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Quinta-feira, 21 de Novembro de 2002 II Série-A - Número 44

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2003)

S U M Á R I O

Projectos de lei (n.os 6, 10, 74, 113, 148, 159 a 163/IX):
N.º 6/IX (Aumento do salário mínimo nacional):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.
N.º 10/IX (Estabelece a redução do tempo de trabalho para as 35 horas por semana):
- Idem.
N.º 74/IX (Actualiza o subsídio familiar a crianças e jovens):
- Idem.
N.º 113/IX (Consagra o direito das associações de pessoas com deficiência de integrarem o Conselho Económico e Social:
- Idem.
N.º 148/IX Lei da responsabilidade civil extracontratual do Estado (Revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967) :
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
- Parecer da Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
N.º 159/IX - Aprova o estatuto do cooperante (apresentado pelo PCP).
N.º 160/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde (apresentado por Os Verdes).
N.º 161/IX - Altera o regime jurídico dos inquéritos parlamentares (apresentado pelo PCP).
N.º 162/IX - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência (apresentado pelo BE).
N.º 163/IX - Regime especial de pensões das pessoas com deficiência (apresentado pelo BE).

Propostas de lei (n.os 7 e 98/IX):
N.º 7/IX Transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/8/CE, da Comissão, de 8 de Fevereiro de 2001, e altera o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (Regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas) :
- Relatório da votação na especialidade e texto final da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.
N.º 98/VIII (Subsídio de inactividade para os pescadores da frota atuneira da Região Autónoma da Madeira):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.

Proposta de resolução n.º 20/IX: (a)
Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e a República Tunisina sobre transportes rodoviários internacionais, assinado em Lisboa, em 25 de Outubro de 1994.

(a) É publicada em suplemento a este número.

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PROJECTO DE LEI N.º 6/IX
(AUMENTO DO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

I - Nota prévia

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 6/IX, sobre o "Aumento do salário mínimo nacional".
Esta apresentação foi efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República.

II - Do objecto e motivação da iniciativa

O projecto de lei sub judice tem por desiderato promover o aumento do salário mínimo nacional, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2003, propondo o seguinte:
Que o aumento anual dos valores da remuneração mínima mensal a que se refere o Decreto-Lei n.º 69-A/87,de 9 de Fevereiro, não pode ser inferior à taxa de inflação prevista para esse ano acrescida, pelo menos, de três pontos percentuais;
Que o valor da taxa de inflação referida no número anterior é a que consta do relatório do Orçamento do Estado;
Que no caso da inflação verificada em determinado ano ser superior à inflação prevista ao aumento anual previsto no n.º 1 será acrescida, no ano subsequente, a taxa correspondente à diferença verificada.
O projecto de lei em apreciação propõe ainda que a lei entre em vigor no dia 1 de Janeiro de 2003.

III - Enquadramento constitucional

O salário mínimo nacional é um direito individual dos trabalhadores, que encontra expressão no artigo 59.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, onde se estabelece que:
"2 Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:

a) O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento (...)"
A actualização do salário mínimo nacional também é, de acordo com o n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 69-A/87, de 9 de Fevereiro, precedida de audição dos parceiros sociais na Comissão Permanente de Concertação Social.

IV - Enquadramento legal

O salário mínimo nacional foi introduzido em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 217/74, de 27 de Maio, para a agricultura, fixando o respectivo montante em 3300$.
Três anos mais tarde, o Decreto-Lei n.º 49-B/77, de 12 de Maio, fixou o salário mínimo para a agricultura em 3500$.
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 14-B/91, de 9 de Janeiro, o valor do salário mínimo para o comércio, indústria e agricultura passou a ser igual, autonomizando tão somente o montante aplicável ao serviço doméstico, estabelecendo um figurino que se mantém em vigor.
Nestas circunstâncias, o montante do salário mínimo tem sido objecto de actualização anual, sendo que, por força do Decreto-Lei n.º 325/2001, de 17 de Dezembro, os valores fixados para o corrente ano de 2002 são os seguintes:

a) Comércio, indústria e agricultura - 348,00€;
b) Serviço doméstico - 341,25€.

V - Consulta pública

Foram recebidos na Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais pareceres sobre o projecto de lei das entidades referidas no anexo a este relatório.
Tendo em consideração o que antecede, a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais é do seguinte:

Parecer

O projecto de lei n.º 6/IX , do PCP, reúne os requisitos constitucionais, legais e regimentais indispensáveis para subir a Plenário da Assembleia da República, reservando os grupos parlamentar as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 16 de Outubro de 2002. O Deputado Relator, Francisco José Martins - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência de Os Verdes.

Anexo

Pareceres recebidos em Comissão ao projecto de lei n.º 6/IX

Uniões sindicais:
União Geral dos Trabalhadores
Associações patronais:
CIP - Confederação da Indústria Portuguesa

PROJECTO DE LEI N.º 10/IX
(ESTABELECE A REDUÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO PARA AS 35 HORAS POR SEMANA)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

I - Nota prévia

O projecto de lei n.º 10/IX, do BE, que "Estabelece a redução do tempo de trabalho para as 35 horas por semana", foi apresentado ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 130.º e 137.º do Regimento da Assembleia da República.

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Por despacho do Sr. Presidente da República o projecto de lei vertente baixou à Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais para efeitos de consulta junto das organizações representativas dos trabalhadores e dos empregadores e para a emissão do competente relatório e parecer.

II - Do objecto e motivação

Com o projecto de lei n.º 10/IX visa o Grupo Parlamentar do BE a redução progressiva dos períodos normais de trabalho para as sete horas por dia e as 35 horas por semana, nos seguintes termos:

a) O período normal de trabalho reduzido em duas horas, fixando-se em 38 horas semanais com a entrada em vigor da lei;
b) O período normal de trabalho previsto será reduzido progressivamente nos anos seguintes à razão de uma hora por ano até completar as 35 horas semanais.

O calendário de redução previsto não é aplicável aos sectores de actividade ou empresas em que tenha sido estabelecido um calendário de redução mais rápido, podendo, ainda, a duração normal de trabalho ser definida em termos médios por convenção colectiva, em condições a estabelecer na respectiva legislação.
De salientar que o projecto de lei vertente consagra a protecção dos direitos adquiridos pelos trabalhadores e estabelece uma norma relativa às pausas e intervalos do trabalho, nos termos da qual considera tempos de trabalho, enquanto período normal de trabalho, as pausas ou interrupções ocasionais de trabalho consideradas nas convenções colectivas ou resultantes de usos e costumes reiterados na empresa ou impostas por prescrições relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho.
De acordo com o BE, "Criar empregos de qualidade, apostando na formação contínua dos activos e na redução dos horários de trabalho para as 35 horas de uma forma faseada e sem perda de direitos, é assumir a construção de uma sociedade onde a democracia, o progresso e o desenvolvimento são objectivos a alcançar. Por outro lado, para o partido proponente "(...) o princípio da adaptabilidade dos horários de trabalho deverá unicamente ser objecto de negociação colectiva (...).

III - Dos antecedentes parlamentares

Na VI Legislatura o PCP apresentou o projecto de lei n.º 2/VII, que visava reduzir a duração do período semanal de trabalho normal, que acabaria por ser rejeitado, com os votos a favor do PCP, votos contra do PS e a abstenção do PSD e do CDS-PP.
Na VII Legislatura a duração dos períodos normais de trabalho foi reduzida para as 40 horas por semana, através da aprovação da proposta de lei n.º 14/VII, do Governo (com os votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PCP, Os Verdes e do Deputado Arménio Santos, do PSD, e a abstenção do PSD), que deu origem à Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, denominada "Lei das 40 horas".
Ainda no decurso da VII Legislatura o PCP apresentou o projecto de lei n.º 275/VII, que "Procede à clarificação de conceitos atinentes à duração do trabalho", iniciativa que foi rejeitada com os votos a favor do PCP, Os Verdes e do Deputado Moura e Silva, do CDS-PP, votos contra do PS e a abstenção do PSD e do CDS-PP.
Na VIII Legislatura o BE apresentou o projecto de lei n.º 144/VIII, que "Estabelece a redução dos períodos normais de trabalho para 35 horas por semana", iniciativa que caducou em 4 de Abril de 2002.
Ainda na VIII Legislatura o PCP apresentou o projecto de lei n.º 145/VIII que "Reduz para 35 horas por semana o tempo de trabalho", iniciativa que caducou em 4 de Abril de 2002.

IV - Do enquadramento constitucional e legal

A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 59.º, n.º 2, que se refere aos direitos dos trabalhadores, as incumbências do Estado em matéria de condições de trabalho, cabendo-lhe, designadamente, nos termos da alínea b) do citado preceito, a fixação a nível nacional dos limites da duração do trabalho.
A redução da duração de períodos normais de trabalho para as 40 horas encontra-se prevista e consagrada na Lei n.º 21/96, de 23 de Julho. O citado diploma legal veio estabelecer a redução dos períodos normais de trabalho para as 40 horas a alcançar de forma progressiva.
Para além de fixar o período normal de trabalho nas 40 horas por semana, a Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, estabeleceu os princípios de adaptabilidade dos horários de trabalho, assim como normas atinentes à organização dos horários de trabalho e à prestação pelo trabalhador de actividades compreendidas ou não no objecto do contrato de trabalho.
O projecto de lei agora apresentado pelo BE visa a redução para as 35 horas por semana do tempo de trabalho, pelo que se prevêe a revogação da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho.

V - Da consulta pública

Terminado o período de consulta pública, verifica-se que foram recebidos na Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais os seguintes pareceres:
- 101 pareceres (anexo), um de uma confederação patronal, um de uma confederação sindical, seis de federações sindicais, 23 de sindicatos, 29 de comissões sindicais, 17 de comissões de trabalhadores, seis de uniões sindicais e 17 de delegações sindicais.
Face ao exposto, a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais é do seguinte:

VI - Parecer

a) O projecto de lei n.º 10/IX, do BE, que "Estabelece a redução do tempo de trabalho para 35 horas por semana", preenche os requisitos constitucionais, legais e regimentais para subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 10 de Julho de 2002. O Deputado Relator, Henrique Campos Cunha - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência de Os Verdes.

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Anexo

Confederações sindicais:
CGTP-IN - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses Intersindical Nacional
Uniões sindicais:
UGT - União Geral dos Trabalhadores
União de Sindicatos do Distrito de Viseu
União dos Sindicatos da Região Autónoma da Madeira
União dos Sindicatos de Setúbal
União dos Sindicatos de Lisboa
União dos Sindicatos de Coimbra
Confederações patronais:
CIP - Confederação da Indústria Portuguesa
Comissões sindicais:
Comissão Sindical Salus
Comissão Sindical Rieter
Comissão Sindical Arjal
Comissão Sindical Edscha-Arjal
Comissão Sindical Ti-Group Automotive
Comissão Sindical Thyssen-Siemens
Comissão Sindical Frans Maas Logística
Comissão Sindical Maclellan
Comissão Sindical Vanpro
Comissão Sindical Metalsines
Comissão Sindical SN - Empresa de Produtos Longos
Comissão Sindical da Auto Europa
Comissão Sindical Tenneco
Comissão Sindical Automotive
Comissão Sindical da Gestnave
Comissão Sindical Lisnave
Comissão Sindical da Erecta
Comissão Sindical da Merloni
Comissão Sindical da Lusosider - Aços Planos, SA
Comissão Sindical da Schnellecke
Comissão Sindical da Alstom Power
Comissão Sindical da Júlio José de Macedo
Comissão Sindical da Crown, Cork e Seal
Comissão Sindical da ACI
Comissão Sindical da Lemauto
Comissão Sindical da Rodosul
Comissão Sindical da NTSA
Comissão Sindical da Autosaluquia
Comissão Sindical da Autal
Federações sindicais:
Federação dos Sindicatos das Indústria de Cerâmica, Cimento e Vidros de Portugal
Federação Portuguesa de Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços
Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas
FESTRU
Federação dos Sindicatos de Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal
Fequimetal
Comissões de trabalhadores:
Comissão Trabalhadores Gonvari
Comissão Trabalhadores Frans Maas Logística
Comissão Trabalhadores Shellecke
Comissão de Trabalhadores Metalsines
Comissão Trabalhadores da Auto Europa
Comissão de Trabalhadores do Círculo de Leitores
Comissão de Trabalhadores da Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário
Comissão dos Trabalhadores da Portugal Telecom
Comissão de Trabalhadores da Gestnave
Comissão de Trabalhadores da Lisnave
Comissão de Trabalhadores da Erecta
Comissão de Trabalhadores da Merloni
Comissão de Trabalhadores da Lusosider - Aços Planos, SA
Comissão de Trabalhadores da Fribérica
Comissão de Trabalhadores da Crown, Cork e Seal
Comissão de Trabalhadores da Cimpor
Comissão de Trabalhadores da CP
Delegados sindicais:
Delegado Sindical da BENOAC
Delegado Sindical da Lear
Delegado Sindical da SAS
Delegado Sindical da Obritempo
Delegado Sindical Husete
Delegado Sindical Mim Util
Delegado Sindical da Serranos Automóveis
Delegado Sindical da Manuel Pires Guerreiro
Delegado Sindical da Industrial Alentejana
Delegado Sindical da Multiauto
Delegado Sindical da Entreposto Setúbal
Delegado Sindical da Salvador Caetano
Delegado Sindical da Fribérica
Delegado Sindical da Bentler - Indcombauto
Delegado Sindical da ELO
Delegado Sindical da Fundição Moderna de Santa Iria
Delegado Sindical da Horman
Sindicatos:
Sindicato de Trabalhadores de Transportes Rodoviários de Aveiro
Sindicato de Trabalhadores das Indústrias de Metalurgia e Metalomecânica do Distrito de Aveiro
Sindicato de Trabalhadores das Indústrias de Metalurgia e Metalomecânica do Distrito de Viana do Castelo
Sindicato de Trabalhadores das Indústrias de Metalurgia e Metalomecânica do Distrito de Braga
Sindicato de Trabalhadores das Indústrias de Metalurgia e Metalomecânica do Distrito de Viseu
Sindicato de Trabalhadores das Indústrias de Metalurgia e Metalomecânica do Distrito de Guarda
Sindicato de Trabalhadores das Indústrias de Metalurgia e Metalomecânica do Distrito do Norte
SITAVA - Sindicato de Trabalhadores da Aviação e Aeroportos
Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes
Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Celulose, Papel, Gráfica e Imprensa
Sindicato dos Metalúrgicos de Coimbra e Viseu
Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul
Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Colectivos do Distrito de Lisboa

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Sindicato dos Operários da Indústria de Calçado, Malas e afins do Distrito de Aveiro e Coimbra
Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas do Sul
Sindicato dos Trabalhadores das Indústria Cerâmicas, Cimento e Similares do Sul e Regiões Autónomas
Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa, Santarém e Castelo Branco
Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Centro
Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações e Comunicação Audiovisual
Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal
Sindicato dos trabalhadores Civis das Forças Armadas,, Estabelecimentos Fabris e Empresas de Defesa
Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local
Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações

PROJECTO DE LEI N.º 74/IX
(ACTUALIZA O SUBSÍDIO FAMILIAR A CRIANÇAS E JOVENS)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

1 - O Partido Comunista Português apresentou à Assembleia da República um projecto de lei que actualiza o subsídio familiar a crianças e jovens. Esta apresentação é efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento, reunindo ainda os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.

Objecto e análise do projecto

2 - Com o projecto de lei n.º 74/IX pretende-se:

a) Definir as regras de cálculo do subsídio familiar a crianças e jovens e proceder à actualização dos seus valores, bem como dos valores da bonificação por deficiência familiar a crianças e jovens;
b) A presente alteração reformula o regime das prestações familiares, consubstanciado nos Decretos-Lei n.os 197/77, de 17 de Maio, 170/80, de 29 de Maio, e 29/89, de 23 de Janeiro, definindo a protecção na eventualidade de encargos familiares do regime geral de segurança social e do regime de protecção social da função pública;
c) Cria o subsídio familiar a crianças e jovens que substitui as prestações de abono de família, subsídio de aleitação e subsídio de nascimento;
d) Estabelece a natureza - prestações pecuniárias -, âmbito, condições de atribuição, titularidade do direito, determinação do montante, duração, regime de acumulação, processamento e administração das prestações familiares, que revestem as seguintes modalidades: subsídio familiar a crianças e jovens, subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial, subsídio mensal vitalício, subsídio por assistência de terceira pessoa e subsídio de funeral.

Parecer

3 A Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais considera que estão preenchidos todos os requisitos legais e regimentais para que o projecto de lei n° 74/IX suba a Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

Palácio de São Bento, 17 de Setembro de 2002. O Deputado Relator, Maria Goretti Machado - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência de Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 113/IX
(CONSAGRA O DIREITO DAS ASSOCIAÇÕES DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA DE INTEGRAREM O CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

Nota preliminar

O projecto de lei n.º 113/IX, que "Consagra o direito das associações de pessoas com deficiência integrarem o Conselho Económico, e Social", da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes, foi apresentado ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 130.º e 137.º do Regimento da Assembleia República. Por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República de 11 de Julho de 2002, baixou à 8.ª Comissão para apreciação nos termos do artigo 146.º do Regimento da Assembleia da República.

Objecto e motivação

O Partido Ecologista Os Verdes, através do projecto de lei n.º 113/IX, pretende alterar a Lei n.º 127/99, de 20 de Agosto, relativa às associações de pessoas portadoras de deficiência, e a Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 80/98, de 24 de Novembro, e pela Lei n.º 128/99, de 20 de Agosto, relativa ao Conselho Económico e Social, no sentido de consagrar o direito das associações de pessoas com deficiência de integrarem o Conselho Económico e Social.
Consideram as proponentes que "o direito à participação constitui um elemento estruturante da renovação da vida comunitária, é uma condição de cidadania e uma exigência fundamental na procura de dar corpo, de modo mais partilhado, a direitos fundamentais na nossa sociedade. Não basta, contudo, proclamá-lo, importa garanti-lo". Relativamente às pessoas portadoras de deficiência, é necessário o reconhecimento do seu direito de participação activa na definição das políticas que lhes concernem, "enquanto seres autónomos, não excluídos e em condições de serem actores da sua própria vida". Contudo, é necessária a "criação de condições para o seu pleno exercício".

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Ora, em Portugal, apesar do reconhecimento dos direitos dos cidadãos com deficiência e da constatação da "gravidade dos seus problemas, da discriminação e dos obstáculos que ainda enfrentam na nossa sociedade, não têm assento no Conselho Económico e Social".
O presente projecto de lei visa ultrapassar esta "exclusão" conferindo às associações de pessoas com deficiência que gozem de representatividade genérica, "o estatuto de parceiro social para todos os legais efeitos", designadamente o de representação no Conselho Económico e Social (...)".

Enquadramento constitucional

1 O Conselho Económico e Social:
A Constituição da República Portuguesa consagra, no artigo 92.º, o Conselho Económico e Social como órgão consultivo, de concertação e de planeamento no domínio das políticas económica e social.
A composição do Conselho Económico foi deixada, pela Constituição, ao cuidado do legislador ordinário. Sendo certo que, nos termos do n.º 2 do artigo 92.º, do Conselho Económico e Social farão parte representantes do Governo, das organizações representativas dos trabalhadores, das actividades económicas e das famílias, das regiões autónomas e das autarquias locais. "Não se trata, no entanto, de uma enumeração fechada. Outras organizações, como as dos consumidores e de defesa do ambiente, poderão e deverão também estar nele representadas. A amplitude das funções que forem por lei atribuídas ao CES determinará, consequentemente, o número e natureza dos seus membros. Deduz-se, no entanto, da caracterização que a Constituição fornece do CES que a escolha dos seus membros será feita por critérios diversos: representação de interesses, instituições, sectores, regiões, movimentos sociais, etc." - in Constituição da República Portuguesa Anotada, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, 1993.
A organização e funcionamento do Conselho Económico e Social ficaram igualmente remetidas para legislação ordinária. Neste âmbito, a Constituição apenas determina que a eleição do presidente do Conselho Económico e Social é eleito por uma maioria de dois terços dos deputados presentes - artigo 163.º, alínea i).
2 - Cidadãos portadores de deficiência:
O artigo 71.º da Constituição da República Portuguesa, cuja epígrafe é "Cidadãos portadores de deficiência", consagra o gozo pleno por parte destes cidadãos de todos os direitos e sujeição a todos deveres constitucionalmente garantidos, com ressalva daqueles para cujo exercício ou cumprimento estejam incapacitados. No n.º 2 do referido preceito constitucional, o Estado obriga-se a "realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação, e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores". Além disso, está constitucionalmente garantido o apoio do Estado às organizações de cidadãos portadores de deficiência.

Enquadramento legal

1 - Conselho Económico e Social:
Em obediência aos imperativos constitucionais anteriormente mencionados, foi aprovada a Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto, posteriormente alterada pela Lei n.º 80/98, de 24 de Novembro, e pela Lei n.º 128/99, de 20 de Agosto.
Actualmente, compõem o Conselho Económico e Social, nos termos do artigo 3.º, representantes dos seguintes sectores:
Assembleia da República,
Governo;
Associações sindicais;
Associações empresariais,
Sector cooperativo;
Conselho Superior de Ciências e Tecnologia;
Profissões liberais;
- Sector empresarial do Estado;
Regiões autónomas;
Autarquias locais;
Associações nacionais de defesa do ambiente;
Associações nacionais de defesa dos consumidores;
Instituições particulares de solidariedade social;
Associações de família;
Universidades;
Associações de jovens empresários;
Organizações representativas da agricultura familiar e do mundo rural;
Associações representativas da área da igualdade de oportunidades para homens e mulheres;
Associações de mulheres com representatividade genérica;
Associações de mulheres representadas no conselho consultivo da Comissão para a Igualdade e os Direitos da Mulher;
Sector financeiro e segurador;
Sector do turismo;
Personalidades de reconhecido mérito nos domínios económico e social.
A composição actual do Conselho Económico e Social é mais abrangente do que a original. De facto, ambas as alterações à redacção original alargaram a composição do Conselho, no sentido de permitir uma participação mais alargada na prossecução das tarefas do Conselho.
2 - Associações de cidadãos portadores de deficiência:
A Lei n.º 127/99, de 20 de Agosto, define os direitos de participação e de intervenção das associações de pessoas com deficiência, junto da Administração Pública, com o objectivo de eliminar todas as formas de discriminação e de promover a igualdade entre os cidadãos portadores de deficiência e os restantes.
De acordo com o estipulado pelo artigo 4.º da referida lei, as associações de pessoas com deficiência têm o direito de participar na definição das políticas e das grandes linhas de orientação legislativa, no âmbito da reabilitação e integração social das pessoas com deficiência. Além disso, as associações com representatividade genérica gozam do estatuto de parceiro social para todos os legais efeitos.

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Parecer

A Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais é do seguinte parecer:

a) O projecto de lei n.º 113/IX, da iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes, reúne os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis para subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República:

Palácio de São Bento, 16 de Setembro de 2002. O Deputado Relator, Luís Fazenda - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência de Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 148/IX
[LEI DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO (REVOGA O DECRETO-LEI N.º 48 051, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1967)]

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Nota prévia

O Grupo Parlamentar do PS tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 148/IX, que aprova a "Lei da responsabilidade civil extracontratual do Estado (Revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967)".
Essa apresentação é efectuada ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º, bem como do artigo 167.º da CRP e do artigo 130.º do Regimento, reunindo ainda os requisitos formais previstos no seu artigo 137.º. Foi, consequentemente, admitido o projecto de lei por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República de 15 de Outubro de 2002, tendo descido à 1.ª Comissão para emissão do respectivo relatório e parecer.
Na mesma data foi pedido parecer, nos termos constitucionais, às assembleias legislativas regionais. Respondeu a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, tendo sido emitido, por unanimidade, parecer favorável na generalidade.
De realçar que o projecto de lei n.º 148/IX retoma, na integralidade, o articulado apresentado na última legislatura pelo XIV Governo Constitucional, então inscrito sob a proposta de lei n.º 95/VIII, a qual, conjuntamente com dois outros diplomas - agora a Lei n.º 13/2002, que aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e a Lei n.º 15/2002, que aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, integrava o acervo fundamental da designada reforma do contencioso administrativo, tendo chegado a ser apreciado e votado favoravelmente, na generalidade.

II - Do objecto, motivação e contornos do projecto de lei n.º 148/IX

Os autores do projecto de lei justificam, na sua exposição de motivos, a iniciativa legislativa em termos idênticos aos apresentados na anterior proposta, invocando, nomeadamente, o significado dos respectivos trabalhos preparatórios, os mais relevantes reunidos em livro entretanto editado sob a égide do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça, além do relevo reconhecido ao contributo legislativo da iniciativa da Ordem dos Advogados.
No essencial, o projecto de lei reassume o propósito pioneiro de regular a matéria da responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades públicas, por danos resultantes do exercício da função não apenas administrativa mas também jurisdicional e política e legislativa.
No entendimento expresso pelos autores "pode dizer-se que se afigura correcta a opção de partir para a redefinição do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, pelo menos no que ao exercício da função administrativa se refere, do regime estatuído no Decreto-Lei n.º 48 051 e das soluções que, ao longo dos tempos, em seu torno foram sendo gizadas pela jurisprudência portuguesa. Daí ter sido considerado útil incorporar na lei soluções que, tendo vindo a afirmar-se na prática jurisprudencial, a consagração normativa permitirá consolidar".
É o que sucede com alguns dos preceitos que integram as disposições gerais, bem como com algumas das normas em matéria de responsabilidade pelo exercício da função administrativa - com destaque para a consagração, com alcance geral, do entendimento, já assumido pela jurisprudência administrativa, de que a eventual não utilização da via processual adequada à eliminação de um acto jurídico lesivo, só por si, não põe em causa o direito à indemnização, apenas podendo relevar no quadro do instituto da culpa do lesado.
O novo diploma procura, entretanto, responder à necessidade, antiga, de adaptar o regime legal da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas às exigências ditadas pela Constituição da República. Neste sentido, procede-se às seguintes alterações:
- Aperfeiçoa-se o regime da responsabilidade pelo exercício da função administrativa, estendendo o campo de aplicação do regime da responsabilidade solidária ao domínio das condutas praticadas com culpa grave;
- Estabelece-se, pela primeira vez em Portugal, um regime geral de responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional;
- Introduz-se um regime inovador, mesmo numa perspectiva de direito comparado, em matéria de responsabilidade pelo exercício da função política e legislativa;
- Consagra-se, nos mais amplos termos, o dever de o Estado e demais pessoas colectivas de direito público indemnizarem todo aquele a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, sem circunscrever o regime ao exercício da função administrativa.
Convém, no entanto, situar de forma mais compreensiva o enquadramento constitucional e legal de que se parte para a formulação da iniciativa legislativa.

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III - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e o texto constitucional

A matéria tem sede constitucional ao nível do artigo 22.º da CRP, com a categoria de princípio geral no âmbito dos direitos e deveres fundamentais.
Em face de tal relevância em particular o instituto da responsabilidade da administração sofreu uma evolução relativamente rápida e largamente favorável aos particulares.
O princípio da irresponsabilidade do Estado e demais entidades públicas - e, portanto, da Administração - deixou de ser a regra, admitindo-se progressivamente a sua responsabilização.
Assim, a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas, na origem indirecta e dependente da existência de culpa, evoluiu em largos domínios para directa e objectiva, independente da existência de culpa ou, até, ilicitude.
A evolução espelha-se no ordenamento jurídico português, que começou por consagrar a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas ao nível da legislação ordinária, culminando com a consagração, na Constituição vigente, do princípio geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas. Tal princípio (o do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa) é, sem dúvida, um dos princípios básicos do Estado de direito democrático baseado na salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos e pressupõe, simultaneamente, um direito e uma garantia primordial de qualquer cidadão.
O artigo 22.º (o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 153/90 apreciou, em sede de fiscalização concreta da Constitucionalidade, o artigo 22.º da Constituição - de forma incidental -, concluindo pela sua aplicação a todos os casos de responsabilidade extracontratual do Estado e outra entidades públicas) parece consagrar o princípio da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas em termos amplíssimos, revestindo um carácter verdadeiramente inovador - abrangendo, por um lado, quer a responsabilidade por actos ilícitos quer por actos lícitos ou pelo risco e, por outro, a responsabilidade em virtude do exercício das várias funções do Estado.
A disposição contém, todavia, alguns elementos que apontam em sentido não coincidente, nomeadamente ao consagrar explicitamente a responsabilidade em forma solidária. Uma vasta doutrina exprime, de resto, amplíssimas reflexões, de sinal nem sempre coincidente, quanto ao alcance do princípio constitucional.
Como quer que seja, a tendência firme vem sendo, tal como noutros ordenamentos, para consagrar a responsabilidade de 1.º grau das entidades públicas, independentemente da responsabilidade subjectiva dos titulares dos seus órgãos e agentes.
A Constituição actual, na articulação do citado artigo 22.º com o artigo 271.º n.os 1, 2 e 3, é, em todo o caso, tributária da visão clássica do relacionamento entre responsabilidades. Como a responsabilidade supõe tradicionalmente a ilicitude de titulares de órgãos, funcionários e agentes, o artigo 22.º poderia porventura ser interpretado como não vinculando directa e imediatamente a responsabilidade civil de entidades públicas por acto lícito. Porém, nem o corpo geral do artigo 22.º nem o segmento final do preceito, "(...) ou prejuízo de outrem", parece admitirem outra interpretação conforme que não seja a da responsabilidade tanto por actos ilícitos como por actos lícitos, quando lesivos.
Particularmente controversa se tem entretanto revelado a questão da aplicação directa do preceito pelos tribunais, independentemente ou para além do disposto na lei ordinária, e assim tendo em atenção a aplicabilidade do regime dos direitos, liberdades e garantias.
Em qualquer caso, e sendo notória a omissão do legislador quanto à regulação adequada muito em particular das aspectos da responsabilidade derivados da função jurisdicional e da função política e legislativa, urge, sem prejuízo do importante papel desempenhado pelos órgãos de aplicação do direito, legislar sobre a matéria.
Da análise constitucional ressaltam vários princípios conformadores da responsabilidade das entidades públicas, a saber:

a) A responsabilidade alargada a todas as funções do Estado, como princípio estruturante do Estado de direito;
b) A responsabilidade como forma de protecção jurídica dos direitos fundamentais;
c) O respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos;
d) O respeito pelos princípios da legalidade, da justiça, da imparcialidade, da proporcionalidade, da necessidade e da igualdade.

De tudo ressalta a evidência da premência da revisão e actualização do direito ordinário anterior à Constituição, constante, em matéria de responsabilidade por actos de gestão pública, do Decreto-Lei n.º 48 051, e de gestão privada, do regime do Código Civil.
Assim, importa passar em revista tal enquadramento legislativo.

IV - Da responsabilidade civil no Código Civil

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (artigo 483.º do Código Civil).
Este artigo consagra o princípio fundamental da obrigação de reparar as violações de quaisquer direitos dos particulares. É um património comum do direito privado e não só do direito das obrigações.
As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia por força da lei ou de negócio jurídico o dever de praticar o acto omitido (artigo 486.º do Código Civil).
Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa poderá a indemnização ser fixada equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494.º do Código Civil).
No caso de lesão de que proveio a morte é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral (artigo 495.º do Código Civil).
São extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco na parte aplicável na falta de preceitos legais em contrário as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos (artigo 499.º do Código Civil).

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V - Da responsabilidade civil extracontratual do Estado (Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967)

A lacuna no direito positivo aberta com a publicação do Código Civil de 1966 (que veio regular a matéria da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos praticados no exercício de actividades de gestão privada) veio a ser colmatada pelo Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, o qual estabeleceu o regime geral da "responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública".
A responsabilidade da Administração por factos praticados no exercício de actividades de gestão pública passou, assim, "em tudo que não esteja previsto em leis especiais" (artigo 1.º in fine) a reger-se pelo disposto do novo decreto-lei.
O Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, veio regular, no âmbito dos actos de gestão pública, não só a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas em virtude de actos ilícitos culposos mas também - e pela primeira vez no direito português, com carácter geral e abstracto - a chamada responsabilidade administrativa: responsabilidade por factos casuais e responsabilidade por actos ilícitos.
Neste diploma regula-se a responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício (artigos 2.º e 3.º).
Os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem precedido dolosamente.
Prevê-se ainda que o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítimas ou de terceiro, sendo neste caso a responsabilidade determinada segundo o grau de culpa de cada um (artigo 8.º).
O decreto-lei aborda, em primeiro lugar, a responsabilidade por actos ilícitos culposos (artigos 2.º a 3.º). O Decreto-Lei n.º 48 051 veio ainda consagrar, ao lado da clássica responsabilidade civil da Administração, cujo fundamento é a prática de actos ilícitos culposos, a chamada responsabilidade administrativa.
Somente com este diploma se admite, pela primeira vez, no ordenamento jurídico nacional, o princípio geral da responsabilidade da administração independentemente de culpa. A matéria da responsabilidade fundada no risco ou responsabilidade por factos casuais consta do respectivo artigo 8.º.
A outra vertente da chamada responsabilidade administrativa é a responsabilidade por factos lícitos, a qual se reporta ao problema da indemnização por danos causados a algum ou alguns particulares em consequência de actividades lícitas e conforme com a lei exercidas em regra no interesse geral de toda a colectividade (artigo 9.º).
Este artigo prevê duas ordens de situações em que a Administração pode incorrer em responsabilidade por factos lícitos.
Em primeiro lugar, sempre que em virtude de actividades lícitas (acto administrativo legal ou acto material lícito) exercidas no interesse geral tenham sido impostos encargos ou causados prejuízos especiais e anormais a certos e determinados particulares.
Em segundo lugar, sempre que se verifique uma situação de estado de necessidade e tenha sido necessário, para a prossecução do interesse público, o sacrifício especial, em todo ou em parte, de coisa ou direito de terceiro.
No primeiro tipo de situações, à semelhança do que sucede com a responsabilidade fundada no risco, a existência da responsabilidade da Administração depende da verificação de um prejuízo efectivo que revista um carácter especial e anormal, isto é, que afecte somente determinado ou determinados particulares e que não se afigure como sendo aceitável em termos de padrões normais da vida em sociedade.
A mesma ideia de só se admitir a responsabilidade em situações graves está patente na segunda hipótese referida, na medida em que se exige a existência efectiva de um sacrifício especial de coisa ou direito de um particular.
Ao nível do âmbito de jurisdição, quando se trata de acto de gestão privada é competente o tribunal comum e o regime material é o constante do artigo 501.º do Código Civil; ao invés, estando-se em presença de um acto de gestão pública, são competentes os tribunais administrativos (artigo 51.º, n.º 1, alínea h, do velho Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ainda em vigor durante a vacatio legis relativa à Lei n.º 13/2002), regendo quanto aos termos em que se processa a responsabilidade o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.
De realçar que, em concordância com a Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, artigo 12.º, o Estatuto do Médico (Decreto-Lei n.º 373/79, de 8 de Setembro), que regula o exercício de funções profissionais em serviços público, dispõe, no n.º 3 do artigo 8.º, que em "casos de responsabilidade civil, tem aplicação a lei reguladora da responsabilidade civil extracontratual do Estado no domínio dos actos de gestão pública".
O Decreto-Lei n.º 48 051 estabelece a regra de que só o Estado ou a pessoa colectiva são directamente responsáveis (artigo 2.º, n.º 1), podendo, todavia, existir responsabilidade directa do órgão ou agente nos casos do n.º 1 do artigo 3.º, isto é, havendo dolo ou excesso do "limite das suas funções".
O Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, ainda em vigor, lançou as bases de uma nova regulamentação da matéria da responsabilidade extracontratual do Estado pela sua actuação de gestão pública. Uma clara distinção passou, então, a estar presente no ordenamento português.
Havendo danos decorrentes da actividade de gestão privada do Estado, este responde por eles, nos mesmos termos em que responde um particular, sujeitando-se às normas de direito civil perante os tribunais judiciais.
Havendo danos decorrentes da actividade de gestão pública, o Estado responde por eles, segundo as normas do Decreto-Lei n.º 48 501, perante os tribunais administrativos.

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Entende-se por gestão privada a actividade que a Administração Pública empreende segundo regras de direito privado e gestão pública a actividade que esta empreende de acordo com o direito público. A qualificação de uma actividade como de gestão pública ou de gestão privada depende, assim, do seu enquadramento normativo, que o mesmo é dizer das respectivas normas disciplinadoras.
O Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, tem sido ao longo dos tempos e da sua extensa vigência objecto de variadíssimas apreciações doutrinárias, de que podemos sumariar os seguintes termos:
- O diploma só regula a responsabilidade civil da Administração Pública, quer o mesmo dizer a responsabilidade do Estado-Administração;
- Não trata o diploma da responsabilidade do Estado por actuações ou omissões no campo legislativo, político-governativo ou judicial;
- O regime previsto no diploma tem sido entendido como contendo um princípio geral contrário à legislação do Código Civil, expresso no artigo 562.º - enquanto na lei civil o princípio geral inerente à obrigação de indemnizar é o da restauração natural, logo se entendeu que o Decreto-Lei n.º 48 051 consagrava o princípio contrário, o de que a obrigação de indemnizar se concretiza numa reparação pecuniária;
- Em qualquer caso, o princípio aquiliano da culpa e as inerentes regras de formulação da prova evidenciam-se desactualizadas do esforço jurisprudencial no sentido da compreensão de uma responsabilidade mais de natureza objectiva e, independentemente da responsabilidade do agente, como atribuível à Administração como faute de service;
- Por outro lado, as presentes soluções de direito positivo são desconformes à clareza do princípio constitucional na parte em que não asseguram a responsabilidade solidária do Estado nos casos de culpa dolosa do agente ou se tiverem excedido os limites das suas funções;
- O parâmetro da responsabilidade pelo risco circunscreve-se, demasiado restritivamente, à produção de prejuízos especiais e anormais.
O projecto de lei em apreço, ao revogar o Decreto-Lei n.º 48051 e propor uma nova solução normativa, vem responder a um largo espectro de novas exigências, largamente decorrentes das apreciações críticas supra referidas. Como infra se analisa.

VI - Do regime geral do projecto de lei

1 - Da responsabilidade pelo exercício da função administrativa:
Mantém-se no projecto de lei a diferenciação que, na ordem jurídica portuguesa, tem sido estabelecida entre actuações administrativas que geram uma responsabilidade regida por disposições de direito público e actuações administrativas que suscitam uma responsabilidade regida por disposições de direito privado, circunscrevendo o âmbito do diploma à definição do regime de direito público da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas.
No entendimento dos proponentes não são qualitativamente idênticas e, por isso, indiferenciáveis as condutas que as entidades públicas desenvolvem como se fossem entidades privadas e aquelas que elas adoptam no exercício de poderes públicos de autoridade ou, em todo o caso, ao abrigo de disposições e princípios de direito público, institutivos de deveres ou restrições especiais, de natureza especificamente administrativa, que não se aplicam à actuação das entidades privadas. E que, dentro dessa perspectiva, ainda permanecem válidas as razões que, historicamente, levaram a associar a esta distinção uma diferenciação de regimes, admitindo que, quando está em causa o exercício de funções públicas, a responsabilidade directa do titular de órgão, funcionário ou agente e o direito de regresso sobre ele apenas devem existir quando tenha havido dolo ou culpa grave da sua parte.
Opta-se, assim, por delimitar o âmbito material das actuações abrangidas pelo regime de responsabilidade segundo o critério do regime jurídico substantivo ao abrigo do qual elas foram adoptadas.
No que se refere à responsabilidade civil da Administração, as principais alterações propostas consistem no seguinte:
- Alargamento da regra da solidariedade, em conformidade com a Constituição, ao domínio das condutas praticadas com culpa grave;
- A consagração legal de uma responsabilidade de natureza objectiva da Administração pelo funcionamento anormal dos seus serviços;
- A introdução de um regime de presunção de culpa, nos casos em que os danos são causados por actos jurídicos, o que compreende actos administrativos e actos de conteúdo normativo.
Com a introdução desta presunção de culpa aproxima-se, finalmente, o quadro normativo da prática dos nossos tribunais administrativos, que, em sintonia com a tradição firmada nos países do sul da Europa, com particular destaque para a França, e, por influência desta, no direito comunitário, já de há muito vinham entendendo que a culpa é inerente à prática de actos jurídicos ilegais por parte da Administração.
Concomitantemente dá-se, assim, satisfação às exigências impostas pelas Directivas n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, e 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro, que, embora no domínio específico das consequências da anulação de actos relativos à formação de certo tipo de contratos se fazem eco da orientação, de matriz francesa, que tem inspirado o Tribunal de Justiça das Comunidades no domínio da responsabilidade por actos administrativos ilegais e que precisamente assenta no entendimento de que a culpa se encontra ínsita na ilegalidade cometida, sem carecer, por isso, de demonstração.
2 - Da responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional:
Procede-se ao alargamento da responsabilidade civil do Estado por danos resultantes do exercício da função jurisdicional, estendendo-se ao domínio da administração da justiça o regime da responsabilidade da Administração, com as ressalvas que decorrem do regime próprio do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que os magistrados respondam directamente pelos ilícitos que cometam, sem prejuízo do regime do direito de regresso nos caos de dolo ou culpa grave (pelo que não se lhes aplica o regime de responsabilidade solidária que vale para os titulares de órgãos, funcionários e agentes

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administrativos, incluindo os que prestam serviço na administração da justiça).
No que se refere ao regime do erro judiciário, para além da delimitação genérica do instituto, assente num critério de evidência do erro de direito ou na apreciação dos pressupostos de facto, entendeu-se dever limitar a possibilidade de os tribunais, numa acção de responsabilidade, se pronunciarem sobre a bondade intrínseca das decisões jurisdicionais, exigindo que o pedido de indemnização seja fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
3 - Da responsabilidade pelo exercício da função política e legislativa:
De especial alcance é a opção normativa e política de caminhar para a consagração de um regime geral de responsabilidade do Estado e das regiões autónomas por acções ou omissões ilícitas cometidas no exercício da função política e legislativa.
(Ressalve-se a posição da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, sustentada no sentido da inutilidade da referência expressa às regiões autónomas, com os fundamentos ínsitos no respectivo parecer).
Neste sentido se identificam as situações de ilicitude por referência à ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, quando tal resulte da violação de normas constitucionais, de direito internacional ou comunitário, ou de normas de valor reforçado. Identicamente, é causa de responsabilidade a omissão de providências legislativas necessárias para tornar exequíveis essas normas, bem como a omissão evidente do dever de protecção de direitos fundamentais (nos termos do artigo 15.º).
Regista-se a possibilidade de o tribunal poder limitar a indemnização quando os lesados por uma acção ou omissão legislativa ilícita e culposa forem em tal número que se justifique, por razões de interesse público de excepcional relevo, uma tal solução.
4 - Da correspondente harmonização de outras disposições legais:
A revisão do regime da responsabilidade por danos resultantes do exercício da função jurisdicional requer, por fim, a harmonização do preceito do Código de Processo Penal relativo à obrigação de indemnizar no caso de detenção ou prisão preventiva ilegítima, bem como o preceito que, no Estatuto do Ministério Público, se refere à responsabilidade dos respectivos magistrados.

VII - Recensão crítica

De tudo o que vem sendo exposto resultam evidentes conteúdos de forte inovação normativa no instituto da responsabilidades civil extracontratual dos entes públicos.
Há, todavia, que sinalizar alguns aspectos cuja melhor reflexão não pode deixar de ter lugar no quadro do presente processo legislativo, como, aliás, ocorria aquando da sua suspensão na legislatura passada, por efeito do acto de dissolução da Assembleia da República.
De entre esses aspectos, cumpre destacar:
- A opção que afinal deva tomar-se quanto à separação material de regimes no que se reporta aos designados actos de gestão pública em contraponto aos actos de gestão privada da Administração;
- A precisão do regime a aplicar nas situações em que o Estado e demais entes públicos actuam sob as vestes do direito privado, todavia no exercício de serviços públicos ou de interesse público geral ou ainda naquelas em que, no mesmo âmbito de actuação, se movam entidades privadas mas total ou maioritariamente financiados por entes públicos;
- A mesma precisão de regime nas situações de vínculo contratual que implique prestação autónoma de serviços para fins de imediata utilidade pública;
- A melhor clarificação quanto à obrigação de indemnizar de que esta abrange tanto os danos emergentes como os lucros cessantes;
- A densificação devida à noção de "funcionamento anormal do serviço" para efeitos de caracterização da faute de service;
- A salvaguarda de que a responsabilidade civil dos magistrados é a regulada na presente lei, mas sem prejuízo da responsabilidade decorrente configurar e resultar da prática de um crime;
- Uma exigível compatibilização, nos limites da coerência devida à ordem jurídica e respectivos sistemas de controlo da constitucionalidade e da legalidade, entre as decisões de responsabilidade por acto ilícito do legislador e os respectivos regimes de apuramento dessa ilicitude;
- A ponderação, por uma razão de equidade, da extensão do regime de indemnização pelo sacrifício aos danos especiais e anormais provocados por entidade privada se no exercício de função administrativa.

Conclusão

O projecto de lei n.º 148/IX revela-se como uma iniciativa de evidente pertinência, tanto em face da necessária integração pelo direito ordinário do âmbito geral ínsito no princípio constitucional da responsabilidade civil dos entes públicos - artigo 22.º - nas funções administrativa, jurisdicional e legislativa, tanto como elemento essencial à consistência final da reforma do contencioso administrativo.
Pelo que, e face ao exposto, a Comissão é de

Parecer

Que o projecto de lei n.º 148/IX se encontra em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário.

Palácio de São Bento, 20 de Novembro de 2002. O Deputado Relator, Jorge Lacão - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes.

Parecer da Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho da Assembleia Legislativa Regional dos Açores

Capítulo I
Introdução

A Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente de Trabalho reuniu no dia 30 de Outubro de 2002 na delegação

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da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, na cidade de Angra do Heroísmo, para emitir parecer na sequência do solicitado por S. Ex.ª o Presidente da Assembleia Legislativa Regional, sobre o projecto de lei n.º 148/IX, do PS - Lei da responsabilidade civil extra-contratual do Estado (Revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967).
Este projecto de decreto-lei deu entrada na Assembleia Legislativa Regional dos Açores no dia 23 de Outubro, tendo sido enviado à Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho no dia 24, para apreciação e emissão de parecer até 12 de Novembro de 2002.

Capítulo II
Enquadramento jurídico

A apreciação e emissão de parecer ao presente projecto de lei exerce-se em conformidade com o disposto na alínea v) do n.º 1 do artigo 227.° e no n.º 2 do artigo 229.° da Constituição da República Portuguesa, na alínea i) do artigo 30.º e na alínea a) do n.° 1 do artigo 79.° do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e na Lei n.° 40/96, de 31 de Agosto, que regula a audição dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas.

Capítulo III
Apreciação na generalidade

Conforme é referido na respectiva exposição de motivos, o presente projecto de lei, da iniciativa do Partido Socialista, visa regular a matéria da responsabilidade extra-contratual do Estado e demais entidades públicas, por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, jurisdicional e administrativa.
Trata-se, afinal de retomar, na íntegra, a proposta de lei n.° 95/VIII, apresentada pela XIV Governo Constitucional em 2001, e que não chegou a ser votada por entretanto ter sido decretada a dissolução da Assembleia da República.
Em 5 de Setembro de 2001 a referida proposta de lei foi objecto de análise da Comissão de Política Geral da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, que deliberou, por unanimidade, emitir parecer favorável na generalidade e especialidade.
Chamada agora a pronunciar-se, e tendo em conta o exposto, a Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho, apreciados os fundamentos e princípios gerais deste projecto de lei, deliberou, por unanimidade, reiterar a posição em devido tempo assumida pela Comissão de Política Geral, emitindo, assim, parecer favorável na generalidade.

Capítulo IV
Apreciação na especialidade

O artigo 15.° do regime da responsabilidade civil extra-contratual do Estado e demais entidades públicas, anexo ao presente projecto de lei e que dele faz parte integrante, é o único normativo do projecto de lei que individualiza as regiões autónomas do Estado.
Ora, numa interpretação do diploma, poderíamos ser levados a pensar que, por exemplo, ao nível da responsabilidade por facto ilícito (artigo 7.°) ou pelo risco (artigo 11.°), por não ser feita essa discriminação, não seria a administração regional abrangida.
Julgamos, contudo, ser pacífico considerar não ter sido essa a intenção do legislador.
Além do mais, vejamos o que dispõe o artigo 1.° do projecto de lei: "A responsabilidade civil extra-contratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público, par danos resultantes do exercício das funções política e legislativa, jurisdicional e administrativa, rege-se pelo disposto no presente diploma em tudo o que não esteja previsto em lei especial".
E o que dispõe o n.° 1 do artigo 1.° do Estatuto Político-Administrativo da Região: "O arquipélago dos Açores (...) constitui uma região autónoma da República Portuguesa dotada de personalidade jurídica de direito público".
E o Estatuto Político-Administrativo da Madeira, no seu artigo 2.°, diz: "A Região Autónoma da Madeira é uma pessoa colectiva territorial, dotada de personalidade jurídica de direito público".
Ou seja, a optar-se por uma efectiva discriminação dever-se-á então olhar para o disposto no n.º 3 do artigo 3.° da Constituição da República Portuguesa, quando nos diz que:
"A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição."
Por isso, por se tratar de uma lei geral da República e por os órgãos de governo próprio das regiões autónomas terem sido ouvidos, pensamos poder-se concluir que a referência às regiões autónomas nos n.os 1 e 2 do artigo 15.° é uma opção incoerente com a generalidade do diploma e com a intenção última do legislador, preferindo-se a menção a "pessoas colectivas de direito público".
Assim, e sem prejuízo do parecer da Comissão de Política Geral sobre a proposta de lei com idêntico conteúdo, esta Comissão é de entendimento unânime que o referido articulado deverá passar a ter a seguinte redacção:

"Artigo 15.°

1 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são civilmente responsáveis (...)
2 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são também civilmente responsáveis (...)
3 - (...)
4 - (...)

Angra do Heroísmo, 30 de Outubro de 2002. O Deputado Relator, José Nascimento Ávila - O Presidente da Comissão, Manuel Herberto Rosa.

Nota: - O parecer foi aproado por unanimidade.

PROJECTO DE LEI N.º 159/IX
APROVA O ESTATUTO DO COOPERANTE

Exposição de motivos

O normativo legal que enquadra as acções de cooperação de pessoal, nos países em vias de desenvolvimento, tem a sua base fundamental em 1985, através do Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro, e legislação diversa, quer se trate de pessoal da Administração Pública ou do sector privado.
As acções de cooperação traduzidas em projectos de acção bilateral com Portugal, ou multilateral, de que Portugal

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é parte, é hoje uma realidade totalmente diferente daquela que era vivida então em 1985, quando da saída do normativo já referenciado.
É hoje amplamente reconhecido que as acções e projectos de cooperação envolvem um número elevado de pessoas, que nos mais diversos países, e com particular incidência nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), acrescida da situação especial em Timor Leste, na data pós-referendo, e cujos projectos têm carácter plurianual, necessitando por isso mesmo de estabilidade continuada, quer nas acções quer, sobretudo, no pessoal que as desenvolve.
A cooperação portuguesa e o pessoal que ali a pratica é, sem dúvida, altamente meritória, e deve por isso mesmo ser reconhecida pelo Estado que a pratica.
A criação em Portugal da Agência Portuguesa de Apoio e Desenvolvimento, sob a tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesa e na dependência directa da Secretaria de Estado da Cooperação, pretende congregar os vários projectos governamentais, por um lado, e, por outro, articular as várias componentes da cooperação portuguesa.
Faz também, por isso, sentido que seja criada, no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, uma bolsa de cooperantes para que se conheça verdadeiramente quem e onde se podem prestar essas acções.
No decurso da própria acção de cooperação, não poucas vezes, são confrontados os cooperantes com dificuldades acrescidas na renovação do contrato ou em situações de doença que obrigam a evacuação para Portugal, sem estar definido concretamente quem paga, ou como são ressarcidos nas despesas entretanto efectuadas, chegando-se mesmo a situações dramáticas, pois em caso grave de falecimento do cooperante as despesas decorrentes com a trasladação para Portugal tornam-se incomportáveis para a família da vítima.
É nesse sentido, para criar as normas concretas de uma bolsa de cooperantes, junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, e articular as várias acções de cooperação, estipular os normativos dos contratos de cooperação e agilizar os processos na formação dos mesmos que o projecto de lei se apresenta.
No presente projecto de lei definem-se, com objectividade e rigor, o que é o cooperante, os requisitos essenciais, a promoção da cooperação e o âmbito da política de cooperação, e quem são os promotores dessa mesma cooperação.
Por outro lado, as condições do contrato e garantia do cooperante são amplamente desenvolvidas, visando desde a formação do contrato, ao registo do mesmo, às acções de formação do cooperante e a quem cabe as despesas com o referido contrato.
Tais situações, que devem ser valorizadas, traduzem ainda as várias componentes do contrato de cooperação, nomeadamente no tocante à remuneração, às contribuições para a segurança social, ao seguro e à assistência.
No que respeita às garantias do cooperante, são tratadas em normativo o regresso ao local de trabalho, bem como o direito ao subsídio de desemprego, na ausência de vínculo laboral, mas são tratados igualmente os deveres do cooperante, quer para com o Estado português quer para com o Estado solicitante.
É assim, e no sentido de criar um Estatuto do Cooperante que identifique e dignifique os cooperantes portuguesas, que os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Da política de cooperação

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei estabelece as normas e define os princípios que regem o Estatuto do Cooperante.

Artigo 2.º
Definição de cooperante

1 - Para efeitos do presente diploma considera-se cooperante todo o cidadão português que, possuindo as qualificações adequadas no âmbito da sua actividade, se obrigue, mediante contrato, a prestar qualquer serviço no quadro das relações de cooperação com um país em desenvolvimento, promovidas ou participadas por entidades nacionais públicas e privadas.
2 - Aos cidadãos portugueses que trabalham num país em desenvolvimento no âmbito de uma acção, projecto ou programa de cooperação de qualquer país membro da União Europeia, de qualquer organismo internacional ou de uma das agências especializadas pode ser ainda reconhecido, por despacho fundamentado do Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, o estatuto de cooperante, desde que a sua actividade se insira nos objectivos da política de cooperação portuguesa.

Artigo 3.º
Requisitos

1 - Consideram-se como qualificações adequadas, para efeito do artigo anterior, as que como tal forem definidas pelo Estado solicitante ou as que fizerem parte do instrumento de cooperação ou, na ausência de tais definições, as que forem exigidas em Portugal para o exercício das funções correspondentes às que o cooperante vier a realizar.
2 - As habilitações, a qualificação profissional e técnica, quando necessária, podem ser reconhecidas através de diploma ou certificado de habilitações ou através de experiência profissional devidamente atestada.
3 - Os cooperantes devem ser maiores e possuir, para além das condições enumeradas nos números anteriores, aptidão e capacidade de adaptação tendo em conta as suas funções.

Artigo 4.º
Promoção da cooperação

1 - No âmbito das relações de cooperação entre o Estado português e os países em desenvolvimento cabe àquele, através do Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas ou dos organismos que designar, incentivar e promover a adesão e recrutamento de cooperantes qualificados, de entre os quais o Estado solicitante terá o direito de seleccionar aqueles cuja cooperação deseje.
2 - Na sua acção de incentivar e promover a adesão e recrutamento de pessoal cooperante as entidades portuguesas referidas no número anterior poderão solicitar a

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indicação de cooperantes a quaisquer entidades, recorrer à publicidade que entendam conveniente através dos órgãos de comunicação social e ainda aceitar a inscrição directa de candidatos a cooperantes que reunam os requisitos exigidos para a prestação de cooperação.
3 - A iniciativa que nos termos do n.º 1 é reconhecida ao Estado português não impede que o Estado solicitante da cooperação individualize os cooperantes que deseja, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.

Artigo 5.º
Âmbito da política de cooperação

O Estado português, através das autoridades competentes, definirá os âmbitos, áreas, metodologias e demais aspectos integrantes do processo, meios e fins caracterizadores e prosseguidos no âmbito da cooperação, de acordo com os princípios do interesse nacional, da reciprocidade de tratamento, dos benefícios mútuos e das demais normas e princípios vigentes na matéria e firmados na comunidade internacional.

Artigo 6.º
Âmbito de aplicação

1 - O disposto no presente diploma aplica-se à Administração Central, regional e local, bem como a todas as outras entidades públicas e privadas.
2 - A aplicação do disposto na presente lei a pessoas colectivas de natureza privada far-se-á mediante acordo celebrado entre a entidade promotora da cooperação e a entidade visada, sempre que o procedimento implique a cedência de um trabalhador ou de um grupo de trabalhadores.
3 - O acordo mencionado no número anterior poderá contemplar o todo ou apenas parte da matéria constante do presente diploma.

Artigo 7.º
Promotores da cooperação

1 - As entidades promotoras da cooperação deverão requisitar os candidatos a cooperantes à respectiva entidade empregadora.
2 - Nos casos de recrutamento individual, e sem carácter sistemático, as entidades empregadoras poderão recusar a sua anuência, devendo a recusa ser fundamentada e comunicada à entidade promotora da cooperação no prazo máximo de 30 dias a contar da data do pedido da requisição, sob pena de se considerar tacitamente deferido.

Capítulo II
Condições do contrato e garantias do cooperante

Artigo 8.º
Contrato do cooperante

1 - A prestação de serviço dos cooperantes portugueses será obrigatoriamente efectuada ao abrigo de contrato escrito, o qual poderá revestir as seguintes formas:

a) Contrato em que outorgarão o cooperante, o Estado português e o Estado solicitante;
b) Contrato a outorgar entre o cooperante e o organismo ou entidade empregadora do Estado solicitante, visado pelo Estado português e pelo Estado solicitante.

2 - Poderá vir a ser acordada, mediante convenção, entre o Estado português e o Estado solicitante, e no caso previsto na alínea b) do número anterior, a assunção pelos dois Estados outorgantes de determinadas obrigações contratuais com carácter de subsidariedade, em sede de responsabilidade pelo cumprimento do contrato.
3 - A outorga referida na alínea a) do n.º 1 vinculará o Estado português, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas ou a pessoa que este designar, ficando o Estado solicitante vinculado por quem se ache devidamente credenciado e com poderes para o efeito.
4 - O visto referido na alínea b) do n.º 1 será aposto em nome e em representação dos respectivos Estados pelo organismo ou entidade competente e por quem para tal se ache devidamente credenciado.
5 - Dos contratos referidos no n.º 1 constarão os direitos e obrigações de cada um dos outorgantes e nele se inserirão, nomeadamente, cláusulas sobre as seguintes matérias:

a) Objecto do contrato;
b) Duração e renovação do contrato;
c) Garantias de contagem de tempo de duração do contrato;
d) Situação do cooperante face à lei do Estado solicitante;
e) Remuneração e entidade que suporta o respectivo pagamento;
f) Transferências monetárias;
g) Direitos do agregado familiar;
h) Garantias sociais;
i) Habilitação e alojamento;
j) Doenças e acidentes de trabalho;
k) Seguro;
l) Transportes;
m) Isenções aduaneiras;
n) Férias;
o) Resolução de contrato;
p) Legislação aplicável;
q) Foro ou arbitragem convencionados.

6 - Os contratos, bem como as suas renovações, serão isentos de imposto de selo, não carecem de visto do Tribunal de Contas, sem prejuízo da sua anotação quando se tratar de funcionários ou agentes da Administração Pública, e estão dispensados das formalidades de publicações e posse.
7 - Poderá ser atribuída, mediante despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, que definirá a extensão dos direitos e obrigações, a qualidade de cooperante aos indivíduos que celebrem contratos ao abrigo da cooperação multilateral.

Artigo 9.º
Registo

1 - Os cooperantes são registados no Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas pelos respectivos promotores da cooperação.
2 - O registo será recusado aos cooperantes que não satisfaçam os requisitos exigíveis.

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3 - O registo a que se refere o n.º 1 confere aos respectivos cooperantes todos os direitos, garantias e incentivos previstos neste diploma.

Artigo 10.º
Formação

Cabe ao Estado português, através dos serviços competentes, promover a formação e informação prévia à partida do cooperante sobre questões práticas e do quotidiano em que se vai inserir, nomeadamente sobre:

a) A história do país de acolhimento e o seu sistema jurídico-administrativo;
b) A caracterização económica e social do país;
c) A apresentação do contexto funcional em que se opera a cooperação, designadamente as necessidades e os objectivos que se visam alcançar;
d) A indicação do quadro dos valores sócio-culturais e locais e a traços de identidade cultural nacional;
e) A indicação de questões básicas para a sua vivência quotidiana, saúde, alimentação, entre outros.

Artigo 11.º
Início do contrato

O início da prestação de serviço do cooperante no Estado solicitante é contado, no silêncio do contrato, desde a data da respectiva assinatura.

Artigo 12.º
Despesas

1 - O contrato estabelecerá obrigatoriamente a quem cabe a responsabilidade de assumir as despesas de transporte, estadias intermédias e respectivas bagagens para o Estado solicitante, do cooperante e do agregado familiar, a partir do local da sua residência.
2 - Desde a data da assinatura do contrato até à data da chegada ao Estado solicitante, e em relação ao número de dias que mediar entre uma e outra, suportará o Estado português a responsabilidade do pagamento das importâncias a que o cooperante tenha direito pelo contrato, até ao limite de três dias, se de outro modo não dispuserem os acordos internacionais de cooperação aplicáveis.
3 - Desde a data do termo do contrato até à data da chegada a Portugal, e verificada que seja a impossibilidade de o cooperante reassumir funções na data que lhe caberia, o Estado português suportará os encargos correspondentes ao vencimento a que ele tiver direito no organismo ou serviço de origem, até ao limite de cinco dias.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º.

Artigo 13.º
Actos administrativos necessários

1 - Para os contratos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º os actos administrativos necessários para os efeitos de cooperação, designadamente requisições, elaboração de contratos e abonos de passagens e outros, serão praticados pelo serviço competente do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas.
2 - Para os contratos referidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º o competente serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas limitar-se-á a notificar as entidades patronais para efeitos da requisição.

Artigo 14.º
Remuneração

1 - Os cooperantes terão direito a uma remuneração adequada às funções a desempenhar, que será fixada no contrato de cooperação respectivo e que será suportada pela entidade ou país solicitante, pelo Estado português, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas ou pela entidade contratante ou promotora, conforme previsto no respectivo contrato de cooperação.
2 - Competirá ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, sempre que tal esteja previsto nos acordos ou contratos individuais de cooperação, o pagamento, em fracções mensais, do complemento de remuneração a que o cooperante tiver direito.
3 - O montante do complemento de remuneração a que se refere o número anterior será estabelecido por despacho conjunto dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e de Estado e das Finanças.

Artigo 15.º
Contribuições para a CGA

1 - Os cooperantes que não estejam abrangidos pela Caixa Geral de Aposentações serão inscritos, pelo período de vigência dos contratos de cooperação, no regime de pagamento voluntário de contribuições previsto na legislação portuguesa, com observância do disposto nos números seguintes.
2 - A inscrição é feita com dispensa de exame médico.
3 - O salário base de contribuição será:

a) Relativamente aos que, à data do início de vigência de contrato de cooperação, se encontrem a contribuir para a segurança social, a remuneração que nessa data auferirem, a qual irá sendo actualizada de acordo com os aumentos médios anuais verificados nos salários em Portugal, não podendo a actualização ser inferior à verificada na actividade e categoria que o cooperante possuía;
b) Relativamente aos não inscritos na segurança social ou que, à data do início da vigência do contrato de cooperação, embora inscritos, não estejam a contribuir, a remuneração correspondente a três vezes o salário mínimo estabelecido em Portugal, actualizado anualmente nos termos da lei geral.

4 - Competirá ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas proceder às diligências necessárias à inscrição referida nos números anteriores, designadamente indicando a remuneração base de contribuição no caso da alínea b) do n.º 3, e pagar as respectivas contribuições se se verificar que tal encargo não é assumido, nos acordos ou contratos individuais de cooperação, por outrem e houver prévio assentimento da entidade promotora da cooperação expresso por escrito.

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Artigo 16.º
Pagamento de descontos

1 - Competirá ainda ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas o processamento, liquidação e pagamento dos descontos obrigatórios previstos na legislação em vigor, designadamente para aposentação, sobrevivência e invalidez, quando se tratar de cooperantes que sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações e nos termos dos acordos ou contratos individuais de cooperação, tais encargos sejam de conta do Estado português.
2 - Os descontos a que se refere o número anterior terão como base de cálculo a remuneração que competir ao cargo de que o funcionário for titular à data da celebração do contrato de cooperação ou às funções efectivamente exercidas, quando se tratar de pessoal além do quadro.

Artigo 17.º
Segurança social

Relativamente aos contratos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º, e para efeitos do disposto nos artigos 15.º e 16.º, os departamentos públicos onde prestem serviço os cooperantes indicarão ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas as contribuições ou descontos, o número de subscritor do cooperante e a respectiva instituições, e o mesmo farão os cooperantes particulares relativamente ao número de subscritor e organismo da segurança social para que contribuem.

Artigo 18.º
Protecção social

Os cooperantes têm o direito, bem como as suas famílias, de beneficiar de uma protecção social análoga à que existe em Portugal para as pessoas que exerçam uma actividade semelhante em território nacional.

Artigo 19.º
Seguro

1 - Os cooperantes beneficiam de um sistema de seguro, obrigatoriamente previsto no respectivo contrato e suportado pelo entidade contratante, com ou sem participação do Estado português, conforme vier a ser determinado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas.
2 - Na situação prevista no número anterior serão cobertas todas as ocorrências possíveis, nomeadamente os casos de doença, invalidez, velhice, morte, acidentes de trabalho, doenças profissionais e abono de família.
3 - Na situação de baixa por doença, acidente, incapacidade temporária, gravidez ou maternidade o cooperante tem direito a receber a totalidade da respectiva remuneração, cabendo à entidade contratante o pagamento dos encargos não suportados pela segurança social ou pelo respectivo seguro.
4 - A protecção social a que se refere o presente artigo é extensiva ao cônjuge ou a com quem ele viva em situação equiparada, e aos seus filhos e dá direito ao abono da pensão de sobrevivência, se for caso disso.

Artigo 20.º
Assistência

1 - Para além do disposto nos artigos anteriores e das eventuais obrigações específicas decorrentes do contrato de cooperação, a entidade promotora deve garantir aos cooperantes, durante a vigência dos respectivos contratos:

a) Assistência médica;
b) Seguros de vida, de acidentes de trabalho, de responsabilidade civil por acidente de viação e de risco de guerra, se for caso disso.

2 - As obrigações referidas no número anterior são extensivas ao cônjuge ou a quem com ele viva em situação equiparada e aos seus filhos, com excepção do seguro de acidentes de trabalho.

Artigo 21.º
Garantias

1 - É garantido ao cooperante funcionário público ou trabalhador efectivo de empresa pública ou privada o direito ao lugar de que é titular à data em que se vinculou à cooperação e enquanto durar o exercício das suas funções.
2 - Ao pessoal dirigente vinculado à cooperação, nos termos do presente diploma, aplica-se o regime de suspensão da comissão de serviço na administração pública.
3 - Aos agentes administrativos é assegurado o regresso à situação em que se encontravam à data da cooperação, desde que na mesma data contem mais de três anos de serviço ininterrupto e se encontrem a prestar serviço em regime de tempo completo.
4 - O tempo de serviço prestado como cooperante nos Estados solicitantes será contado para todos os efeitos legais, designadamente antiguidade, promoção, diuturnidades e aposentação, como se tivesse sido prestado nos serviços de origem.
5 - Durante o tempo que durar o contrato do cooperante é garantido a este o direito de se candidatar a todo e qualquer concurso relativo à sua promoção no lugar de quadro de pessoal de origem ou noutro da Administração Pública, nos termos da legislação geral aplicável.

Artigo 22.º
Equiparação à comissão de serviço público

A prestação de serviços como cooperante é equiparada à comissão de serviço público por tempo determinado para os efeitos do disposto em matéria de regime de arrendamento urbano.

Artigo 23.º
Escolaridade dos descendentes

Para efeitos de cumprimento da escolaridade é assegurada aos filhos do cooperante que o acompanham a equivalência de todo o tempo de escolaridade obtido no país solicitante, de harmonia com o estabelecido para o efeito pelo Ministério da Educação, sendo-lhes garantida a inscrição em estabelecimentos de ensino locais ou concedidas facilidades de inscrição nas escolas portuguesas, se existirem.

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Artigo 24.º
Garantia ao cônjuge ou equiparado

Ao cônjuge do cooperante, ou a com quem ele viva em situação equiparada, pode ser concedida, ao abrigo da legislação nacional, licença sem vencimento para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro, caso seja funcionário ou agente da Administração Pública.

Artigo 25.º
Assistência médica

1 - Os cooperantes têm direito aos adequados exames médicos, antes da partida e imediatamente após o seu regresso até à data da sua recuperação, cujos encargos são suportados pela entidade promotora.
2 - Em caso de doença contraída no país solicitante os cooperantes têm direito aos tratamentos e aos cuidados ambulatórios e internamento hospitalar até à sua recuperação, os quais são suportados pela segurança social ou pelo seguro.
3 - A garantia na doença a que se referem os números anteriores é extensiva ao cônjuge ou a com quem ele viva em situação equiparada e aos filhos do cooperante, no caso de o terem acompanhado.

Artigo 26.º
Subsídio de desemprego

Findo o contrato de cooperação, e uma vez regressados a Portugal, os cooperantes cujo contrato tenha tido duração igual ou superior a um ano têm direito, caso não tenham emprego assegurado, a subsídio de desemprego nos termos legais.

Artigo 27.º
Deveres do cooperante

1 - Constituem deveres do cooperante para com o Estado português:

a) O cumprimento das obrigações contratuais que tiver assumido;
b) A dignificação da cultura portuguesa e dos seus valores e princípios jurídico-constitucionais.

2 - Constituem deveres do cooperante para com o Estado solicitante;

a) Abster-se de comportamentos que colidam ou de alguma forma signifiquem interferência com os interesses, princípios e orientações definidas pelas autoridades do Estado solicitante;
b) Actuar no sentido de não prejudicar a relação de cooperação existente entre o Estado português e o Estado solicitante.

3 - A actuação do cooperante que contrarie o disposto nos números anteriores poderá colocar aquele em situação que permita a rescisão do contrato de cooperação, com fundamento em justa causa, por qualquer dos restantes outorgantes interessados.
4 - A prática pelo cooperante de actos que contrariem o disposto nos números anteriores poderá determinar a imediata perda da sua qualidade de cooperante, mediante despacho fundamentado do Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas.
5 - É garantido ao cooperante acusado da prática de ilícitos disciplinares o direito à defesa, devendo o processo respeitar o princípio do contraditório.

Artigo 28.º
Benefícios dos cooperantes

1 - São tornados extensivos aos cooperantes todos os benefícios e regalias que a lei portuguesa concede aos emigrantes.
2 - Os funcionários públicos aposentados e os reformados no regime da segurança social podem acumular as respectivas pensões com as remunerações devidas pela prestação de serviço no âmbito de um contrato de cooperação.

Artigo 29.º
Renovação do contrato

1 - A renovação dos contratos individuais de cooperação será feita de harmonia com as regras para o efeito neles estipuladas ou com as estabelecidas nos acordos de cooperação aplicáveis.
2 - Nos casos em que a renovação não seja automática o respectivo instrumento será lavrado no Estado solicitante, ficando o Estado português vinculado pelo assinatura do embaixador ou de quem o substituir.
3 - Em todos os casos em que pretender a renovação do seu contrato, o cooperante deverá, até 30 dias antes do final do prazo de vigência do respectivo contrato, avisar do facto o serviço a que estiver vinculado e a entidade empregadora portuguesa à qual estiver ligado, podendo ser recusada a anuência a que a renovação se verifique.
4 - Os cooperantes devem comunicar ao serviço competente do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas a renovação do contrato, no prazo de 30 dias a contar da recepção da resposta da entidade empregadora ou da anuência do seu serviço de origem, sob pena de perda da qualidade de cooperante.

Artigo 30.º
Rescisão do contrato

1 - O contrato de cooperação poderá ser rescindido por qualquer dos outorgantes com fundamento em justa causa, a qual deverá ser determinada com recurso ao conjunto de factos integradores do conceito previstos no contrato, além do disposto no artigo 22.º e da legislação aplicável por acordo dos outorgantes.
2 - A rescisão do contrato sem justa causa por parte do cooperante ou com justa causa pela respectiva entidade empregadora no Estado solicitante determinará o reembolso pelo cooperante ao Estado português das despesas que hajam sido efectuadas com a sua viagem e a da sua família, com o transporte das respectivas bagagens e com quaisquer subsídios que lhe hajam sido pagos, na proporção do número de meses que faltarem para completar o período de duração normal do contrato.
3 - As sanções previstas no número anterior poderão não ser aplicadas desde que o cooperante produza prova de que a sua conduta foi determinada por razões que, embora não configurando justa causa da sua parte, possam vir a ser consideradas relevantes por despacho do

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Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, em sede de justificação da rescisão contratual.
4 - O disposto no n.º 2 não é aplicável nos casos em que a rescisão nos termos indicados naquele número ocorra em qualquer dos períodos de renovação do contrato.

Artigo 31.º
Regresso ao País

Regressado a Portugal, o funcionário ou agente da Administração Pública apresentar-se-á no serviço competente do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, onde receberá guia para o organismo ou serviço de origem a fim de ocupar o lugar e exercer as funções a que tenha direito.

Artigo 32.º
Pessoal docente e dependente do Ministério da Educação

Todas as situações relacionadas com a gestão do pessoal docente e dependente do Ministério da Educação, desde que reguladas por legislação especial que colida com o disposto no presente diploma, serão objecto de portaria conjunta dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas da Educação ou destes e do Ministro de Estado e das Finanças, caso se prevejam encargos financeiros.

Capítulo III
Disposições finais

Artigo 33.º
Contratos em vigor

O regime definido neste diploma é aplicável à renovação dos contratos já celebrados à data da sua entrada em vigor.

Artigo 34.º
Obrigações do Estado

1 - No âmbito da política de cooperação o Estado, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, obriga-se a:

a) Proceder ao levantamento e à actualização periódica dos cooperantes, quer por actividade quer por país solicitante;
b) Promover a criação de um banco de dados com a recolha e sistematização de informação específica por área de actividade;
c) Patrocinar e divulgar estudos junto de entidades oficiais e de entidades jurídicas sobre todos os aspectos que se relacionem com a cooperação.

2 - O Governo estabelecerá por decreto-lei as regras de cooperação não governamental de forma a possibilitar que entidades públicas ou privadas, se integrem através de organizações não governamentais em iniciativas de desenvolvimento.
3 - O Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas faz publicar semestralmente no Diário da República, 2.ª Série, a relação das solicitações por sua iniciativa ou que lhe foram remetidas por outros Estados ou entidades no âmbito da política de cooperação, assim como a lista dos registos efectuados nos termos do artigo 9.º, n.º 1.

Artigo 35.º
Legislação aplicável e jurisdição competente

1 - Em tudo o que estiver regulado na legislação referente ao Estatuto do Cooperante aplica-se a legislação nacional.
2 - Os tribunais portugueses são os competentes para a resolução dos conflitos em matéria relativa ao Estatuto do Cooperante.

Artigo 36.º
Norma revogatória

É revogado o Decreto-Lei n.º 363/85, de 10 de Setembro.

Artigo 37.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor imediatamente a seguir à sua publicação.

Assembleia da República, 11 de Novembro de 2002. Os Deputados do PCP: Luísa Mesquita - Bernardino Soares - Honório Novo - Lino de Carvalho - Rodeia Machado.

PROJECTO DE LEI N.º 160/IX
PROÍBE AS DISCRIMINAÇÕES NO EXERCÍCIO DE DIREITOS POR MOTIVOS BASEADOS NA DEFICIÊNCIA OU NA EXISTÊNCIA DE RISCO AGRAVADO DE SAÚDE

Preâmbulo

A igualdade dos cidadãos é um direito fundamental que a Constituição da República Portuguesa consagra quando proclama em termos latos, no seu artigo 13.º - e cito -, que "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei".
Um direito que continua, porém, em múltiplas esferas da vida quotidiana longe de ser respeitado, persistindo factos e comportamentos graves em relação a muitos cidadãos, que traduzem violações do direito e discriminações intoleráveis.
Discriminações no emprego, na escola, na limitação ao acesso a bens e serviços públicos, nos transportes, na mobilidade, na garantia do direito à habitação, nos comportamentos estigmatizantes.
Discriminações e desigualdades estas que incidem, de modo particularmente gritante, sobre os cidadãos com deficiência e se estendem nalguns domínios às pessoas com risco agravado de saúde.
Factos que representam atentados aos direitos humanos, responsabilizam a sociedade e impõem o dever de procurar respostas para lhes pôr termo. Respostas que passam por uma diferente atitude cultural, mas não dispensam, antes aconselham, medidas políticas e legislativas que favoreçam a integração plena destes cidadãos. Medidas essas que sejam capazes de prevenir, de contrariar eficazmente e de penalizar a discriminação que, directa ou indirectamente, condiciona, limita ou nega a plenitude de direitos humanos e a igualdade de oportunidades que a estes cidadãos deve ser garantida.
É precisamente com esse propósito que esta iniciativa legislativa de Os Verde é apresentada. Um projecto de lei

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que procura corresponder e fazer eco das reivindicações da Associação Portuguesa de Deficientes, cujas propostas, pela sua justeza, no essencial, acolhemos.
Uma iniciativa, um projecto de lei anti-discriminação, que coincide, não obstante alterações pontuais, com o modelo do diploma em vigor (Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto), que proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica. Um projecto de lei, ainda, que vai ao encontro da legislação já adoptada na União Europeia, nomeadamente de um conjunto de orientações anti-discriminatórias, nas quais se inclui a Directiva 2000/78/CE, que estabelece um quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, bem como um programa de acção comunitário de combate à discriminação.
Um projecto de lei, por fim, que de forma inovadora procura dar igualmente resposta a outro problema, para tal se alargando o seu objecto e o universo de destinatários. Trata-se, com efeito, de responder à discriminação de que são vítimas pessoas que, não sendo deficientes, são consideradas em situação de risco agravado de saúde e, nessa qualidade, são discriminadas e também elas impedidas ou limitadas no exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais e condicionadas, quando não mesmo impossibilitadas, ao acesso de bens fundamentais, como é o caso da habitação.
É neste contexto que as Deputadas abaixo assinadas, do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Princípios gerais

Artigo 1.º
Objecto

1 - O presente diploma tem por objecto a prevenção e a proibição da discriminação, directa ou indirecta, com base na deficiência e a sanção da prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, em razão de uma qualquer deficiência.
2 - O disposto no número anterior aplica-se igualmente à discriminação de pessoas com risco agravado de saúde.

Artigo 2.º
Definições

Para efeitos do presente diploma, entende-se por:

a) Discriminação directa: a que ocorre sempre que uma pessoa com deficiência ou com risco de saúde agravado seja objecto de um tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indirecta: a que ocorre sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra coloque pessoas com deficiência ou com risco de saúde agravado numa situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificada por um objectivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários;
c) Risco agravado de saúde: são consideradas pessoas com risco agravado de saúde as que sofrem de toda e qualquer patologia que determine uma alteração orgânica ou funcional irreversível, de longa duração, evolutiva, potencialmente incapacitante, sem perspectiva de remissão completa e que altere a qualidade de vida do portador a nível físico, mental, emocional, social e económico e seja causa potencial de invalidez precoce ou de significativa redução de esperança de vida.

Artigo 3.º
Âmbito de aplicação

A presente lei aplica-se a todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas.

Artigo 4.º
Discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde

1 - Entende-se por discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde, que tenha por objectivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do reconhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos económicos, sociais e culturais.
2 - O disposto na presente lei não prejudica a vigência e a aplicação das disposições de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa, que beneficiem certos grupos desfavorecidos com o objectivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos nele referidos.

Capítulo II
Práticas discriminatórias

Artigo 5.º
Práticas discriminatórias

1 - Consideram-se práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência ou em situação de risco agravado de saúde as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que, em razão de uma pessoa deter deficiência ou risco agravado de saúde , violem o princípio da igualdade, designadamente:

a) A adopção de procedimento, medida ou critério, directamente pela entidade empregadora ou através de instruções dadas aos seus trabalhadores ou a agência de emprego, que subordine a factores de natureza física, sensorial ou mental a oferta de emprego, a cessação de contrato de trabalho ou a recusa de contratação;
b) A produção ou difusão de anúncios de ofertas de emprego, ou outras formas de publicidade ligada à pré-selecção ou ao recrutamento, que contenham, directa ou indirectamente, qualquer especificação ou preferência baseada em factores de discriminação e

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em razão de deficiência ou da existência de risco agravado de saúde;
c) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens ou serviços por parte de qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada;
d) O impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica por qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada;
e) A recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, assim como a recusa ou penalização na celebração de contratos de seguros;
f) A recusa, o impedimento, ou a limitação de acesso a locais públicos ou abertos ao público bem como, no acesso a transportes públicos utilizando, se for o caso, a respectiva ajuda técnica;
g) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados;
h) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, bem como a privação de apoios ou meios específicos de que eventualmente careçam;
i) A constituição de turmas ou a adopção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, segundo critérios de discriminação com base na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde, salvo se tais critérios forem justificados pelos objectivos referidos no n.º 2 do artigo 4.º;
j) A adopção de prática ou medida por parte de qualquer empresa, entidade órgão, serviço, funcionário ou agente da administração directa ou indirecta do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais, que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito;
l) A adopção por entidade empregadora de prática que no âmbito da relação laboral discrimine um trabalhador ao seu serviço;
m) A adopção de acto em que, publicamente ou com intenção de ampla divulgação, pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, emita uma declaração ou transmita uma informação em virtude da qual um grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado por motivos de discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde.

2 - É proibido despedir, aplicar sanções ou prejudicar por qualquer outro meio o cidadão com deficiência ou risco de saúde agravado, por motivo do exercício de direito ou de acção judicial contra prática discriminatória.

Artigo 6.º
Ónus da prova

Quando uma pessoa se considerar alvo de qualquer um dos tipos de discriminação em razão da deficiência ou da existência de risco agravado de saúde enunciados no presente diploma e apresentar elementos de facto constitutivo da presunção de discriminação, incumbe à parte requerida provar que não houve violação do princípio da igualdade.

Capítulo III
Comissão para a igualdade e contra a discriminação das pessoas com deficiência e risco agravado de saúde

Artigo 7.º
Composição

A aplicação da presente lei será acompanhada por uma comissão para a igualdade e contra a discriminação das pessoas com deficiência e risco agravado de saúde, a criar junto da Presidência do Conselho de Ministros, e que terá a seguinte composição:

a) Dois representantes eleitos pela Assembleia da República;
b) Três representantes do Governo, a designar pelos departamentos governamentais responsáveis pelo emprego e segurança social, pela saúde e pela educação;
c) Seis representantes de associações, sendo quatro representantes das associações ou da Confederação das Pessoas com Deficiência e os dois restantes das associações ou da Federação das Pessoas com Risco Agravado de Saúde;
d) Dois representantes das Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos do Homem ou dos Cidadãos;
e) Um representante da Ordem dos Advogados, a designar pela mesma;
f) Dois representantes das centrais sindicais, a designar por cada uma delas ;
g) Dois representantes das associações patronais, a designar por estas;
h) Três personalidades a designar pelos restantes membros.

Artigo 8.º
Competências

Compete especialmente à comissão referida no artigo anterior:

a) Aprovar o seu regulamento interno;
b) Emitir parecer obrigatório não vinculativo em todos os processos de inquérito, disciplinares e sindicâncias instaurados pela Administração Pública por actos proibidos pela presente lei e praticados por titulares de órgãos, funcionários, agentes ou equiparados da Administração Pública, no prazo de 30 dias;
c) Recolher toda a informação relativa à prática de actos discriminatórios e à aplicação das respectivas sanções;
d) Recomendar a adopção das medidas legislativas, regulamentares e administrativas que considere adequadas para prevenir a prática de discriminação por motivos baseados na deficiência ou em risco agravado de saúde;
e) Promover a realização de estudos e trabalhos de investigação sobre a problemática da discriminação praticada em razão da deficiência e do risco agravado de saúde;
f) Tornar públicos, por todos os meios ao seu alcance, casos de efectiva violação da presente lei;
g) Elaborar e publicar um relatório anual sobre a situação da igualdade e da discriminação das pessoas

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com deficiência e com risco agravado de saúde em Portugal.

Artigo 9.º
Funcionamento

1 - Compete ao Governo dotar a comissão dos meios necessários ao seu funcionamento.
2 - A comissão dispõe de uma comissão permanente, composta por um presidente e por quatro elementos eleitos de entre os seus membros, sendo obrigatoriamente um deles o representante de uma organização de pessoas com deficiência e outro de uma organização representativa de pessoas com risco agravado de saúde.
3 - A Comissão reúne ordinariamente uma vez por trimestre e extraordinariamente sempre que convocada pelo presidente, ouvida a comissão permanente.

Artigo 10.º
Dever de cooperação

Todas as entidades, públicas ou privadas, têm o dever de cooperar com a comissão na prossecução das suas actividades, nomeadamente fornecendo-lhes os dados que esta solicitar com vista à elaboração do seu relatório anual.

Capítulo IV
Regime sancionatório

Artigo 11.º
Coimas

1 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no Capítulo II da presente lei por pessoa singular constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre cinco e dez vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
2 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no Capítulo II da presente lei por pessoa colectiva de direito privado ou de direito público constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre 20 a 30 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
3 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo são elevados para o dobro.

Artigo 12.º
Pena acessória

Sem prejuízo das demais sanções que ao caso couberem, relativamente aos actos discriminatórios previstos na presente lei, o juiz pode, com carácter acessório, aplicar as seguintes penas:

a) Publicidade da decisão;
b) Advertência ou censura públicas aos autores da prática discriminatória;
c) Arbitrar uma indemnização-sanção a favor da pessoa alvo de discriminação, atendendo ao grau de violação dos interesses em causa, poder económico dos autores das infracções e condições da pessoa objecto da prática discriminatória.

Artigo 13.º
Concurso de infracções

1 - Se o mesmo facto constituir, simultaneamente, ilícito penal e contra-ordenação, o agente é punido sempre a título penal.
2 - As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.

Artigo 14.º
Omissão de dever

Sempre que a contra-ordenação resulte da omissão de um dever, a aplicação da sanção e o pagamento da coima não dispensa o infractor do seu cumprimento, se este ainda for possível.

Capítulo V
Disposições gerais

Artigo 15.º
Interpretação e integração

Os preceitos da presente lei devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Liberdades Fundamentais, as Normas Gerais para a Igualdade de Oportunidades das Pessoas com Deficiência e a Declaração de Compromisso sobre VIH/Sida, adoptada pela ONU, em 27 de Junho de 2001.

Artigo 16.º
Regime financeiro

As disposições da presente lei com implicações financeiras entram em vigor com o Orçamento do Estado para o ano seguinte à entrada em vigor do presente diploma, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição.

Artigo 17.º
Regulamentação

Compete ao Governo, no âmbito da regulamentação da presente lei, tomar as medidas necessárias para a instituição da comissão para a igualdade e contra a discriminação de pessoas com deficiência e risco agravado de saúde e definir as entidades administrativas com competência para a aplicação das coimas pela prática dos actos discriminatórios referidos no Capítulo II, no prazo de 120 dias após a sua entrada em vigor.

Palácio de São Bento, 12 de Novembro de 2002. As Deputadas de Os Verdes: Isabel Castro - Heloísa Apolónia.

PROJECTO DE LEI N.º 161/IX
ALTERA O REGIME JURÍDICO DOS INQUÉRITOS PARLAMENTARES

Preâmbulo

A Constituição da República, no n.º 4 do artigo 178.º, dispõe que as comissões parlamentares de inquérito são

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obrigatoriamente constituídas sempre que tal seja requerido por um quinto dos Deputados em efectividade de funções, até ao limite de uma por Deputado e por sessão legislativa. Esta imposição constitucional encontra-se vertida no regime jurídico dos inquéritos parlamentares (artigo 4.º da Lei n.º 5/93, de 1 de Março, alterada pela Lei n.º 126/97, de 10 de Dezembro).
Por esta via se estabelece que a decisão de constituir uma comissão parlamentar de inquérito não fique inteiramente nas mãos da maioria, podendo os Deputados da oposição impor, dentro de certos limites, a realização de inquéritos parlamentares.
Acontece, porém, que, em certos casos, a constituição obrigatória da comissão de inquérito pode não ser suficiente para que o inquérito seja realizado nos termos visados pelos proponentes. Com efeito, dependendo a realização de quaisquer diligências investigatórias de deliberação da comissão parlamentar constituída, a qual funciona segundo a regra da maioria, é sempre possível que uma maioria interessada em obstaculizar a realização de um inquérito parlamentar possa atingir esse objectivo, recusando que algumas diligências sejam efectuadas ou impedindo a prestação de depoimentos, inutilizando na prática o alcance do direito potestativo.
Na verdade, quase nada poderá restar do direito de impor a constituição de uma comissão de inquérito se depois essa mesma comissão, deliberando por maioria, funcionar como obstáculo à realização do próprio inquérito. Desse modo, deixando afinal nas mãos da maioria os termos da realização concreta de um direito próprio da oposição, é esse mesmo direito que pode ser frustrado, apesar da sua expressa consagração constitucional.
Assim, de forma a evitar situações de violação da Constituição, indesejáveis para a democracia e desprestigiantes para o próprio Parlamento, impõe-se consagrar, a par do direito de impor a constituição de uma comissão de inquérito, o direito dos respectivos requerentes a solicitar os depoimentos e requerer as diligências que considerem necessários para a realização do inquérito sem que estes fiquem dependentes da decisão da maioria.
Só por essa via será possível retirar consequências práticas, ao abrigo de quaisquer maiorias, de um direito constitucional cuja consagração teve por motivações fundamentais a protecção dos direitos da oposição e a dignificação do instituto dos inquéritos parlamentares.
Por outro lado, o PCP retoma uma proposta constante do seu projecto de revisão constitucional de 1997 que visa atribuir a cada um dos membros de uma comissão de inquérito o direito de requerer e obter os elementos que considerem úteis ao exercício das suas funções. É que não faz sentido que, existindo um direito constitucional e regimental dos Deputados a requerer e obter do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos e as informações que considerem úteis para o exercício do seu mandato (artigo 156.º, alínea e), da Constituição e artigo 5.º, n.º 1, alínea l), do Regimento), o exercício deste direito individual fique condicionado a uma deliberação maioritária quando o Deputado em causa seja membro de uma comissão de inquérito e os elementos solicitados se relacionem com o seu objecto. A pertença de um Deputado a uma comissão de inquérito não pode conduzir a uma redução dos seus direitos individuais.
Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo único

É aditado o artigo 4.º-B à Lei n.º 5/93, de 1 de Março, alterada pela Lei n.º 126/97, de 10 de Dezembro (Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares), com a seguinte redacção:

"Artigo 4.º-B
(Direitos potestativos)

1 - Os subscritores de inquérito parlamentar requerido ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º têm a faculdade de solicitar os depoimentos e requerer as diligências que considerem necessários para a realização do inquérito, tendo em conta o seu objecto, os quais não carecem de deliberação da comissão parlamentar correspondente.
2 - Os membros das comissões parlamentares de inquérito têm o direito individual de requerer e obter os elementos que considerem úteis ao exercício das suas funções.

Assembleia da República, 12 de Novembro de 2002. Os Deputados do PCP: António Filipe - Lino de Carvalho - Bernardino Soares.

PROJECTO DE LEI N.º 162/IX
PROÍBE AS DISCRIMINAÇÕES NO EXERCÍCIO DE DIREITOS POR MOTIVOS BASEADOS NA DEFICIÊNCIA

Fundamentação

No plano legislativo o combate à discriminação dos cidadãos com deficiência poderá ser feito, fundamentalmente, através de dois tipos de iniciativas legislativas: através de iniciativas que estabeleçam medidas, programas e políticas de apoio à pessoa com deficiência e através de legislação que proíba a violação dos direitos das pessoas com deficiência (legislação anti-discriminação).
A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 71.º, a igualdade de direitos para os cidadãos com deficiência física ou mental, embora não o explicite no seu artigo 13.º, que estabelece o princípio da igualdade. Por outro lado, embora exista um vasto quadro legislativo - disperso e, em alguns sectores, ineficaz -, verifica-se actualmente um vazio legislativo quanto a medidas que previnam e proíbam actos discriminatórios em relação à pessoa deficiente, ao contrário do verificado noutros países, como o Reino Unido, Irlanda e Estados Unidos da América, e apesar da existência de uma directiva comunitária - Directiva 2000/78/CE -, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional.
No Reino Unido a lei Disability Discrimination Act, de 1995, aplica-se à discriminação no emprego, à disposição e gestão das instalações e ao fornecimento de bens equipamentos e serviços. Já a lei irlandesa - a lei The equal status act -, de aplicação mais vasta, refere-se à educação, à habitação, transportes e ao fornecimento de bens, serviços e actividades de lazer. A experiência dos Estados Unidos, resultante de uma lei que entrou em vigor há 10 anos (Americans with disabilities Act, de 1990) e que abrange áreas como o emprego e o acesso aos serviços públicos, aos transportes, aos edifícios públicos e às telecomunicações, indica que a lei permitiu melhorias em muitos aspectos, como sejam o aumento de crianças com deficiência que frequentam o ensino convencional e uma maior acessibilidade aos transportes públicos.

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A presente iniciativa legislativa pretende responder ao que tem sido uma legítima reivindicação das organizações de defesa dos direitos das pessoas deficientes e retoma uma proposta anti-discriminatória, apresentada pela Associação Portuguesa de Deficientes, desenvolvendo-as em alguns pontos.
A iniciativa - que acolhe os princípios definidos na lei anti-discriminatória em razão da raça, cor, nacionalidade ou origem étnica (Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto) - tem por objectivo reforçar os mecanismos de protecção à pessoa com deficiência, assim como prevenir e proibir actos de natureza discriminatória contra a pessoa com deficiência no emprego e no acesso à educação, à saúde, aos transportes públicos, a locais públicos ou abertos ao público, à fruição de bens, equipamentos ou serviços, à aquisição ou arrendamento de imóveis e adopção de actos discriminatórios por parte de organismos públicos.
O projecto de lei inclui ainda os seguintes aspectos:
- Uma definição de discriminação em contexto laboral que tem em conta a necessidade de adaptação funcional da actividade às características da deficiência, e de que os encargos daí decorrentes podem ser compensados por medidas de integração profissional para pessoas portadoras de deficiência, promovidas pelo Estado;
- A introdução de um mecanismo em que a decisão da entidade empregadora relativa à recusa de contratação ou à cessação de contrato de trabalho carece de parecer prévio da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação das Pessoas com Deficiência, criada no âmbito do presente diploma;
- Um regime sancionatório igual ao estabelecido para a discriminação em razão da raça, cor, nacionalidade e origem étnica;
- Atribuição do ónus da prova à parte requerida.
Assim sendo, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Princípios gerais

Artigo 1.º
(Objecto)

O presente diploma tem como objecto a prevenção e proibição de discriminação em razão da deficiência, sob todas as suas formas, e a sanção da prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros em razão de uma qualquer deficiência.

Artigo 2.º
(Âmbito)

1 - O presente diploma vincula todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas.
2 - O disposto no presente diploma não prejudica a vigência e a aplicação de disposições de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa, que beneficiem certos grupos desfavorecidos com o objectivo de garantir o exercício de direitos em condições de igualdade.

Artigo 3.º
(Discriminação em razão da deficiência)

Por discriminação em razão da deficiência entende-se qualquer distinção, restrição ou preferência em razão da deficiência, que tenha por objectivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do reconhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos económicos, sociais e culturais.

Capítulo II
Práticas discriminatórias

Artigo 4.º
(Práticas discriminatórias)

1 - Consideram-se práticas discriminatórias contra as pessoas com deficiência as acções ou omissões dolosas ou negligentes que, em razão da pessoa ter uma deficiência, violem o princípio da igualdade, designadamente:

a) Adopção de procedimento, medida ou critério, directamente pela entidade empregadora ou através de instruções dadas aos seus trabalhadores ou a agência de emprego, que subordine a factores de natureza física, sensorial ou mental a oferta de emprego, a cessação de contrato de trabalho, a recusa de contratação ou qualquer aspecto da relação laboral;
b) A produção ou a difusão de anúncios de ofertas de emprego, ou outras formas de publicidade ligada à pré-selecção ou ao recrutamento, que contenham, directa ou indirectamente, qualquer especificação ou preferência baseada em factores de discriminação em razão da deficiência;
c) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens, equipamentos ou serviços, por parte de qualquer pessoa singular ou pessoa colectiva pública ou privada;
d) O impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica, por qualquer pessoa singular ou pessoa colectiva pública ou privada;
e) A recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, assim como a recusa ou a penalização na celebração de contratos de seguros;
f) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso a locais públicos ou abertos ao público;
g) A recusa, a limitação ou o impedimento de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados;
h) A recusa, a limitação ou o impedimento de acesso a estabelecimentos de ensino público ou privado, assim como a qualquer meio de compensação/apoio adequado às necessidades específicas dos alunos com deficiência;
i) A constituição de turmas ou a adopção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino público ou privado segundo critérios de discriminação com base na deficiência, salvo se tais critérios forem justificados pelos objectivos referidos no n.º 2 do artigo 2.º.
j) A adopção de prática ou medida por parte de qualquer órgão, funcionário ou agente da administração

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directa ou indirecta do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito;
l) A adopção por entidade empregadora de prática que no âmbito da relação laboral discrimine um trabalhador com deficiência ao seu serviço;
m) A adopção de um acto em que, publicamente ou com intenção de ampla divulgação, pessoa singular ou colectiva emita uma declaração ou transmita uma informação em virtude da qual um grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado por motivos de discriminação em razão da deficiência;
n) O acesso aos transportes públicos em condições de segurança e de comodidade e, no caso das pessoas com deficiência que se deslocam em cadeira de rodas, o impedimento que esta pessoa possa utilizar a sua ajuda técnica, ao entrar e sair do transporte.

2 - É proibido despedir, aplicar sanções ou prejudicar por qualquer outro meio o cidadão portador de deficiência por motivo de exercício de direito ou de acção judicial contra prática discriminatória.

Artigo 5.º
(Discriminação no emprego)

1 - As práticas discriminatórias definidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º não constituirão discriminação se, em virtude da natureza da actividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, a situação de deficiência afecte níveis e áreas de funcionalidade que constituam requisitos essenciais e determinantes para o exercício dessa actividade, na condição do objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
2 - Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior deverá ser analisada a viabilidade da entidade empregadora levar a cabo as medidas adequadas, em função das necessidade de uma situação concreta, para que a pessoa portadora de deficiência tenha acesso a um emprego, ou que possa nele progredir, ou para que lhe seja ministrada formação, excepto se essas medidas implicarem encargos desproporcionados para a entidade empregadora.
3 - Os encargos não são considerados desproporcionados quando forem suficientemente compensados por medidas promovidas pelo Estado em matéria de integração profissional de cidadãos com deficiência.
4 - A decisão da entidade empregadora relativa à alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º carece sempre de parecer prévio da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação das Pessoas com Deficiência.

Artigo 6.º
(Ónus da prova)

Quando uma pessoa se considerar alvo de qualquer um dos tipos de discriminações em razão da deficiência enunciados no presente diploma, e apresentar elementos de facto constitutivo da presunção de discriminação, incumbe à parte requerida provar que não houve violação do princípio da igualdade.

Capítulo III
(Regime sancionatório)

Artigo 7.º
(Coimas)

1 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no Capítulo II da presente lei por pessoa singular constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre cinco e 10 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
2 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no Capítulo II da presente lei, por pessoa colectiva de direito privado ou de direito público, constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre 20 a 30 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
3 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo são elevados para o dobro.

Artigo 8.º
(Pena acessória)

Sem prejuízo das demais sanções que ao caso couberem, relativamente aos actos discriminatórios previstos na presente lei, o juiz pode, com caracter acessório, aplicar as seguintes penas:

a) A publicidade da decisão;
b) A advertência ou censura públicas aos autores da prática discriminatória.

Artigo 9.º
(Indemnização)

As vítimas de discriminação nos termos do presente diploma têm direito a uma indemnização, a qual atenderá ao grau de violação dos interesses em causa, ao poder económico dos autores das infracções e às condições da pessoa objecto da prática discriminatória.

Artigo 10.º
(Concurso de infracções)

1 - Se o mesmo facto constituir, simultaneamente, ilícito penal e contra-ordenação, o agente é sempre punido a título penal.
2 - As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.

Artigo 11.º
(Omissão de dever)

Sempre que a contra-ordenação resulte da omissão de um dever, a aplicação da sanção e o pagamento da coima não dispensa o infractor do seu cumprimento, se este ainda for possível.

Capítulo IV
Órgãos competentes

Artigo 12.º
(Comissão para a igualdade e contra a discriminação das pessoas com deficiência)

1 - A aplicação da presente lei será acompanhada por uma comissão para a igualdade e contra a discriminação

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das pessoas com deficiência, a criar junto da Presidência do Conselho de Ministros.
2 - Compete especialmente à comissão referida no número anterior:

a) Aprovar o seu regulamento interno;
b) Emitir parecer obrigatório não vinculativo em todos os processos de inquérito, disciplinares e sindicâncias instaurados pela Administração Pública por actos proibidos pela presente lei e praticados por titulares de órgãos, funcionários, agentes ou equiparados da administração pública, no prazo de 30 dias;
c) Emitir os pareceres definidos no n.º 4 da artigo 5.º;
d) Recolher toda a informação relativa à prática de actos discriminatórios das respectivas sanções;
e) Recomendar a adopção de medidas legislativas, regulamentares e administrativas que considere adequadas para prevenir prática de discriminações por motivos baseados na deficiência;
f) Promover a realização de estudos e trabalhos de investigação sobre a discriminação praticada em razão da deficiência;
g) Tornar públicos, por todos os meios ao seu alcance, casos de efectiva violação da presente lei;
h) Elaborar e publicitar relatórios anuais sobre a situação de igualdade e discriminação das pessoas com deficiência em Portugal.

Artigo 13.º
(Composição)

A comissão para a igualdade e contra a discriminação das pessoas com deficiência é constituída pelas seguintes entidades:

a) Um representante eleito pela Assembleia da República;
b) Três representantes do Governo, a designar pelos organismos governamentais responsáveis pelo emprego, solidariedade e segurança social, pela saúde e pela educação;
c) Seis representantes de associações de pessoas com deficiência;
d) Três representantes de organizações não governamentais com actividade na área da deficiência;
e) Dois representantes de organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos;
e) Um representante da Ordem dos Advogados a designar pela mesma;
f) Dois representantes das centrais sindicais;
g) Dois representantes das associações patronais;
h) Três personalidades a designar pelos restantes membros.

Artigo 14.º
(Funcionamento)

1 - Compete ao Governo dotar a comissão dos meios necessários ao seu funcionamento.
2 - A comissão dispõe de uma comissão permanente, composta pelo presidente e por dois membros eleitos pelos restantes, sendo obrigatoriamente um deles o representante de uma organização de pessoas com deficiência.
3 - A comissão reúne ordinariamente uma vez por trimestre e extraordinariamente sempre que convocada pelo presidente, ouvida a comissão permanente.
4 - A comissão deverá criar serviços permanentes ou grupos de trabalho de carácter técnico com vista a tornar mais eficaz e célere a sua acção, nomeadamente no que diz respeito à elaboração dos pareceres referidos no n.º 2 do artigo 12.º.

Artigo 15.º
(Dever de cooperação)

Todas as entidades públicas têm o dever de cooperar com a comissão na prossecução das suas actividades, nomeadamente fornecendo-lhes os dados que esta solicitar com vista à elaboração do seu relatório anual.

Capítulo V
Disposições gerais

Artigo 16.º
(Interpretação e integração)

Os preceitos da presente lei devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Carta Internacional dos Direitos Humanos, que compreende a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e também a Convenção sobre os Direitos das Crianças e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assim como as regras gerais sobre a igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência.

Artigo 17.º
(Regime financeiro)

As disposições da presente lei com implicações financeiras entram em vigor com o Orçamento do Estado para o ano seguinte à entrada em vigor do presente diploma.

Artigo 18.º
(Regulamentação)

Compete ao Governo, no âmbito da regulamentação da presente lei, tomar as medidas necessárias para a instituição da comissão para a igualdade e contra a discriminação das pessoas com deficiência e definir as entidades administrativas competentes para a aplicação das coimas pela prática dos actos discriminatórios referidos no Capítulo II, no prazo de 120 dias após a sua entrada em vigor.

Assembleia da República, 12 de Novembro de 2002. Os Deputados do BE: Francisco Louçã - Ana Drago - João Teixeira Lopes.

PROJECTO DE LEI N.º 163/IX
REGIME ESPECIAL DE PENSÕES DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Fundamentação

A integração profissional das pessoas deficientes é uma das prioridades actuais na luta pela igualdade de direitos

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e no reforço do exercício de direitos e liberdades pelos cidadãos portadores de deficiência. De facto, ao longo dos tempos, as políticas em matéria de deficiência têm evoluído de uma perspectiva assente apenas numa lógica caritativa e de prestação de cuidados básicos para uma crescente aposta em medidas que promovam a autonomia e a integração social das pessoas portadoras de deficiência. Esta evolução colocou em evidência valores anteriormente menosprezados na acção política relativamente a este grupo - os do direito ao trabalho e à auto-realização e valorização profissional -, e coloca desafios muito significativos, se tivermos em conta que a taxa de desemprego das pessoas com deficiência é duas ou três vezes mais elevada do que a dos restantes cidadãos, e se atendermos aos níveis de isolamento e segregação social de que este grupo é alvo.
Actualmente, verifica-se que grande parte das pessoas com deficiência - talvez mais do que os números oficiais apontam - está completamente excluída do mercado de trabalho e depende em grande medida das prestações sociais de invalidez que, embora sejam insuficientes, constituem a única garantia de sobrevivência estável e duradoura. Por serem praticamente incompatíveis com o início de uma actividade remunerada, este tipo de prestações acabam frequentemente por reforçar a exclusão social dos beneficiários, desmotivando-os de iniciar um processo de integração profissional que, dadas as dificuldades físicas, cognitivas, afectivas ou sociais vividas por estas pessoas, será sempre mais difícil.
A promoção da integração profissional não pode ser prosseguida sem uma responsabilização do Estado relativamente à garantia das condições básicas de sobrevivência dos cidadãos com deficiência, aliás conforme apontam vários instrumentos internacionais. A Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência (Resolução n.º 2542/75, das Nações Unidas) assume o direito à "colocação no mercado de trabalho e outros recursos que lhes permitam desenvolver ao máximo as suas capacidades e habilidades e que lhes assegurem um processo rápido e eficiente de integração social" e, simultaneamente, "à segurança económica e social e a um padrão condigno de vida". Também a Recomendação do Conselho sobre Emprego de Deficientes na Comunidade Europeia (86/379/CEE) aponta para o objectivo de criação de um equilíbrio entre a promoção da autonomia e de segurança económica: "garantir também que os trabalhadores deficientes que percam o seu emprego ou que, após uma readaptação profissional, não consigam emprego não venham a encontrar-se, apenas em virtude da sua deficiência, financeiramente mais desfavorecidos do que os outros trabalhadores em situação análoga".
A Lei de Bases da Prevenção e de Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência inscreve-se já num pólo positivo da evolução que se tem verificado ao nível das políticas na área da deficiência, definindo que "a reabilitação profissional é um processo global e contínuo destinado a corrigir a deficiência e a conservar, a desenvolver ou restabelecer as aptidões e capacidades da pessoa para o exercício de uma actividade profissional" (artigo 3.º), e que "o sistema de segurança social deve assegurar a protecção social da pessoa com deficiência através de prestações pecuniárias e modalidades diversificadas de acção social que favoreçam a autonomia pessoal e uma adequada integração na sociedade".
No entanto, o sistema de protecção social português está assente, no que diz respeito à pessoa portadora de deficiência, numa filosofia que desmotiva a sua integração profissional e social e consequente conquista de autonomia. O regime não contributivo de pensões de invalidez, que abrange a maior parte das pessoas com deficiência beneficiárias de protecção social, parte do princípio de que a incapacidade associada à deficiência é crónica (correspondendo a invalidez), o que implica que a partir do momento que o beneficiário passe a exercer uma actividade profissional perderá o direito a auferir uma pensão social, de forma irreversível. O Decreto-Lei n.º 464/80, de 13 de Outubro, estabelece que "a pensão social de invalidez é atribuída às pessoas com idade superior a 18 anos que forem reconhecidas como inválidas para toda e qualquer profissão". O Decreto-Lei n.º 18/2002, de 29 de Janeiro, vem tentar, de forma contraditória, colmatar esta lacuna, mantendo o princípio da invalidez estabelecido no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 464/80, de 13 de Outubro, mas introduzindo o princípio da suspensão do pagamento da pensão social de invalidez nas situações em que a pessoa com deficiência inicie uma actividade profissional ou a frequência de acções de formação profissional.
A presente iniciativa legislativa pretende estabelecer um quadro legislativo claro, coerente e sistematizado das pensões sociais para pessoas portadoras de deficiência assente em objectivos de garantia dos meios de sobrevivência e protecção social e, simultaneamente, em objectivos de efectiva promoção da integração profissional dos cidadãos portadores de deficiência. Neste sentido, a presente iniciativa legislativa inclui:
- Uma definição de pessoa portadora de deficiência que atende ao conceito definido Classificação Internacional de Capacidades, Deficiência e Saúde (ICF), adoptada pela Organização Mundial de Saúde, o que deverá ter reflexo no sistema nacional de verificação de incapacidades;
- O direito ao acesso a este regime pelos cidadãos estrangeiros portadores de deficiência residentes em Portugal;
- Um sistema misto que atenda, simultaneamente, aos objectivos de protecção social, justiça social e integração sócio-profissional, permitindo a acumulação de pensões com rendimentos até ao máximo de um salário mínimo nacional e, no caso de processo de integração profissional, o limite máximo de um salário mínimo e meio. A partir deste limite a pensão deverá ser suspensa, sendo reiniciada no caso de cessação da actividade profissional;
- Os critérios de atribuição visam permitir a autonomia do beneficiário enquanto indivíduo, atendendo-se aos seus rendimentos e não os do agregado familiar.
Assim sendo, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Objecto e Definições

Artigo 1.º
(Objecto)

O presente diploma define o regime especial de pensões das pessoas portadoras de deficiência.

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Artigo 2.º
(Conceito de pessoa portadora de deficiência)

1 - Para efeitos de aplicação do presente diploma considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que, em virtude de uma perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica susceptível de provocar incapacidades funcionais e atendendo a condicionantes ambientais, sociais e culturais, está em situação de desvantagem para o exercício de uma actividade profissional remunerada.
2 - A incapacidade consiste na restrição ou falta de capacidade para realizar uma actividade dentro dos limites considerados normais para um ser humano.
3 - As incapacidades resultantes de uma deficiência podem ser temporárias ou permanentes, reversíveis ou irreversíveis, progressivas ou regressivas.

Capítulo II
(Âmbito e natureza da pensão)

Artigo 3.º
(Âmbito da pensão)

1 - O presente diploma aplica-se a todos os cidadãos portadores de deficiência residentes em território nacional, que preencham cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Tenham idade igual ou superior a 18 anos;
b) Não se encontrarem abrangidos por qualquer regime contributivo;
c) Não auferiram rendimentos de qualquer natureza que excedam o limite de um salário mínimo nacional.

2 - Consideram-se em situação equivalente à prevista na alínea b) do número anterior as pessoas que, embora estando abrangidas pelos regimes aí referidos, não satisfaçam os prazos de garantia definidos nos respectivos regulamentos.

Artigo 4.º
(Natureza da pensão)

1 - A pensão social é atribuída mensalmente.
2 - No mês de Junho de cada ano os pensionistas têm direito a receber, para além da pensão mensal, outra prestação de igual montante.
3 - No mês de Dezembro de cada ano os pensionistas têm direito a receber, para além da pensão mensal, outra prestação de igual montante.

Capítulo III
(Cálculo da pensão)

Artigo 5.º
(Definição do valor da pensão)

O valor mensal da pensão deverá corresponder ao valor definido da pensão social regulada pelo Decreto-Lei n.º 464/80, de 13 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 18/2002, de 13 de Outubro.

Artigo 6.º
(Pensão de substituição)

1 - A pensão regulada pelo presente diploma substitui, nos casos previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º, as pensões aí referidas enquanto estas forem de montante inferior àquela.
2 - Os pensionistas poderão, no entanto, optar pelas pensões referidas na alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º, nomeadamente quando a regra de acumulação de prestações seja mais favorável do que a definida pelo presente diploma.

Capítulo IV
(Redução, acumulação e suspensão)

Artigo 7.º
(Redução da pensão e acumulação)

1 - Sempre que se verifique superveniência de rendimentos que ultrapasse o limite definido na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º a pensão será reduzida do valor correspondente ao excesso, a partir do mês seguinte àquele em que a superveniência de rendimentos deva ser comunicada.
2 - Não haverá lugar à atribuição de pensão nos casos em que da aplicação da regra do número anterior resultem valores inferiores ao montante mais baixo do abono de família.
3 - Se a superveniência de rendimentos resultar de um processo de integração profissional posterior à atribuição da pensão o limite definido na alínea c) do artigo 3.º é alargado para um salário mínimo nacional e meio.

Artigo 8.º
(Suspensão)

Se a pessoa portadora de deficiência vier a exercer uma actividade profissional e os rendimentos auferidos excederem o limite definido no n.º 3 do artigo 7.º o pagamento da pensão social é suspenso durante o período de exercício daquela actividade.

Artigo 9.º
(Atribuição automática)

1 - Os utentes de abono complementar a deficientes ou de subsídio mensal vitalício têm automaticamente direito ao regime especial regulado pelo presente diploma, desde que satisfaçam a condição prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º e com respeito das normas de articulação entre aquelas prestações, sem necessidade de processo de avaliação ou verificação da incapacidade para a sua atribuição.
2 - A suspensão do exercício da actividade referida artigo 8.º determina o reínicio automático do pagamento da pensão regulada pelo presente diploma, a partir do dia imediato àquele em que ocorra a cessação, desde que tenha sido comunicada pelo interessado ao serviço de segurança social responsável pelo processamento da prestação, sem necessidade de processo de avaliação ou verificação da incapacidade.

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Capítulo V
Disposições processuais

Artigo 10.º
(Organismos competentes)

Compete aos centros regionais de segurança social da área de residência dos interessados a organização dos processos de atribuição da pensão social e à Caixa Nacional de Pensões o respectivo processamento e pagamento.

Artigo 11.º
(Documentos necessários)

O pedido da pensão regulada pelo presente diploma deverá ser apresentado no centro regional de segurança social do distrito da respectiva residência, incluindo os seguintes documentos:

a) Boletim de inscrição de modelo próprio;
b) Bilhete de identidade ou respectiva fotocópia autenticada, certidão de assento de nascimento ou outro meio de prova legal que a substitua;
c) Declaração formal do interessado do montante dos rendimentos que aufere e da origem desses mesmos rendimentos.

Artigo 12.º
(Processo)

1 - Os processos deverão conter, para além dos documentos referidos no artigo anterior, o relatório da comissão de verificação de incapacidades ou da junta médica e, se for considerado necessário para a correcta avaliação da situação do requerente, os seguintes documentos:

a) Um relatório dos serviços de acção social do centro regional sobre as condições económicas e sociais do interessado, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º;
b) Quaisquer outros elementos que o centro considere adequados à correcta definição da situação do interessado, designadamente a verificação oficiosa de rendimentos ou da situação tributária do requerente.

2 - O sistema de verificação de incapacidades deverá regular-se pelo conceito de deficientes constante do artigo 2.º do presente diploma, de acordo com a Classificação Internacional de Capacidades, Deficiência e Saúde (ICF), adoptada pela Organização Mundial de Saúde.
3 - Uma vez devidamente instruídos, serão os processos objecto de decisão do centro regional.
4 - No caso de deferimento serão enviados à Caixa Nacional de Pensões os elementos necessários ao processamento e pagamento da pensão.
5 - Caso se verifique que o interessado se encontra abrangido por qualquer regime contributivo de inscrição obrigatória, o facto será comunicado ao centro regional, acompanhado da informação quanto ao processamento da pensão nas condições previstas no n.º 2 do artigo 3.º.

Artigo 13.º
(Alterações e comunicações obrigatórias)

1 - Os titulares da pensão social devem apresentar de três em três anos, nos prazos que forem estabelecidos, a prova de preenchimento do critério definido na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º.
2 - A falta de apresentação de prova nas condições do número anterior determina a suspensão da pensão.
3 - A superveniência de rendimentos que ultrapasse os limites referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º deverá ser obrigatoriamente comunicada ao centro regional no mês seguinte àquele em que se verificou.

Capítulo VI
Disposições finais

Artigo 14.º
(Norma revogatória)

É revogado o Decreto-Lei n.º 18/2002, de 13 de Outubro.

Artigo 15.º
(Aplicação da lei)

1 - O presente diploma aplica-se às pensões sociais de invalidez já atribuídas a cidadãos portadores de deficiência, devendo ser revistas de forma a adequá-las ao presente regime.
2 - Ninguém poderá ser prejudicado pela aplicação do presente diploma.

Artigo 16.º
(Entrada em vigor)

A presente lei entrará em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado do ano seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 12 de Novembro de 2002. Os Deputados do BE: Francisco Louçã - Ana Drago - João Teixeira Lopes.

PROPOSTA DE LEI N.º 7/IX
TRANSPÕE PARA A ORDEM JURÍDICA INTERNA A DIRECTIVA N.º 2001/8/CE, DA COMISSÃO, DE 8 DE FEVEREIRO DE 2001, E ALTERA O DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO (REGIME JURÍDICO APLICÁVEL AO TRÁFICO E CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES E SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS)

Relatório da votação na especialidade e texto final da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

1 - A proposta de lei em epígrafe, da iniciativa do Governo, baixou à Comissão para discussão na especialidade em 20 de Junho.
2 - Na reunião desta Comissão, realizada no dia 31 de Outubro de 2002, procedeu-se, nos termos regimentais, à sua discussão e votação na especialidade.

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3 - Na reunião encontravam-se presentes os Grupos Parlamentares do PSD, PS, e BE.
4 - Da discussão e subsequente votação na especialidade resultou o seguinte:
- Não foram apresentadas quaisquer propostas de alteração para os três artigos da proposta de lei em apreciação;
- Submetidos à votação cada um dos três artigos, nos termos regimentais aplicáveis, foram, todos eles, aprovados por unanimidade.
5 - O texto final resultante da votação segue em anexo a este relatório.

Palácio de São Bento, 12 de Novembro de 2002. O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Anexo

Texto final

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/8/CE, da Comissão, de 8 de Fevereiro de 2001, que substitui o Anexo I da Directiva n.º 92/109/CEE, do Conselho, relativa à produção e colocação no mercado de certas substâncias utilizadas na produção ilegal de estupefacientes e psicotrópicos.

Artigo 2.º
Alteração do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro

A Tabela V anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, passa a ter a seguinte redacção:

"Tabela V

Ácido lisérgico.
Efedrina.
Ergometrina.
Ergotamina.
Fenil-1 propanona-2.
Isosafrole.
3,4 - Metilenodioxifenil - 2 - propanona.
N - ácido acetilantranílico.
Norefedrina.
Piperonal.
Pseudo-efedrina.
Safrole.
Os sais das substâncias inscritas na presente tabela em todos os casos em que a existência desses sais seja possível."

Artigo 3.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

PROPOSTA DE LEI N.º 98/VIII
(SUBSÍDIO DE INACTIVIDADE PARA OS PESCADORES DA FROTA ATUNEIRA DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

1 - A Assembleia Legislativa Regional da Madeira tomou a iniciativa de apresentar uma proposta de lei sobre o subsídio de inactividade para os pescadores da frota atuneira da Região Autónoma da Madeira. Foi ordenada a baixa à 6.ª Comissão da proposta de lei n.º 98/VIII, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira (ALRM), que se encontra em apreciação nos termos do artigo 286.º do Regimento da Assembleia da República, com pedido de urgência.

Objecto e análise do diploma

2 Com a proposta de lei n.º 98/VIII, da ALRM, pretende-se:

a) Criar uma prestação social, denominada de subsídio de inactividade, atribuível aos pescadores da frota atuneira da Região Autónoma da Madeira, nas situações de perda total de rendimentos do trabalho obtidos no exercício da actividade piscatória, devido à não captura de tunídeos;
b) O subsídio é atribuído aos pescadores da frota atuneira da Região Autónoma da Madeira desde que preencham os seguintes requisitos:
- Se encontrem vinculados a uma embarcação há pelo menos um ano e demonstrem ter exercido, de forma habitual, a actividade de pesca de tunídeos nos últimos três anos, com termo inicial em Outubro de 1998;
- A comprovação de que o pescador se encontra vinculado, há pelo menos um ano, a um embarcação atuneira e de que exerceu a actividade de pesca de atum nos últimos três anos, declaração de comprovação emitida pela Direcção Regional das Pescas:
c) O subsídio terá a duração igual à do subsídio de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem;
d) A atribuição do subsídio será suspensa sempre que se verifique, durante o período de atribuição, qualquer captura de pescado pela embarcação a que o pescador se encontra vinculado;
e) O subsídio a atribuir aos pescadores da frota atuneira é suportado pelo orçamento da segurança social.

Antecedentes

3 A proposta de lei foi discutida na Assembleia Regional da Madeira em reunião plenária de 4 de Julho de 2001 (Diário n.º 44, de 4 de Julho de 2001).
Submetida à votação, foi aprovada, com os 26 votos a favor, sendo 21 do PSD, três do CDS-PP e dois do PCP e 10 abstenções do PS e da UDP (Diário n.º 50, de 25 de Julho de 2001).

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Parecer

4 Nos termos do disposto no artigo 151.º do Regimento da Assembleia da República, por a presente proposta de lei versar sobre matéria respeitante à Região Autónoma da Madeira já foi apreciada pelos respectivos órgãos de governo regionais.
5 Independentemente de um juízo sobre o mérito das motivações e consequências da presente iniciativa, relativamente às quais os grupos parlamentares poderão expressar-se no debate, a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais é de parecer que a proposta de lei n.º 98/VIII, da ALRM, preenche todos os requisitos regimentais e constitucionais, pelo que está em condições de subir a Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação na generalidade.

Palácio de São Bento, 17 de Setembro de 2002. O Deputado Relator, Maria Goretti Machado - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foi aprovado por unanimidade, tendo-se registado a ausência de Os Verdes.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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