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0515 | II Série A - Número 017 | 29 de Junho de 2002

 

actual situação implica "riscos intoleráveis" para as mulheres portuguesas, em particular "as de condição mais humilde, que podem ser apanhadas pela justiça e condenadas" (DN, de 18 de Janeiro de 2002). No mesmo sentido, Fernando Moreira de Sá, líder da Comissão Concelhia do CDS/PP da Maia, escreveu no O Primeiro de Janeiro: "A proibição e criminalização do aborto é uma das formas injustas de desigualdade social. Todos nós sabemos que as mulheres das classes sociais mais altas recorrem às clínicas privadas de Espanha para abortar, beneficiando de um sistema moderno de justiça e de cuidados de saúde necessários para a realização de tal acto clínico. Enquanto que as restantes mulheres portuguesas sujeitam-se a ir para a cadeia ou a sofrerem as consequências físicas e psicológicas de uma clandestinidade, em certos casos pagando com a própria vida, fruto de um sistema hipócrita vigente em Portugal. (...) Mas não entendo que em pleno ano de 2002 exista ainda um sistema jurídico que condene uma mulher, privando-a da sua liberdade, porque em circunstâncias difíceis e dolorosas teve que recorrer ao aborto".
Maria José Alves, médica e presidente da Associação de Planeamento Familiar, a propósito da sentença do julgamento da Maia, explicou que "as marcas não se apagam com sentenças suaves" e situações destas não podem acontecer "num país que se diz aberto e moderno" (DN, 2002.01.19).
José Paulo Carvalho, dirigente do movimento Vida-Norte, considerou necessária "uma ampla e séria discussão" sobre o aborto, insistindo em que mantém uma "censura clara a este tipo de comportamento", mas assinalando que "a pena de prisão não é certamente a mais adequada" (DN, de 19 de Fevereiro de 2002). No mesmo sentido, Bagão Félix, dirigente do movimento Pró-Vida e actual Ministro da Segurança Social e do Trabalho, dissse sobre a questão "O que pensa do resultado do julgamento da Maia?" respondeu: "Acho que separa aquilo que devia ter sido separado logo no início do processo, ou seja, separa as 17 mulheres dos abortadores, da máquina iníqua que está por trás do fenómeno. É minha convicção que as mulheres que abortaram devem merecer o nosso respeito e que não lhes devemos apontar o dedo" (Público, de 19 de Janeiro de 2002).
Por outro lado, Maria Antónia Fiadeiro, jornalista, investigadora e mestre em estudos sobre as mulheres, em resposta à questão disse: "Que consequências deve ter este julgamento no quadro legislativo e na acção social?" afirmou que "os diplomas devem voltar ao Parlamento e ser resolvidos o mais depressa possível. Deve haver informação generalizada que permita difusão ampla e desculpabilização para as pessoas recorrerem sem medos e sem obstáculos. Já se arrasta há muito tempo o impasse que é um produto da religião católica. Quem como eu é a favor da despenalização não quer impor nada, quer apenas o direito de opção que poupa o sofrimento e a dor que essa discussão envolve" (Público, de 19 de Janeiro de 2002).
É de destacar, no mesmo sentido, que o actual Primeiro-Ministro, em debate durante a campanha eleitoral, veio declarar que, a haver um novo referendo, não recomendaria nem o "não" nem o "sim", de modo que o seu partido não tomaria posição na questão.
O julgamento da Maia provocou também um grande impacto nos meios de comunicação social internacionais. James Westhead, repórter da BBC, explicava o interesse internacional afirmando: "Para os ingleses é muito estranho que cá em Portugal as mulheres sejam consideradas criminosas por fazer um aborto" (DN, de 19 de Janeiro de 2002).
No mesmo sentido, e a 26 de Janeiro de 2002, escrevia Inês Pedrosa no Expresso: "Por que é que há, logo ali em Badajoz, uma clínica de tratamento voluntário da gravidez que se anuncia nos jornais portugueses e em Portugal, com uma lei igual à espanhola, estas clínicas são proibidas, empurrando as mulheres do povo (aquela silenciosa maioria que não tem posses ou apoio para se deslocar a Badajoz) para a mais cruel - e muitas vezes mortal - clandestinidade? A quem recorrerão agora as mulheres tristes e desesperadas, esmagadas pela miséria, pelo excesso de filhos, pela brutalidade dos maridos, que recorriam aos serviços da enfermeira-parteira Maria do Céu? Às agulhas de crochet? Ao veneno dos ratos?".
Numa entrevista concedida à BBC o Presidente da República, Jorge Sampaio, pronunciou-se a favor do regresso do tema do aborto à agenda política, tendo mesmo afirmado que a questão do aborto está a ser "camuflada" e que isso não pode acontecer porque é preciso alterar a actual lei.
Finalmente, há que destacar que um outro processo em Setúbal não chegou ao julgamento, dado que a juíza considerou improcedentes as acusações e inaplicável a lei penal.
As implicações éticas e políticas da lei:
Ainda na Idade Média São Tomás de Aquino questionava "Caberá à lei humana proibir todos os vícios e preceituar todas as virtudes?" ("Summa Theologiae) - e respondia negativamente. Ora, não será isso mesmo que se pretende fazer no século XXI com a questão do aborto? A lei deve, de facto, estabelecer o domínio das garantias da liberdade e da responsabilidade, e não deve procurar impor ou punir comportamentos que relevam da escolha pessoal, familiar ou social. Durante a sua intervenção na Conferência Europeia sobre Desafios Éticos no Atendimento da Pessoa com Deficiência Profunda, Frei Bento Domingues afirmou que "algumas questões da bio-ética acabam por exigir um enquadramento jurídico num Estado de direito, numa democracia, para se poder viver bem em conjunto em instituições justas. O que levanta a própria questão da invenção da democracia: que democracia queremos nós construir? É uma democracia cada vez mais exigente que o debate de questões éticas, de pronunciamentos éticos e de bio-ética - como, por exemplo, os referendos sobre o aborto ou a eutanásia (...) - podem vencer a tentação frequente de trocar o sentido de responsabilidade pela banalização, pela ética pimba. (...) A sociedade tem de sustentar-se em valores para os quais a razão instrumental e a tecnociência é cega. Sem os valores da autonomia, da solidariedade, e da compaixão, a vida é brutal, cruel".
Está na hora de quebrar com preconceitos morais persecutórios e de deixar de recorrer à invocação de um princípio religioso, a que Frei Bento Domingues chamou "o tapa buracos da ignorância humana", e é por isso tempo de procurar soluções efectivas e concretas. Não basta a indignação perante situações como as dos julgamentos de mulheres pelo facto de terem abortado, porque essas situações continuarão a existir enquanto a lei em vigor não for alterada.
Nesse sentido, atente-se, por exemplo, no acordão do julgamento da Maia: "Relativamente aos crimes contra a vida intra-uterina por que vêm pronunciadas diversas

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