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1503 | II Série A - Número 030 | 07 de Fevereiro de 2002

 

aquela competência se a Assembleia fosse "dona e senhora" das propostas de lei apresentadas pelo Governo, o que não sucede, pois sempre ao Governo é lícito retirá-las nos termos do artigo 135.º, n.º 1, do Regimento da Assembleia da República, ou seja, até à sua aprovação na generalidade.
Mas o que não pode aceitar-se é que, para esta matéria, no âmbito das relações jurídico-políticas entre órgãos do Estado (e, particularmente, entre órgãos de soberania) se possa transportar o tratamento jurídico que é dado à eficácia dos actos relativamente a terceiros.
As razões de segurança jurídica que determinam a protecção de terceiros e exigem a cognoscibilidade do Direito por parte de quem deve observar as regras de conduta que ele postula e onde a publicidade dos actos assume particular relevo não são aqui invocáveis.
Com efeito, a segurança que aqui se impõe tutelar é antes a que se traduz na certeza de que os órgãos de soberania exercem os seus poderes enquanto se mantêm democraticamente legitimados e é a que fica, substancialmente, tutelada com a posição assumida.
A solidariedade e cooperação institucionais, a lealdade política entre os órgãos de soberania (condições essenciais para o regular funcionamento das instituições democráticas) pressupõem, necessariamente, modos de relacionamento político entre aqueles órgãos que não exigem, ao menos, no domínio dos actos com efeitos jurídico-políticos constitucionalmente relevantes e para o exercício das suas competências estando fundamentalmente em causa o exercício de poderes que só é constitucionalmente admissível enquanto provém de órgãos que mantém, na sua plenitude, legitimidade democrática que esses actos só adquiram relevo com o conhecimento da sua publicação através da distribuição dos Diários da República que os publicam.
Aliás, pretender um eventual desconhecimento no domínio de relações que assumem necessariamente um carácter público num Estado de direito democrático é que poria em causa as referidas solidariedade e cooperação institucionais.
Em suma, pois, se há fundamento para entender que a demissão do Governo deve reportar os seus efeitos, relativamente quer ao Governo, quer à Assembleia da República, à data em que foi proferida a decisão de aceitação do pedido de demissão (17 de Dezembro de 2001), não se vêem razões constitucionalmente atendíveis para infirmar esse entendimento.
Não se determina sem dizer que à mesma solução se chega, no caso, com a tese segundo a qual deve relevar a data nominal da publicação do Decreto do Presidente da República n.º 60 A/2001 em Diário da República (ela é, como se disse, a mesma da decisão de aceitação do pedido de demissão e assinatura do decreto 17 de Dezembro de 2001); isto para quem entenda, na esteira da referida posição de Oliveira Ascensão, que "razões de certeza" impõem que "a data a que se deve reportar a publicação é a que vem impressa no diploma", "atestado oficial que deve merecer crédito" e que "não pode ser substituída por um elemento tão fluido como a data da distribuição".
8 - Aqui chegados, resta, por último, apreciar a questão de saber quais os efeitos da demissão do Governo, operada em 17 de Dezembro de 2001, no procedimento legislativo que culminou com a aprovação da norma constante do Decreto da Assembleia da República n.º 185/VIII.
Como se deixou relatado, o procedimento legislativo resultou da iniciativa originária do Governo com a apresentação da proposta de lei n.º 109/VIII, que permaneceu na Comissão de Economia, Finanças e Plano, para apreciação e parecer, até 20 de Dezembro 2001, data em que subiu a Plenário.
Já então, portanto, a proposta de lei caducara (em 17 de Dezembro de 2001), nos termos do artigo 167.º, n.º 6, da Constituição; não obstante, a proposta veio a ser posteriormente aprovada, em reunião plenária da Assembleia da República, na generalidade e na especialidade e em votação final global, tudo em 20 de Dezembro de 2001.
O facto de ter sido votada apenas uma proposta de alteração subscrita por Deputados (não um "texto de substituição") não compromete o entendimento de que foi, ainda, a proposta de lei do Governo n.º 109/VIII (por aquela alterada) que veio a ser aprovada, sendo igualmente certo que o Governo não renovou a sua proposta.
Com efeito, como modalidade de iniciativa legislativa superveniente, a proposta de alteração alteração mais ou menos substancial em relação à proposta alterada - não deixa de se ligar "geneticamente" à proposta de lei a que necessariamente se reporta (cfr. Jorge Miranda "Manual de Direito Constitucional", Tomo V, p. 250).
Por outro lado, à data em que a proposta de lei caducou, o procedimento legislativo encontrava-se numa fase anterior à sua aprovação, não havendo aqui que tomar posição sobre a questão de saber se, aprovada a proposta de lei na generalidade e/ou na especialidade, já a caducidade não opera (questão a que Jorge Miranda, in cit. "Manual" e Tomo V, p. 259, p. 1 e Freitas do Amaral, "Governo de Gestão", p. 20 dão respostas divergentes).
Certo é, assim, que a norma em causa foi aprovada quando a respectiva proposta de lei já caducara, pelo que ela se mostra inquinada por vicio de inconstitucionalidade violação do artigo 167.º, n.º 6, da Constituição.
9 - Decisão:
Pelo exposto, e em conclusão, o Tribunal decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma ínsita no Decreto da Assembleia da República n.º 185/VIII, por violação do artigo 167.º, n.º 6, da Constituição.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2002.

Declaração de voto de Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

1 - A doutrina segundo a qual a eficácia jurídica dos decretos do Presidente da República, nalguns casos, pode não depender da sua publicação envolve uma interpretação restritiva das normas do artigo 119.º da Constituição, que não deve ser aceite sem razões muito ponderosas. Na minha opinião, os argumentos do presente Acórdão não são suficientes para justificar uma derrogação tão frontal do texto da Constituição.
Não me parece, em primeiro lugar, que o decreto de demissão possa produzir efeitos em momentos diferentes, consoante esses efeitos incidam no procedimento legislativo iniciado com uma proposta de lei do Governo ou incidam em procedimentos de outra natureza e no âmbito de outros órgãos públicos. Nada impede, em abstracto, que a eficácia jurídica dum acto se inicie em momentos sucessivos para destinatários diversos. Mas isso só pode acontecer se os efeitos se produzirem de modo paralelo e independente. Não, decerto, quando tais efeitos se traduzem, por um lado, em limitar a competência de certos órgãos (neste caso o Governo e a Assembleia) e, por outro lado, em habilitar outros órgãos (neste caso os tribunais) a julgar a validade das decisões tomadas pelos primeiros. Se o decreto de demissão valer em momentos distintos para estes vários destinatários, fica aberta a possibilidade de os tribunais

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