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0434 | II Série A - Número 015 | 22 de Junho de 2002

 

para sanar passivos para os quais o Estado em nada contribuiu, para mais desconhecendo-se a origem de tal situação".
As experiências de gestão privada de hospitais públicos, como o da Amadora-Sintra, indicam a deficiência deste modelo. Um estudo do Instituto Nacional de Administração prova que a gestão privada pelo Grupo Mello do Hospital Amadora-Sintra deu resultados inferiores aos de outros hospitais públicos.
A proposta de empresarialização dos hospitais públicos, que, no prolongamento de estudos e propostas desenvolvidos pelo governo anterior, constitui o núcleo da estratégia defendida pelo actual Governo, suscita a oposição do Bloco de Esquerda, que se compromete com uma via alternativa representada pelo projecto de lei agora apresentado.
De facto, tanto as "parcerias público-privado" quanto a empresarialização dos hospitais públicos representam tentativas de superar as dificuldades actuais de financiamento e de gestão do Serviço Nacional de Saúde, acentuando a sua mercantilização - que é contraditória com o desenvolvimento da qualidade da prestação de cuidados de saúde.
A empresarialização é, aliás, defendida pela engenharia financeira que a permite: dado que o Estado dota as novas empresas de capital próprio, e que esse capital é imediatamente consumido pelo défice corrente, trata-se de uma operação de limpeza e de ocultação do défice mas que é contabilizada como um investimento, e por isso não é contabilizada, como deveria, no défice do sector público administrativo. Deste modo, e sem nenhuma alteração significativa das suas condições de financiamento e de funcionamento, os hospitais contribuem para a anulação contabilística de uma parte importante do défice público.
Há ainda outras razões para rejeitar este modelo. Miguel Gouveia, professor da Universidade Católica, apresentou um conjunto de críticas a este modelo de hospital-empresa, incluindo a desigualdade introduzida pelos sistemas remuneratórios, a falta de controlo da gestão e a sua irresponsabilização perante desvios do contrato-programa e a instrumentalização dos gestores dada a sua dependência da tutela. Dias Alves, representante do Grupo Mello para a saúde e administrador do Hospital Amadora-Sintra, defende que empresarialização é somente um passo intermédio para a privatização (Diário Económico, 3 de Junho de 2002).

III

O presente projecto de lei consagra assim um princípio fundamental que é o da separação entre o exercício de actividades privadas e públicas. Reconhece-se - e esse é o fundamento dessa separação - que existe um notável conflito de interesses quando os mesmos profissionais (ou até os mesmos serviços) prestam cuidados no mesmo ramo à mesma população. Esse conflito de interesses gera desperdícios, erros de gestão, vantagens específicas e outras formas de desvalorizar o serviço público para benefício de uma actividade empresarial privada. Ora, o princípio do SNS é contraditório com esta permissividade, e só a falta de coragem de sucessivos governos permitiu a estabilização deste conúbio entre interesses privados e o exercício de actividade no sector público.
O presente projecto de lei reconhece a existência de um sector privado prestador de serviços de saúde, sector que deve ter o maior profissionalismo e a melhor capacidade técnica e humana. O que não permite é a confusão entre os sectores público e privado, estabelecendo as regras da separação.
Reconhece, por outro lado, que essa separação deve ser feita com critérios muito rigorosos e não com medidas paliativas, e que é necessário um período de adaptação e de transição, que é fixado até ao final do ano de 2002. Durante esse período deve ser negociado o estatuto remuneratório dos profissionais de saúde do SNS, quer venham a cumprir tempo completo prolongado quer requeiram o tempo parcial, e devem ser redefinidas os organismos de direcção das unidades do SNS em função das escolhas dos seus profissionais pela carreira do SNS ou pelo regime de contratação para a prestação de serviços.
Finalmente, este projecto de lei parte da constatação que com os actuais níveis remuneratórios e de condições de trabalho dos profissionais de saúde no SNS não é possível adoptar uma política coerente de separação entre o sector público e o privado. A melhoria dos níveis remuneratórios da carreira do SNS por isso é uma condição indispensável para a viabilização desta separação entre os sectores público e privado, e esse novo estatuto deve ser negociado entre a tutela e os representantes dos profissionais de saúde durante o período transitório até à plena instauração do regime de separação.
Assim, o projecto de lei:
1 - Define o estatuto jurídico dos hospitais e centros de saúde do SNS como pessoas colectivas de direito público;
2 - Define as regras de orientação das administrações regionais de saúde e dos sistemas locais de saúde;
3 - Define os princípios e critérios de financiamento das unidades do SNS e da sua administração;
4 - Proíbe a prática de medicina privada nos hospitais e centros de saúde do SNS;
5 - Define uma carreira do SNS que é exercida pelos profissionais de saúde em regime de exclusividade e, em regra geral, em tempo completo prolongado;
6 - Estabelece um princípio de negociação das condições remuneratórias para valorizar essa carreira do SNS;
7 - Define um período transitório de um ano e meio antes da entrada em vigor deste novo regime, permitindo quer a negociação das condições contratuais quer a adaptação do sistema às novas regras;
8 - Determina os princípios de um programa de formação contínua dos profissionais de saúde para que termine a dependência dos financiamento indirectos pela indústria farmacêutica e, em consequência, proíbe os donativos ou financiamentos directos ou indirectos da indústria a profissionais do SNS;
9 - Estabelece a possibilidade de protocolos no âmbito da formação entre unidades do SNS e sectores privados, subordinando a avaliação desses protocolos à análise da sua relevância científica.

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