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1505 | II Série A - Número 030 | 07 de Fevereiro de 2002

 

quanto à caducidade das propostas de lei que é efeito da demissão do Governo, por força do n.º 6 do artigo 167.º da Constituição, a partir da data da sua assinatura e publicação, que foram a 17 de Dezembro.
Deve, em primeiro lugar, notar-se que o Decreto do Presidente da República nada diz quanto à data da sua vigência, seja em geral, seja quanto a efeitos determinados. Deve, pois, entender-se que não quis afastar o regime geral de vigência de decretos da mesma espécie. Mas podia tê-lo feito. Um exemplo de decreto do Presidente da República que fixou uma data de produção de efeitos eventualmente rectroactiva foi o Decreto do Presidente da República n.º 12/87, de 29 de Abril, de dissolução da Assembleia da República, que foi assinado em 28 de Abril de 1987 e publicado em suplemento ao Diário de República, I série-A, datado de 29 de Abril, distribuído no dia 4 de Maio de 1987. O artigo 3.º deste Decreto dispunha que o mesmo produzia efeitos na data da sua publicação. Outro exemplo é o do Decreto do Presidente da República n.º 1/2002, de 18 de Janeiro, de dissolução da Assembleia da República, que foi assinado em 17 de Janeiro de 2002, publicado no Diário da República, I série-A, datado de 18 de Janeiro, distribuído na mesma data, o qual determina no seu artigo 3.º que "o presente decreto produz efeitos no dia imediato ao da sua publicação".
A prática constitucional revela, como é claro nos exemplos referidos, que não tem que haver "produção automática" de efeitos "à data em que ocorreram as suas causas", o que deveria levar à produção automática de efeitos na data da assinatura.
Tal é a tese defendida pela maioria que fez vencimento no acórdão, o qual, no entanto, também recolhe a fundamentação alternativa, que faz relevar a data nominal da publicação, o que só acidentalmente acontece no caso, e que é logicamente incompatível com a fundamentação anterior.
Há, pois, que averiguar, na falta de disposição especial, que regras se aplicam à entrada em vigor de decretos presidenciais de demissão do Governo.
A tese vencedora da produção automática de efeitos relativamente à Assembleia da República, à data da assinatura do decreto de demissão do Governo, implica, na falta de anterior comunicação oficial à Assembleia da República como foi a que o Presidente da República fez em 7 de Junho de 1979 (de aceitação do pedido de exoneração do cargo de primeiro-ministro, determinando a demissão do Governo: Diário da Assembleia da República, I série, de 8 de Junho de 1979, p. 2678), na data da assinatura do Decreto n.º 52/79, de 11 de Junho, publicado em suplemento desta data, distribuído no dia 12 de Junho implica, sempre que a distribuição do Diário da República seja feita em data posterior à data da assinatura, duas consequências inaceitáveis:
- Restrição retroactiva de competências da Assembleia da República, com ofensa dos princípios de segurança jurídica e da protecção da confiança ínsitos no Estado de direito democrático;
- Ofensa da regra da publicação no Diário da República como forma de publicidade dos actos descritos no n.º 1 do artigo 119.º da Constituição.
Os princípios da segurança jurídica que exige a certeza do direito e a manutenção dos actos lícitos e da confiança jurídica que exige que as expectativas dignas de protecção não sejam sacrificadas sem que interesses constitucionalmente ponderosos o necessitem , que estão ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, fundam o princípio da irretroactividade das normas, ao mesmo tempo que o limitam, abrindo caminho a excepções (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 287/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17, 1990, 159, 171, ss. e doutrina nele citada). Aqueles princípios, bem como o da irretroactividade deles decorrente, valem não só para normas que regulam o comportamento dos indivíduos, como para as que regulam as acções dos órgãos do Estado, nomeadamente nas suas relações entre si, embora então não seja aplicável a proibição de retroactividade do artigo 18.º, n.º 3, da Constituição, mas directamente o artigo 2.º da mesma. Isto vale, em particular, quanto às normas que atribuem competências constitucionais que não podem ser restringidas retroactivamente sem ofensa da segurança jurídica e da confiança entre órgãos de soberania.
No caso presente as competências da Assembleia da República de aprovar as propostas de lei seriam eliminadas retroactivamente, pelo que a Assembleia da República não poderia ter a certeza do direito que regula as suas acções nem de que estas produziriam os efeitos por si deliberados e legalmente previstos. Não seriam no caso respeitadas as suas expectativas quanto à utilidade da discussão e à validade e eficácia dos actos de votação das propostas de lei. Ter-lhe-ia sido retirado debaixo dos pés o tapete legal sobre que trabalhou.
Só não será assim se se considerar que o princípio da irretroactividade não se aplica quando o acto da demissão do Governo é notório em todo o seu preciso conteúdo, e, portanto, do conhecimento presumível dos Deputados o que não se demonstra no caso quanto à eventual indicação da data de produção de efeitos ou quando se presumem "modos de relacionamento político" entre os órgãos de soberania, incluindo comunicações não oficiais do conteúdo dos actos. Dir-se-á que, por uma razão ou por outra, por notoriedade ou por intimidade, a confiança não merece protecção. Mas qualquer dos hipotéticos argumentos contraria o princípio de que a publicidade relevante para a eficácia de qualquer dos actos descritos no n.º 1 do artigo 119.º é a da publicação no Diário da República, interpretado como publicação efectiva através da distribuição.
Nem que se diga que aqui os princípios da segurança e da protecção da confiança estão aqui em conflito com o princípio da legitimidade dos órgãos. O argumento, contrapõe-se, é circular: os órgãos agem com legitimidade enquanto respeitam os limites legais e são esses que falta demonstrar.
Não se desconhece que a legitimação política de certos actos constitucionalmente autorizados ao Governo pode faltar no período que intercede entre o conhecimento não oficial da aceitação da demissão e o seu conhecimento oficial. Mas essa eventual falta de legitimação política é controlável através do veto presidencial, sem necessidade de ofender princípios jurídicos.
Resta determinar positivamente a data da entrada em vigor do Decreto do Presidente da República n.º 60-A/2001, demonstrado que foi não haver boas razões para aceitar a sua retroactividade quanto à Assembleia da República. Penso que há analogia com os actos legislativos e outros actos de conteúdo genérico a que se refere o artigo 2.º da Lei n.º 74/98. O decreto de demissão do Governo é um acto normativo como inúmeros efeitos não só ao nível dos órgãos de soberania, mas também ao nível dos indivíduos.

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