é aquela que mais se aproxima do modelo do processo de execução de julgados do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, por ter um forte e inevitável componente declarativo. Mas deixa, naturalmente, de ser esse o modelo único ou, sequer, o modelo principal do regime da execução das sentenças dos tribunais administrativos, que passa a assentar, tal como sucede no processo civil, em dois pólos que correspondem a dois novos e verdadeiros processos executivos: o processo de execução para pagamento de quantia certa e o processo de execução para prestação de factos ou de coisas, que, pela sua maior complexidade, é regulado em primeiro lugar.
Confere-se abertura às disposições gerais em matéria executiva, referência, antes de mais, para a inovadora possibilidade que é reconhecida aos interessados de pedirem a um tribunal administrativo que lance mão dos meios que o regime do processo executivo lhe confere para proceder à execução judicial de actos administrativos inimpugnáveis a que a Administração não dê a execução devida.
Por forma a obviar e evitar a multiplicação de litígios, prevê-se que, dentro de certos condicionalismos sobretudo dirigidos à protecção de terceiros, os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável a uma ou várias pessoas possam ser estendidos a outras que se encontrem na mesma situação jurídica. Os interessados podem, assim, exigir à entidade administrativa contra quem a sentença tenha sido proferida que os coloque na mesma situação que deve corresponder aos beneficiários da sentença e mover o competente processo executivo, no caso de a entidade requerida não satisfazer a pretensão.
Inovações importantes no que toca ao processo de execução para prestação de coisas ou de factos, são a previsão legal da possibilidade da adopção de providências verdadeiramente executivas contra as entidades públicas, como sejam a entrega judicial da coisa devida; a determinação de que a prestação do facto devido seja feita por outrém, se o facto for fungível; e a emissão, pelo próprio tribunal, de sentença

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que produza os efeitos do acto administrativo ilegalmente omitido, quando este tenha um conteúdo estritamente vinculado. Ao que acresce, finalmente, a consagração, de há muito reivindicada pela doutrina e frequente no direito comparado, da possibilidade da imposição aos titulares dos órgãos incumbidos de executar a sentença, que para o efeito devem ser individualmente identificados, de sanções pecuniárias compulsórias destinadas a coagi-los a realizar as prestações infungíveis a que o exequente tenha direito.

7 - Arbitragem

Em matéria de arbitragem, prevê-se que o particular possa exigir a constituição de tribunal arbitral em matérias relativas a contratos, responsabilidade civil e actos administrativos que possam ser revogados sem fundamento em invalidade, nos termos a regular em lei especial, salvo quando existam contra-interessados que não aceitem o compromisso arbitral.
A lei também regulará os termos em que o Estado autorizará a instalação de centros de arbitragem permanente, destinados à composição de litígios em matéria de contratos, responsabilidade civil, funcionalismo público, segurança social e urbanismo, aos quais também poderão ser atribuídas funções de conciliação ou consulta no âmbito de procedimentos de impugnação administrativa.

IV - Apreciação crítica

O Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tem uma orientação geral que é de aprovar, no sentido que traduz em legislação ordinária os avanços e progressos substanciais que em matéria de contencioso administrativo as últimas revisões constitucionais introduziram na nossa ordem jurídica.
Mas entende que "padece de uma deficiência genérica, que é a excessiva generosidade com que abre o contencioso administrativo a toda e qualquer iniciativa dos particulares; não há uma única regra limitativa em matéria de recorribilidade do acto administrativo, há uma enorme generosidade em matéria de acção popular, há uma enorme generosidade em matéria de medidas cautelares".
Sublinha mesmo que "tenho receio que estejamos a cair numa enorme contradição: por um lado tentar encontrar soluções orgânicas e funcionais que ponham termo à crise de sobrecarga de trabalho dos tribunais administrativos, e por outro lado convidar os particulares a recorrerem e a baterem à porta dos tribunais administrativos em toda as situações imagináveis sem quaisquer limites" (Prof. Freitas do Amaral).

V - Os Parâmetros Constitucionais do Processo Administrativo

5.1 - A Constituição da República Portuguesa e as normas constitucionais de Direito Administrativo.

Tal como observou o Professor Jorge Miranda no debate recente sobre a Reforma do Contencioso Administrativo "em todas as Constituições Portuguesas se encontram normas (seja no âmbito dos direitos fundamentais, seja no das competências e do estatuto dos titulares dos órgãos do Estado, seja a propósito dos actos normativos, da Administração Local ou da função pública) que não podem deixar de ser, simultaneamente, verdadeiras e próprias normas constitucionais e princípios fundamentais de Direito Administrativo".
A sede básica da matéria na Constituição acha-se no artigo 20.º-A ("A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos").
Com este princípio se conjuga o artigo 202.º, precisando que aos tribunais compete "assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos" e - o que importa salientar, por traduzir um paralelo sentido objectivista da função policial - "reprimir a violação da legalidade democrática" além de "dirimir os conflitos de interesses públicos e privados".
A sindicabilidade dos actos administrativos segundo o artigo 268.º apresenta-se pois como um corolário do princípio assim consignado e, mais amplamente, dos princípios do Estado de Direito Democrático. Para o Professor Jorge Miranda as fórmulas que do texto inicial até hoje têm vindo a ser acolhidas inserem-se todas numa linha de reforço e desenvolvimento:

- Em 1982, clarificando-se a sujeição a "recurso" de quaisquer actos administrativos "independentemente da sua forma" e introduzindo-se um "recurso" para o "reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido";
- Em 1989, eliminando-se a necessidade de os actos a atacar serem "definitivos e executórios", consagrando-se como causa de pedir a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos e passando a falar-se ainda em "acesso à justiça administrativa" para tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos;
- Em 1997, adoptando-se a cláusula geral de tutela jurisdicional efectiva, na qual cabem o reconhecimento dos direitos ou interesses legalmente protegidos, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.

No entender deste Constitucionalista a presente reforma deveria ter, como um dos seus objectivos, conferir exequibilidade às normas vindas da última revisão constitucional, fossem as preexistentes a esta. Entende todavia que, pelo menos no tocante à acção popular, ela frustra as expectativas.
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva a reforma do contencioso administrativo não podia ser mais necessária, já que em Portugal, entre o modelo constitucional de contencioso administrativo, designadamente, o que resultou das revisões constitucionais de 1989 e 1997, que consagraram inequivocamente um modelo de contencioso de natureza subjectiva, destinado a conferir uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, no âmbito das relações jurídicas administrativas - e a legislação reguladora desse domínio (que nalguns casos, é mesmo anterior ao próprio texto originário da Constituição) vai ainda uma distância que urge colmatar, pondo termo a uma situação de "défice" de protecção jurídica ao nível da justiça administrativa.

5.2 - A Administração Pública e as sucessivas Revisões Constitucionais (Vd. Dicionário da Revisão Constitucional, Editorial Notícias, por José Magalhães, Fevereiro de 1999. Vd. Constituição da República Portuguesa, 4.ª Revisão, Setembro de 1997, Texto Editora).

5.2.1 - A Revisão Constitucional de 1982

A Revisão Constitucional de 1982 aditou um n.º 2 e alterou o n.º 3 (actual n.º 4) substituindo: "É garantido aos interessados recurso contenciosos, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios por três. É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e

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executórios, independentemente da sua forma, bem como para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido.

5.2.2 - A Revisão Constitucional de 1989

Esta Revisão Constitucional, aditou o n.º 2 (arquivo aberto), um n.º 5 (é realmente sempre garantido aos administrados o acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos) e um n.º 6 (para efeitos dos n.os 1 e 2 a lei fixará um prazo máximo de resposta por parte da Administração) e alterou os n.os 3 e 4 (ex. n.os 2 e 3).

5.2.3 - A Revisão Constitucional de 1997

No que diz respeito ao título IX da Constituição, a IV Revisão propiciou um pequeno número de benfeitorias, seguramente úteis. Não é um facto surpreendente, se se tiver em conta que, neste ponto, a obra foi decisiva foi consumada logo em 1976 (ruptura com a Administração fechada e secretista, protegida por privilégios redutores do controlo pelos tribunais) e em 1989 (garantia de tutela jurisdicional efectiva, rumo à jurisdição plena).
Foi, entretanto, substituído o tradicional conceito de acto definitivo e executório por acto lesivo para efeitos de impugnação contenciosa.
O legado da II Revisão não padeceu de falta de clareza ou de timidez na concepção. Em 1989, eliminou-se constitucionalmente o suporte normativo que, tudo centrando no recurso administrativo, acabava por dele imunizar certos actos administrativos.
Em termos de princípios fundamentais (artigo 266.º) é acrescentado aos princípios que regem a actuação dos órgãos e agentes administrativos o da boa-fé, oriundo das mais elementares noções do direito natural e com larga tradição de consagração positiva nos vários ramos do direito.
Quanto à Estrutura da Administração (artigo 276.º) no n.º 2 é superada a incongruência constitucional deriva da omissão as possibilidade de poderes de tutela por parte dos órgãos competentes da Administração, o que inculcava sobretudo em face de uma leitura não integrativa das várias disposições constitucionais, a falsa ideia de que o Estado pudesse, no domínio administrativo, exercer outras funções de supremacia perante a administração autonómica e a administração autárquica.
Segundo o n.º 3 novo, a lei pode criar entidades administrativas independentes. A ausência de cláusula constitucional de habilitação poderia ter dado lugar à declaração de inconstitucionalidade dos instrumentos jurídico-constitutivos de entidades com tal natureza.
De acordo com novo n.º 6, confere-se reconhecidamente à capacidade fiscalizadora da Administração relativamente a entidades privadas (com o alcance de serem todas as não públicas) que exerçam poderes públicos.
Os n.os 4 e 5 do artigo 268.º (Direitos e garantias dos administrados) sofreram fusão, para eliminar a confusão que a narrativa anterior gerava.
Por força da Lei Constitucional n.º 1/97 enuncia-se agora o princípio (os cidadãos têm direito à tutela jurisdicional efectiva) e, só depois, exemplificativamente, alguns dos meios processuais apropriados para a realização da garantia, adoptando uma ordem lógica.
O tratamento das providências cautelares foi contido. Os termos em que são referidas (artigo 268.º/4 in fine) não impõem ao legislador a consagração de uma "panóplia máxima" de medidas cautelares e não inconstitucionalizam a "panóplia mínima" vigente à data da revisão (essa solução foi condição de consenso de 2/3).

VI - A actual Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho

A jurisdição administrativa, considerada como organização dos tribunais especialmente encarregados de dirimir conflitos jurídico-administrativos, é uma realidade recente em Portugal. Até à Constituição de 1976 predominava uma concepção doutrinária, de inspiração francesa, que considerava os tribunais administrativos órgãos do poder administrativo vocacionados para a resolução de conflitos e não órgãos do poder judicial. O grande sustentáculo doutrinário desta concepção, assente numa visão radical do princípio da separação de poderes, foi o Professor Marcelo Caetano.
A conversão dos tribunais administrativos em verdadeiros órgãos jurisdicionais representou uma significativa melhoria do sistema de garantias dos cidadãos, reflectindo-se em múltiplos aspectos, entre os quais avulta o processo de execução de sentenças.
O Estatuto dos Tribunais Administrativos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, criando novos meios processuais na competência dos tribunais administrativos, tornou indispensável a respectiva regulamentação.
Daí, e desde logo, a necessidade de um diploma que regulasse os aspectos processuais daqueles novos meios contenciosos. Essa foi uma das razões que justificou a aprovação do Decreto-lei n.º 267/85, diploma regulador do processo nos tribunais administrativos.
Esse diploma pretendia à data da sua publicação, permitir uma melhor administração da justiça, procurando obviar, designadamente, a variadas situações em que a irregular conduta dos recorrentes implicava com frequência a inviabilização do conhecimento do mérito dos recursos.
As principais linhas reconduzem-se ao seguinte:

- Regresso ao sistema da apresentação da petição de recurso no tribunal a que é dirigida;
- Larga possibilidade de regularização das petições de recurso;
- A limitação da rejeição do recurso de acto confirmativo;
- A expressa abertura dos meios de impugnação adequados, no caso de indevida invocação, pelo autor do acto de delegação ou subdelegação de competência;
- O novo regime definido para a presunção de indeferimento de requerimentos, no caso de delegação ou subdelegação de competência;
- Modificação introduzida no regime da suspensão provisória imediata, quer pela admissão do pedido antes da interposição do recurso quer ainda pela evidente abertura da possibilidade da suspensão, assim se satisfazendo pretensão largamente defendida.

Parecer

Face ao exposto, a 1.ª Comissão é de parecer que a proposta de lei n.º 92/VIII se encontra em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 31 de Outubro de 2001. - O Presidente e Deputado Relator, Jorge Lacão.

Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP e CDS-PP).

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PROPOSTA DE LEI N.º 93/VIII
[APROVA O ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (REVOGA O DECRETO-LEI N.º 129/84, DE 27 DE ABRIL)]

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Nota prévia

O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei que "Aprova o estatuto dos tribunais administrativos e fiscais (revoga o Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril".
Essa apresentação é efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República.
A proposta de lei reúne os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Por Despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República de 17 de Julho de 2001, a proposta vertente desceu à 1.ª Comissão para emissão do respectivo relatório e parecer.
Esta iniciativa legislativa surge acompanhada de duas outras propostas de lei que se inscrevem igualmente no âmbito da Reforma Administrativa.
Nesta matéria, e no decurso da Legislatura anterior, permitimo-nos destacar a aprovação da Lei n.º 49/96, de 4 de Setembro, que no uso de autorização legislativa possibilitou a publicação do Decreto-Lei n.º 229/96, de 4 de Setembro - Cria o Tribunal Central Administrativo (altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos). [A proposta de lei n.º 49/VII - Cria o Tribunal Central Administrativo (altera o estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), já referia na sua exposição de motivos que se "encontra em discussão pública junto dos operadores judiciários, desde finais de Fevereiro do corrente ano, dois projectos de diploma destinados, nuclearmente, a substituir a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Foram elaborados conjuntamente, por forma que as respectivas disposições se revelem intrinsecamente harmónicas entre si e tem-se por certo que devem iniciar a sua vigência simultaneamente in DAR II Série A, n.º 51 de 22 de Junho de 1996"].

II - Do objecto e motivação

Opta-se por designar o Estatuto como "Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais", regulador da organização e funcionamento dos tribunais que integram a "jurisdição administrativa e fiscal". Isto, sem prejuízo de os tribunais fiscais de primeira instância se continuarem a chamar "tribunais tributários" e de a secção que, no Tribunal Central Administrativo e no Supremo Tribunal Administrativo, decide as questões de natureza fiscal se continuar a chamar "secção de contencioso tributário".
No plano da delicada e complexa matéria da delimitação do âmbito da jurisdição, partiu-se, como não poderia deixar de ser, do quadro constitucional vigente e das imposições que dele decorrem, vinculando o legislador ordinário. Como é bem sabido, desde a revisão constitucional de 1989, e sem que, ao longo destes quase 12 anos, o facto tivesse sido objecto de controvérsia, a jurisdição administrativa e fiscal é uma jurisdição constitucionalmente obrigatória, o que, como tem sido assinalado pela doutrina, significa que o legislador não pode pôr o problema de saber se ela deve ou não deve existir.
Neste quadro se inscreve a definição do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que, como a Constituição determina, se faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de "relações jurídicas administrativas e fiscais". Mas sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como tem entendido o Tribunal Constitucional, não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa e fiscal de competências em matérias de direito comum.
Neste sentido, reservou-se, naturalmente, para a jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios respeitantes ao núcleo essencial do exercício da função administrativa, com especial destaque para a atribuição à jurisdição administrativa dos processos de expropriação por utilidade pública, cuja competência, num momento em que a jurisdição administrativa é constitucionalmente consagrada como uma ordem de verdadeiros tribunais, só por razões tradicionais continua a ser remetida para os tribunais comuns. Por ainda envolver a aplicação de um regime de direito público, respeitante a questões relacionadas com o exercício de poderes públicos, pareceu, entretanto, adequado atribuir à jurisdição administrativa a competência para apreciar as questões de responsabilidade emergentes do exercício da função política e legislativa e da função jurisdicional.
O Governo, vindo ao encontro de reivindicações antigas, optou por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios em que, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns.
A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para:

1) A apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado;
2) Já em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, como a sua actividade se rege fundamentalmente pelo direito privado, entendeu-se dever manter a dicotomia tradicional e apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios aos quais, de acordo com a lei substantiva, seja aplicável o regime da responsabilidade das pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa.
3 ) A apreciação de todas as questões relativas a contratos celebrados por pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais contratos se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado;
4) Em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, por apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios respeitantes a contratos administrativos ou a contratos cujo procedimento de formação se encontre submetido, nos termos da lei, a um regime específico de direito público. A competência

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dos tribunais administrativos estende-se, nestes casos, à apreciação da validade dos próprios actos jurídicos de preparação e adjudicação do contrato (actos pré-contratuais), praticados por estas entidades.

No plano da distribuição de competências pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, cumpre começar por assinalar que, não estando em curso uma reforma das regras processuais no domínio da justiça fiscal, cuja lei de processo, elaborada em 1999, no âmbito do Ministério das Finanças, não é tocada pela presente reforma, houve também o cuidado de não alterar o quadro das competências dos tribunais tributários e da secção de contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo.
No tocante aos tribunais administrativos de círculo e à secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo, a mais significativa inovação prende-se com a redistribuição das suas competências. Indo ao encontro de diversas propostas que vinham sendo formuladas na jurisprudência e na doutrina e foram reafirmadas no âmbito da discussão pública, mas também à revelia de algumas reticências desde sempre manifestadas, optou-se por adoptar um modelo no qual o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Central Administrativo deixam, no essencial, de funcionar como tribunais de primeira instância, para exercerem as competências que são próprias dos tribunais superiores.
Sem prejuízo de algumas ressalvas de limitada expressão estatística, os tribunais administrativos de círculo passam, assim, a conhecer, em primeira instância, da generalidade dos processos e os tribunais superiores a funcionar, essencialmente, como tribunais de recurso. O Tribunal Central Administrativo passa a ser o tribunal de segunda instância, para o qual são interpostos os recursos de apelação das sentenças proferidas pelos tribunais de círculo.
Ao Supremo Tribunal Administrativo fica reservada a tarefa de funcionar como regulador do sistema, função adequada a uma instância suprema. Neste sentido, cabe-lhe apreciar os recursos para uniformização de jurisprudência, fundados em oposição de acórdãos. Também lhe podem ser, entretanto, dirigidos recursos de revista, interpostos per saltum, com exclusivo fundamento em questões de direito, de decisões de mérito proferidas pelos tribunais administrativos de círculo em processos de valor mais elevado, ou interpostos de decisões de mérito proferidas pelo Tribunal Central Administrativo, relativamente a matérias que, pela sua relevância jurídica ou social, se revelem de importância fundamental, ou em que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito. O Supremo Tribunal Administrativo pode ser, enfim, chamado, por um tribunal administrativo de círculo, a pronunciar-se, a título prejudicial, relativamente ao sentido em que deve ser resolvida uma questão de direito nova, que suscite dificuldades sérias e se possa vir a colocar noutros litígios.
A admissão de um recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo vem introduzir no contencioso administrativo português a possibilidade de uma segunda instância de recurso e, portanto, de um triplo grau de jurisdição. Considerou-se adequada a introdução desta via pelo facto de, no novo quadro de distribuição de competências, ser ao Tribunal Central Administrativo que incumbe funcionar como instância normal de recurso e se afigurar útil que, em matérias de maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência em sectores que devam ser considerados mais importantes. Não há, assim, a intenção de generalizar o recurso de revista, institucionalizando o terceiro grau de jurisdição, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios. Ao Supremo Tribunal Administrativo caberá dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione, como se pretende, como uma válvula de segurança do sistema.
No mesmo sentido, de acentuar o papel do Supremo Tribunal Administrativo como regulador do sistema, se inscreve a referida previsão da possibilidade de um tribunal administrativo de círculo lhe solicitar, no âmbito de um reenvio prejudicial, que indique o sentido em que deve resolver uma questão de direito nova que lhe suscite dificuldades sérias e se possa vir a colocar noutros litígios. Sem se pretender atribuir a esta pronúncia do Supremo um alcance mais intenso do que aquele que lhe deve corresponder e que, do ponto de vista jurídico, se circunscreve ao processo que o tribunal de círculo tem em mãos, esta intervenção poderá, em todo o caso, evitar dificuldades na aplicação de regimes novos que, muitas vezes, dão origem a elevado número de processos, no âmbito dos quais são proferidas sentenças desencontradas. A utilização desta possibilidade, que se coloca à disposição dos tribunais de primeira instância, poderá contribuir para prevenir a produção de acórdãos contraditórios e, assim, para favorecer, a priori, a uniformização de jurisprudência quando existam muitos processos que coloquem a mesma questão jurídica material.
No que se refere ao funcionamento interno dos tribunais, refere o Governo que se procura assegurar uma maior eficácia e eficiência na administração da justiça administrativa e criar condições para dar a quem a ela recorre a possibilidade de calcular o tempo que o processo poderá durar, responsabilizando todos os intervenientes. Neste sentido, prevê-se que o número máximo de processos a distribuir a cada magistrado e o prazo máximo dentro do qual os diferentes actos processuais a cargo de magistrados e funcionários deverão ser praticados seja anualmente fixado pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, para além de outras medidas de agilização de processos, reforçam-se os poderes do presidente de cada tribunal, por forma a assegurar o andamento do serviço, no cumprimento dos prazos estabelecidos, a planear e organizar os recursos humanos do tribunal, assegurando uma equitativa distribuição de processos pelos juízes e o acompanhamento do respectivo trabalho. Prevê-se, enfim, a possibilidade de recorrer à bolsa de juízes, criada para permitir o suprimento de necessidades adicionais de resposta.
Podem ser recrutados de entre magistrados judiciais e do Ministério Público, advogados, funcionários da Administração Pública ou universitários, e por um corpo de magistrados especializados, com formação específica em matérias administrativas e fiscais e que a essas matérias se propõem dedicar a sua carreira. Neste último sentido se prevê, sem prejuízo embora da necessária regulação em diploma próprio, que, após o recrutamento, tenha lugar um período de formação específica, adequada à preparação dos novos magistrados para as funções que vão exercer.

III - Esboço Histórico - Os tribunais administrativos e a sua evolução

Os órgãos da Administração praticam actos jurídicos que se traduzem numa definição de direitos autoritária e com

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eficácia executória imediata. Durante séculos estes actos só podem ser impugnados hierarquicamente, i.e, perante uma autoridade superior daquela que decidira primeiro. À medida que aumenta a necessidade de garantir uma mais efectiva audiência dos interessados na discussão da relação jurídico-administrativa em conflito, o recurso hierárquico vai-se jurisdicionalizando cada vez mais e restringindo à contemplação jurídica do caso.
Com a exaltação do princípio da separação de poderes, floresce a hostilidade à intervenção dos tribunais nos litígios suscitados pela actividade administrativa. Em França, uma lei de 1790 determina que as reclamações contra os actos ilegais dos corpos administrativos serão formuladas perante o rei, enquanto chefe da Administração. Nove anos depois, a Constituição do ano VIII cria o Conselho de Estado, com competência para examinar as questões contenciosas, mas como órgão consultivo. O Conselho elabora um projecto de resolução que é apresentado ao Governo, a quem cabe a última palavra. É o sistema puro do administrador-juiz (jurisdição reservada). Porém, o prestígio que o Conselho de Estado adquire ao longo dos anos conduz a que uma lei de 24 de Maio de 1872 lhe reconheça o poder de decidir os litígios contenciosos sem necessidade de homologação governamental. A competência contenciosa continua a pertencer à Administração; o Conselho é um órgão dela, com carácter jurisdicional. É ainda o sistema do administrador-juiz, mas agora, no regime de jurisdição delegada.
Em Portugal, é longínqua a tradição da possibilidade de impugnar os actos do Poder violadores de lei e lesivos dos direitos dos particulares. As Ordenações Filipinas admitiam os embargos como meio de obter a anulação de diplomas contrários ao direito ou à utilidade pública e atribuíam ao "Julgador" competência para anular actos praticados com erro de facto, quer por sub-repção, quer por ob-repção.
Mas Pombal, em 1751 priva, na prática, os tribunais do foro comum da competência administrativa, reservando-a para os tribunais régios.
No advento do direito moderno, com a vitória do liberalismo copia-se, e entre nós, o figurino francês. A Carta de Lei de 3 de Maio de 1845 reorganiza o Conselho de Estado, que fora criado pela Carta Constitucional como órgão exclusivamente político, acrescentando-lhe atribuições consultivas na ordem da administração pura e no contencioso.
Em 1870, o Conselho é desdobrado e ao que fica com atribuições consultivas em matéria de contencioso administrativo é dado o nome de Supremo Tribunal Administrativo.
O Conselho de Estado e, depois, o Supremo, resolviam com a forma de consulta que era apresentada ao Governo; se este a homologasse era publicado um decreto sob consulta, e se discordasse, expedia um decreto contra consulta. Era o sistema do administrador-juiz, com a justiça administrativa entregue, em última análise, ao próprio Governo. Este regime vai durar até 1924.
Pelo que respeita à 1.ª instância, as atribulações foram maiores. Em 1832, é criado em cada província um Conselho de Prefeitura que julga, com independência da Administração, determinadas questões contenciosas que não incluem a apreciação da legalidade dos actos administrativos.
Mas logo em 1835 as matérias da competência dos Conselhos de Prefeitura são entregues ao poder judicial. E as questões de administração pura são conhecidas pelo Governador Civil, que pode anular os actos recorridos em Conselho de Distrito.
O Código Administrativo do ano seguinte mantém esta repartição de competências estruturando os Conselhos de Distrito, como verdadeiros tribunais administrativos com jurisdição própria.
Em 1840 é-lhes atribuído o julgamento de todas as questões contenciosas. O Código de 1886 cria, em cada distrito, um tribunal administrativo, composto por três magistrados, inamovíveis no decurso da comissão que era de três anos. Estes tribunais são extintos em 1892, remetendo-se para os juízes de direito as suas funções, com recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
Mas logo em 1896 se volta a criar em cada distrito um tribunal administrativo, agora singular, cujo juiz é o auditor.
O Decreto n.º 9340, de 7 de Janeiro de 1924, extingue, simultaneamente, o Supremo Tribunal Administrativo e as auditorias. As atribuições destas passam para os juízes de Direito e as daquele para as Relações e para o Supremo Tribunal de Justiça.
Deste modo, durante um curto período que vai durar até Novembro de 1925, mas que depois se repete de 1926 até 1930, vigora em Portugal o sistema puro dos tribunais judiciais que consiste em confiar a estes o julgamento das questões do contencioso administrativo tais como as de quaisquer casos de justiça comum.
O sistema, condenado nos considerandos do Decreto n.º 11 250, de 19 de Novembro de 1925, que restaurou os tribunais administrativos, é abandonado pelo Decreto-Lei n.º 18 017, de 28 de Fevereiro de 1930, que cria o Supremo Conselho de Administração Pública e três auditorias administrativas. O Decreto-Lei n.º 23 185, de 30 de Outubro de 1933, extingue o Supremo Conselho e cria um Supremo Tribunal Administrativo dotado de jurisdição própria. Reverte-se, deste modo, ao sistema chamado dos Tribunais Administrativos: órgãos da Administração, com jurisdição própria, mas funções meramente declaratórias, constituídos por juízes independentes perante os quais se processa jurisdicionalmente o exame de legalidade de um acto administrativo definitivo e executório [Marcelo Caetano, in o Direito, ano 84.º, p. 199].
A estrutura constitucional transitória contida na Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, assenta na ideia, no domínio que nos interessa aqui, de que as funções jurisdicionais são exercidas exclusivamente por tribunais integrados no Poder Judicial (artigo 18.º, n.º1). Por isso, o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 250/74, de 12 de Junho, veio dizer que "O Supremo Tribunal Administrativo e as auditorias administrativas ficam integradas no Ministério da justiça".
A Constituição de 1976 - mesmo depois da revisão de 1982 -, a seguir à enumeração das categorias de tribunais, na qual não inclui os tribunais administrativos, consente, expressamente a sua existência. Como a propósito referem Gomes Canotilho e Vital Moreira [In Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora 1993]: "Não deixa de causar alguma perplexidade, ver considerada como facultativa e dependente da lei a existência de uma categoria de tribunais que goza de uma posição solidamente sedimentada no actual sistema judicial. A explicação deve-se seguramente à ideia de extinguir a autonomia orgânica da justiça administrativa, integrando os tribunais administrativos, como tribunais especializados, dentro da categoria dos tribunais judiciais".
Finalmente é publicado o Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, que estabelece uma nova orgânica para os tribunais administrativos (e, também para os fiscais). São órgãos de soberania, com jurisdição própria. Os seus juízes formam

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um corpo único e regem-se em primeira linha, pelas disposições da Constituição sobre a independência, a inamovibilidade, a irresponsabilidade e as incompatibilidades; não estão sujeitos a limite de tempo de permanência no lugar. É criado um Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que é o órgão de gestão e disciplina dos juízes da jurisdição administrativa e fiscal, presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Administrativo.
Tal como observa L. Costa de Mesquita [In Enciclopédia Polis Tribunais Administrativos, Verbo] em face do quadro atrás exposto, é seguro poder afirmar-se que não estamos perante nenhum dos sistemas anteriormente ensaiados.
Não é o sistema do administrador-juiz porque os TA, julgam, não se limitam a dar consultas a um órgão da Administração activa (jurisdição reservada) ou a decidirem por delegação da Administração (jurisdição delegada) mas também não é o sistema a que se chamou dos tribunais administrativos, uma vez que eles agora não são órgãos da Administração, pelo contrário, são exteriores a ela, hermeticamente fechados sobre si, igualmente, não se pode falar do sistema dos tribunais judiciais, visto que nem as questões do contencioso administrativo estão confiadas a estes tribunais nem originam julgamento. Como os de quaisquer casos de justiça comum. Dir-se-á que não existindo presentemente mais do que uma ordenação constitucional dos tribunais, não existindo um sistema unitário e integrado, os tribunais administrativos constituem uma categoria de tribunais independente e autónoma dos demais, com um tribunal superior no topo da sua hierarquia.

IV - Do quadro legal aplicável

O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais surgiu na sequência de um texto elaborado por uma comissão presidida pelo Dr. Rui Machete.
De acordo com o Presidente dessa Comissão o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais teve dois objectivos fundamentais:

- Por um lado, tentar por cobro a uma situação diagnosticada como caótica em que se encontravam os tribunais administrativos e fiscais, avassalados por um número crescente de processos;
- Por outro lado, era imperioso traduzir no plano processual, as garantias de defesa a situações subjectivas dos particulares e que a Constituição procurou fortalecer.

Este diploma foi precedido de autorização legislativa conferida pela Lei n.º 29/83, de 8 de Setembro.
O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ao criar novos meios processuais da competência dos tribunais administrativos, tornou indispensável a respectiva regulamentação.
Consta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, (LPTA) a necessidade de um diploma que regulasse os aspectos processuais daqueles novos meios contenciosos.
Dispõe o legislador que "confia-se em que a aplicação do presente diploma possa contribuir para a recuperação do estado de congestionamento do serviço dos tribunais administrativos".
O Decreto-Lei n.º 129/84 transformou as auditorias administrativas em tribunais administrativos e círculo, e introduz uma inovação relevante: ao contrário das auditorias que funcionavam apenas com juiz singular, os tribunais administrativos de círculo funcionavam com juiz singular ou em colectivo.
Contudo, a experiência prática veio revelar o quanto estava enganado o legislador dado que as instâncias administrativas designadamente o Supremo Tribunal Administrativo atingiram um estádio de quase "ruptura".
Com efeito, o crescendo de processos que foram sendo difíceis de escoar dada a complexidade da tramitação processual existente bem como a verificação de outros problemas de ordem logística contribuíram para o verdadeiro caos do contencioso administrativo em geral.

IV - Do enquadramento constitucional
(Artigo 214.º da CRP)

A constitucionalização formal dos tribunais administrativos e fiscais efectuada na 2.ª revisão constitucional - pela qual deixaram de ser uma ordem judicial constitucionalmente facultativa - veio ao encontro das críticas da doutrina que se manifestavam estupefactas ao "ver considerada como facultativa e dependente da lei a existência de uma categoria de tribunais que goza de uma posição solidamente sedimentada no actual sistema judicial".
A consolidação do estatuto constitucional dos tribunais administrativos e fiscais constitui, assim, uma das inovações mais relevantes da 2.ª revisão constitucional.
Os tribunais administrativos e fiscais formam uma estrutura hierárquica, tendo como órgão de cúpula o Supremo Tribunal Administrativo (212.º, n.º1) que está de certo modo para a justiça administrativa como o Supremo Tribunal de Justiça está para os tribunais judiciais.
Aos tribunais administrativos e fiscais compete o exercício da justiça administrativa e fiscal por outras palavras, compete-lhes "o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações administrativas e fiscais" (212.º, n.º 3).
Estão em causa os litígios emergentes de relações jurídico - administrativas ou fiscais (n.º 3 in fine), ou seja:

1) De um ponto de vista objectivo ou material:
As relações jurídicas controvertidas são reguladas sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo e fiscal. Não estão, portanto, aqui em causa litígios de natureza privada ou jurídico-civil.
2) De um ponto de vista subjectivo ou orgânico:
As acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público.

Os problemas de compatibilização dos dois critérios, maxime, à luz da "prossecução do interesse público" (Constituição da República Portuguesa, artigo 266.º, n.º 1) não devem, assim, deixar de ser equacionados e esclarecidos.
Face ao exposto, a 1.ª Comissão é de parecer que a proposta de lei n.º 93/VIII, se encontra em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 31 de Outubro de 2001. - O Presidente e Deputado Relator, Jorge Lacão.

Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP e CDS-PP).

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PROPOSTA DE LEI N.º 94/VIII
(ESTABELECE MEDIDAS DE COMBATE À CRIMINALIDADE ORGANIZADA E ECONÓMICO-FINANCEIRA)

Relatório da votação na especialidade e texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

1 - Na sequência da discussão havida na reunião realizada pela Comissão, no dia 30 de Outubro de 2001, procedeu-se à discussão e votação, na especialidade, da iniciativa legislativa supra-referida.
2 - Da discussão e subsequente votação resultou o seguinte:
3 - Por solicitação do PCP, procedeu-se à votação em bloco dos artigos 7.º, 8.º e 9.º, os quais foram aprovados, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e a abstenção do PCP.
4 - De seguida, procedeu-se à votação, também em bloco, de todos os outros artigos (1.º a 6.º e 10.º a 16.º, inclusive), os quais foram aprovados por unanimidade.
5 - Figura, em anexo, o texto final resultante desta votação.

Palácio de São Bento, 30 de Outubro de 2001. - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.

Texto final

Capítulo I

Artigo 1.º
(Âmbito de aplicação)

1 - O presente diploma estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relativa aos crimes de:

a) Tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos 21.º a 23.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
b) Terrorismo e organização terrorista;
c) Tráfico de armas;
d) Corrupção passiva e peculato;
e) Branqueamento de capitais;
f) Associação criminosa;
g) Contrabando;
h) Tráfico e viciação de veículos furtados;
i) Lenocínio e lenocínio e tráfico de menores;
j) Contrafacção de moeda e de títulos equiparados a moeda.

2 - O disposto no presente diploma só é aplicável aos crimes previstos nas alíneas g) a j) do número anterior se o crime for praticado de forma organizada.
3 - O disposto nos Capítulos II e III é ainda aplicável aos demais crimes referidos no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro.

Capítulo II
Segredo profissional

Artigo 2.º
(Quebra de segredo)

1 - Nas fases de inquérito, instrução e julgamento de processos relativos aos crimes previstos no artigo 1.º o segredo profissional dos membros dos órgãos sociais das instituições de crédito e sociedades financeiras, dos seus empregados e de pessoas que a elas prestem serviço, bem como o segredo dos funcionários da administração fiscal, cedem, se houver razões para crer que as respectivas informações têm interesse para a descoberta da verdade.
2 - Para efeitos do presente diploma, o disposto no número anterior depende unicamente de ordem da autoridade judiciária titular da direcção do processo, em despacho fundamentado.
3 - O despacho previsto no número anterior identifica as pessoas abrangidas pela medida e especifica as informações que devem ser prestadas e os documentos que devem ser entregues, podendo assumir forma genérica para cada um dos sujeitos abrangidos quando a especificação não seja possível.
4 - Se não for conhecida a pessoa ou pessoas titulares das contas ou intervenientes nas transacções é suficiente a identificação das contas e transacções relativamente às quais devem ser obtidas informações.
5 - Quando se trate de informações relativas a arguido no processo ou a pessoa colectiva, o despacho previsto no n.º 2 assume sempre forma genérica, abrangendo:

a) Informações fiscais;
b) Informações relativas a contas bancárias e respectivos movimentos de que o arguido ou a pessoa colectiva seja titular ou co-titular, ou em relação às quais disponha de poderes para efectuar movimentos;
c) Informações relativas a transacções bancárias e financeiras em que o arguido ou a pessoa colectiva sejam intervenientes;
d) Identificação dos outros intervenientes nas operações referidas nas alíneas b) e c);
e) Documentos de suporte das informações referidas nos números anteriores.

6 - Para cumprimento do disposto nos números anteriores, as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal com competência para a investigação têm acesso às bases de dados da administração fiscal.

Artigo 3.º
(Procedimento relativo a instituições de crédito ou sociedades financeiras)

1 - Após o despacho previsto no artigo anterior, a autoridade judiciária ou, por sua delegação, o órgão de polícia criminal com competência para a investigação, solicitam às instituições de crédito ou sociedades financeiras as informações e os documentos de suporte, ou sua cópia, que sejam relevantes.
2 - As instituições de crédito e as sociedades financeiras são obrigadas a fornecer os elementos solicitadas, no prazo de:

a) Cinco dias, quanto a informações disponíveis em suporte informático;

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b) 30 dias, quanto aos respectivos documentos de suporte e a informações não disponíveis em suporte informático, prazo que é reduzido a metade caso existam arguidos detidos ou presos.

3 - Se o pedido não for cumprido dentro do prazo, ou houver fundadas suspeitas de que tenham sido ocultados documentos ou informações, a autoridade judiciária titular da direcção do processo procede à apreensão dos documentos, mediante autorização, na fase de inquérito, do juiz de instrução.
4 - Os documentos que não interessem ao processo são devolvidos à entidade que os forneceu ou destruídos, quando não se trate de originais, lavrando-se o respectivo auto.
5 - Se as instituições referidas no n.º 1 não forem conhecidas, a autoridade judiciária titular da direcção do processo solicita ao Banco de Portugal a difusão do pedido de informações.
6 - As instituições de crédito ou sociedades financeiras indicam à Procuradoria-Geral da República uma entidade central responsável pela resposta aos pedidos de informação e de documentos.

Artigo 4.º
(Controlo de contas bancárias)

1 - O controlo de conta bancária obriga a respectiva instituição de crédito a comunicar quaisquer movimentos sobre a conta à autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal dentro das 24h subsequentes.
2 - O controlo de conta bancária é autorizado ou ordenado, consoante os casos, por despacho do juiz, quando tiver grande interesse para a descoberta da verdade.
3 - O despacho referido no número anterior identifica a conta ou contas abrangidas pela medida, o período da sua duração e a autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal responsável pelo controlo.
4 - O despacho previsto no n.º 2 pode ainda incluir a obrigação de suspensão de movimentos nele especificados, quando tal seja necessário para prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais.
5 - A suspensão cessa se não for por autoridade judiciária, no prazo de 48h.

Artigo 5.º
Obrigação de sigilo

As pessoas referidas no n.º 1 do artigo 2.º ficam vinculadas pelo segredo de justiça quanto aos actos previstos nos artigos 2.º a 4.º de que tomem conhecimento, não podendo, nomeadamente, divulgá-los às pessoas cujas contas são controladas ou sobre as quais foram pedidas informações ou documentos.

Capítulo III
Outros meios de produção de prova

Artigo 6.º
(Registo de voz e de imagem)

1 - É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado.
2 - A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos.
3 - São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.

Capítulo IV
Perda de bens a favor do Estado

Artigo 7.º
(Perda de bens)

1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 - Para efeitos deste diploma, entende-se por património do arguido o conjunto dos bens:

a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.

3 - Consideram-se sempre como vantagens de actividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal.

Artigo 8.º
Promoção da perda de bens

1 - O Ministério Público liquida, na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado.
2 - Se não for possível a liquidação no momento da acusação, ela pode ainda ser efectuada até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios autos.
3 - Efectuada a liquidação, pode esta ser alterada dentro do prazo previsto no número anterior se houver conhecimento superveniente da inexactidão do valor antes determinado.
4 - Recebida a liquidação, ou a respectiva alteração, no tribunal, é imediatamente notificada ao arguido e ao seu defensor.

Artigo 9.º
(Prova)

1 - Sem prejuízo da consideração pelo tribunal, nos termos gerais, de toda a prova produzida no processo, pode o arguido provar a origem lícita dos bens referidos no n.º 2 do artigo 7.º.
2 - Para os efeitos do número anterior é admissível qualquer meio de prova válido em processo penal.
3 - A presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 7.º é ilidida se se provar que os bens:

a) Resultam de rendimentos de actividade lícita;
b) Estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido;
c) Foram adquiridos pelo arguido com rendimentos obtidos no período referido na alínea anterior.

4 - Se a liquidação do valor a perder em favor do Estado for deduzida na acusação, a defesa deve ser apresentada

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na contestação. Se a liquidação for posterior à acusação, a prazo para defesa é de 20 dias contados da notificação da liquidação.
5 - A prova referida nos n.º 1 a n.º 3 é oferecida em conjunto com a defesa.

Artigo 10.º
Arresto

1 - Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido.
2 - A todo o tempo, o Ministério Público requer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de actividade criminosa.
3 - O arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime.
4 - Em tudo o que não contrariar o disposto no presente diploma é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal.

Artigo 11.º
Modificação e extinção do arresto

1 - O arresto cessa se for prestada caução económica pelo valor referido no n.º 1 do artigo anterior.
2 - Se, em qualquer momento do processo, for apurado que o valor susceptível de perda é menor ou maior do que o inicialmente apurado, o Ministério Público requer, respectivamente, a redução do arresto ou a sua ampliação.
3 - O arresto ou a caução económica extinguem-se com a decisão final absolutória.

Artigo 12.º
Declaração de perda

1 - Na sentença condenatória, o tribunal declara o valor que deve ser perdido em favor do Estado, no termos do artigo 7.º.
2 - Se este valor for inferior ao dos bens arrestados ou à caução prestada, são um ou outro reduzidos até esse montante.
3 - Se não tiver sido prestada caução económica, o arguido pode pagar voluntariamente o montante referido no número anterior nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença, extinguindo-se o arresto com esse pagamento.
4 - Não se verificando o pagamento, são perdidos em favor do Estado os bens arrestados.

Capítulo V
(Regime sancionatório)

Artigo 13.º
(Falsidade de informações)

1 - Quem, sendo membro dos órgãos sociais das instituições de crédito e sociedades financeiras, seu empregado ou a elas prestando serviço, ou funcionário da administração fiscal, fornecer informações ou entregar documentos falsos ou deturpados no âmbito de procedimento ordenado nos termos do Capítulo II é punido com pena de prisão de seis meses a três anos ou multa não inferior a 60 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a prestar informações ou a entregar documentos ou obstruir a sua apreensão.

Artigo 14.º
Contra-ordenações

1 - Constitui contra-ordenação, punível com coima de 150 000$ a 150 000 000$, o incumprimento das obrigações previstas no Capítulo II por parte das instituições de crédito ou sociedades financeiras.
2 - Caso o incumprimento seja reiterado, os limites máximo e mínimo da coima são elevados para o dobro.
3 - Em caso de negligência, o montante máximo da coima é reduzido a metade.
4 - A instrução dos processos de contra-ordenações previstas nos números anteriores é da competência, relativamente a cada entidade, da autoridade encarregue da supervisão do respectivo sector.
5 - Compete ao Ministro das Finanças a aplicação das sanções previstas nos n.º 1 a n.º 3.

Capítulo VI
Disposições finais

Artigo 15.º
(Norma revogatória)

São revogados:

a) O artigo 5.º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 90/99, de 10 de Julho;
b) O artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro.

Artigo 16.º
(Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Palácio de São Bento, 30 de Outubro de 2001. - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.

Proposta de alteração apresentada pelo PSD

Artigo 2.º
(...)

1 - (...)
2 - Para efeitos do presente diploma, o disposto no número anterior depende unicamente de ordem do juiz competente, em despacho fundamentado.
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)

Palácio de São Bento, 31 de Outubro de 2001. - Os Deputados do PSD: Guilherme Silva - Miguel Macedo - Hugo Velosa - Fernando Seara - Manuela Ferreira Leite - Luís Marques Guedes - António Montalvão Machado - Teresa Gouveia - Jorge Neto - António Barreto - Manuel Moreira.

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PROPOSTA DE LEI N.º 95/VIII
[LEI DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO (REVOGA O DECRETO-LEI N.º 48 051, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1967)]

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Nota prévia

O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei que aprova a "Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (Revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967)".
Essa apresentação é efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República. A proposta de lei reúne os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República de 17 de Julho de 2001, a proposta vertente desceu à 1.ª Comissão para emissão do respectivo relatório e parecer.
Esta iniciativa legislativa surge acompanhada de duas outras propostas de lei, que se inscrevem igualmente no âmbito da reforma administrativa.

II - Do objecto, motivação e contornos da proposta de lei n.º 95/VIII

O XIV Governo Constitucional apresenta à Assembleia da República, para discussão, uma proposta de diploma, onde este órgão assume o propósito pioneiro de regular a matéria da responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades públicas, por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, jurisdicional e administrativa.
Para o cumprimento desse desiderato, "promoveu a realização de um colóquio em que foram debatidas as grandes questões que neste domínio se colocam, tendo sido reunidos em livro os textos das intervenções realizadas. Diversos contributos para a reforma chegaram, entretanto, ao Ministério da Justiça, o mais relevante dos quais proveio da Ordem dos Advogados, que divulgou um texto, elaborado por uma comissão de reputados especialistas, no qual apresentou, sob a forma de articulado, as suas propostas sobre a matéria".
No entendimento do Governo, "pode dizer-se que se afigura correcta a opção de partir para a redefinição do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, pelo menos no que ao exercício da função administrativa se refere, do regime estatuído no Decreto-Lei n.º 48 051 e das soluções que, ao longo dos tempos, em seu torno foram sendo gizadas pela jurisprudência portuguesa. Daí ter sido considerado útil incorporar na lei soluções que, tendo vindo a afirmar-se na prática jurisprudencial, a consagração normativa permitirá consolidar".
É o que sucede com alguns dos preceitos que integram as disposições gerais, bem como com algumas das normas em matéria de responsabilidade pelo exercício da função administrativa - com destaque para a consagração, com alcance geral, do entendimento, já assumido pela jurisprudência administrativa, de que a eventual não utilização da via processual adequada à eliminação de um acto jurídico lesivo, só por si, não põe em causa o direito à indemnização, apenas podendo relevar no quadro do instituto da culpa do lesado.
O novo diploma procura, entretanto, responder à necessidade, antiga, de adaptar o regime legal da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas às exigências ditadas pela Constituição da República. Neste sentido, procede-se às seguintes alterações:

- Aperfeiçoa-se o regime da responsabilidade pelo exercício da função administrativa, estendendo o campo de aplicação do regime da responsabilidade solidária ao domínio das condutas praticadas com culpa grave;
- Estabelece-se, pela primeira vez em Portugal, um regime geral de responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional; e introduz-se um regime inovador, mesmo numa perspectiva de direito comparado, em matéria de responsabilidade pelo exercício da função política e legislativa.
- Consagra-se, nos mais amplos termos, o dever de o Estado e demais pessoas colectivas de direito público indemnizarem todo aquele a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, sem circunscrever o regime ao exercício da função administrativa.

2. 1 - Da responsabilidade pelo exercício da função administrativa

Mantém-se a diferenciação que, na ordem jurídica portuguesa, tem sido estabelecida entre actuações administrativas que geram uma responsabilidade regida por disposições de direito público e actuações administrativas que suscitam uma responsabilidade regida por disposições de direito privado, circunscrevendo o âmbito do diploma à definição do regime de direito público da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas.
No entendimento dos proponentes, não são qualitativamente idênticas e, por isso, indiferenciáveis as condutas que as entidades públicas desenvolvem como se fossem entidades privadas e aquelas que elas adoptam no exercício de poderes públicos de autoridade ou, em todo o caso, ao abrigo de disposições e princípios de direito público, institutivos de deveres ou restrições especiais, de natureza especificamente administrativa, que não se aplicam à actuação das entidades privadas. E que, dentro dessa perspectiva, ainda permanecem válidas as razões que, historicamente, levaram a associar a esta distinção uma diferenciação de regimes, admitindo que, quando está em causa o exercício de funções públicas, a responsabilidade directa do titular de órgão, funcionário ou agente e o direito de regresso sobre ele apenas devem existir quando tenha havido dolo ou culpa grave da sua parte.
Opta-se, assim, por delimitar o âmbito material das actuações abrangidas pelo regime de responsabilidade segundo o critério do regime jurídico substantivo ao abrigo do qual elas foram adoptadas.
No que se refere à responsabilidade civil da Administração, as principais alterações propostas consistem no seguinte:

- Alargamento da regra da solidariedade, em conformidade com a Constituição, ao domínio das condutas praticadas com culpa grave;
- A consagração legal de uma responsabilidade de natureza objectiva da Administração pelo funcionamento anormal dos seus serviços;
- A introdução de um regime de presunção de culpa, nos casos em que os danos são causados por actos jurídicos, o que compreende actos administrativos e actos de conteúdo normativo.

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Com a introdução desta presunção de culpa, aproxima-se, finalmente, o quadro normativo da prática dos nossos tribunais administrativos, que - em sintonia com a tradição firmada nos países do sul da Europa, com particular destaque para a França, e, por influência desta, no direito comunitário -, já de há muito vinham entendendo que a culpa é inerente à prática de actos jurídicos ilegais por parte da Administração.
Concomitantemente dá-se, assim, satisfação às exigências impostas pelas Directivas n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, e 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro, que, embora no domínio específico das consequências da anulação de actos relativos à formação de certo tipo de contratos, se fazem eco da orientação, de matriz francesa, que tem inspirado o Tribunal de Justiça das Comunidades no domínio da responsabilidade por actos administrativos ilegais e que precisamente assenta no entendimento de que a culpa se encontra ínsita na ilegalidade cometida, sem carecer, por isso, de demonstração.

2. 2 - Da responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional

Procede-se ao alagamento da responsabilidade civil do Estado por danos resultantes do exercício da função jurisdicional, estendendo-se ao domínio da administração da justiça o regime da responsabilidade da Administração, com as ressalvas que decorrem do regime próprio do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que os magistrados respondam directamente pelos ilícitos que cometam, sem prejuízo do regime do direito de regresso nos caos de dolo ou culpa grave (pelo que não se lhes aplica o regime de responsabilidade solidária que vale para os titulares de órgãos, funcionários e agentes administrativos, incluindo os que prestam serviço na administração da justiça).
No que se refere ao regime do erro judiciário, para além da delimitação genérica do instituto, assente num critério de evidência do erro de direito ou na apreciação dos pressupostos de facto, entendeu-se dever limitar a possibilidade de os tribunais administrativos, numa acção de responsabilidade, se pronunciarem sobre a bondade intrínseca das decisões jurisdicionais, exigindo que o pedido de indemnização seja fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.

2. 3 - Da responsabilidade pelo exercício da função política e legislativa

De especial alcance é a opção normativa e política de caminhar para a consagração de um regime geral de responsabilidade do Estado e das regiões autónomas por acções ou omissões ilícitas cometidas no exercício da função política e legislativa.
Neste sentido se identificam as situações de ilicitude por referência à ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, quando esteja em causa a violação evidente do dever de protecção, bem como a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, quando resulte da violação de normas constitucionais, de direito internacional ou comunitário, ou de normas de valor reforçado. Identicamente, é causa de responsabilidade a omissão de providências legislativas bem como do dever de protecção de direitos fundamentais, (nos termos do artigo 15.º).
Regista-se a possibilidade de o tribunal poder limitar a indemnização quando os lesados por uma acção ou omissão legislativa ilícita e culposa forem em tal número que se justifique, por razões de interesse público de excepcional relevo, uma tal solução.

2. 4 - Da correspondente harmonização de outras disposições legais

A revisão do regime da responsabilidade por danos resultantes do exercício da função jurisdicional requer, por fim, a harmonização do preceito do Código de Processo Penal relativo à obrigação de indemnizar no caso de detenção ou prisão preventiva ilegítima, bem como o preceito que, no Estatuto do Ministério Público, se refere à responsabilidade dos respectivos magistrados.
Em aberto subsiste a necessidade de outras avaliações de compatibilidade, mormente com incidência no processo civil.

III - A Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (Vd. "A responsabilidade do Estado", coordenado por Fausto Quadros) e o texto constitucional

O Instituto da Responsabilidade da Administração sofreu uma evolução relativamente rápida e largamente favorável aos particulares.
O princípio da irresponsabilidade do Estado e demais entidades públicas - e, portanto, da Administração - deixou de ser a regra, admitindo-se progressivamente a sua responsabilização.
Assim, a responsabilidade do Estado, e demais pessoas colectivas públicas, inicialmente indirecta e dependente da existência de culpa, evoluiu em largos domínios para directa e objectiva, independente da existência de culpa ou, até, ilicitude.
A evolução que se verificou no ordenamento jurídico português, que começou por consagrar a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas ao nível da legislação ordinária, culminou com a consagração, na Constituição vigente, do princípio geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas. Tal princípio, consagrado no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa é sem dúvida um dos princípios básicos de um Estado de direito democrático baseado na salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos e pressupõe, simultaneamente, um direito e uma garantia primordial de qualquer cidadão.
À primeira vista, o artigo 22.º [O Acórdão do Tribunal Constitucional 153/90 apreciou em sede de fiscalização concreta da Constitucionalidade o artigo 22.º da Constituição (de forma incidental), concluindo pela sua aplicação a todos os casos de responsabilidade extracontratual do Estado e outra entidades públicas] parece consagrar o princípio da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas em termos amplíssimos revestindo um carácter verdadeiramente inovador - abrangendo por um lado, quer a responsabilidade por actos ilícitos quer por actos lícitos ou pelo risco e, por outro lado, a responsabilidade em virtude do exercício das várias funções do Estado. Todavia esta disposição contém alguns indícios que apontam em sentido não coincidente, nomeadamente ao consagrar a responsabilidade em forma solidária.
A tendência, nos anos 70 e 80, tem sido, noutros ordenamentos, para consagrar a responsabilidade de 1.º grau das entidades públicas, independentemente de responsabilidade subjectiva dos titulares dos seus órgãos e agentes.
A Constituição actual, quer no artigo 22.º quer no artigo 271.º n.os 1, 2 e 3, é tributária da visão clássica do relacionamento entre responsabilidades. Como a responsabilidade supõe sempre a ilicitude de titulares de órgãos, funcionários, o artigo 22.º pode ser interpretado como não vinculando directa e imediatamente a responsabilidade civil de entidades públicas por acto lícito. A expressão final "prejuízo de outrém"

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visaria englobar todos os casos de ilicitude que não se reconduzem à violação de direitos, liberdades e garantias, a saber a violação de "outros direitos e interesses legalmente protegidos", ou interesses legítimos, para usarmos as expressões dos artigos 22.º e 271,º da Constituição da República Portuguesa.
Por isso, e apesar de o regime constitucional previsto para os direitos, liberdades e garantias ser aplicável no tocante ao artigo 22.º na medida em que este consagra um direito primordial de qualquer cidadão, urge, sem prejuízo do importante papel desempenhado pelos órgãos de aplicação do direito, legislar sobre a matéria.
Da análise constitucional ressaltam quatro princípios conformadores da responsabilidade da Administração Pública, a saber:

a) A responsabilidade da Administração Pública como forma de protecção jurídica dos direitos fundamentais;
b) O respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos;
c) O respeito pelos princípios da legalidade, da justiça, da imparcialidade, da proporcionalidade, da necessidade e da igualdade;
d) A responsabilidade da Administração Pública como princípio estruturante do Estado de direito.

Do regime constitucional consagrado retira-se que todas as interpretações do artigo 22.º não poderão restringir o seu conteúdo, antes, se for o caso, será a lei ordinária que terá de ser restringida. Este preceito é, afinal, aplicável directamente como norma exequível por si própria.
O direito ordinário anterior à Constituição, constante do Decreto-Lei n.º 48 051, teria, pelo menos, de ser revisto em consonância com o princípio geral da solidariedade entre a Administração e os seus funcionários pelos actos de gestão pública ilícitos constante do artigo 22.º da Constituição.

IV - Da responsabilidade civil no Código Civil

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (Artigo 483.º do CódigoCivil).
Este artigo consagra, o princípio fundamental da obrigação de reparar as violações de quaisquer direitos dos particulares. É um património comum do direito privado e não só do direito das obrigações.
As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando independentemente dos outros requisitos legais, havia por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido (Artigo 486.º do Código Civil).
Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (Artigo 494.º do CódigoCivil).
No caso de lesão de que, proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral (Artigo 495.º do CódigoCivil).
São extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco na parte aplicável na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos (Artigo 499.º do CódigoCivil).

V - Da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (Decreto - Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967)

A lacuna no direito positivo aberta com a publicação do Código Civil de 1966 (que veio regular a matéria da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos praticados no exercício de actividades de gestão privada) veio a ser colmatada pelo Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, o qual estabeleceu o regime geral da "responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública".
A responsabilidade da Administração por factos praticados no exercício de actividades de gestão pública passou, assim, "em tudo que não esteja previsto em leis especiais" (artigo 1.º in fine) a reger-se pelo disposto do novo decreto-lei.
O Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, veio regular, no âmbito dos actos de gestão pública, não só a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas em virtude de actos ilícitos culposos mas também - e pela primeira vez no direito português, com carácter geral e abstracto - a chamada responsabilidade administrativa: responsabilidade por factos casuais e responsabilidade por actos ilícitos.
Neste diploma regula-se a responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício (artigos 2.º e 3.º).
Os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem precedido dolosamente.
Prevê-se ainda que, o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítimas ou de terceiro, sendo neste caso a responsabilidade determinada segundo o grau de culpa de cada um (artigo 8.º).
O decreto-lei aborda, em primeiro lugar, a responsabilidade por actos ilícitos culposos (artigos 2.º a 3.º). O Decreto-Lei n.º 48 051 veio ainda consagrar ao lado da clássica responsabilidade civil da Administração cujo fundamento é a prática de actos ilícitos, culposos, a chamada responsabilidade administrativa.
Somente com este diploma se admite, pela primeira vez, no ordenamento jurídico nacional, o princípio geral da responsabilidade da administração independentemente de culpa.
A matéria da responsabilidade fundada no risco ou responsabilidade por factos casuais, consta do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, cujo teor é o seguinte: "O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítimas

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ou de terceiro, sendo neste caso a responsabilidade determinada seguindo o grau de culpa de cada um".
A outra vertente da chamada responsabilidade administrativa é a responsabilidade por factos lícitos, a qual se reporta ao problema da indemnização por danos causados a algum ou alguns particulares em consequência de actividades lícitas e conforme com a lei exercidas em regra no interesse geral de toda a colectividade (artigo 9.º).
O artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, que dispõe:

1 - "O Estado e demais pessoas colectivas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais".
2 - "Quando o Estado ou as demais pessoas colectivas públicas tenham, em estado de necessidade e por motivo de imperioso interesse público, de sacrificar especialmente, no todo ou em parte, coisa ou direito de terceiro, deverão indemnizá-lo.

Este artigo prevê duas ordens de situações em que a Administração pode incorrer em responsabilidade por factos lícitos. Em primeiro lugar, sempre que em virtude de actividades lícitas (acto administrativo ilegal ou acto material lícito) exercidas no interesse geral tenham sido impostos encargos ou causados prejuízos especiais e anormais a certos e determinados particulares.
Em segundo lugar, sempre que se verifique uma situação de estado de necessidade e tenha sido necessário, para a prossecução do interesse público, o sacrifício especial, em todo ou em parte, de coisa ou direito de terceiro.
No primeiro tipo de situações, à semelhança do que sucede com a responsabilidade fundada no risco, a existência da responsabilidade da Administração depende da verificação de um prejuízo efectivo que revista um carácter especial e anormal, isto é, que afecte somente determinado ou determinados particulares e que não se afigure como sendo aceitável em termos de patrões normais da vida em sociedade.
A mesma ideia de só se admitir a responsabilidade em situações graves está patente na segunda hipótese referida, na medida em que se exige a existência efectiva de um sacrifício especial de coisa ou direito de um particular.
Segundo Jorge Sinde Monteiro, se se trata de um acto de gestão privada é competente o tribunal comum e o regime material é o constante do artigo 501.º do Código Civil ao invés, estando-se em presença de um acto de gestão pública, são competentes os tribunais administrativos [artigo 51.º, n.º 1, alínea h)], regendo quanto aos termos em que se processa a responsabilidade o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.
Em concordância com a Lei do Serviço Nacional (Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, artigo 12.º), o Estatuto do Médico (Decreto-Lei n.º 373/79, de 8 de Setembro), que regula o exercício de funções profissionais em serviços público, dispõe no n.º 3 do artigo 8.º que em "casos de responsabilidade civil, tem aplicação a lei reguladora da responsabilidade civil extracontratual do Estado no domínio dos actos de gestão pública".
O Decreto-Lei n.º 48 051 estabelece a regra de que só o Estado ou a pessoa colectiva são directamente responsáveis (artigo 2.º, n.º 1), podendo todavia existir responsabilidade directa do órgão ou agente nos casos do n.º 1 do artigo 3.º, isto é, havendo dolo ou excesso do "limite das suas funções".
O Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, ainda em vigor, lançou as bases de uma nova regulamentação da matéria da responsabilidade extracontratual do Estado pela sua actuação de gestão pública. Uma clara distinção passou, então, a estar presente no ordenamento português.
Havendo danos decorrentes da actividade de gestão privada do Estado, este responde por eles, nos mesmos termos em que responde um particular, sujeitando-se às normas de direito civil perante os tribunais judiciais.
Havendo danos decorrentes da actividade de gestão pública, o Estado responde por eles segundo as normas do Decreto-Lei n.º 48 501, perante os tribunais administrativos.
Entende-se por gestão privada a actividade que a Administração Pública empreende segundo regras de direito privado e gestão pública a actividade que esta empreende de acordo com o direito público. A qualificação de uma actividade como de gestão pública ou de gestão privada depende, assim, do seu enquadramento normativo, que o mesmo é dizer, das respectivas normas disciplinadoras.
O Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, tem sido ao longo dos tempos e da sua extensa vigência objecto de criticas pela doutrina as quais podemos sumariar nos seguintes termos:

- Este diploma só regula a responsabilidade civil da Administração Pública, quer o mesmo dizer, a responsabilidade do Estado-Administração.
- Não trata o diploma da responsabilidade do Estado por actuações ou omissões no campo legislativo, político-governativo ou judicial.
Este diploma regula não só a responsabilidade civil do Estado como a das demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública porquanto altera, no artigo 10.º os artigos 366.º e 367.º do Código Administrativo.
- Este diploma cobre, pela primeira vez, no ordenamento Português e em termos genéricos, a responsabilidade da Administração Pública pelo risco e, ainda a responsabilidade por factos lícitos. O quadro da responsabilidade de Administração é, assim, largamente ampliado, sendo de aplaudir a largueza desta abertura legislativa. "Para um ordenamento em que a jurisprudência pouco peso tem, ao contrário do que acontece em França, e em que as inovações são, em regra, de natureza legislativa, deve considerar-se este decreto-lei como um decisivo passo em frente no sentido de uma nova compreensão da actividade administrativa pública, um entendimento mais profundo do equilíbrio entre a necessária dimensão de poder que inere a essa actividade e os direitos e interesses dos cidadãos.
- O regime previsto no diploma que se analisa foi de imediato entendido como contendo um princípio geral contrário à legislação do Código Civil, expresso no artigo 562.º - enquanto na lei civil o princípio geral inerente à obrigação de indemnizar é o da restauração natural, logo se entendeu que o Decreto-Lei n.º 48 051 consagrava o princípio contrário, o de que a obrigação de indemnizar se concretiza numa reparação pecuniária.
A proposta de lei vertente ao revogar esse diploma e propor uma nova solução normativa vem responder a esse larga e quase consensual emergência de reforma da legislação vigente em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado, e demais entidades públicas, por danos resultantes

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do exercício da função política e legislativa, jurisdicional e administrativa, devendo ponderar-se se se justifica manter ou superar a dualidade entre actos de gestão pública e actos de gestão privada.
Face ao exposto, a 1.ª Comissão é de parecer que a proposta de lei n.º 95/VIII se encontra em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 31 de Outubro de 2001. - O Presidente e Deputado Relator, Jorge Lacão.

Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP e CDS-PP).

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 67/VIII
(APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, A DECISÃO DO CONSELHO, DE 29 DE SETEMBRO DE 2000, RELATIVA AO SISTEMA DE RECURSOS PRÓPRIOS DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (2000/597/CE, EURATOM)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Europeus

I - Introdução

1 - No Conselho Europeu de Berlim, de 24 e 25 de Março de 1999, houve um acordo global sobre a "Agenda 2000" - apresentada pela Comissão Europeia, em Junho de 1997 - visando dotar a União, para o período de 2000-2006, de meios financeiros necessários para que esta "esteja em condições de enfrentar os desafios do período que se aproxima, bem como o sucesso do seu futuro alargamento" (Conselho Europeu de Berlim: conclusões da Presidência, 21 e 25 de Março de 1999, p.3). Assim, neste Conselho não se decidiu apenas sobre o montante das Perspectivas Financeiras (As Perspectivas Financeiras constituem um quadro global das despesas comunitárias para um determinado período de programação e que são objecto de um Acordo entre a Comissão Europeia e as autoridades orçamentais - Parlamento e Conselho Europeu) para o período de programação, mas também sobre a necessidade de se proceder a uma alteração do sistema de recursos próprios, no sentido de este ser "equitativo, transparente, rentável e simples" (Idem, p.23).
2 - Aliás, e pese embora a Decisão do Conselho n.º 94/728/CE, EURATOM, de 31 de Outubro, relativa ao sistema de recursos próprios, prever apenas para 1999 a apresentação de um relatório sobre o funcionamento do sistema de recursos próprios, a Comissão Europeia decidiu antecipar esse documento para Outubro de 1998, fazendo, assim, coincidir a sua discussão e decisão com as da Agenda 2000.
3 - Com base nas orientações contidas nestes documentos, e em particular na decisão tomada em Berlim de alterar o sistema de recursos próprios a tempo da sua entrada em vigor no início de 2002 (Data em que se presumia o primeiro alargamento), o Conselho da União Europeia aprovou, em 29 de Setembro de 2000, a Decisão n.º 2000/597/CE, EURATOM, ora em análise. O artigo 269.º do Tratado da Comunidade Europeia refere que as disposições relativas ao sistema de recursos próprios são aprovadas por unanimidade, recomendando aos Estados-membros a sua adopção, de acordo com as respectivas normas constitucionais.
4 - Apesar de se tratar de uma decisão do Conselho - de aplicação imediata nos Estados-membros - entendeu o Governo, com base em iguais procedimentos anteriores sobre a mesma matéria, submeter para ratificação à Assembleia da República, em 20 de Julho p.p., a proposta de resolução, apresentando, todavia, como norma constitucional habilitante a alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, que respeita às competências do Governo, e não os artigos 164.º e 165.º que definem matérias de reserva legislativa desta Assembleia.
5 - Na verdade, as alterações introduzidas no sistema de recursos próprios pela Decisão n.º 2000/597/CE, EURATOM, não se reflectirá em qualquer alteração do sistema fiscal português, mas sim nos procedimentos e montantes de transferências de Portugal para o Orçamento da União, a título de recursos próprios.

II - O sistema de recursos próprios

6 - Os recursos próprios respeitam às receitas inscritas no Orçamento Comunitário e destinam-se a financiar as despesas até um limite máximo actualmente fixado em 1,27% do PNB comunitário. Os recursos próprios são receitas da União provenientes de várias origens - vd. n.º 1 do artigo 2.º da Decisão - que têm evoluído ao longo dos tempos, em resposta, a maioria das vezes, às necessidades orçamentais de cada momento. Assim, aos Recursos Próprios Tradicionais - direitos niveladores, quotizações sobre o açúcar e a isoglicose e direitos aduaneiros - seguiu-se, em 1979, o recurso baseado no IVA e, em 1988, o recurso baseado no PNB de cada Estado-membro, concebido para equilibrar o Orçamento.
7 - Uma análise muito sumária sobre a evolução da estrutura de financiamento da União, evidencia, nos últimos anos, uma diminuição do peso dos Recursos Próprios Tradicionais e do recurso IVA e o aumento do denominado recurso PNB, que melhor reflecte a capacidade contributiva efectiva de cada Estado, e que, no Orçamento de 2001, representa 47% do total das receitas.

III - As alterações introduzidas pela Decisão n.º 2000/597/CE, EURATOM

8 - A Decisão n.º 2000/597/CE, EURATOM, não aprova nenhum recurso próprio adicional aos já existentes e previstos na Decisão 94/728/CE/EURATOM, introduzindo, outrossim, alterações aos critérios de cálculo dos montantes de receitas a transferir pelos Estados, designadamente Portugal, para o Orçamento Comunitário.
9 - Em linhas gerais, as principais alterações a merecerem relevo, são as seguintes:

a) Os Estados-membros passarão a reter 25%, a título de despesas de cobrança, dos montantes a pagar relativos aos Recursos Próprios Tradicionais - actualmente a taxa é de 10%;
b) A taxa de mobilização do recurso IVA, que incide sobre o limite de 50% do PNB de cada Estado-membro é degressiva, passando, dos actuais 1%, para 0,75%, em 2002 e 2003, e para 0,5% a partir de 2004;
c) O PNB, passará, para efeitos do cálculo do 4.º recurso, a ser "entendido" como Rendimento Nacional Bruto do ano, a preços de mercado, em aplicação do novo Sistema Europeu Contabilístico (SEC 95);

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d) Simplificou-se a descrição do cálculo da correcção dos desequilíbrios orçamentais a favor do Reino Unido (O denominado "cheque britânico", criado pelo Acordo de Fontainebleau em 1984, consiste grosso modo em repor parte do desequilíbrio orçamental face à União, em virtude, especialmente, do sector agrícola não ser gerador de receitas da PAC) e considerou-se um novo factor a integrar aquando do alargamento;
e) A repartição do encargo financeiro da correcção do Reino Unido foi limitada para a Áustria, Alemanha, Holanda e Suécia - países que defendem ser os seus saldos orçamentais negativos excessivos relativamente à sua prosperidade relativa.

10 - Está igualmente previsto que, antes da aprovação das Perspectivas Financeiras pós 2006, a Comissão proceda a uma reapreciação geral do sistema de recursos próprios que possa incluir a alteração da sua estrutura, mediante, designadamente, a criação de novos recursos e a correcção de desequilíbrios orçamentais. Deste modo, é de relevar o facto de que esta abordagem será novamente feita aquando da discussão de um novo quadro financeiro para a União que terá subjacente uma nova política regional.
Uma nova política regional cuja discussão já se iniciou e que não poderá perder de vista princípios tão fundamentais para o desenvolvimento harmonioso da União como o da solidariedade e da coesão económica e social.
11 - Portugal terá pois que estar atento a estas novas orientações, não só enquanto Estado-membro empenhado no alargamento e aprofundamento da União, mas também pelo grande esforço de investimento e modernização que o seu elevado grau de periferização continuará a exigir nos próximos anos.

IV - O impacto sobre as transferências de Portugal para a União Europeia

12 - O Governo não apresentou, nem aquando do Conselho Europeu de Berlim nem agora, uma estimativa do impacto das alterações introduzidas no cálculo dos recursos próprios. Contudo, se se tiver em linha de conta o desejável crescimento convergente do PNB nacional e a nova repartição dos encargos com a correcção financeira do Reino Unido, poder-se-á prever um aumento das transferências para a União. A estimativa para 2002 integrada no Relatório do Orçamento do Estado para 2002, calculada já de acordo com a nova Decisão, parece confirmar esta tendência ao apontar para um montante de 1322,6 milhões de euros que representa, face a 2001, um crescimento nominal de 6,5%.

Parecer

A Comissão de Assuntos Europeus, tendo apreciado a proposta de resolução n.º 67/VIII, é de parecer que a mesma reúne os requisitos formais, legais e regimentais, pelo que se encontra em condições para discussão em plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o Plenário.

Palácio de São Bento, 30 de Outubro de 2001. - A Deputada Relatora, Maria Eduarda Azevedo - O Presidente da Comissão, Alberto Costa.

Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes.

Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação

Relatório

I - Nota preliminar

O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 67/VIII que "Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho, de 29 de Setembro, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (2000/597/CE, Euratom)".
A apresentação da proposta de resolução n.º 24/VIII foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República, com as necessárias adaptações.
O conteúdo da proposta de resolução n.º 27/VIII consubstancia o disposto na alínea i), do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, preenchendo igualmente os requisitos formais aplicáveis.
A proposta de resolução em apreço, foi aprovada na reunião do Conselho de Ministros de 5 de Julho de 2001 e deu entrada na Mesa da Assembleia da República em 20 de Julho de 2001, tendo, nessa data, por Despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixado às Comissão Parlamentares de Assuntos Europeus e de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, para emissão dos competentes relatórios e pareceres.

II - Do objecto e motivação da proposta de resolução n.º 24/VIII

Através da proposta de resolução n.º 67/VIII, visa o Governo obter da Assembleia da República a aprovação, para ratificação, da Decisão do Conselho, de 29 de Setembro, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (2000/597/CE, Euratom).
Esta apresentação à Assembleia da República, sob a forma de proposta de resolução, resulta da natureza financeira da Decisão do Conselho de 29 de Setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias, e sua consequente incidência no plano orçamental.
De acordo com os autores da proposta de resolução em análise, a Decisão do Conselho de 29 de Setembro de 2000 veio dar cumprimento às conclusões do Conselho Europeu de Berlim, designadamente, quanto aos princípios da adequação de meios e da equidade, transparência e simplicidade do sistema de recursos existente na União Europeia, que deve espelhar da melhor forma possível a capacidade contributiva de cada Estado-membro.
A Decisão do Conselho contempla, igualmente, adaptações do texto necessárias à coerência jurídica do dispositivo, em resultado da aplicação do novo sistema europeu de contas nacionais e regionais, nos termos do Regulamento (CE) n.º 2223/96 do Conselho.
Após ser adoptada pelos Estados-membros, a Decisão do Conselho produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2002, com ressalva das disposições relativas à retenção na fonte de recursos próprios tradicionais, a título de cobrança e ao cálculo da compensação ao Reino Unido, que produzem efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2001.
Antes de 2004, a Comissão deverá proceder a uma reapreciação geral do sistema, devendo incidir, entre outros aspectos, sobre os efeitos do alargamento, de acordo com o compromisso registado em Acta que antecipa a data prevista na Decisão, que era de Janeiro de 2006.

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Por último, importa salientar que, de acordo com a exposição de motivos da proposta de resolução em apreciação, o acordo sobre a Agenda 2000 veio permitir ao nosso país prosseguir o esforço de desenvolvimento económico e social que tem vindo a ser realizado, assim como a consolidação dos resultados já atingidos. E, adianta, que "(...) no âmbito do financiamento registaram-se progressos no domínio da equidade, que compensam os efeitos negativos que poderão decorrer de certas alterações, na medida em que foi reforçado o peso relativo do PNB, que dá melhor expressão à capacidade contributiva dos Estados-membros".
Referem, ainda, os autores da proposta de resolução n.º 67/VIII, que a Decisão do Conselho de 29 de Setembro, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias, conjugada com as decisões tomadas sobre a programação financeira e disciplina orçamental, garantirá a estabilidade dos recursos necessários ao financiamento das políticas comunitárias.

III - Parecer

A Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação adopta o seguinte parecer:

a) A proposta de resolução n.º 67/VIII que "Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho, de 29 de Setembro, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (2000/597/CE, Euratom)", preenche os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, pelo que está em condições de subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
a) Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República.

Assembleia da República, 25 de Outubro de 2001. - O Deputado Relator, Luís Fagundes Duarte - O Presidente da Comissão, Luís Marques Mendes.

Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

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