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Sábado, 8 de Fevereiro de 2003 II Série-A - Número 67

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

S U M Á R I O

Decretos (n.os 30 e 31/IX):
N.º 30/IX - Terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro (Revê, actualiza e unifica o Regime Jurídico dos Terrenos do Domínio Público Hídrico).
N.º 31/IX - Autoriza o Governo a prorrogar o prazo de vigência das medidas preventivas de ocupação na área potencial do novo aeroporto.

Resolução: (a)
Aprova, para ratificação, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000.

Deliberação n.º 1-PL/2003:
Eleição de um membro para a Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Projectos de lei (n.os 96, 97, 98, 156 e 224/IX):
N.º 96/IX [Altera e republica a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais)]:
- Relatório e parecer da Comissão de Defesa Nacional.
N.º 97/IX (Aprova um novo código de justiça militar e revoga a legislação existente sobre a matéria):
- Vide projecto de lei n.º 96/IX.
N.º 98/IX (Aprova o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público):
- Vide projecto de lei n.º 96/IX.
N.º 156/IX (Aprova as bases gerais da justiça e disciplina militar):
- Vide projecto de lei n.º 96/IX.
N.º 224/IX - Assegura a competência plena dos tribunais portugueses face à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (altera o Código Penal Português em matéria do crime de genocídio, dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra) (apresentado pelo PSD).

Propostas de lei (n.os 66/VIII e 40/IX):
N.º 66/VIII (Contagem do tempo de serviço prestado nas categorias de auxiliar de educação, ajudante e vigilante pelos educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância regulados no Despacho n.º 52/80, de 12 de Junho, dos Secretários de Estado da Educação e da Segurança Social, e no despacho conjunto de 11 de Maio de 1983, dos Secretários de Estado da Educação e Administração Escolar e da Segurança Social):
- Relatório e parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
N.º 40/IX (Aprova o regime jurídico da concorrência):
- Relatório e parecer da Comissão de Economia e Finanças.

(a) É publicado em Suplemento a este número.

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DECRETO N.º 30/IX
TERCEIRA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 468/71, DE 5 DE NOVEMBRO (REVÊ, ACTUALIZA E UNIFICA O REGIME JURÍDICO DOS TERRENOS DO DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO)

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:

Artigo 1.º

Os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 13.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.os 53/74, de 15 de Fevereiro, 89/87, de 26 de Fevereiro, e atentas as disposições constantes dos Decretos-Lei n.os 201/92, de 29 de Setembro, 46/94, de 22 de Fevereiro, e 108/94, de 23 de Abril, são alterados e passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 3.º
[…]

1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)
6 - (…)
7 - Nas Regiões Autónomas, se a margem atingir uma estrada regional ou municipal existente, a sua largura só se estenderá até essa via.
8 - O disposto no número anterior aplica-se a estradas regionais ou municipais a construir, mediante deliberação dos respectivos governos regionais, após parecer das autarquias locais envolvidas, da autoridade marítima e portuária da administração regional competente e da respectiva capitania do porto.

Artigo 4.º
[…]

1 - (…)
2 - (…)
3 - Nas Regiões Autónomas, se a linha limite do leito atingir uma estrada regional ou municipal, a zona adjacente estende-se desde o limite do leito até à linha convencional definida nos termos do número anterior.

Artigo 5.º
[…]

1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)
4 - Nas Regiões Autónomas, os terrenos tradicionalmente ocupados junto à crista das arribas alcantiladas das respectivas ilhas constituem propriedade privada.

Artigo 13.º
[…]

1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)
4 - Nas Regiões Autónomas podem ser classificadas como zonas ameaçadas pelo mar as áreas contíguas ao leito, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º.

Artigo 36.º
(Entidades competentes nas Regiões Autónomas)

1 - Os poderes conferidos pelo presente diploma ao Estado cabem nas Regiões Autónomas aos respectivos órgãos de governo próprio.
2 - Nas áreas sob jurisdição portuária e nas Regiões Autónomas as competências conferidas pelo presente diploma são exercidas, respectivamente, pelos departamentos, organismos ou serviços a que legalmente estão atribuídas, e pelos departamentos, organismos ou serviços das respectivas administrações regionais autónomas com atribuições correspondentes."

Artigo 2.º

O Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.os 53/74, de 15 de Fevereiro, 89/87, de 26 de Fevereiro, e atentas as disposições constantes dos Decretos-Lei n.os 201/92, de 29 de Setembro, 46/94, de 22 de Fevereiro, e 108/94, de 23 de Abril, e com as alterações e aditamentos introduzidas pela presente lei, é republicado na sua totalidade em anexo, que dele faz parte integrante.

Aprovado em 16 de Janeiro de 2003. - O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.

Anexo

TERCEIRA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 468/71, DE 5 DE NOVEMBRO (REVÊ, ACTUALIZA E UNIFICA O REGIME JURÍDICO DOS TERRENOS DO DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO)

Capítulo I
Princípios gerais

Artigo 1.º
Âmbito de aplicação

Os leitos das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes, ficam sujeitos ao preceituado no presente diploma em tudo quanto não seja regulado por leis especiais ou convenções internacionais.

Artigo 2.º
Noção de leito; seus limites

1 - Entende-se por leito o terreno coberto pelas águas, quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades. No leito compreendem-se os mouchões, lodeiros e areais nele formados por deposição aluvial.
2 - O leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais. Essa linha

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é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar, no primeiro caso, e em condições de cheias médias, no segundo.
3 - O leito das restantes águas é limitado pela linha que corresponder à estrema dos terrenos que as águas cobrem em condições de cheias médias, sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto. Essa linha é definida, conforme os casos, pela aresta ou crista superior do taludo marginal ou pelo alinhamento da aresta ou crista do taludo molhado das motas, cômoros, valados, tapadas ou muros marginais.

Artigo 3.º
Noção de margem; sua largura

1 - Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.
2 - A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50m.
3 - A margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis tem a largura de 30m.
4 - A margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos e córregos de caudal descontínuo, tem a largura de 10m.
5 - Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.
6 - A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem será contada a partir da crista do alcantil.
7 - Nas Regiões Autónomas, se a margem atingir uma estrada regional ou municipal existente, a sua largura só se estenderá até essa via.
8 - O disposto no número anterior aplica-se a estradas regionais ou municipais a construir, mediante deliberação dos respectivos governos regionais, após parecer das autarquias locais envolvidas, da autoridade marítima e portuária da administração regional competente e da respectiva capitania do porto.

Artigo 4.º
Noção de zona adjacente; sua largura

1 - Entende-se por zona adjacente toda a área contígua à margem que como tal seja classificada por decreto, por se encontrar ameaçada pelo mar ou pelas cheias.
2 - As zonas adjacentes estendem-se desde o limite da margem até uma linha convencional definida, para cada caso, no decreto de classificação, nos termos e para os efeitos do presente diploma.
3 - Nas Regiões Autónomas, se a linha limite do leito atingir uma estrada regional ou municipal, a zona adjacente estende-se desde o limite do leito até à linha convencional definida nos termos do número anterior.

Artigo 5.º
Condição jurídica dos leitos, margens e zonas adjacentes

1 - Consideram-se do domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos e margens lhe pertençam, e bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos públicos do Estado.
2 - Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitos a servidões administrativas, os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos particulares, bem como as parcelas dos leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que forem objecto de desafectação ou reconhecidas como privadas nos termos deste diploma.
3 - Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitas a restrições de utilidade pública, as zonas adjacentes.
4 - Nas Regiões Autónomas, os terrenos tradicionalmente ocupados junto à crista das arribas alcantiladas das respectivas ilhas constituem propriedade privada.

Artigo 6.º
Recuo das águas

Os leitos dominiais que forem abandonados pelas águas, ou lhes forem conquistados, não acrescem às parcelas privadas da margem que porventura lhes sejam contíguas, continuando integrados no domínio público, se não excederem as larguras fixadas no artigo 3.º, e entrando automaticamente no domínio privado do Estado, no caso contrário.

Artigo 7.º
Avanço das águas

1 - Quando haja parcelas privadas contíguas a leitos dominiais, as porções de terreno corroídas lenta e sucessivamente pelas águas consideram-se automaticamente integradas no domínio público, sem que por isso haja lugar a qualquer indemnização.
2 - Se as parcelas privadas contíguas a leitos dominiais forem invadidas pelas águas que nelas permaneçam sem que haja corrosão dos terrenos, os respectivos proprietários conservam o seu direito de propriedade, mas o Estado pode expropriar essas parcelas.

Artigo 8.º
Reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicos

1 - As pessoas que pretendam obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis devem provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868.
2 - Na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade dos terrenos nos termos do n.º 1 deste artigo, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, naquelas datas, estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
3 - Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante

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ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de Dezembro de 1892, eram objecto de propriedade ou posse privadas.
4 - Não ficam sujeitos ao regime de prova estabelecido nos números anteriores os terrenos que, nos termos da lei, hajam sido objecto de um acto de desafectação.

Artigo 9.º
Constituição da propriedade pública sobre parcelas privadas de leitos ou margens públicos

1 - Em caso de alienação, voluntária ou forçada, por acto entre vivos, de quaisquer parcelas privadas de leitos ou margens públicos, o Estado goza do direito de preferência, nos termos dos artigos 416.º a 418.º e 1410.º do Código Civil, podendo a preferência exercer-se, sendo caso disso, apenas sobre a fracção do prédio que, nos termos dos artigos 2.º e 3.º deste diploma, se integre no leito ou na margem.
2 - O Estado pode proceder, nos termos da lei geral, a expropriação por utilidade pública de quaisquer parcelas privadas de leitos ou margens públicos sempre que isso se mostre necessário para submeter ao regime da dominialidade pública todas as parcelas privadas existentes em certa zona.
3 - Os terrenos adquiridos pelo Estado de harmonia com o disposto neste artigo ficam automaticamente integrados no seu domínio público.

Artigo 10.º
Delimitações

1 - A delimitação dos leitos e margens dominiais confinantes com terrenos de outra natureza compete ao Estado, que a ela procederá oficiosamente, quando necessário, ou a requerimento dos interessados.
2 - Das comissões de delimitação farão sempre parte representantes dos proprietários dos terrenos confinantes com os leitos ou margens dominiais a delimitar.
3 - Sempre que às comissões de delimitação se depararem questões de índole jurídica que elas não estejam em condições de decidir por si, poderão os respectivos presidentes requerer a colaboração ou solicitar o parecer do delegado do procurador da República da comarca onde se situem os terrenos a delimitar.
4 - A delimitação, uma vez homologada pelos Ministros da Justiça e da Marinha, será publicada no Diário do Governo.

Artigo 11.º
Questões de propriedade ou posse

1 - A delimitação a que se proceder por via administrativa não preclude a competência dos tribunais comuns para decidir da propriedade ou posse dos leitos e margens, ou suas parcelas.
2 - Se, porém, o interessado pretender seguir o acto de delimitação de quaisquer vícios próprios desta que se não traduzam numa questão de propriedade ou posse, deve interpor o respectivo recurso contencioso de anulação.

Capítulo II
Servidões administrativas e restrições de utilidade pública

Artigo 12.º
Servidões sobre parcelas privadas de leitos e margens públicos

1 - Todas as parcelas privadas de leitos ou margens públicos estão sujeitas às servidões estabelecidas por lei e, nomeadamente, a uma servidão de uso público no interesse geral do acesso às águas e da passagem ao longo das águas, da pesca, da navegação ou flutuação, quando se trate de águas navegáveis ou flutuáveis, e ainda da fiscalização e polícia das águas pelas autoridades competentes.
2 - Nas parcelas privadas de leitos ou margens públicos, bem como no respectivo subsolo e no espaço aéreo correspondente, não é permitida a execução de quaisquer obras, permanentes ou temporárias, sem licença do Ministério das Obras Públicas, pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
3 - Os proprietários de parcelas privadas de leitos ou margens públicos estão sujeitos a todas as obrigações que a lei estabelece no que respeita à execução de obras hidráulicas, nomeadamente de correcção, regularização, conservação, desobstrução e limpeza.
4 - Se da execução pelo Estado de qualquer das obras referidas no n.º 3 deste artigo resultarem prejuízos que excedam os encargos resultantes das obrigações legais dos proprietários, o Estado indemnizá-los-á. Se se tornar necessária, para a execução dessas obras, qualquer porção de terreno particular, ainda que situada para além das margens, o Estado poderá expropriá-la.

Artigo 13.º
Zonas ameaçadas pelo mar

1 - Sempre que se preveja tecnicamente o avanço das águas do mar sobre terrenos particulares situados para além da margem, pode o Estado classificar a área em causa como zona ameaçada pelo mar.
2 - A classificação de uma área como zona ameaçada pelo mar será feita por decreto emanado do Ministério das Obras Públicas, ouvido o Ministério da Marinha e, tratando-se de zonas com interesse turístico, a Secretaria de Estado da Informação e Turismo.
3 - Uma vez classificada certa área como zona ameaçada pelo mar, os terrenos nela abrangidos ficam sujeitos ao regime estabelecido no artigo 15.º.
4 - Nas Regiões Autónomas podem ser classificadas como zonas ameaçadas pelo mar as áreas contíguas ao leito, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º.

Artigo 14.º
Zonas ameaçadas pelas cheias

1 - O Governo pode classificar como zona ameaçada pelas cheias, adiante designada por zona adjacente, a área contígua à margem de um curso de água, que se estende até à linha alcançada pela maior cheia com probabilidade de ocorrência no período de um século (cheia dos 100 anos).

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2 - A classificação de uma área como zona adjacente será feita por portaria do Ministro do Plano e da Administração do Território, ouvidas as autoridades marítimas, em relação aos trechos sujeitos à sua jurisdição.
3 - A portaria referida no número anterior conterá em anexo uma planta delimitando a área classificada e definindo dentro desta as áreas de ocupação edificada proibida e/ou áreas de ocupação edificada condicionada.
4 - Uma vez classificada certa área como zona adjacente, os terrenos nela abrangidos ficam sujeitos ao regime estabelecido no artigo 15.º.
5 - Poderão ser sujeitas a medidas preventivas, nos termos do capítulo II do Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro, as áreas que, de acordo com os estudos elaborados, se presumam venham a ser classificadas ao abrigo do presente artigo.
6 - A iniciativa para a criação de zona adjacente poderá pertencer ao Ministro do Plano e da Administração do Território, ouvida a câmara municipal da área respectiva, ou decorrer de proposta desta última.
7 - As acções de fiscalização e a execução de obras de conservação e regularização, a realizar nas zonas adjacentes, podem ser exercidas no regime de colaboração a que se refere o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de Março.
8 - Aprovação de planos ou ante planos de urbanização e de contratos de urbanização, bem como o licenciamento de operações de loteamento urbano ou de quaisquer obras ou edificações, relativos a áreas contíguas a cursos de água que não estejam ainda classificadas como zonas adjacentes, carecem de parecer vinculativo da Direcção-Geral dos Recursos Naturais, quando estejam dentro do limite da maior cheia conhecida ou de uma faixa de 100 m, para cada lado da linha de margem do curso de água, quando se desconheça aquele limite.

Artigo 15.º
Regime das zonas adjacentes

1 - Nas áreas delimitadas, ao abrigo do artigo 4.º ou do n.º 3 do artigo 14.º, como zonas de ocupação edificada proibida é interdito:

a) Destruir o revestimento vegetal ou alterar o relevo natural, com excepção da prática de culturas tradicionalmente integradas em explorações agrícolas;
b) Instalar vazadouros, lixeiras, parques de sucata ou quaisquer outros depósitos de materiais;
c) Implantar edifícios ou realizar obras susceptíveis de constituir obstrução à livre passagem das águas;
d) Dividir a propriedade rústica em áreas inferiores à unidade mínima de cultura.

2 - Nas áreas referidas no número anterior, a implantação de infra-estruturas indispensáveis ou a realização de obras de correcção hidráulica depende de parecer vinculativo da Direcção-Geral do Ordenamento do Território e da Direcção-Geral dos Recursos Naturais, emitido no prazo de 60 dias, findo o qual se interpreta a ausência de parecer como consentimento.
3 - Podem as áreas classificadas referidas no n.º 1 ser utilizadas para instalação de equipamentos de lazer, desde que não impliquem a construção de edifícios, dependendo de parecer vinculativo da Direcção-Geral do Ordenamento do Território e da Direcção-Geral dos Recursos Naturais, emitido no prazo de 60 dias, findo o qual se interpreta a ausência de parecer como consentimento.
4 - Nas áreas delimitadas como zonas de ocupação edificada condicionada, classificadas ao abrigo do artigo 4.º ou do n.º 3 do artigo 14.º, só é permitida, mediante parecer favorável da Direcção-Geral dos Recursos Naturais, a instalação de edifícios que constituam complemento indispensável de outros já existentes e devidamente licenciados ou, então, que se encontrem inseridos em planos já aprovados à data da entrada em vigor deste diploma.
5 - As cotas dos pisos inferiores dos edifícios a construir nas áreas referidas no número anterior deverão ser sempre superiores às cotas previstas para a cheia dos 100 anos, devendo este requisito ser expressamente referido no respectivo processo de licenciamento.
6 - São nulos e de nenhum efeito todos os actos ou licenciamentos que desrespeitem o regime referido nos números anteriores.

Artigo 16.º
Disposições complementares

1 - Quando o Estado efectuar expropriações nos termos deste diploma ou pagar indemnizações aos proprietários prejudicados por obras hidráulicas de qualquer natureza, o auto de expropriação ou indemnização será enviado à repartição de finanças competente, para que se proceda, se for caso disso, à correcção do valor matricial do prédio afectado.
2 - A competência conferida ao Ministério das Obras Públicas no tocante às obras de correcção, regularização, conservação, desobstrução e limpeza de leitos e margens é transferível para as câmaras municipais ou para as administrações portuárias e pode ser exercida por aquele ou por estas em colaboração com quaisquer entidades, públicas ou privadas, nas condições técnicas e financeiras que forem definidas pelo Governo.

Capítulo III
Usos privativos

Artigo 17.º
Permissão de usos privativos

Com o consentimento das entidades competentes, podem parcelas determinadas dos terrenos públicos referidos neste diploma ser destinadas a usos privativos.

Artigo 18.º
Licenças e concessões

1 - O direito de uso privativo de qualquer parcela dominial só pode ser atribuído mediante licença ou concessão.
2 - Serão objecto de contrato administrativo de concessão os usos privativos que exijam a realização de investimentos em instalações fixas e indesmontáveis e sejam consideradas de utilidade pública; serão objecto de licença, outorgada a título precário, todos os restantes usos privativos.
3 - Não se consideram precárias as licenças conferidas para a construção ou para obras em terrenos ou prédios

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particulares situados na área de jurisdição das autoridades marítimas, hidráulicas ou portuárias.

Artigo 19.º
Usos de utilidade pública

São de utilidade pública, além dos que como tal forem declarados pelo Conselho de Ministros, os usos privativos realizados para algum dos seguintes fins:

a) Aproveitamento de águas públicas por pessoas colectivas de direito público ou de utilidade pública administrativa e por empresas de interesse colectivo;
b) Instalação de serviços de apoio à navegação marítima ou fluvial;
c) Instalação de postos para venda de combustíveis ou de estações de serviço para apoio à circulação rodoviária;
d) Aproveitamento de salinas, sapais e terrenos semelhantes para explorações agrícolas, salineiras ou outras actividades económicas análogas;
e) Edificação de estabelecimentos hoteleiros ou similares declarados de interesse para o turismo e de conjuntos turísticos como tais qualificados nos termos da legislação aplicável.

Artigo 20.º
Prazos

1 - As licenças e concessões podem ser outorgadas pelos prazos máximos de, respectivamente, cinco e 30 anos.
2 - Em casos especiais, devidamente justificados, o Conselho de Ministros pode autorizar a outorga de concessões por prazo superior a 30 anos ou por tempo indeterminado.

Artigo 21.º
Conteúdo do direito de uso privativo

1 - As licenças e concessões de uso privativo, enquanto se mantiverem, conferem aos seus titulares o direito de utilização exclusiva, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, das parcelas dominiais a que respeitam.
2 - Se a utilização permitida envolver a realização de obras ou alterações, o direito do uso privativo abrange poderes de construção, transformação ou extracção, conforme os casos, entendendo-se que tanto as construções efectuadas como as instalações desmontáveis se mantêm na propriedade do titular da licença ou da concessão até expirar o respectivo prazo. Uma vez expirado o prazo, aplica-se o disposto no artigo 26.º.
3 - Cabe à autoridade administrativa competente entregar ao titular do direito de uso privativo o terreno dominial, facultando-lhe o início da utilização consentida.

Artigo 22.º
Realização de obras

1 - Sempre que o uso privativo implique a realização de obras pelo interessado, cabe a este submeter o respectivo projecto à aprovação da entidade competente, devendo executar as obras dentro dos prazos que lhe forem fixados e de harmonia com o projecto aprovado e com as leis e regulamentos em vigor.
2 - A execução das obras fica sujeita à fiscalização das entidades competentes, cujos agentes terão livre acesso ao local dos trabalhos.
3 - Terminadas as obras deve o interessado remover todo o entulho e materiais daquelas provenientes para local onde não causem prejuízos de qualquer espécie.
4 - Sem prejuízo da aplicação das outras sanções que no caso couberem, a inobservância das disposições deste artigo será punida com a multa estipulada no contrato ou dará lugar, se forem realizadas obras sem projecto aprovado ou com desrespeito do projecto aprovado, à sua demolição compulsiva, total ou parcial, por conta do contraventor.
5 - Cabe ao interessado a responsabilidade por todos os prejuízos que causar com a execução das obras.

Artigo 23.º
Uso dos bens e sua fiscalização

1 - Os terrenos dominiais que tenham sido objecto de licença ou concessão de uso privativo, e bem assim as obras neles executadas, não podem, sem autorização da entidade competente, ser utilizados para fim diferente do que expressamente estiver fixado no título constitutivo.
2 - Nas concessões, o respectivo titular tem o dever de proceder à utilização intensiva dos terrenos concedidos e das obras executadas, sem o que a autoridade competente pode aplicar-lhe as multas estipuladas no contrato ou, se for caso disso, rescindir a concessão.
3 - Os titulares de licenças e concessões de uso privativo estão sujeitos à fiscalização que as entidades com jurisdição no local entendam dever realizar para vigiar a utilização dada aos bens dominiais e para velar pelo cumprimento das normas aplicáveis e das cláusulas estipuladas.

Artigo 24.º
Taxas

1 - Pelo uso privativo de terrenos dominiais é devida uma taxa, a pagar anualmente, salvo estipulação em contrário, calculada de harmonia com as tarifas aprovadas ou, na falta delas, conforme o que em cada caso for fixado pela entidade competente.
2 - Quando o direito de uso privativo for atribuído a uma pessoa colectiva de direito público ou a um particular para fins de beneficência ou semelhantes, pode ser concedida a isenção do pagamento da taxa ou a redução desta.
3 - Sempre que forem consentidos, a título provisório, usos privativos em terrenos a respeito dos quais esteja em curso um processo de delimitação, as taxas devidas não são imediatamente exigíveis, mas o interessado deve caucionar logo de início o pagamento das respectivas importâncias.
4 - Reconhecida a dominialidade de tais terrenos, torna-se exigível, após a publicação do respectivo acto de delimitação, o pagamento das quantias devidas por todo o período de utilização já decorrido. Se não for reconhecida a dominialidade, nada é devido, podendo o interessado proceder ao levantamento da caução.

Artigo 25.º
Transmissão das licenças e concessões; hipoteca

1 - Aqueles a quem for consentido o uso privativo de terrenos dominiais não podem, sem autorização da entidade

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que conferiu a licença ou a concessão, transmitir para outrem os direitos conferidos, nem por qualquer forma fazer-se substituir no seu exercício.
2 - O disposto no número anterior é aplicável à transmissão de propriedade das obras efectuadas e das instalações montadas pelo titular da licença ou concessão em terrenos dominiais.
3 - Nos casos de sucessão legítima ou legitimária, as licenças e as concessões transmitem-se aos herdeiros, mas a entidade competente pode revogá-las ou rescindi-las se isso lhe convier.
4 - As obras e os edifícios construídos em terrenos dominiais não podem ser hipotecados sem autorização da entidade competente.
5 - A violação do disposto nos n.os 1, 2 e 4 deste artigo importa a nulidade do acto de transmissão, substituição ou constituição de hipoteca, sem prejuízo das outras sanções que no caso couberem.

Artigo 26.º
Decurso do prazo

1 - Decorrido o prazo da licença ou concessão de uso privativo, as instalações desmontáveis deverão ser removidas do local pelo respectivo proprietário, no prazo que lhe for marcado.
2 - Em caso de concessão, as obras executadas e as instalações fixas revertem gratuitamente para o Estado; em caso de licença, devem ser demolidas pelo respectivo titular, salvo se o Estado optar pela reversão ou prorrogar a licença.
3 - A entidade competente pode consentir ao titular da concessão a continuação da exploração nos termos que em novo contrato forem estipulados, mediante o arrendamento dos bens que hajam revertido para o Estado.

Artigo 27.º
Não cumprimento das obrigações do utente

1 - A entidade competente pode revogar as licenças a rescindir as concessões de uso privativo, ouvido o interessado, sempre que a este seja imputável o não cumprimento das cláusulas estipuladas no título constitutivo ou das obrigações legais e regulamentos aplicáveis.
2 - Quando o não cumprimento não for exclusivamente imputável ao utente privativo, a entidade competente deve, conforme os casos, prorrogar os prazos excedidos ou diminuir ou excluir as multas aplicáveis.
3 - Em caso de revogação ou de rescisão determinadas como sanção, é aplicável o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 26.º.

Artigo 28.º
Extinção de uso privativo por conveniência de interesse público

1 - A entidade competente pode extinguir em qualquer momento, por acto fundamentado, os direitos de uso privativo constituídos mediante licença ou concessão, se os terrenos dominiais forem necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir.
2 - A revogação das licenças não confere ao interessado direito a qualquer indemnização.
3 - A rescisão das concessões confere ao interessado direito a uma indemnização equivalente ao custo das obras realizadas e das instalações fixas que ainda não possa estar amortizado, calculada em função do tempo que faltar para terminar o prazo da concessão. A indemnização não poderá, porém, exceder o valor das obras e instalações fixas no momento da rescisão.

Artigo 29.º
Redução de área

1 - Quando a área afectada ao uso privativo for reduzida em consequência de quaisquer causas naturais ou por conveniência de interesse público, o particular optará pela redução proporcional da taxa a pagar ou pela renúncia ao seu direito de uso privativo.
2 - Se, na segunda das hipóteses previstas no número anterior, o particular optar pela renúncia à concessão, terá direito a uma indemnização calculada nos termos do n.º 3 do artigo 28.º.

Artigo 30.º
Utilização abusiva

1 - Se for abusivamente ocupada qualquer parcela dominial, ou nela se executarem indevidamente quaisquer obras, a entidade competente intimará o contraventor a desocupar o domínio ou a demolir as obras feitas no prazo que lhe for marcado.
2 - Decorrido o prazo fixado sem que a intimação se mostre cumprida, e sem prejuízo da aplicação das penas que no caso couberem ou da efectivação da responsabilidade civil do contraventor pelos danos que causar, a entidade competente assegurará o destino normal da parcela ocupada, designadamente pelo recurso à força pública, ou mandará demolir as obras por conta do contraventor, sendo as despesas cobradas pelo processo de execução fiscal, servindo de título executivo certidão passada pela entidade competente para ordenar a demolição, extraída de livros ou documentos donde conste a importância da despesa e com os demais requisitos exigidos no artigo 156.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
3 - Se, porém, o interessado sustentar que o terreno ocupado lhe pertence, deverá requerer a respectiva delimitação, podendo a entidade competente autorizar provisoriamente a continuidade da utilização privativa, nos termos do n.º 3 do artigo 24.º.

Artigo 31.º
Defesa dos direitos do utente privativo

1 - Sempre que alguma parcela dominial se encontrar afectada a um uso privativo e este for perturbado por ocupação abusiva ou outro meio, pode o titular da respectiva licença ou concessão requerer à entidade competente que tome as providências referidas no artigo 30.º, ou outras que se revelem mais eficazes, para garantia dos direitos que lhe pertencem.
2 - O Estado e as demais entidades competentes, ou os respectivos órgãos e agentes, respondem civilmente perante o interessado, nos termos gerais, por todos os danos que para este advierem da falta, insuficiência ou

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inoportunidade das providências adequadas à garantia dos seus direitos.

Capítulo IV
Fiscalização e sanções

Artigo 32.º
Sujeição a registo

O ónus real resultante da classificação de uma área como zona adjacente, nos termos do artigo 14.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º, é acto sujeito a registo, nos termos e para os efeitos da alínea u) do n.º 1 do artigo 2.º do Código de Registo Predial.

Artigo 33.º
Embargo e demolição

1 - Tanto a Direcção-Geral do Ordenamento do Território como a Direcção-Geral dos Recursos Naturais são competentes para promover directamente o embargo e demolição de obras ou de outras acções realizadas em violação do disposto nos artigos 4.º, 14.º e 15.º.
2 - A entidade embargante intimará o proprietário a demolir as obras feitas ou a repor o terreno no estado anterior à intervenção no prazo que lhe for marcado. Decorrido o prazo sem que a intimação se mostre cumprida, proceder-se-á à demolição ou reposição nos termos do n.º 1, por conta do proprietário, sendo as despesas cobradas pelo processo de execução fiscal, servindo de título executivo certidão passada pela entidade competente para ordenar a demolição, extraída de livros ou documentos donde conste a importância, bem como os demais requisitos exigidos no artigo 156.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.

Artigo 34.º
Desobediência aos embargos

1 - Qualquer empresa ou empresas que prossigam obras ou acções que estejam embargadas, nos termos do artigo anterior, podem, sem prejuízo de outros procedimentos legais, ser impedidas de participar em concursos públicos para fornecimento de bens e serviços ao Estado, por prazo não superior a dois anos, ou ser determinada a perda de benefícios fiscais e financeiros, em termos a definir por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e da Administração do Território.
2 - As sanções previstas no número anterior serão comunicadas à Comissão de Inscrição e Classificação dos Empreiteiros de Obras Públicas e Industriais de Construção Civil, a qual pode deliberar aplicar acessoriamente a pena de suspensão ou cassação do alvará prevista no Decreto-Lei n.º 582/70, de 24 de Novembro, e na Portaria n.º 351/71, de 30 de Junho.

Artigo 35.º
Contra-ordenações

1 - A violação do disposto nos artigos 14.º e 15.º por parte dos proprietários ou titulares de direitos reais sobre os prédios, seus comissários ou mandatários é punível como contra-ordenação, nos termos do Decreto-Lei n.º 438/82, de 27 de Outubro, cabendo à entidade competente para proceder ao embargo a instrução do processo, o levantamento dos autos e a aplicação das coimas.
2 - O montante das coimas será graduado entre o mínimo de 50 000$00 e o máximo de 5 000 000$00, ou 10 000 000$00, se houver dolo.
3 - A tentativa e a negligência são sempre puníveis.

Capítulo V
Disposições finais e transitórias

Artigo 36.º
Entidades competentes nas Regiões Autónomas

1 - Os poderes conferidos pelo presente diploma ao Estado cabem nas Regiões Autónomas aos respectivos órgãos de governo próprio.
2 - Nas áreas sob jurisdição portuária e nas Regiões Autónomas as competências conferidas pelo presente diploma são exercidas, respectivamente, pelos departamentos, organismos ou serviços a que legalmente estão atribuídas, e pelos departamentos, organismos ou serviços das respectivas administrações regionais autónomas com atribuições correspondentes.

Artigo 37.º
Disposições expressamente revogadas

Ficam expressamente revogados o artigo 261.º do Regulamento dos Serviços Hidráulicos, o artigo 14.º do Decreto n.º 12 445, de 29 de Setembro de 1926, o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 23 925, de 29 de Maio de 1934, e o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 49 215, de 30 de Agosto de 1969.

Artigo 38.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 90 dias após a sua publicação.

DECRETO N.º 31/IX
AUTORIZA O GOVERNO A PRORROGAR O PRAZO DE VIGÊNCIA DAS MEDIDAS PREVENTIVAS DE OCUPAÇÃO NA ÁREA POTENCIAL DO NOVO AEROPORTO

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea d) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.º
Autorização legislativa

É concedida ao Governo autorização para prorrogar por um período não superior a três anos o prazo de vigência das medidas preventivas de ocupação do solo na área potencial de localização do novo aeroporto previstas no capítulo II do Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro, relativamente às áreas definidas nos quadros A e B anexos ao Decreto n.º 31-A/99, de 20 de Agosto.

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Artigo 2.º
Duração da autorização legislativa

A presente autorização legislativa tem a duração de 90 dias.

Aprovado em 30 de Janeiro de 2003. - O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.

DELIBERAÇÃO N.º 1-PL/2003
ELEIÇÃO DE UM MEMBRO PARA A ALTA AUTORIDADE PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL

A Assembleia da República delibera, nos termos dos artigos 101.º e 129.º do Regimento e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto, designar para a Alta Autoridade para a Comunicação Social o seguinte membro:

- João Vasco de Lara Everard Amaral.

Aprovado em 23 de Janeiro de 2003. - O Presidente da Assembleia da República, em exercício Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza Mendonça Tavares.

PROJECTO DE LEI N.º 96/IX
(ALTERA E REPUBLICA A LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO (LEI DA ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS)

PROJECTO DE LEI N.º 97/IX
(APROVA UM NOVO CÓDIGO DE JUSTIÇA MILITAR E REVOGA A LEGISLAÇÃO EXISTENTE SOBRE A MATÉRIA)

PROJECTO DE LEI N.º 98/IX
(APROVA O ESTATUTO DOS JUIZES MILITARES E DOS ASSESSORES MILITARES DO MINISTÉRIO PÚBLICO)

PROJECTO DE LEI N.º 156/IX
(APROVA AS BASES GERAIS DA JUSTIÇA E DISCIPLINA MILITAR)

Relatório e parecer da Comissão de Defesa Nacional

Relatório

Introdução

Sete Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS) tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia da República os projectos de lei n.º 96/IX, que "altera e republica a Lei n.º 3/99, de 13 Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), 97/IX, que "aprova um novo código de justiça militar e revoga a legisla existente sobre a matéria" e n.º 98/IX, que "aprova o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público".
Por sua vez, seis Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar Partido Comunista Português (PCP) apresentaram à Assembleia da República o projecto de lei n.º 156/IX, que "aprova as bases gerais da justiça e disciplina militar".
Estas apresentações foram efectuadas nos termos do artigo 167.º Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo ainda os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Por despachos de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, as iniciativas vertentes baixaram à 3.ª Comissão para emissão dos competentes relatório e parecer.

Razão de ordem

Formalmente, as quatro iniciativas citadas têm objectos diferentes: o projecto do PCP versa sobre as bases da justiça e disciplina militares, ao passo que os do PS abarcam exaustivamente as matérias relacionadas com a justiça militar.
No entanto, duas razões aconselham ao tratamento e análise conjugados dos quatro projectos:

a) Justiça e disciplina militares são matérias que a legislação em vigor associa incindivelmente, pelo que ao legislar sobre uma delas obriga a considerar as repercussões que isso acarretará sobre a outra;
b) Constitui questão prejudicial saber se é possível legislar sobre justiça ou disciplina sem antes estarem aprovadas as respectivas bases gerais.

Enquadramento constitucional e legal

Os artigos 164.º, alínea d), 209.º, n.º 4, 211.º, n.º 3, e 213.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) [Na redacção que lhes foi dada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro] dispõem que:

1.º É da competência absoluta da Assembleia da República a aprovação das bases gerais da disciplina das Forças Armadas;
2.º Em tempo de paz o julgamento de crimes de natureza estritamente militar cabe aos tribunais judiciais e que, da composição dos tribunais de qualquer instância que julguem, os referidos crimes fazem parte um ou mais juízes militares, nos termos da lei;
3.º "Durante a vigência do estado de guerra serão constituídos tribunais militares com competência para o julgamento de crimes de natureza estritamente militar" (artigo 213.º;
4.º "A lei estabelece formas especiais de assessoria junto do Ministério Público nos casos dos crimes estritamente militares" (artigo 219.º, n.º 3).

O artigo 197.° da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, estabelece que "[o]s tribunais militares, aplicando as disposições legais vigentes, permanecem em funções até à data da entrada em vigor da legislação que regulamenta o disposto no n.º 3 do artigo 211.º da Constituição".
A Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas - LDNFA), no, seu artigo 32.º, prevê que as exigências específicas do ordenamento aplicável às Forças Armadas em matéria de justiça e disciplina sejam reguladas, respectivamente, por um Código de Justiça

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Militar (CJM) e por um Regulamento de Disciplina Militar (RDM).
Prevê ainda a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas que as bases gerais da disciplina militar sejam aprovadas por lei da Assembleia da República, sendo o Código de Justiça Militar e o Regulamento de Disciplina Militar aprovados por lei ou decreto-lei autorizado. No artigo 69.º, a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas torna o disposto no artigo 32.º extensível à Guarda Nacional Republicana (GNR).
Idênticas previsões constam dos artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 11/89, que aprova as Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar.

Antecedentes

A) Da iniciativa legislativa do PCP
O XII Governo apresentou à Assembleia da República, a 2 de Fevereiro de 1994, a proposta de lei n.º 88/VI "Lei de Bases da Justiça Militar de Disciplina das Forças Armadas", (DAR, II Série-A, n.º 22, de 10 de Fevereiro de 1994).
Sobre a proposta foram emitidos os pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e da Comissão de Defesa Nacional (DAR II Série-A, de 14 de Junho de 1995).
A discussão em Plenário foi publicada DAR I Série, n.º 88, de 17 de Junho de 1995, constando a votação na generalidade e na especialidade do DAR I Série, n.º 90, de 22 de Junho de 1995.
Submetida a votação, foi rejeitada, com 106 votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, do CDS-PP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.
Caracterizando muito sumariamente a proposta de lei n.º 88/VI, e acompanhando os pareceres então apresentados pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e pela Comissão de Defesa Nacional [da autoria dos Deputados Guilherme Silva e Adriano Moreira, respectivamente], temos que a mesma proposta pretendia enquadrar o seguinte conjunto de diplomas, a apresentar posteriormente:

- Um novo Código de Justiça Militar;
- A Lei Orgânica dos Tribunais Militares;
- A Lei Orgânica da Polícia Judiciária Militar;
- Um novo Regulamento de Justiça Militar;

E encontrava-se estruturada da seguinte forma:

- O Capítulo I previa os valores enquadrantes da justiça militar e disciplina militares;
- No Capítulo II definiam-se as bases da justiça militar;
- No Capítulo III eram definidas as bases gerais do direito disciplinar militar e do direito disciplinar do pessoal civil das Forças Armadas;
- No Capítulo IV previa-se o desenvolvimento normativo das bases propostas.

Como aspectos a realçar temos:

- O princípio da unidade entre ilícito penal militar e ilícito disciplinar;
- A alternatividade entre procedimento criminal militar e procedimento disciplinar que tenham origem no mesmo facto, com suspensão obrigatória do segundo, se entretanto tiver sido iniciado (artigo 5.º);
- A previsão de que o Código de Justiça Militar deve regular o direito penal militar e o direito processual militar, sendo, no entanto, qualificado como código especial, no respeito pelo princípio da subsidariedade dos Códigos Penal e Processual Penal;
- O conceito de crime essencialmente militar como ofensa grave aos valores militares fundamentais - a missão, a hierarquia, a coesão e a segurança das Forças Armadas (artigo 1.º) - ou aos interesses militares da defesa nacional e sejam como tais definidos pela lei (artigo 7.º);
- A previsão de crimes dolosos equiparados a crimes essencialmente militares; para efeito de julgamento nos tribunais militares se cometido em tempo de guerra ou em estado de sítio (artigo 8.º);
- O princípio da exclusão do foro pessoal (artigo 9.º, n.º 1);
- Consagração expressa dos tribunais militares como órgãos de soberania independentes (artigo 9.º);
- Consagração firme e expressa do princípio da legalidade em processo penal militar, conforme ao imperativo constitucional das garantias de defesa, da estrutura acusatória e do contraditório (artigo 11.º);
- O cometimento da promoção do processo penal ao Ministério Público;
- Consagração de um conceito amplo de direito disciplinar militar, abrangendo os militares dos quadros permanentes e os funcionários agentes civis das Forças Armadas;
- Consagração, em obediência ainda ao princípio da legalidade, do direito de queixa contra o superior hierárquico (artigo 32.º) e de recurso das suas decisões, o qual tem efeito suspensivo, se for interposto de decisão que aplique pena de prisão disciplinar ou suspensão (artigo 34.°).

B) Da iniciativa legislativa do PS
Os presentes projectos de lei reproduzem, praticamente na íntegra, anterior iniciativa legislativa do XIV Governo, consubstanciada na apresentação das propostas de lei n.º 81/VIII, n.º 85/VIII e 86/VIII que, respectivamente, alteram a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovam o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público e autorizam o Governo a aprovar um novo código de justiça militar a revogar a legislação existente sobre a matéria.
As referidas propostas de lei caducaram com a demissão do Governo e a dissolução da Assembleia da República, não tendo chegado a existir debate na generalidade.
Comparando as actuais propostas com as antecedentes resulta o que seguidamente se expõe.
Da comparação entre a exposição de motivos do projecto de lei aprova o Código de Justiça Militar e o preâmbulo da proposta anterior com o mesmo objecto resultam diferenças de fundamentação sem, contudo, se tratar de modificações substanciais.
Existem igualmente diferenças, de conteúdo e de forma, resultante da transformação da proposta de lei de autorização legislativa em lei preambular ao diploma que aprova o Código de Justiça Militar.
Carece de alguma atenção o artigo 6.º da proposta de lei, que faz depender a entrada em vigor do Código de

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Justiça Militar da aprovação dos regimes da execução da pena de prisão imposta a militares e da organização e funcionamento da Polícia Judiciária Militar, determinando que os mesmos sejam aprovados num prazo de 180 dias. Dado que o segundo foi já aprovado pelo Decreto-Lei n.º 200/2001, de 3 de Março, estando a sua entrada em vigor condicionada ao início da vigência do Código de Justiça Militar e adivinhando-se o melindre da reforma do primeiro daqueles regimes, seria talvez preferível fixar uma data para a entrada em vigor do Código de Justiça Militar.
Quanto aos dois articulados, as diferenças podem sistematizar-se como se segue:

Proposta de lei n.º 86/VIII
(Versão anterior) Projecto de lei n.º 97/IX
(Versão actual)
Artigo 6.º
Para efeitos de incriminação penal, não se consideram superiores os oficiais, sargentos e praças do mesmo posto, salvo se forem encarregados, permanente ou acidentalmente, de comando de qualquer serviço (...) Artigo 6.º
Para efeitos de incriminação penal, não se consideram superiores os oficiais, sargentos e praças do mesmo posto, salvo se forem encarregados, permanente ou incidentalmente, de comando de qualquer serviço (...)
Artigo 9.º
Para efeitos de aplicação do Livro I e dos Capítulos I a V do Livro II deste Código, consideram-se equivalentes a crimes cometidos em tempo de guerra (...) Artigo 9.º
Para efeitos de aplicação do Livro I e dos Capítulos I a V do Livro II deste Código, consideram-se, com as necessárias adaptações, equivalentes a crimes cometidos em tempo de guerra (...)
Artigo 12.º
A tentativa dos crimes, estritamente militares (...) Artigo 12.º
A tentativa de crimes estritamente militares (...)
Artigo 37.º, n.º 2, alínea a)
Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, ainda que por negligência, ofensa à integridade física grave (...) Artigo 37.º, n.º 2, alínea a)
Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, ainda que por negligência, ofensa grave à integridade física (...)
Secção III do Capítulo II do Livro I
Crimes contra feridos e prisioneiros de guerra Secção III do Capítulo II do Livro I
Crimes contra feridos ou prisioneiros de guerra
Artigo 56.º, n.º 1, alínea b)
Em tempo de paz, com pena de prisão de um mês a um ano Artigo 56.º, n.º 1, alínea b)
Em tempo de paz, com pena de prisão de um mês a um ano se a sentinela fizer a correspondente cominação
Artigo 58.º, n.º 4
É dispensado de pena o militar cuja introdução referida no n.° 1 for feita com o propósito de servir ou de se pôr ao serviço das Forças Armadas Portuguesas ou das referidas no artigo 11.º Artigo 58.º, n.º 4
É dispensado de pena o militar, cuja introdução referida no n.º 1 for feita com o propósito de servir ou de se pôr ao serviço das Forças Armadas Portuguesas suas aliadas.
Artigo 63.º, n.º 2
Os sargentos, as praças, os militarizados e os civis que cometam o crime de deserção são condenados. Artigo 63.º, n.º 2
Os sargentos, as praças e os militarizados que cometam o crime de deserção são condenados.
Artigo 65.º
Comete ainda o crime de deserção aquele que (...) ou que abandone ilegitimamente o serviço ou o trabalho de que estiver incumbido pelo período de 10 dias consecutivos. Artigo 65.º
Comete ainda o crime de deserção aquele que (...) ou que abandone ilegitimamente o serviço ou o trabalho de que estiver incumbido pelo período de 10 dias consecutivos, cabendo-lhe as penas do artigo 63.º, n.º 2.

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Artigo 115.º
Durante, a vigência do estado de guerra são constituídos tribunais militares com competência (...)
n.º 2 Os tribunais a que se refere o número anterior são o Supremo Tribunal Militar, o Tribunal Militar de 2.ª Instância, o Tribunal Militar de 1.ª Instância e os tribunais de guerra.
n.º 3 Cessada a vigência do estado de guerra, os tribunais referidos nos números anteriores mantêm-se em funções até decisão final dos processos pendentes. Artigo 115.º
Durante a vigência do estado de guerra são constituídos tribunais militares ordinários com competência (...)
n.º 2 Podem ainda ser constituídos tribunais militares extraordinários com a mesma competência.
n.º 3 Os tribunais a que se refere o n.º 1 são o Supremo Tribunal Militar, o Tribunal Militar de 2.ª Instância, o Tribunal Militar de 1.ª Instância.
n.º 4 (n.º 3 da versão anterior).
Artigo 117.º
Composição dos tribunais militares permanentes
n.º 4 O presidente dos tribunais militares é (...)
n.º 5 Os juízes auditores dos tribunais militares permanentes exercem (...) Artigo 117.º
Composição dos tribunais militares ordinários
n.º 4 O presidente dos tribunais militares ordinários é (...)
n.º 5 Os juízes auditores dos tribunais militares ordinários exercem (...)
Artigo 118.º
Tribunais militares de guerra
n.º 1 (...) podem ser criados (...) tribunais militares, designados por tribunais de guerra.
n.º 2 Os tribunais de guerra não têm constituição permanente e são dissolvidos
n.º 3 A nomeação è convocação dos membros dos tribunais de guerra (...) Artigo 118.º
Tribunais militares extraordinários
n.º 1 (...) podem ser criados (...) tribunais militares extraordinários.
n.º 2 Os tribunais extraordinários são dissolvidos (...)
n.º 3 A nomeação e convocação dos membros dos tribunais militares extraordinários (...)
Artigo 119.º
Composição dos tribunais militares de guerra
n.º 3 Não sendo possível constituir o tribunal de guerra (...) é competente (...) o tribunal militar permanente. Artigo 119.º
Composição dos tribunais militares extraordinários
n.º 3 Não sendo possível constituir o tribunal extraordinário (...) é competente (...) o tribunal militar ordinário.
Artigo 120.º
n.º 1 Nos tribunais militares permanentes (...)
n.º 2 Nos tribunais militares de guerra (...) Artigo 120.º
n.º 1 Nos tribunais militares ordinários (...)
n.º 2 Nos tribunais militares extraordinários (...)
Artigo 121.º
alínea a) Nos tribunais militares permanentes (...)
alínea b) Nos tribunais militares de guerra (...) Artigo 121.º
alínea a) Nos tribunais militares ordinários (...)
alínea b) Nos tribunais militares extraordinários (...)
Artigo 122.º, n.º 2
Nos tribunais militares permanentes (...) Artigo 122.º n.º 2
Nos tribunais militares extraordinários (...)
Artigo 123.º, n.º 3
Sem prejuízo do disposto para os tribunais militares permanentes (...) Artigo 123.º, n.º 3
Sem prejuízo do disposto para os tribunais militares extraordinários (...)
Artigo 124.º
Especialidades do processo nos tribunais militares de guerra
n.º 1 (...) e julgado pelo respectivo tribunal de guerra (...)
n.º 5 As decisões dos tribunais de guerra Artigo 124.º
Especialidades do processo nos tribunais militares extraordinários
n.º 1 (...) e julgado pelo respectivo tribunal extraordinários (...)
n.º 5 As decisões dos tribunais extraordinários (...)

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Em matéria de "Estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público" e de "Alterações à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais", importa referir que os projectos de lei n.º 96/IX e n.º 97/IX retomam integralmente o texto das propostas de lei n.º 81/VIII e n.º 85/VIII.

Análise do direito constituído

A) Generalidades
A entrada em vigor da Constituição de 1976 obrigou à revisão do Código de Justiça Militar de 1925, para substituir, na ordem jurisdicional dos tribunais militares, o foro pessoal pelo material.
O princípio do foro material decorre directamente do princípio da igualdade face à lei e consiste em atribuir aos tribunais militares competência exclusivamente em razão da matéria - a ofensa daqueles interesses especificamente militares que a lei qualifique como crime - irrelevando a qualidade do agente. Contudo, a verdadeira substituição do foro pessoal pelo material só fica completa se os militares puderem ser julgados, pela prática de crimes comuns, nos tribunais judiciais (O sistema penal militar italiano, por exemplo, estrutura-se ainda segundo o foro pessoal, uma vez que os tribunais militares só têm competência para julgar militares arguidos de crimes previstos no Código Penal Militar para o Tempo de Paz - os civis são julgados, pelos mesmos crimes, nos tribunais comuns).
Por outras palavras, "[n]ão existe, portanto, foro pessoal: existem crimes militares que preenchem a competência dos tribunais militares para civis e militares que os cometam, assim como os tribunais comuns julgam todos os crimes não militares, seja qual for a qualidade do infractor" (Parecer da Comissão de Defesa Nacional sobre a proposta de lei n.º 88/VI, já citado, de que foi relator o ilustre Professor Adriano Moreira).
O Código de Justiça Militar aprovado em 1977 adoptou formalmente o foro material. Porém, ao manter praticamente inalterado o vasto elenco de crimes do Código de Justiça Militar de 1925, largamente sobreposto à tipificação penal comum, tornou inviável o julgamento de militares fora dos tribunais militares (Neste sentido se pronunciava em 1982 o Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira, in Direito Penal. Parte Geral, tomo I, Lisboa, Editorial Verbo, 1982, pp. 230-31, reafirmando a sua posição, 10 anos mais tarde em Lições de Direito Penal. Parte Geral, tomo I, Lisboa, Editorial Verbo, 1992, pp. 129-30. Ver também, no mesmo sentido, António Araújo, in O Direito da Defesa Nacional e das Forças Armadas, obra colectiva, coordenação de Jorge Miranda e Carlos Blanco de Morais, Edições Cosmos, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa, 2000, pp. 547-8 e autores citados na nota 62).

B) Sistematização
A designação de justiça militar abrange, num único diploma, ao longo de 477 artigos, o direito penal material e o direito judiciário, incluindo a organização judiciária e o processo criminal militar.
O Código de Justiça Militar está dividido em quatro livros e sistematiza-se como se segue: Livro I (Dos crimes e das penas), dividido em Título I (Disposições Gerais), com quatro capítulos (Generalidades, Dos crimes, Das penas e Disposições diversas) e Título II (Disposições especiais), contendo um Capítulo único, com 28 secções, abrangendo os crimes essencialmente militares.
O Livro II trata da organização judiciária militar em tempo de paz (título I) e em tempo de guerra (Título II). Ao passo que o Título I abarca exaustivamente a Administração da Justiça Militar - a cargo das autoridades judiciárias e dos tribunais militares - o Título II limita-se a adaptar esse dispositivo ao tempo de guerra.
O Livro III versa a competência dos tribunais militares e o Livro IV o processo criminal militar. Cada um deles está dividido em dois títulos, para o tempo de paz e para o tempo de guerra.

C) Direito penal militar material
"Consideram-se crimes essencialmente militares os factos que violem algum dever militar ou ofendam a segurança e a disciplina das Forças Armadas, bem como os interesses militares da defesa nacional e que como tal sejam qualificados pela lei militar" [artigo 1.º, n.º 2 Código de Justiça Militar (Pertencem ao Código de Justiça Militar os artigos citados sem outra referência)].
O conceito de infracção penal militar não vive separado do conceito de infracção disciplinar. O legislador de 1977 ligou o Código de Justiça Militar e o Regulamento de Disciplina Militar (RDM) em simbiose, esgotando assim, no âmbito de aplicação dos dois diplomas, a repressão da violação das leis militares, quer se tratasse de ilícito penal ou de mera ordenação social (disciplinar).
"As infracções disciplinares qualificadas como crimes essencialmente militares só podem ser punidas de harmonia com este Código" (artigo 2.º).
"Infracção de disciplina [...] é toda a omissão ou acção contrária ao dever militar que pelo Código de Justiça Militar não seja qualificada como crime" (artigo 3.º Regulamento de Disciplina Militar).
O mesmo é dizer que há uma continuidade entre os ilícitos penal militar e disciplinar militar, sendo o segundo, por representar uma degradação ou desvalor menos intenso do primeiro, consumido por ele. À luz da actual lei, a norma penal militar e a norma disciplinar tutelam os mesmos bens e têm como objecto o mesmo ilícito, que valoram com intensidade diferente.
Os crimes essencialmente militares consubstanciam 18 tipos básicos, desdobrados depois em vários subtipos, a saber: traição; espionagem, revelação de segredos e aliciação; crimes contra os direito das gentes, insubordinação, abuso de autoridade; cobardia; crimes contra a honra e o dever militar; deserção; violências entre militares; extravio de artigos militares; crimes contra bens militares e a segurança das forças armadas; usurpação de uniformes; distintivos, insígnias ou documentos de identificação militares e condecorações; crimes contra pessoas ou bens em tempo de guerra; crimes praticados por prisioneiros de guerra e civis estrangeiros sujeitos, em tempo de guerra, às autoridades militares; falsidade; infidelidade no serviço militar; furto, roubo, abuso de confiança e burla; e outras infracções culposas de natureza militar.

D) O actual direito judiciário militar - processo e organização dos tribunais
A justiça militar, em tempo de paz, é exercida através das autoridades judiciárias militares e dos tribunais militares. Segundo o artigo 211.º do Código de Justiça Militar, são autoridades judiciárias a Polícia Judiciária Militar (PJM), os

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juízes de instrução criminal militar, os comandantes das regiões militares do Exército e as entidades equivalentes na Marinha (Superintendente de Pessoal) e na Força Aérea (Comandante de Pessoal - CPESFA) e os chefes de estado-maior dos ramos das Forças Armadas (O Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas deixou de ter competências na administração da justiça militar desde a aprovação da LOBOFA, que o transformou em comandante operacional das Forças Armadas).
O processo criminal militar compreende a investigação, a instrução, a acusação e defesa e o julgamento (artigo 322.º).
Durante a investigação e a instrução, a responsabilidade pela administração da justiça cabe, em primeiro lugar, aos comandantes de região militar. ou equivalentes. Aos chefes de estado-maior dos ramos das Forças Armadas cabe, sobretudo, a nomeação de juízes militares, promotores militares e defensores oficiosos, militares, a inspecção da administração da justiça militar e a superintendência dos estabelecimentos prisionais militares sob a sua jurisdição.

Investigação
"A investigação dos crimes sujeitos à jurisdição militar e a descoberta dos seus agentes competem à Polícia Judiciária Militar" (artigo 217.º).
A redacção originária do Código de Justiça Militar refere-se ao Serviço de Polícia Judiciária Militar (SPJM), na dependência do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, com delegações junto do comando de cada região militar. Desde a aprovação da Lei Orgânica do Ministério da Defesa Nacional (Decreto-Lei n.º 49/93), o Serviço de Polícia Judiciária Militar depende directamente do Ministro da Defesa.

Instrução
"Exarado despacho [pelo Director da PJM] determinando que se proceda à instrução, todos os elementos disponíveis serão imediatamente presentes ao juiz de instrução competente" (artigo 342.º). A instrução criminal militar decorre sob a exclusiva direcção de juízes de instrução - magistrados judiciais em comissão de serviço junto da direcção da PJM e das suas delegações.
"No exercício das suas funções, os juízes de instrução são independentes, estando unicamente subordinados a critérios de legalidade estrita e tendo a sua actuação como limite apenas a lei e a sua consciência" (artigo 225.º).
Não existe uma fase de instrução homóloga à do processo penal comum, onde se visa, de forma facultativa, a comprovação jurisdicional da decisão de deduzir a acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não o feito a julgamento. Contudo, nos termos dos artigos 347.º, n.º 3, e 351.º do Código de Justiça Militar, o arguido pode, por si ou através do seu defensor, requerer as diligências que entender para contrariar os indícios probatórios que lhe são opostos.
Ao defensor oficioso incumbe assegurar a defesa oficiosa nos processos em que o réu não tiver constituído advogado ou escolhido defensor. Os defensores oficiosos militares junto de cada tribunal são oficiais superiores do ramo das Forças Armadas a que o tribunal pertence, nomeados, de preferência, entre os licenciados em Direito.
O Tribunal Constitucional julgou já inconstitucional a norma do artigo 347.º, n.º 2, do Código de Justiça Militar, quando interpretada de modo a concluir-se que é obrigatória a nomeação de defensor militar - e não é permitida a de um advogado - quando o arguido não escolher defensor (Acórdãos n.º 34/96, de 17 de Janeiro de 1996, e n.º 469/96).
Segundo aquele Alto Tribunal, dependendo a cabal realização do direito de defesa dos efectivos conhecimentos jurídicos, o juízo de experiência do legislador do Código de Justiça Militar sobre a competência do defensor oficioso militar viola, efectivamente, os artigos 13.º, 20.º, n.º 2, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, porque restringe o direito ao patrocínio judiciário e diminui as garantias de defesa do arguido em processo penal militar, discriminando-o injustificadamente em relação ao arguido em processo penal comum.
Finda a instrução o juiz procede a uma exposição escrita onde conclui sobre a existência ou não de ilícito criminal ou disciplinar militar. Encerrada a instrução como lançamento desta exposição, o processo é presente ao Director da Polícia Judiciária Militar que, por sua vez, o remete com informação breve ao Comandante Militar ou equivalente.
Esta entidade, se concordar com o parecer do juiz de instrução mandará instaurar a acusação ou, se entender que os factos constituem infracção disciplinar, ordena a instauração do procedimento disciplinar. Se acaso a autoridade competente discordar da exposição do juiz de instrução lança nos autos um parecer nesse sentido, ordenando a subida dos autos ao Supremo Tribunal Militar ou a devolução dos autos ao juiz de instrução.

Acusação e defesa
A justiça militar só conhece-a acusação pública (artigo 376.º).
Embora seja verdade que poucas são as situações em que um civil possa ser vítima de um crime essencialmente militar, o que é facto é que não há qualquer hipótese de um particular ofendido ter intervenção no processo mediante a sua constituição como assistente. Assim, a vítima de crimes como de homicídio ou ofensas corporais culposas (artigo 207.º) - v.g. a vítima de um acidente de viação provocado por um militar, conduzindo veículo militar e ocasionado pelo desrespeito das normas de direito estradal (A qualificação desta situação fáctica como crime essencialmente militar foi julgada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão n.º 271/97 (Diário da República -I-Série-A, n.º 112, de 15 de Maio de 1997) - frequentemente um civil, vê-se desta forma totalmente arredado do processo penal impossibilitado de contrariar um despacho de não pronúncia ou uma decisão absolutória, para não referir a possibilidade de dedução de pedido de indemnização cível.
A promotoria de justiça junto de cada tribunal militar é composta por um promotor de justiça, oficial superior do ramo a que pertence o tribunal, preferencialmente licenciado em Direito e por um ou mais adjuntos do promotor. À promotoria estão atribuídas as funções de Ministério Público junto dos tribunais militares.
"Recebido o processo com a ordem para instaurar a acusação, o promotor de justiça, depois de identificar o réu, deduzirá nos autos, por artigos, o libelo [...]" (artigo 377.º). Deduzida a acusação, em conformidade com a ordem para a acusação, pelo promotor de justiça, o juiz auditor remete ao arguido uma nota de culpa, podendo este apresentar defesa por escrito na secretaria do tribunal ou na própria audiência de julgamento.

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Nesta fase, a promoção do processo sofre o controlo jurisdicional do tribunal militar através de um dos magistrados judiciais [Nas instâncias, o juiz auditor, no Supremo Tribunal Militar, um dos relatores. Cfr. Infra; Tratando-se de processo a correr em tribunal de instância, das decisões do auditor cabe recurso para o Supremo Tribunal Militar (artigo 425.º). Dadas as excepções estabelecidas por este artigo, o recurso acaba por ter âmbito muito reduzido)].

Julgamento
Concluída a fase anterior, é ao tribunal militar que compete, em exclusivo, o exercício da justiça.
São tribunais militares o Supremo Tribunal Militar (STM) e os tribunais militares de instância. Existe um Tribunal Militar de Marinha e o Exército tem oito Tribunais Militares Territoriais (três em Lisboa, dois no Porto e um em Coimbra, Tomar e Elvas). Os processos da Força Aérea são julgados pelo 3.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa.
Os tribunais militares de instância são colectivos: integram dois juízes militares, nomeados por escolha para um biénio e um juiz auditor, requisitado ao órgão judiciário competente para uma comissão de serviço de três anos. A competência para a nomeação e a requisição cabe ao chefe de estado-maior do ramo a que o tribunal pertença.
"Os tribunais militares de instância são constituídos, no que respeita aos juízes militares e para julgamento de acusados de posto superior ao de capitão ou primeiro-tenente, por dois oficiais superiores, dos quais o presidente terá o posto de coronel ou capitão-de-mar-e-guerra" (artigo 240.º, n.º 1) (Redacção do Decreto-Lei n.º 319-A/77, de 5 de Agosto. Para o julgamento de militares de posto superior a composição do tribunal é alterada. No Supremo Tribunal Militar nunca se altera).
"Junto de cada tribunal militar funcionarão uma promotoria de justiça, um ou mais defensores oficiosos e uma secretaria" (artigo 232.º, n.º 2).
Das decisões finais dos tribunais de instância cabe recurso para o Supremo Tribunal Militar, que julga de facto e de direito, com jurisdição em todo o território nacional. É composto por um presidente, dois vogais da Marinha, três do Exército e dois da Força Aérea (O presidente é um oficial general de quatro estrelas e os vogais militares vice-almirantes ou tenentes-generais) e dois vogais relatores, magistrados judiciais do quadro do Supremo Tribunal de Justiça ou das Relações.
Os critérios de repartição de competência entre o Supremo Tribunal Militar e os tribunais de instância são complexos. Os segundos são, dentro da ordem judicial dos tribunais militares, o tribunal comum, ressalvada a competência do Supremo Tribunal Militar para o julgamento em primeira instância, quando os arguidos sejam oficiais generais.
O Supremo Tribunal Militar julga de facto e de direito, com jurisdição em todo o território nacional e tem, para além da competência já referida, as competências normalmente atribuídas aos tribunais superiores.
Convém referir que as regras de processo são semelhantes para o julgamento em primeira instância, quer este corra perante o Supremo Tribunal Militar quer perante os tribunais militares de instância. Salienta-se, porém, que das decisões do Supremo Tribunal Militar, quando julga em primeira instância, nunca cabe recurso (Salvo recurso para o Tribunal Constitucional).
Os critérios de repartição de competência entre os tribunais de instância são complexos. Aos tribunais militares territoriais cabe o julgamento, por crimes essencialmente militares cometidos na área da sua jurisdição, do pessoal militar e civil do Exército - e, através do 3.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, do pessoal militar e civil da Força Aérea, bem como de crimes militares cometidos fora do território nacional a bordo de aeronaves - da GNR e de quaisquer civis não integrados nas Forças Armadas. O Tribunal Militar da Marinha tem competência semelhante em relação ao seu pessoal civil e militar. As regras de repartição de competência em caso de concurso encontram-se nos artigos 316.º e 317.º.

Movimento processual
Os processos nos tribunais militares são pouco numerosos: em 1998, o ano que se seguiu à revisão constitucional, tendo transitado de 1997 663 processos, deram entrada nos tribunais militares 351 processos e findaram 347, dos quais 259 pelo julgamento e os restantes por outras causas (Quadro I) [Fonte: Estatísticas da Justiça 1998, Estatísticas Oficiais - Portugal, ed. Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça; No mesmo período, os números de processos crime para o Círculo Judicial de Lisboa são: pendentes em 1 de Janeiro de 1998, 41 678; entrados, 39 943; findos, 36 209)]. Destes processos, 39 são relativos à GNR.
Estatisticamente, 89% do total dos processos são julgados pelos tribunais militares territoriais (cfr. Quadros I e V). Os tribunais militares territoriais julgam, em regra; os militares do Exército, que é o ramo mais numeroso, mas também os militares da Força Aérea, da GNR e os civis acusados da prática de crimes essencialmente militares.
Não é estranho a esse afluxo de processos o sistema de Serviço Militar Obrigatório, do qual o Exército depende ainda fortemente. Podemos verificar (Quadro III) que, em 1998, 87% dos arguidos têm menos de 30 anos (menos de 20 anos - 33%; de 20 a 29 anos - 55%), o que corresponde às idades em que os jovens prestam o Serviço Militar Obrigatório (SMO).
Os tipos de crime largamente dominantes são a deserção e os crimes contra a propriedade (furto, roubo, abuso de confiança e burla), pelos quais foram arguidos 169 e 45 arguidos, respectivamente. Do julgamento resultaram, respectivamente, 142 e 33 condenações. Os autores são, na sua maioria, praças a cumprir o Serviço Militar Obrigatório - 72% dos arguidos são da classe de praças.
De um total de 205 condenações foram aplicadas 151 penas de prisão militar (105 por deserção e 22 por furto) e 53 penas de presídio militar (36 por deserção e 11 por furto), havendo ainda uma referência a outras penas. A distinção entre presídio militar e prisão militar (artigos 24.º a 28.º) reside actualmente na duração: "a pena de prisão militar não será inferior a dois meses nem superior a um ano" (artigo 27.º); por força do artigo 1.º da Lei n.º 41/85, de 14 de Agosto, a pena de prisão maior, foi abolida, passando a pena de presídio militar a designar também as demais penas privativas de liberdade que não a prisão militar.
É notória a concentração de processos nos tribunais sediados em Lisboa - o Tribunal Militar de Marinha e os três Tribunais Militares Territoriais de Lisboa - representando 52% do total de processos (TMM - 11%; TMT Lisboa - 41%). Nestes tribunais são julgados os militares

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da Marinha e da Força Aérea e ainda os crimes cometidos fora do território continental (estrangeiro e zonas militares dos Açores e da Madeira).
Análise das propostas

a) A Lei de Bases da Justiça e da Disciplina Militar
Importa começar por salientar a distância que separa a proposta de lei acima referida do projecto de lei ora apresentado pelo PCP, seja nos aspectos formais, seja quanto ao conteúdo.
Há que recordar, desde logo, que a proposta apresentada é anterior à revisão constitucional de 1997, que, por um lado, substituiu o conceito de "crime essencialmente militar" pelo de "crime estritamente militar" e, por outro, extinguiu os tribunais militares em tempo de paz, concentrando a jurisdição penal nos tribunais judiciais. Esta profunda alteração constitucional veio reduzir significativamente a liberdade de conformação do legislador da justiça militar.
A alteração constitucional não se mede apenas pelo óbvio alcance da extinção dos tribunais militares em tempo de paz. Como alguns autores já notaram (Nomeadamente, António Araújo, cit., p. 568, onde pode ler-se o trecho transcrito a seguir), a passagem da expressão "crime essencialmente militar" para "crime estritamente militar" não tem significado meramente semântico: "[...] ela serve, não apenas para delimitar a competência dos tribunais militares em tempo de guerra (artigo 213.º), mas também a participação de juízes militares na administração da justiça (artigo 211.º, n.º 3) e a assessoria especial junto do Ministério Público (artigo 219.º, n.º 3)".
Quanto aos aspectos formais, o projecto de lei n.º 156/IX consta de 10 artigos, respeitando o 1.º e o 8.º à justiça e disciplina, o 2.º, 3.º, 9.º e 10.º exclusivamente à justiça e os demais exclusivamente à disciplina.

Bases da justiça militar
Em sede de análise na generalidade, pode afirmar-se que a parte geral de um Código de Justiça Militar deve ser meramente formal, uma vez que o código assuma como sua a Parte Geral do Código Penal (Nesse sentido se orienta o projecto de lei n.º 97/1X). Na realidade, a utilidade de uma parte geral na economia de um Código de Justiça Militar é introduzir especialidades ao direito penal comum, isto é, circunscrever as matérias que fundadamente ditam um afastamento das soluções legislativas constantes do Código Penal.
Significa isto que, atenta a redução do grau de especialização que a Constituição revista consente ao direito penal militar, as bases da justiça militar não podem ir para além de uma subordinação expressa ao direito penal comum, com a consagração de algumas especialidades que não desvirtuem o sentido dessa subordinação. Por outras palavras, a parte geral de um código de justiça militar aprovado à luz das normas constitucionais vigentes não se distingue das bases gerais da justiça militar, tornando inútil a aprovação destas em separado.
No que toca à análise na especialidade, o artigo 2.º delimita os bens jurídicos militares carecidos de tutela penal específica. São bens jurídicos militares os que derivam das missões que os artigos 273.º, n.º 2, e 275.º, n.º 5, assinalam às Forças Armadas. A letra do artigo reproduz a redacção dos preceitos constitucionais mencionados mas, por lapso ou omissão voluntária, não contém referência às missões referidas no n.º 6 do artigo 275.º - as chamadas missões militares de interesse público e as missões de cooperação técnico-militar.
O artigo 3.º prescreve que a preservação e salvaguarda dos "bens jurídicos militares fundamentais" é passível de tutela penal através do Direito Penal Militar (n.º 1), que faz parte do Direito Penal Comum (n.º 2). O seu n.º 3, na senda do previsto no projecto de lei n.º 97/1X, prevê a aplicação da Parte Geral do Código Penal aos crimes estritamente militares.
O projecto não só não identifica os bens jurídicos militares - criando, ainda, dentre estes, as subcategorias dos "bens jurídicos militares fundamentais" e dos "bens jurídicos estritamente militares" - como não define "crime estritamente militar". Este conceito é, como já ficou dito, basilar na arquitectura da revisão constitucional de 1997, pelo que a ausência simultânea da sua concretização legal e de uma definição material de bens jurídicos militares torna, no que a estas matérias diz respeito, uma lei de bases vazada nestes termos, incapaz de cumprir a sua função paramétrica da elaboração de um código penal militar.
Os n.os 4 e 5 do artigo 3.º e bem assim o artigo 9.º deste projecto de lei de bases repartem as matérias pelos respectivos diplomas de desenvolvimento normativo: "[o] Código de Justiça Militar regula a tutela penal por violação aos bens jurídicos militares" (n.º 4), "[a] Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais define a competência funcional e territorial dos tribunais em matéria penal militar" (n.º 5) e "[o] estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público é regulado por diploma próprio" (artigo 9.º). É esta, aliás, a repartição de matérias entre os projectos de lei n.º 96/IX, n.º 97/IX e n.º 98/IX.
O n.º 6 obriga à conformação aos ditames constitucionais - nomeadamente ao princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito - da inserção no Código de Justiça Militar da medida da pena de prisão, dos seus pressupostos e das circunstâncias da previsão e aplicação dos tipos criminais, tendo em consideração que a finalidade dos tipos penais é a protecção dos bens jurídicos estritamente militares e a reintegração social do indivíduo na vida militar.
Este n.º 6 traduz-se numa declaração formal de conformidade à constituição do conteúdo do Código de Justiça Militar. Isto porque é constitucionalmente inadmissível que o Código de Justiça Militar não respeite o princípio da proporcionalidade, seja nas matérias constantes do n.º 6 ou relativamente a quaisquer outras.
A referência à reintegração social na vida militar prende-se com o preceituado nos n.os 8 e 9. O n.º 8 - cuja fonte é o n.º 1 do artigo 6.º do projecto de lei n.º 97/IX - prevê a regulação da organização e funcionamento da Polícia Judiciária Militar e do cumprimento da pena de prisão imposta a militares em diploma próprio. O n.º 9 densifica esta última matéria, esclarecendo, à semelhança da exposição de motivos do projecto de lei n.º 97/IX, que o cumprimento da pena de prisão por militar é efectuado em estabelecimento prisional militar.
Só faz sentido que um indivíduo cumpra uma pena de prisão como militar, em estabelecimento prisional militar, sujeito à disciplina militar se, concomitantemente não lhe tiver sido aplicada a pena acessória de expulsão das Foças Armadas. O cumprimento da pena em estabelecimento prisional militar só pode ter como fundamento a manutenção

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do militar condenado em ambiente militar para facilitar a sua reintegração e não uma forma agravada de punição.
O n.º 7 do artigo 3.º faz regular o processo penal militar pelo Código de Processo Penal. Trata-se de solução constante do artigo 97.º do projecto de lei n.º 97/IX, o qual, no entanto, não se refere a processo penal militar e sim a processo por crimes estritamente militares. Cabe aqui perguntar se, sendo o processo por crimes estritamente militares regulado pelo Código de Processo Penal, pode falar-se com propriedade em "processo penal militar".
O último dos artigos exclusivamente dedicados à justiça militar - o 10.º - determina que "[o]s juízes militares têm de ter habilitação própria para julgar de Direito nos tribunais que, em tempo de paz, julguem crimes estritamente militares".
Justifica a exposição de motivos do projecto n.º 156/IX que "[f]ace à dificuldade de integração de todos estes princípios e valores em conjugação com princípios axiológicos dominantes ainda hoje na Instituição Militar, os juízes militares têm de estar devidamente preparados e qualificados para efectuarem os julgamentos, na parte de Direito, assegurando-se que a representação dos militares deverá ser efectuada por juízes que tenham formação jurídica adequada. Evitar-se-á, deste modo, a previsível secundarização do papel de tais juízes militares que, na prática, seriam relegados para segundo plano na discussão de toda a matéria e regras de Direito. Acresce que, no exercício da sua função, o juiz-militar tem o mesmo tratamento protocolar dispensado aos magistrados em geral e, não sendo jurado, tem por dever fundamentar o seu voto nas decisões a proferir, pelo que não pode deixar de possuir a necessária formação técnico-jurídica".
A questão é especiosa, desde logo porque não decorre nem da exposição de motivos nem do articulado se por formação jurídica adequada se deve entender a licenciatura em Direito ou ainda outra formação complementar.
Por outro lado, não resultam dos trabalhos preparatórios da revisão elementos bastantes para a dilucidar satisfatoriamente.
A introdução nos tribunais judiciais, de corpos estranhos à magistratura judicial, visa mitigar a extinção dos tribunais militares em tempo de paz, consagrando uma solução intermédia a uma "judicialização" pura do julgamento dos crimes estritamente militares.
Por outro lado, parece ter estado no pensamento do legislador da revisão constitucional integrar o juízo técnico-jurídico dos magistrados judiciais com o juízo técnico-profissional do juiz militar (Cfr., no mesmo sentido, Ordinamento Giudiziario Militare, a cura di Giuseppe Scandurra, ed. Procura Generale Militare della Repubblica, Roma, 1997). Consegue-se assim uma permeabilização do tribunal de julgamento àqueles valores próprios da Instituição Militar que, sendo acolhidos e valorados pela Constituição, são mais intensamente sentidos e compreendidos por um militar profissional. Podemos encontrar solução semelhante num lugar paralelo da Lei Fundamental: o artigo, 207.º, n.º 2, que institui os juízes sociais como forma de participação popular na administração da justiça.
Em suma, não se crê que a exigência de formação jurídica seja requisito necessário para o exercício de funções de juiz militar, podendo exigir-se como habilitação apenas a condição militar (A reforma da justiça militar italiana, aprovada pela Lei n.º 180, de 7 de Maio de 1981, criou tribunais militares integrados por magistrados militares e oficiais das Forças Armadas e da Guardia di Franzia, escolhidos por sorteio. A magistratura militar é integrada por juízes de carreira, civis, tendo no topo o Conselho da Magistratura Militar).

Bases da disciplina militar
O artigo 49.º caracteriza a disciplina militar como "[...] elemento essencial da organização, funcionamento e operacionalidade da estrutura das Forças Armadas, bem como a salvaguarda dos valores militares que as enformam". Contudo, não define o que deva entender-se por "disciplina militar" ou por "infracção disciplinar". Pode dizer-se que as definições não cabem ao legislador e sim ao intérprete, mas, insiste-se, uma lei de bases constitui-se como parâmetro de validade dos diplomas que a desenvolverão, pelo que deve assegurar uma densificação mínima de certos conceitos básicos, sob pena de o legislador das bases gerais "passar um cheque em branco" ao legislador que as vai desenvolver.
O artigo 5.º caracteriza genericamente o direito disciplinar militar, abarcando a definição do seu objecto e âmbito material de aplicação (n.º 1), a subordinação da tutela disciplinar ao princípio da legalidade (n.º 2), o conteúdo normativo do RDM (n.º 3) e o âmbito pessoal de aplicação.
O artigo 6.º versa as sanções disciplinares e apresenta-se como inovador face ao RDM em vigor, seja pelo elenco das sanções disciplinares que propõem, seja pelos princípios a que sujeita a respectiva aplicação.
O n.° 1 do artigo 34.º do actual Regulamento de Disciplina Militar prevê as seguintes "penas disciplinares" aplicáveis a oficiais e sargentos:

1.ª Repreensão;
2.ª Repreensão agravada;
3.ª Detenção ou proibição de saída;
4.ª Prisão disciplinar;
5.ª Prisão disciplinar agravada;
6.ª Inactividade;
7.ª Reserva compulsiva;
8.ª Reforma compulsiva;
9.ª Separação de serviço.

O artigo 35.º do Regulamento de Disciplina Militar prevê as sanções aplicáveis a cabos - da 1.ª à 5.ª da lista anterior - e a outras praças - igualmente da 1.ª à 5.ª, mas incluindo as faxinas entre a 2.ª e a 3.ª.
Segundo o n.º 2 do artigo 6.º do projecto, "[a]s sanções disciplinares são, por ordem crescente de gravidade:

a) Repreensão;
b) Repreensão agravada;
c) Multa;
d) Privação de saída".

Inovadoras são, desde logo, a previsão de urna única pena privativa de liberdade, a eliminação de penas expulsivas e á introdução da pena de multa, à semelhança do que já se verifica para a GNR. Da mesma forma, o projecto consagra - tal como o fazia o n.º 7 do artigo 34.º da proposta de lei n.º 88/VI - o carácter suspensivo de recurso hierárquico interposto de decisão condenatória, em tempo de paz e no território nacional.

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Outra inovação importante, em sede de processo disciplinar, é a que consta do n.º 3 do artigo 8.º que confere competência para instaurar processo disciplinar a todos os superiores da cadeia hierárquica do militar. O Regulamento de Disciplina Militar em vigor consagra o sistema da competência própria, por postos, isto é, a competência para punir é limitada em função do posto, só sendo plena nos postos mais elevados da hierarquia (artigo 37.º, n.º 1).
O n.º 3 do artigo 7.° do projecto suscita desde logo a seguinte dúvida: trata-se de um sistema de competência comum em que tanto superiores como subordinados podem instaurar o processo e quem o fizer primeiro previne a jurisdição, impedindo que qualquer outro elo da cadeia de comando o faça ou, pelo contrário, admite que um superior possa avocar um processo instaurado por subordinado?
Finalmente, o artigo 8.º consagra a separação entre procedimento criminal e disciplinar, o que é consequência, apesar de o projecto não se lhe referir expressamente, de uma opção pela diferente natureza dos ilícitos penal e disciplinar. Com efeito, se o ilícito penal representar um maior desvalor do mesmo facto configurado como ilícito disciplinar, é lógico e natural que a abertura de procedimento criminal precluda a abertura de procedimento disciplinar com origem nos mesmos factos ou suspenda procedimento eventualmente existente.
Deve notar-se que esta separação entre justiça e disciplina - que não se verificava na proposta de lei n.º 88/VI - funciona como argumento para contrariar a apresentação de uma lei de bases da justiça e disciplina militares. No mesmo sentido parece ir a Constituição na redacção posterior à quarta revisão: não só o novel conceito de crime estritamente militar parece impor uma "horizontalização" do direito penal comum, como também é certo que a Lei Fundamental se refere apenas às bases da disciplina.

b) O Código de Justiça Militar (projecto de lei n.º 97/IX)
O projecto mantém a designação tradicional, o que se justifica por integrar normas substantivas e adjectivas sem, contudo, pretender esgotar a regulação de todas as matérias relativas à justiça militar.
"O novo Código ordena-se ao imperativo constitucional de horizontalização da justiça penal, ou seja, da inclusão possível do direito penal militar no direito penal comum. Perante o CP e o CPP - em regra aplicáveis - o Código de Justiça Militar tem carácter de excepção. Ali onde se não convoca a Parte Geral do Código Penal ou o CPP é porque existe uma justificação constitucional". Este trecho da exposição de motivos do projecto de Código de Justiça Militar (PCJM) indica que o espírito subjacente à nova ordenação destas matérias é inteiramente diverso do anterior.
A nova sistematização compreende dois livros (Dos crimes e Do processo). O Livro I está dividido em dois títulos, tendo o Título I (Parte Geral) os seguintes quatro capítulos: Capítulo I (Princípios gerais), Capítulo II (Conceitos), Capítulo III (Das formas do crime e das causas de exclusão da responsabilidade criminal) e Capítulo IV (Das penas), com três secções (Pena principal, Penas de substituição, penas acessórias e efeitos das penas e Medida da Pena).
O Título II (Parte especial) está dividido nos seguintes oito capítulos: Capítulo I (Traição e violação de segredo), com três secções (Traição, Violação de Segredo e Infidelidade no serviço militar); Capítulo II - Crimes contra os direitos das pessoas, com cinco secções (Crimes contra a humanidade, Crimes em aboletamento, Crimes contra feridos e prisioneiros de guerra, Crimes contra pessoal do serviço de saúde e ministros de culto e Outros crimes); Capítulo III (Crimes contra a missão das Forças Armadas); Capítulo IV (Crimes conta a segurança das Forças Armadas); Capítulo V (Crimes contra a capacidade militar e a defesa nacional); com quatro secções (Deserção, Incumprimento de obrigações militares, Dano de material de guerra, Extravio, furto e roubo de material de guerra); Capítulo VI (Crimes contra a autoridade), com duas secções (Insubordinação e Abuso de autoridade); Capítulo VII (Crimes contra o dever militar) e Capítulo VIII (Crimes contra o dever marítimo).
O Livro II (Do processo) abrange os seguintes seis capítulos: Capítulo I (Disposição preliminar), Capítulo II (Dos tribunais), Capítulo III (Da Policia Judiciária Militar), Capítulo IV (Dos actos processuais e das medidas de coacção), Capítulo V (Do procedimento) e Capítulo VI (Da justiça militar em tempo de guerra), com duas secções (Organização judiciária militar em tempo de guerra e do processo nos tribunais militares).
Sob a epígrafe "Aplicação subsidiária", o artigo 2.º do Projecto de Código de Justiça Militar subordina o direito penal militar à lei penal comum. Daqui que decorre que a Parte Geral do Código Penal é igualmente a verdadeira parte geral do Código de Justiça Militar, mas também que os tipos do Código de Justiça Militar não pretendem excluir a aplicação da Parte Especial do Código Penal, o que resvalaria para uma perpetuação do foro pessoal.
Simplesmente, entende-se que não é correcto falar-se em aplicação subsidiária até porque, como refere a exposição de motivos, "[...] a Parte Geral do Código Penal é, a título principal e não subsidiário, a Parte Geral do Código de Justiça Militar".
Merece relevo o conceito de crime estritamente militar, que decorre não só da definição constante do artigo 1.º mas também da Parte Especial do Projecto de Código de Justiça Militar. Optou-se por consagrar a tese segundo a qual são crimes estritamente militares os que não têm qualquer correspondência com os crimes comuns - crimes exclusivamente militares - mas também aqueles crimes que lesam directamente interesses da comunidade que a Constituição e a lei cometem às Forças Armadas - crimes objectivamente militares.
O projecto de Código de Justiça Militar vem ainda solucionar, na senda do preconizado pelo Tribunal Constitucional, vários diferendos jurisprudenciais nascidos da aplicação do Código de Justiça Militar de 1977. Expressamente ou por remissão para a Parte Geral do Código Penal recebem consagração a suspensão da pena de prisão - que o Supremo Tribunal Militar admitia em abstracto, recusando a sua aplicação em casos concretos por entender nunca estarem verificados os respectivos pressupostos - e a aplicação do regime especial para jovens adultos (Cfr. Ac. TC n.º 118/99 e n.º 287/99); de igual modo é recusada a aplicação automática da pena de demissão como efeito da condenação em certas penas [(Cfr. Ac. TC n.º 94/86 (DR-II, n.º 137, de 18 de Junho de 1986), n.º 16/84 (DR-II, n.º 110, de 12 de Maio de 1984), n.º 127/84 (DR-II, n.º 59, de 12 de Março de 1985), n.º 310/85 (DR-II, n.º 84, de 14 de Abril de 1986), n.º 75/86 (DR-II, n.º 133, de 12 de Junho

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de 1986), n.º 94/86 (DR-II, n.º 137, de 18 de Junho de 1986) e n.º 165/86 (DR-I, n.º 126, de 3 de Junho de 1986)] ou por certos tipos de crime.
Merecem ainda nota a consagração expressa do limite máximo de 25 anos para a pena de prisão, o abandono do sistema de penas por escalões, a introdução da pena de multa como pena de substituição da pena de prisão, nos precisos termos da lei penal comum, a previsão de uma pena acessória única - a expulsão das Forças Armadas - e a adição de mais um fundamento de liberdade condicional aos já previstos no Código Penal.
Da Parte Especial do projecto de Código de Justiça Militar resulta um notório afastamento em relação à lei penal militar vigente. Muitos tipos perderam a qualificação de estritamente militar, sendo agora exclusivamente regulados pelo Código Penal. É o caso, entre outros, da aliciação (artigo 65.º), da violência entre militares (artigos 157.º a 159.º), os crimes de falsificação (artigos 186.º a 190.º), da corrupção passiva para a prática de acto lícito, peculato e peculato de uso (artigos 192.º ss.), do abuso de confiança (artigo 203.º), da burla (artigo 204.º) e do homicídio e ofensas corporais culposos (artigo 207.º).
Quanto a outros tipos, "[...] sublinha-se, em síntese, a remoção de vestígios de 'foro pessoal' que entranhavam a definição de alguns crimes [...]", como é o caso dos seguintes artigos do projecto de Código de Justiça Militar: espionagem militar (artigo 27.º), crimes de guerra contra civis (artigo 32.º), violação em tempo de guerra (artigo 33.º), dano de material de guerra (artigos 69.º a 71.º), extravio, furto e roubo de material de guerra (artigos 72.º a 74.º), homicídio de superior (artigo 75.º) e homicídio de subordinado (artigo 82.º). Muitos destes tipos são apenas especializações de tipos homólogos do Código Penal, qualificados por uma relevante intensidade das circunstâncias de guerra ou de necessidade de protecção de certos bens militares constitucionalmente valorados, reclamado uma tutela penal mais intensa.
De igual forma, o projecto de Código de Justiça Militar acusa, também em matéria de definição de molduras penais, recepção dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da confiança, tais como interpretados pelo Tribunal Constitucional:
O Projecto de Código de Justiça Militar exclui a GNR, em tempo de paz, da aplicação de certos tipos fundamentais - abandono de posto (artigo 54.º, n.º 2), não cumprimento dos deveres de serviço (artigo 55.º, n.os 2 e 4), deserção (artigo 61.º, n.º 1) e insubordinação por desobediência (artigo 77.º, n.º 2) [No Projecto de Código de Justiça Militar a expressão "militar" designa os militares das Forças Armadas e da GNR, reservando a expressão "aquele que integrado nas Forças Armadas" apenas para os primeiros]. Cabe averiguar se tal exclusão, comportando um inevitável afastamento do estatuto penal traçado para os militares das Forças Armadas, é ou não possível.
A GNR é, nos termos do artigo 1.º da sua Lei Orgânica (LOGNR) (Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho), "[...] uma força de segurança constituída por militares organizados num corpo especial de militares tropas", que tem, por missão geral "[...] colaborar na execução da política de defesa nacional" [artigo 2.º, alínea i)]. A Guarda não poderá intervir em assuntos de natureza exclusivamente civil, limitando-se a sua acção, ainda que requisitada, à manutenção da ordem e tranquilidade públicas" (artigo 8.º).
"Em caso de guerra ou em situação de crise, as forças da Guarda podem, nos termos da lei, ser colocadas na dependência operacional do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, através do seu comandante-geral" (artigo 9.º).
A todo o tempo "[a] Guarda colabora com as Forças Armadas em missões que por estas lhe sejam solicitadas, recebendo das mesmas a cooperação necessária, para a qual podem ser estabelecidos, quando conveniente, protocolos que a regulem. A cooperação referida [...] traduz-se, designadamente, na cedência de pessoal e na frequência de institutos, escolas ou unidades dos ramos das Forças Armadas para a formação dos quadros da Guarda ou de cursos de especialização" (artigo 19.º).
Os artigos 32.º e 69.º, n.º 1, da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA) determinam a aplicação do Código de Justiça Militar à GNR, sem distinguir entre tempo de paz e estado de guerra. O Estatuto dos Militares da GNR (EMGNR) (Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho. O Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR) é aplicável subsidiariamente) dispõe que "[a]o militar da Guarda [é] aplicáve[l] o Código de Justiça Militar [...] com os ajustamentos adequados às características estruturais deste corpo militar [...]. As referências feitas no Código de Justiça Militar às Forças Armadas e ao Exército consideram-se, para efeitos do mesmo Código, como abrangendo a GNR" (artigo 5.º).
Para mais, os militares da GNR possuem a condição militar, isto é, são titulares do complexo de deveres e direitos que define o que é ser militar. A Lei n.º 11/89, de 1 de Junho (Bases gerais do estatuto da condição militar), aplicável aos militares da GNR por força do seu artigo 16.º, caracteriza, no seu artigo 2.º, a condição militar:

"Pela permanente disponibilidade para lutar em defesa da Pátria, se necessário com o sacrifício da própria vida" [alínea b)];
"Pela permanente disponibilidade para o serviço, ainda que com sacrifício dos interesses pessoais" [alínea f)];
"Pela restrição, constitucionalmente prevista, do exercício de alguns direitos e liberdades" [alínea g)];
"Pela consagração de especiais direitos, compensações e regalias, designadamente nos campos da Segurança Social, assistência, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e formação" [alínea i)].

Portanto, militares da GNR e das Forças Armadas estão sujeitos aos mesmos deveres. O exercício de alguns dos seus direitos fundamentais sofre as restrições previstas na Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, (O artigo 69.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, estendia a aplicação da seu artigo 31.º, que continha as restrições de direitos, à GNR e à PSP. A referência à PSP foi eliminada pela Lei n.º 41/83, de 21 de Dezembro. Actualmente, as restrições de direitos dos militares das Forças Armadas e da GNR são reguladas pelas Leis Orgânicas n.º 3/2001, de 29 de Agosto, e n.º 4/2001, de 30 de Agosto), sendo o fundamento dessas restrições a efectividade da prestação de serviço militar. A especial onerosidade desses deveres e restrições tem como contrapartida especiais direitos, que assistem a todos os militares.
Acresce ainda que os oficiais da Guarda são formados na Academia Militar, sendo a sua formação comum à dos oficiais do Exército - possuem a licenciatura em ciências

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militares, na especialidade de Guarda Nacional Republicana. A formação comum é reclamada pela especial responsabilidade que cabe aos militares pelo uso da força. Um militar lida, por natureza, com equipamento de alto poder destrutivo, destinado a neutralizar forças adversárias em combate.
A GNR é, portanto, uma força de segurança constituída por militares organizados em corpo especial de tropas, que pode ser chamada, a todo o tempo, a colaborar em missões das Forças Armadas e que, em tempo de guerra ou situação de crise, pode ser colocada sob o comando operacional do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, constituindo, assim, "o quarto ramo das Forças Armadas". A par da sua missão de segurança, que não pode abranger assuntos de natureza exclusivamente civil, a GNR desempenha missões militares sendo, para isso, composta por militares e estruturada como corpo especial de tropas.
Ora, se os militares das Forças Armadas e da GNR têm os mesmos direitos e deveres, se as restrições aos seus direitos fundamentais têm o mesmo fundamento e se ambos desempenham ou podem desempenhar missões militares, será que o seu estatuto penal pode ser diferente?
É seguro afirmar que o estatuto penal dos militares das Forças Armadas e da GNR deve ser idêntico. Por outras palavras, a ilicitude de condutas semelhantes deve ser identicamente valorada - não acantonando umas no âmbito penal e outras no plano disciplinar - salvo onde, pontualmente, existam razões para desvalorar diferentemente.
A identidade material de estatuto não é alcançada quando os militares da GNR ficam subtraídos, salvo em tempo de guerra, à aplicação de alguns dos tipos fundamentais e estruturantes do Projecto de Código de Justiça Militar: tipos penais que tutelam bens jurídicos militares como a hierarquia (insubordinação por desobediência), a segurança das Forças Armadas (abandono de posto e não cumprimento dos deveres de serviço) e a capacidade militar e a defesa militar nacionais (deserção).
Acresce ainda que, se o estado de guerra é excepcional em relação ao tempo de paz, viola a Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas a aplicação, apenas em casos excepcionais, de um estatuto que deveria ser permanente, ou seja; para todo o tempo. Os pressupostos da equiparação penal verificam-se, quer em tempo de guerra quer em tempo de paz. A ser erigida em regra esta solução, redundaria numa diminuição da tutela do incumprimento de deveres que constituem o núcleo da condição militar e que são necessárias decorrências do princípio do comando.
A GNR, para o desempenho das suas missões, está autorizada a utilizar armamento pesado. O seu uso indevido é merecedor de sanção penal específica, pela maior danosidade social que acarreta. Compreende-se que seja maior a ilicitude objectiva do facto de quem, tendo acesso privilegiado a equipamento com poder letal devastador, o distraia para fins ilícitos.
Por outro lado, alicerçar a distinção do estatuto penal na diferente natureza das missões das Forças Armadas e de uma força de segurança como é a GNR é argumento que, tomado isoladamente, não colhe. A missão de segurança da GNR é exercida por uma força de características militares e os seus elementos têm a condição militar. Esse modo particular de exercício da missão de segurança, semelhante ao modo pelo qual as Forças Armadas exercem as respectivas missões, reclama uma tutela penal idêntica. A exigência de tutela penal não prejudica a missão de segurança, mas a sua ausência afecta, em muito, as especiais características que o legislador quis ligar ao exercício dessa missão.
Em resumo, não pode o Código de Justiça Militar vir redefinir a missão da GNR, as suas características enquanto corpo especial de tropas ou a condição militar dos seus elementos. Tais matérias constam de sede legal própria, que o Código de Justiça Militar toma como uma referência que não pode alterar, para valorar o ilícito que resulta da sua violação. Ao fazê-lo, deve respeitar o princípio da proporcionalidade, na sua vertente de proibição do arbítrio e tratar igualmente o que é igual.

c) A alterarão à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Projecto de lei n.º 96/IX)
A quarta revisão constitucional extinguiu os tribunais militares mas manteve juízes militares. António Araújo sistematizou, nos seguintes termos, as principais questões que se colocam sobre a matéria:
"a) A participação dos juízes militares faz-se apenas no julgamento dos processos em que estejam em causa crimes de natureza estritamente militares (como parece ser lógico) ou é uma "participação permanente", em todos os processos? A Constituição não nos esclarece, mas parece apontar para a segunda hipótese, visto que se refere à composição dos tribunais e não ao julgamento de crimes. Julgamos, no entanto, que o que a Constituição pretende significar é tão-só o seguinte: nos processos em que sejam julgados crimes de natureza estritamente militar devem participar um ou dois juízes militares;
b) Prevê-se a existência, em cada tribunal criminal, de um ou dois juízes militares "de reserva", para o caso de terem de ser julgados crimes de natureza estritamente militar ou prevê-se a formação de "juízes militares itinerantes", que circulem pelos diversos tribunais de acordo com as necessidades?
c) A participação de juízes militares levará à criação de tribunais especiais ou, pelo contrário, apenas de processos especiais? Julgamos que a Constituição aponta claramente neste último sentido [...] os únicos tribunais com competência especializada são os tribunais militares (artigo 209.º, n.º 4) e estes só podem existir durante a vigência do estado de guerra" (Op. Cit., p. 569).

Expostas as questões mais relevantes, cabe agora averiguar as opções constantes do projecto de lei n.º 96/IX e n.º 98/IX.
Cometida a jurisdição em matéria penal militar aos tribunais militares, o projecto n.º 96/IX reparte a competência jurisdicional pelas Varas Criminais da Comarca de Lisboa, pela Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa e pelas Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça.
A opção de concentrar os julgamentos por crimes estritamente militares em tribunais sediados em Lisboa parece não levantar problemas de maior. Recorde-se que pelos tribunais militares de Lisboa - o Tribunal Militar de Marinha e os três Tribunais Militares Territoriais - passam já 52% do movimento processual dos tribunais militares.

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Recorde-se ainda que o julgamento de militares da Marinha, da Força Aérea e bem assim dos crimes cometidos nas zonas militares dos Açores e da Madeira ou fora do território nacional decorrem sempre em Lisboa.
A concentração dificultaria sobretudo o julgamento de crimes estritamente militares relacionados com o Exército e a GNR, dadas a sua dispersão territorial, para além de poder provocar um estrangulamento, com o consequente atraso de processos.
Esta hipótese, posto que não negligenciável, não parece de temer. Em primeiro lugar, os processos, já de si pouco numerosos, vão sofrer uma diminuição acentuada por força do desaparecimento de muitos tipos penais anteriormente qualificados como estritamente militares. A redução far-se-á sentir sobretudo para o Exército, já que os crimes que afectam a GNR têm expressão muito reduzida.
Em segundo lugar, o crime com maior expressão é a deserção, praticado sobretudo e no que ao Exército diz respeito por praças oriundas do serviço militar obrigatório. O fim do serviço militar obrigatório e a consequente profissionalização das Forças Armadas, a par do alargamento do prazo de ausência ilegítima para que se considere haver deserção, reduzirão consideravelmente o número de processos crime por deserção.
Por outro lado, também no segundo grupo de crimes com maior expressão - os chamados crimes contra a propriedade, ou seja, furto, roubo, abuso de confiança e burla - haverá uma redução acentuada de processos por crimes estritamente militares. O abuso de confiança e a burla passam para o domínio exclusivo da lei penal comum, tal como o furto e o roubo praticados entre militares. Na senda da jurisprudência do Tribunal Constitucional, o Código de Justiça Militar apenas admite como estritamente militares o furto ou roubo de equipamento e material de guerra e já não, como o faz o Código de Justiça Militar de 1977, o simples furto entre militares [O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 217/2001 (DR I-A, n.º 142, de 21 de Junho de 2001) declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a qualificação como essencialmente militar do crime de furto de bens pertencentes a militares praticado por outros militares].
Finalmente, os meios telemáticos colocados ao serviço da justiça podiam e devem ser usados para atenuar os inconvenientes da concentração dos julgamentos em Lisboa.
Também no que respeita à instrução dos processos as dificuldades advenientes não parecem ser de monta, desde logo porque, no novo regime a instrução passa a ser facultativa. De resto, nos termos do n.º 2 do artigo 102.º do projecto do Código de Justiça Militar, "[e]m caso de urgência, para efeitos do primeiro interrogatório judicial de arguido detido ou aplicação de medidas de coacção, quando não seja possível recorrer atempadamente ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, é competente o tribunal de instrução criminal da comarca onde ocorrer a detenção".

d) O estatuto dos juízes militares (Projecto de lei n.º 98/IX)
Refere a exposição de motivos do projecto que "o estatuto dos juízes militares é, tanto quanto possível, decalcado do estatuto dos magistrados judiciais, o que corresponde à satisfação de uma exigência constitucional reconhecendo, no entanto, que da Constituição não decorre uma equiparação absoluta dos juízes militares aos magistrados judiciais, o projecto procura uma solução de equilíbrio, sujeitando os primeiros ao estatuto dos segundos apenas para o que respeite ao exercício de funções judiciais.
Assim, uma vez nomeado pelo Conselho Superior de Magistratura, ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior - de entre militares na situação de activo e na efectividade de serviço - o juiz militar exerce funções em comissão normal de serviço. "Reconhece-se o carácter dual - a um termo jurisdicional e militar - desta nova figura de juiz e garantem-se as normais condições de progressão na carreira dos militares nomeados".
Contudo, o regime desenhado no projecto surge ainda, em certos aspectos, como tributário do sistema de justiça militar ainda vigente, pensado para a administração da justiça penal como missão militar, que encara os juízes militares como "militares em missão". Esta particularidade resulta directamente do conceito de "justiça militar" que mescla, ao fim último da realização da justiça, a repressão imediata do ilícito penal que atinja a coesão, a hierarquia, a segurança e a disciplina das Forças Armadas, conaturais ao cabal cumprimento da sua missão.
Se administrar a justiça penal militar é ainda executar uma missão militar - entenda-se, sem prejuízo da qualificação dos tribunais militares corno verdadeiros e próprios, órgãos de soberania que administram a justiça em nome do povo - compreende-se que o cargo de juiz militar seja confiado a militares no activo.
Outro tanto não se poderá entender quando a justiça militar fica confiada aos tribunais judiciais, devendo ser entendida como actividade judicial pura. A absoluta independência que se pede a um magistrado judicial não pode, no que tange aos juízes militares, ficar diminuída. Os juízes militares participam, colegialmente, na formação da vontade manifestada pelo tribunal, pelo que, tal como os magistrados judiciais ao lado dos quais se sentam, devem oferecer garantias de uma absoluta independência.
Essa independência não será possível se os juízes militares, após cessarem a sua comissão de serviço, regressarem ao ramo de origem para retomar a sua carreira militar. Não pode admitir-se que o exercício das suas funções judiciais seja condicionado pela expectativa de qualquer juízo posterior sobre a sua actuação, que afecte, positiva ou negativamente, a sua progressão na carreira.
As funções de juiz militar devem, em consequência, ser exercidas exclusivamente por oficiais dos quadros permanentes na situação de reserva, solução que, aliás, é admitida pelo Código de Justiça Militar vigente (Artigo 236.º, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 319-A/77, de 5 de Agosto, e artigo 273.º, n.º 1).

Conclusões

Do exposto se conclui que:
1.º A revisão constitucional de 1997 veio extinguir os tribunais militares em tempo de paz e cometer o julgamento dos crimes estritamente militares aos tribunais judiciais;
2.º O XIV Governo apresentou à Assembleia da República o designado "pacote da justiça militar"

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(propostas de lei n.º 81/VIII, n.º 85/VIII e n.º 86/VIII), que caducou com a demissão do Governo e a dissolução da Assembleia da República, não tendo chegado a existir debate na generalidade;
3.º O Partido Socialista retomou o referido pacote legislativo, apresentando à Assembleia da República [projectos de lei n.º 96/IX, que "altera e republica a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais)", n.º 97/IX, que "aprova um novo código de justiça militar e revoga a legislação existente sobre a matéria" e n.º 98/IX, que "aprova o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público"];
4.º Por outra banda, o Partido Comunista Português apresentou o projecto de lei n.º 156/IX (Aprova as bases gerais da justiça e disciplina militares);
5.º Importa solucionar, na generalidade, a questão prévia da admissibilidade de bases da justiça militar; na especialidade, cabe avaliar da sua necessidade, dada a coincidência da quase totalidade dessas bases com soluções consagradas no pacote da justiça militar;
6.º Na generalidade, o pacote da justiça militar é merecedor de lago consenso, com ressalva para o estatuto penal dos militares da GNR e o exercício de funções de juiz militar por militares no activo. Porém, estamos perante opções políticas que deverão ser discutidas em sede própria.

Parecer

A Comissão de Defesa Nacional é do seguinte parecer:

a) Para efeitos de dar cumprimento ao consignado no artigo 150.º do Regimento da Assembleia da República, deverá ser promovida a consulta às seguintes entidades:

i) Conselho Superior da Magistratura;
ii) Supremo Tribunal Militar;
iii) Procurador-Geral da República;
iv) Chefes de Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea;
v) Comando da Guarda Nacional Republicana;
vi) Ordem dos Advogados;
vii) Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), Associação Nacional de Contratados do Exército (ANCE), Associação Nacional de Sargentos (ANS), Associação dos Profissionais da Guarda (APG) e Associação de Praças e Associação dos Militares na Reserva e na Reforma (ASMIR);

b) O relatório e parecer da Comissão de Defesa Nacional deverá ser enviado para o Conselho Superior de Defesa Nacional;
c) Os projectos de lei preenchem os requisitos constitucionais e regimentais aplicáveis, pelo que estão em condições de subir a Plenário e ser apreciados na generalidade, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

Quadro I: Processos em julgamento nos tribunais militares de instância em 1998

Processos Pendentes Entrados Findos
Tribunais (9) (em 1/1/98) Total Apensos Remetidos Julgados Outros
TM Marinha 81 37 58 - - 33 -
TMT (a) 582 314 314 58 23 226 7
Coimbra 31 33 33 8 - 24 1
Elvas 54 39 34 5 1 28 -
3 TMT de Lisboa 326 144 156 17 12 123 4
2 TMT do Porto 140 64 53 16 5 32 -
Tomar 31 34 38 12 5 19 2
Total 663 351 347 58 23 259 7

(a) Os TMT julgam os militares do Exército, da Força Aérea (3.° TMT de Lisboa), da GNR e os civis.

Quadro II: Arguidos julgados, por decisão final e tipo de crime em 1998

Não condenados
Crimes Arguidos Cond. Total Absolvição Amnistia Inimp. Prescrição Outros
Insubordinação 12 12 - - - - - -
Abuso de autoridade 15 5 10 10 - - - -
Crimes contra a honra 10 4 6 6 - - - -
Deserção 169 142 27 14 1 9 2 1
Violências entre milita. 2 - 2 2 - - - -
Falsidade 5 2 3 3 - - -

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Infidelidade 13 6 7 6 - - - 1
Furto/roubo/burla 45 33 12 10 - 1 - 1
Outros 1 1 - - - - -
Total 272 205 67 51 1 10 2 3

Quadro III: Condenados (por grupos etários) em 1998
- Menos de 20 anos: 32%
- De 20 a 29 anos: 55%
- De 30 a 39 anos: 10%
- 40 ou mais anos: 3%

Quadro IV: Arguidos condenados, por penas

Crimes Condenados
Total Prisão militar Presídio militar Outras penas
Insubordinação 12 10 2 -
Abuso de autoridade 5 4 1 -
Crimes contra a honra 4 4 - -
Deserção 142 105 36 1
Falsidade 2 2 - -
Infidelidade 6 4 2 -
Furto/roubo/burla 33 22 11 -
Outros 1 - 1 -
Total 205 151 53 1

Quadro V: Distribuição (%) em 1998

Tribunais Processos entrados %
TM Marinha 37 11%
TMT 314 89%
Coimbra 33 9%
Elvas 39 11%
Lisboa 144 41%
Porto 64 18%
Tomar 34 10%
Total 351 100%

Quadro VI: Movimento processual no Supremo Tribunal Militar em 1998

Processos Findos
Espécies Pendentes (em 1 Jan 98) Entrados
Total Providos Não Providos Outros
Recursos 3 31 25 8 12 5
Discordância e conflitos de competência 2 21 23 1 - 22
Outros - 2 - 1 1 -
Total 5 54 50 10 13 27

Assembleia da República, 19 de Dezembro de 2002. - Os Deputados Relatores, Rui Gomes da Silva - Henrique Chaves - O Presidente da Comissão, Correia de Jesus.

Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

PROJECTO DE LEI N.º 224/IX
ASSEGURA A COMPETÊNCIA PLENA DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES FACE À JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (ALTERA O CÓDIGO PENAL PORTUGUÊS EM MATÉRIA DO CRIME DE GENOCÍDIO, DOS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE E DOS CRIMES DE GUERRA)

Exposição de motivos

O pressuposto do primado da pessoa humana, em que assenta o ideário e a própria razão de ser do Partido Social Democrata, impõe-lhe, como princípio axiomático, pugnar pela permanente punição dos agentes das infracções que integram o direito penal internacional, em especial nos casos que mais gravemente ofendem os valores fundamentais da vida e da dignidade humanas.
Neste contexto, o PSD saudou a criação, na denominada Conferência de Roma que a Assembleia Geral das Nações Unidas oportunamente convocou, do Tribunal Penal Internacional, enquanto instituição judicial internacional, de carácter permanente, competente para julgar os crimes de guerra, contra a paz ou a humanidade, por tal

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constituir uma exigência basilar da civilização, e apoiou vivamente a adesão de Portugal a esta nova instituição.
Importa advertir que, para além dos crimes referidos, o Tribunal Penal Internacional deverá ainda exercer jurisdição relativamente ao crime de agressão, sendo que, por o seu Estatuto ainda não delimitar o seu âmbito conceptual, entende-se não dever ser o mesmo desde já sujeito à disciplina ora preconizada, sem prejuízo de, naturalmente, a partir do momento em que venha a ser também tipificado na ordem internacional, se dever proceder à sua inclusão no direito interno.
Não sendo esta sede pertinente para enunciar os fundamentos políticos e históricos que assistem à criação do Tribunal Penal Internacional, importa, contudo, realçar que as condutas tipificadas como crimes no seu Estatuto não se encontram, elas próprias, em oposição aos ideais que enformam o sistema jurídico português, em especial o nosso Código Penal, antes representam uma sua possível concretização.
Com efeito, enquanto a generalidade dos conceitos jurídico-penais presentes no Estatuto do Tribunal Penal Internacional são objecto de exaustiva delimitação normativa, o Código Penal português, até porventura devido à consabida tradição jurídica do legislador interno, enuncia tipologia semelhante mas densificando-a a partir de elementos conceptuais mais genéricos.
Daí que, reconhecendo-se que alguns aspectos do Estatuto do Tribunal Penal Internacional resultam de sistemas e culturas jurídicos diferentes no nosso, se opte no presente diploma por não os transpor mecanicamente, evitando-se, desse modo, desconexões e dificuldades de interpretação que sempre importará prevenir.
Considerando, porém, que as soluções adoptadas no Estatuto do Tribunal Penal Internacional para os crimes de genocídio, de guerra e contra a humanidade apresentam dessemelhanças em relação às concretamente acolhidas no nosso direito interno, aconselha-se a introdução das pertinentes alterações ao nosso Código Penal, em ordem a garantir a inexistência de incompetência dos tribunais portugueses em razão da matéria.
Deste modo, visa-se garantir que todos os cidadãos, nacionais ou encontrados em Portugal, que venham a ser acusados de algum destes crimes poderão e serão julgados por tribunais portugueses.
Em todo o caso, e sem prejuízo de a Constituição da República Portuguesa expressamente estatuir não poder haver penas restritivas da liberdade com carácter perpétuo, assume transcendente alcance político reiterar formalmente o princípio humanista de que Portugal é contrário à aplicação da pena de prisão perpétua e que esta não será integrada na ordem jurídica interna em razão da adesão de Portugal ao Tribunal Penal Internacional.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

1 - Os artigos 5.º, 118.º, 239.º, 241.º e 242.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, pela Lei n.º 65/98, do 2 de Setembro, e pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 5.º
(Factos praticados fora do território português)

"1 - (...)

a) (…);
b) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 159.º, 160.º, 169.º 172.º, 173.º, 176.º, 236.º a 238.º, no n.º 1 do artigo 239.º, no artigo 239.º-A e no artigo 241.º e 242.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado;
c) (…);

I - (…)
II - (…)
III - (…)

d) (…)
e) (…)

2 - (…)
Artigo 118.º
(Prazos de prescrição)

1 - Salvo tratado ou convenção em contrário, o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:

a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) (…);

2 - (…)
3 - (…)

Artigo 239.º
(Genocídio)
1 - (...)

a) (…);
b) Ofensa à integridade física ou mental grave de membros do grupo;
c) Sujeição do grupo a condições de existência ou a tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, susceptíveis de provocar a sua destruição, total ou parcial;
d) Transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;
e) Imposição de medidas destinadas a impedir a procriação ou os nascimentos no grupo;

é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos.

2 - (…)
3 - (…)

Artigo 241.º
(Crimes de guerra)

1 - Quem, como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala,

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em tempo de guerra, de conflito armado ou de ocupação, violando normas ou princípios do direito internacional geral ou comum ou as Convenções de Genebra de 1949, praticar sobre a população civil, sobre feridos, doentes ou prisioneiros de guerra:

a) Homicídio doloso;
b) Tortura ou outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, incluindo experiências biológicas;
c) Grande sofrimento ou ofensa à integridade física ou mental grave dolosa;
d) Tomada de reféns;
e) Constrangimento a servir nas forças armadas inimigas;
f) Deportação ou transferência, através da expulsão ou de outro acto coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido em normas ou princípios do direito internacional;
g) Restrições graves, prolongadas, injustificadas ou ilegais da liberdade das pessoas;
h) Privação do direito a um julgamento justo e imparcial;
i) Subtracção ou destruição injustificadas de bens patrimoniais de grande valor

é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.

2 - Quem, como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala, violando normas ou princípios do direito internacional geral ou comum ou as Convenções de Genebra de 1949, em tempo de guerra, de conflito armado ou de ocupação:

a) Atacar população civil em geral ou civis que não participem directamente nas hostilidades;
b) Atacar bens civis que não sejam objectivos militares;
c) Atacar pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa acção de manutenção de paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à protecção conferida aos civis ou aos bens civis pelo direito internacional aplicável aos conflitos armados;
d) Lançar de um ataque com conhecimento de que o mesmo causará perdas acidentais de vidas humanas ou ferimentos na população civil ou prejuízos extensos, duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e directa que se previa;
e) Atacar ou bombardear, por qualquer meio, aglomerados populacionais que não estejam defendidos e que não sejam objectivos militares;
f) Praticar homicídio ou ofensas corporais graves a um combatente que tenha deposto armas ou que, não tendo meios para se defender, se tenha incondicionalmente rendido;
g) Utilizar indevidamente uma bandeira de tréguas, a bandeira nacional, as insígnias militares ou o uniforme do inimigo ou das Nações Unidas, assim como os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, causando desse modo a morte ou ferimentos graves;
h) Transferir, directa ou indirectamente, parte da população civil do Estado ocupante para o território que ocupa ou deportar ou transferir a totalidade ou de parte da população do território ocupado, para dentro ou para fora desse território;
i) Sujeitar pessoa que se encontre sob domínio de uma parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico nem efectuadas no interesse dessas pessoas, e que causem a sua morte ou risco para a sua saúde;
j) Praticar homicídio ou ofensas corporais à traição, de pessoas pertencentes à Nação ou forças armadas inimigas;
k) Declarar que não será concedido abrigo;
l) Destruir ou apreender bens patrimoniais do inimigo, excepto se necessidades militares o justificarem;
m) Declarar que estão abolidos, suspensos ou que não são admitidos em tribunal os direitos dos nacionais da parte inimiga;
n) Constranger nacionais da parte inimiga a participar em operações bélicas contra o seu país, incluindo no caso de essas pessoas tenham estado ao serviço daquela parte beligerante antes do início da guerra;
o) Saquear cidade ou localidade mesmo quando tomada de assalto;
p) Utilizar veneno ou armas envenenadas;
q) Utilizar gazes asfixiantes, tóxicos ou similares ou qualquer líquido, material ou dispositivo análogo;
r) Utilizar munições que se expandem ou achatam facilmente no interior do corpo humano, tais como balas de revestimento duro que não reveste totalmente o interior ou possui incisões;
s) Empregar armas, projécteis, materiais e métodos de combate que, pela sua própria natureza, causem feridos supérfluos ou sofrimentos desnecessários ou que provoquem efeitos indiscriminados, em violação do direito internacional aplicável aos conflitos armados, na medida em que tais armas, projécteis, materiais e métodos de combate sejam objecto de uma proibição geral e estejam incluídos em anexo a estatuto aplicável em virtude de tratado ou convenção internacional;
t) Ultrajar a dignidade da pessoa humana, designadamente através de tratamentos humilhantes e degradantes;
u) Cometer actos de violação, de escravidão sexual, de prostituição forçada, de esterilização forçada, de privação de liberdade em violação das normas ou dos princípios do direito internacional de uma mulher que foi engravidada por meios coercivos com o objectivo de alterar a composição étnica de uma população ou cometer outras violações graves do direito internacional ou qualquer outra forma de violência sexual que constitua violação grave das Convenções de Genebra;
v) Aproveitar a presença de civis ou de outras pessoas protegidas para evitar que determinados pontos, zonas ou forças militares sejam alvo de operações militares;
w) Atacar edifícios, material, unidades e veículos sanitários, bem como o pessoal habilitado a usar os

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emblemas distintivos das Convenções de Genebra, de acordo com o direito internacional;
x) Provocar a inanimação da população civil como método de fazer a guerra; privando-a dos bens indispensáveis à sua sobrevivência, impedindo, designadamente o envio de socorros, tal como previsto nas Convenções de Genebra;
y) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utilizá-los para participar activamente nas hostilidades

é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.

3 - Quem, em caso de conflito armado que não seja de índole internacional, sobre pessoas que não participem directamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido a doença, lesões, prisão ou qualquer outro motivo, praticar:

a) Actos de violência contra a vida e contra a pessoa, designadamente o homicídio sob todas as suas formas, as mutilações, os tratamentos cruéis e a tortura;
b) Ultrajes à dignidade da pessoa humana, designadamente através de tratamentos humilhantes e degradantes;
c) Tomada de reféns;
d) Condenações e execuções sem julgamento prévio por um tribunal regularmente constituído e que ofereça toas as garantias de um processo justo e equitativo

é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.

4 - Quem, em caso de conflito armado que não seja de índole internacional:

a) Atacar a população civil em geral ou civis que não participem directamente nas hostilidades;
b) Atacar edifícios, material, unidades e veículos sanitários, bem como o pessoal habilitado a usar os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, de acordo com o direito internacional;
c) Atacar pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa acção de manutenção de paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à protecção conferida aos civis ou aos bens civis pelo direito internacional aplicável aos conflitos armados;
d) Saquear um aglomerado populacional ou um local, mesmo quando tomado de assalto;
e) Cometer actos de violação, escravidão sexual, sujeitar outrem a prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência sexual que constitua violação grave das Convenções de Genebra;
f) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utilizá-los para participar activamente nas hostilidades;
g) Ordenar a deslocação da população civil por razões relacionadas com o conflito, salvo se assim o exigirem a segurança dos civis em questão ou razões militares imperiosas;
h) Praticar homicídio ou ofensas corporais à traição, de pessoas pertencentes à Nação ou forças armadas inimigas;
i) Declarar que não será concedido abrigo;
j) Sujeitar pessoa que se encontre sob domínio de uma parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico nem efectuadas no interesse dessas pessoas, e que causem a sua morte ou risco sério para a sua saúde;
k) Destruir ou apreender bens do inimigo, excepto se as necessidades da guerra o justificarem

é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.

5 - O n.º 3 e o número anterior não se aplicam a situações de distúrbio e de tensão internas, designadamente motins, actos de violência esporádicos ou isolados ou outros de carácter semelhante.
6 - A pena é agravada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo quando os actos referidos nos números anteriores forem praticados sobre membros de instituição humanitária.

Artigo 242.º
(Destruição de monumentos)

Quem, violando normas ou princípios do direito internacional geral ou comum ou normas e costumes aplicáveis aos conflitos amados que não têm carácter internacional, no quadro do direito internacional, em tempo de guerra; de conflito armado ou de ocupação, destruir, danificar ou atacar, sem necessidade militar, monumentos culturais ou históricos ou estabelecimento afectos à ciência, às artes, à cultura, à religião; à saúde ou a fins humanitários, ou onde se agrupem doentes e feridos, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos".

Artigo 2.º

1 - Ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, e pela Lei n.º 7/2000, de 27 de Maio, é aditado o artigo 239.º-A, com a seguinte redacção:

"Artigo 239.º-A
(Crimes contra a humanidade)

Quem, no quadro de um ataque generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, tendo conhecimento desse ataque, praticar:

a) Homicídio;
b) Extermínio, incluindo a sujeição de outrem a condições de vida determinadas, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos;
c) Escravidão, exercendo, relativamente a outrem, um poder ou um conjunto de poderes que traduzam um poder de propriedade sobre essa pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, ou a sujeição a prostituição forçada;
d) Deslocação de uma população, através da expulsão ou de outro acto coercivo, da zona em que

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outras pessoas se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido em normas ou princípios do direito internacional;
e) Prisão de outra pessoa ou de qualquer forma de privação de liberdade em violação das normas ou dos princípios do direito internacional;
f) Tortura, produzindo dor ou sofrimento graves, físicos ou mentais, a pessoa sob sua custódia ou controlo, com excepção dos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas acidentalmente ocasionados;
g) Violação, esterilização forçada, privação de liberdade, em violação das normas ou dos princípios do direito internacional, de uma mulher que foi engravidada por meios coercivos, com o objectivo de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional, ou exercer qualquer outra forma de violência sobre a liberdade e autodeterminação sexual de outra pessoa;
h) Privação do gozo de direitos fundamentais, em violação do direito internacional, a um grupo ou colectividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos, de sexo ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer acto previsto no presente capítulo, por motivos relacionados com a identidade desse grupo ou colectividade;
i) Desaparecimento forçado de pessoas, detendo, prendendo ou sequestrando outrem e recusando-se a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a sua situação ou localização com o propósito de lhe negar a protecção da lei por um longo período de tempo;
j) Acto desumano análogo aos referidos nas alíneas anteriores, no contexto de um sistema institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso sobre outro ou outros grupos e com a intenção de manter esse sistema;
k) Outros actos desumanos que causem grande sofrimento, ferimentos graves ou afectem a saúde física ou mental de outrem

é punido com pena de 12 a 25 anos".

Assembleia da República, 6 de Fevereiro de 2003. - Os Deputados do PSD: Guilherme Silva - Machado Rodrigues - Gonçalo Capitão - Luís Marques Guedes - António Montalvão Machado - Adriana de Aguiar Branco.

PROPOSTA DE LEI N.º 66/IX
(CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO NAS CATEGORIAS DE AUXILIAR DE EDUCAÇÃO, AJUDANTE E VIGILANTE PELOS EDUCADORES DE INFÂNCIA HABILITADOS COM OS CURSOS DE PROMOÇÃO A EDUCADORES DE INFÂNCIA REGULADOS NO DESPACHO N.º 52/80, DE 12 DE JUNHO, DOS SECRETÁRIOS DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DA SEGURANÇA SOCIAL, E NO DESPACHO CONJUNTO DE 11 DE MAIO DE 1983, DOS SECRETÁRIOS DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR E DA SEGURANÇA SOCIAL)

Relatório e parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura

Relatório

I - Da admissibilidade

A proposta em apreço, ao ser admitida, mereceu do Presidente da Assembleia da República o seguinte despacho autónomo de admissibilidade n.º 93/VIII em 9 de Abril de 2001:
"Admito a presente proposta de lei com dúvidas sobre se os normativos nela propostos cabem no poder de iniciativa legislativa da assembleia proponente. Tem-se entendido, nomeadamente ao nível da doutrina - aliás, confirmada pela jurisprudência constitucional - que as 'matérias de interesse específico', mencionadas nos estatutos político-administrativos das regiões autónomas, não dispensam a verificação de uma concreta especificidade factual no âmbito regional.
A verificação dessa concreta especificidade tem sido doutrinalmente exigida também para que ocorra a iniciativa legislativa das assembleias regionais prevista no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição, a partir da expressão 'no respeitante às regiões autónomas'. Não se mostrando invocada, e muito menos justificada, a assim requerida especificidade substantiva, tenho por questionável que a Assembleia Legislativa Regional da Madeira tivesse, neste caso, iniciativa legislativa própria".
Assim e de acordo com o despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta "com dúvidas", fica apontado, antes de mais, um primeiro caminho quanto à necessidade de previamente conhecer, nomeadamente, os fundamentos que levaram a Assembleia Legislativa Regional da Madeira a apresentar a presente iniciativa legislativa, nos termos das suas competências próprias.
3 - De facto o despacho de admissão não deixa dúvidas, isso sim, quanto à ausência de fundamentação que justifique "qualquer especificidade substantiva" que permita a iniciativa legislativa própria daquela assembleia legislativa regional.
Importa, por isso, indagar sobre os fundamentos legais que permitam, ou não, enquadrar a pulsão legislativa nas competências referidas da citada especificidade regional.
4 - É certo que o poder de iniciativa legislativa próprio das assembleias legislativas regionais existe e está consignado na Constituição da República, devendo contudo conformar-se exclusivamente ao "respeitante às regiões autónomas" (Artigo 167.º, n.º 1, da Constituição da República, "A iniciativa da lei e do referendo compete aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, e ainda, nos termos e condições estabelecidos na lei, a grupos de cidadãos eleitores, competindo a iniciativa da lei, no respeitante às regiões autónomas, às respectivas assembleias legislativas regionais").
5 - Para saber da adequação daquela iniciativa ao texto constitucional deve, então, saber-se a que se destina o seu objecto, isto é, se pretende propor uma lei cujo alcance atinja apenas a região autónoma ou se, de forma incompetente, ela não se conforma a esse fim e ambiciona aplicar-se ao todo nacional, efeito que constitucionalmente

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lhe está vedado e regulado nos artigos 37.º (que trata das competências da "Assembleia Legislativa Regional, no exercício das suas funções legislativas") e 40.º (que define "(…) as matérias de interesse específico"), da Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, e pela Lei n.º 12/2000, de 21 de Junho, Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
6 - Visto o articulado, conclui-se estarmos perante a apresentação de um artigo único com a finalidade de contar, para efeitos de progressão na carreira docente, todo o tempo de serviço prestado nas categorias de auxiliar de educação, vigilante e ajudante pelos educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância, regulados no Despacho n.º 52/80, de 12 de Junho, dos Secretários de Estado da Educação e da Segurança Social, e no despacho conjunto de 11 de Maio de 1983, dos Secretários de Estado da Educação e Administração Escolar e da Segurança Social.
7 - Ao fazê-lo, aquela proposta, invade matéria regulada de acordo com o estatuto da carreira dos citados agentes, cujas categorias profissionais são de âmbito nacional.
8 - De facto, as categorias profissionais em causa, para além de comuns a todo o sistema educativo estendem-se a todo o território nacional.
9 - E mesmo o acesso à categoria de educadores de infância, através da frequência com aproveitamento dos cursos de promoção a educador de infância, teve por base normas de âmbito nacional, no caso, os despachos já referidos em 6.
10 - Acresce que, para efeitos de progressão naquela carreira, tudo quanto seja atinente à contagem de tempo de serviço configura uma matéria de natureza estatutária, com dimensão nacional e não exclusivamente regional.
11 - Deve assinalar-se, entretanto, que proposta idêntica foi já rejeitada pela aprovação, por maioria e sem votos contra, em sede de Comissão de Educação Ciência e Cultura do relatório-parecer [Parecer: "(…) embora tendo sido admitida, com reservas, não preenche os requisitos exigidos para poder constituir iniciativa legislativa da região nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, pelo que não se encontra em condições constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em Plenário da Assembleia da República"] à proposta de lei n.º 286/VII, cuja relatora foi a então Sr.ª Deputada Isabel Sena Lino, do PS, com fundamentos equivalentes sobre a invasão de matéria constitucionalmente não reservada para a capacidade de iniciativa legislativa das assembleias legislativas regionais.

II - Enquadramento legal e doutrinário

1 - A Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 74.º, n.º 1, o direito de todos os cidadãos à igualdade de oportunidades de acesso e êxito ao ensino, estabelecendo expressamente na alínea b) do n.º 2, como incumbência do Estado, a criação de um sistema público e o desenvolvimento do sistema geral de educação pré-escolar [Constituição da República Portuguesa, artigo 74.º, n.º 2 b) "Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar"].
2 - A Lei de Bases do Sistema Educativo define que o sistema educativo é composto pela educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extra-escolar (artigo 4.º) [Lei de Bases do Sistema Educativo, artigo 4.º, n.º 1 "O sistema educativo compreende a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extra-escolar".
3 - Na sequência da lei de bases surgiu a Lei n.º 5/97, de 10 de Fevereiro (Lei-Quadro da Educação Pré-escolar) [Lei Quadro da Educação Pré-Escolar, artigo 18.º, n.º 1 "Aos educadores de infância em exercício de funções nos estabelecimentos de educação pré-escolar da dependência directa da administração central, regiões autónomas e das autarquias locais aplica-se o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensino Básico e Secundário"] que no seu artigo 18.º trata o regime de pessoal, justamente determinando que aos educadores de infância em exercício de funções nos estabelecimentos de educação pré-escolar da dependência directa da administração central, regiões autónomas e das autarquias locais é aplicável o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril (Estatuto da Carreira Docente), com todas as alterações subsequentemente introduzidas.
4 - Em consequência, o Decreto-Lei n.º 147/97, de 11 de Junho, veio consagrar o regime do desenvolvimento e expansão da educação pré-escolar, estabelecendo normas atinentes à organização e ao funcionamento do sistema.
5 - Os destinatários da actual iniciativa legislativa em análise, cabe referir ainda, foram objecto do Despacho n.º 52/80 dos Secretários de Estado da Educação e da Segurança Social, de 26 de Maio de 1980 e do despacho conjunto dos Secretários de Estado da Educação e Administração Escolar e da Segurança Social, de 20 de Abril de 1992, que possibilitaram o acesso destes profissionais à categoria de educador de infância.
6 - Estes despachos têm um contexto histórico próprio, criado pela carência de educadores de infância na década de 80 e ao qual tentaram responder. Com efeito, desse modo, foram extintas quando vagassem as categorias de auxiliares de educação, vigilantes e ajudantes, dando-se-lhes a possibilidade de frequentarem cursos especiais de promoção a educador de infância, por recurso a um curso especial.
7 - Ora, a Assembleia Legislativa Regional da Madeira, com a proposta de lei n.º 66/VIII, visa que o tempo de serviço que estes, agora educadores de infância, prestaram nas categorias anteriores lhes seja contado para efeitos de progressão na sua nova carreira docente.
8 - A Secretaria Regional da Educação da Região Autónoma da Madeira já havia elaborado despachos regionais em 19 de Abril de 1994 e em 16 de Abril de 1996, que determinaram a contagem de tempo de serviço prestado pelos educadores de infância na categoria de auxiliares de educação, vigilantes e ajudantes para efeitos de progressão na carreira e aposentação.
9 - Mas esses despachos foram revogados depois de o Secretário Regional do Plano e da Coordenação entender, e bem, que não tinha a Região Autónoma da Madeira competência para legislar sobre a matéria, face ao parecer n.º 17/98 da Procuradoria-Geral da República que se pronunciou no sentido da sua ilegalidade [O parecer n.º 17/98, votado na sessão de 2 de Dezembro de 1998, do conselho consultivo da Procuradoria Geral da República, é um documento constituído por 18 páginas cuja conclusão diz o seguinte:

"1. As categorias profissionais de auxiliar de educação, ajudante e vigilante são, no sistema educativo, categorias de âmbito nacional, que não assumem interesse específico na Região Autónoma da Madeira.

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2. A progressão na carreira dos educadores de infância constitui matéria do respectivo estatuto pessoal, regulada no Decreto-Lei n.º 409/89, de 18 de Novembro, e no Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, cuja definição incumbe aos órgãos legislativos da República.
3. Não releva para efeitos de progressão na carreira docente de educador de infância, o tempo de serviço que os educadores de infância, oriundos de auxiliar de educação, ajudante e vigilante, prestaram nestas categorias.
4. Decidindo em conformidade com a matéria das conclusões anteriores, os despachos do Secretário Regional de Educação da Região Autónoma da Madeira, de 19 de Abril de 1994, e de 16 de Abril de 1996 - que revestem a natureza de instruções de serviço - são ilegais, por violação do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas b) e f), do Decreto-Lei n.º 364/79, de 4 de Setembro, no n.º 52 do Despacho n.º 13/EJ/82, de 20 de Abril de 1982, do Secretário de Estado da Educação e Juventude, nos artigos 4.º a 9.º do Decreto-Lei n.º 409/89, de 18 de Novembro, 12.º a 14.ºe 85.º do Decreto-Lei n.º 35/88, de 4 de Fevereiro, 12.º a 14.º e 80.º, n.º 4, do Decreto Legislativo Regional n.º 5/88, de 25 de Maio, 34.º, 35.º e 36.º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, 30.º, alínea o), e 31.º, n.º 1, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira"].

10 - E só depois de revogados os referidos despachos surge a anterior proposta de lei n.º 286/VII, retomada agora no essencial pela proposta de lei n.º 66/VIII.

III - Conclusão

1 - Como fica demonstrado, depois de analisado o articulado proposto, verifica-se que a proposta de lei n.º 66/VIII ao tratar matéria cujo alcance visa ultrapassar o "respeitante às regiões autónomas", no caso o interesse específico da Região Autónoma da Madeira, de cuja Assembleia Legislativa é originária, não cabe no seu poder próprio de iniciativa, conformado ao n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com a alínea f) do n.º 1 do artigo 227.º, [Constituição da República Portuguesa, artigo 227.º, n.º 1, alínea f) "Exercer a iniciativa legislativa nos termos do n.º 1 do artigo 167.º, mediante a apresentação à Assembleia da República de propostas de lei e respectivas propostas de alteração;" (cfr. nota de rodapé n.º 1)], e o disposto no artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, que define as matérias de interesse específico, instrumento onde não podia estar contemplado, como não está, o estatuto da carreira docente.
2 - Pese embora a questão da capacidade de iniciativa da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira estar resolvida e, por isso, inviabilizada a proposta de lei à luz do quadro constitucional e das leis de autonomia regional, importa ainda analisar a substância do normativo proposta para ponderar da sua justificação.
3 - Antes, contudo, deve referir-se que, entretanto, sobre esta mesma temática, aprovou já a Assembleia da República a Lei n.º 5/2001 de 2 de Maio, [Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio, artigo 1.º "É equiparado a serviço efectivo em funções docentes, para efeitos de progressão na carreira, o tempo de serviço prestado na categoria de auxiliar de educação pelos educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância a que se refere o despacho n.º 52/80 de 12 de Junho, nos termos do artigo seguinte" e artigo 2.º "A contagem do tempo de serviço a que se refere o artigo anterior determina a mudança para o escalão correspondente"], que embora não desse completo acolhimento ao que vem aqui proposto, fez justiça quanto às auxiliares de educação que acederam à categoria de educadores de infância por força do Despacho n.º 52/80, de 12 de Junho, ou seja, que finalizaram os respectivos cursos de promoção mas exerceram funções docentes anteriormente à sua conclusão.
4 - Com efeito aquela lei mandou contar todo o tempo de serviço anteriormente prestado na categoria de auxiliares de educação pelos agora educadores de infância, referidos no ponto anterior, nos termos do estatuto da carreira docente e cujo exercício de funções docentes esteja devidamente certificado pela entidade da tutela do estabelecimento onde exerceram.
5 - Não foram contempladas, por isso, as categorias de vigilantes nem de ajudantes, que eventualmente os educadores de infância possuíssem antes de acederem ao curso de promoção, uma vez que nunca poderiam ter exercido funções docentes, ao contrário dos que detinham a categoria de auxiliar de educação.
6 - Ora, a proposta de lei n.º 66/VIII vem precisamente retomar a questão colocando de novo a possibilidade da contagem, como exercício de docência, de todo serviço prestado pelas categorias de vigilante e de ajudantes dos estabelecimentos de educação pré-escolar, uma vez que a questão dos auxiliares de educação está contemplada pela referida Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio.
7 - Tem-se por seguro que o facto de ter sido facultado o ingresso, a frequência e a conclusão do curso de promoção não certifica nenhum exercício anterior, na área da docência, a nenhuma categoria.
8 - No caso de vigilantes e ajudantes, cujo conteúdo funcional é bem definido pela própria designação da categoria, deve o seu trabalho ser reconhecido como meritório mas fora da docência, como era desempenhado, não devendo, por isso mesmo, ser contado para efeitos de progressão na nova carreira de educadores de infância.
9 - Nestes termos e salvo melhor parecer, a presente proposta que visa fazer contar aquele tempo de serviço prestado nas categorias referidas em 8., como exercício de funções docentes, não encontra fundamento político, técnico ou funcional, tendo como referência o estatuto da carreira docente em vigor.

IV - Parecer

Assim, a Comissão de Educação, Ciência e Cultura é do seguinte parecer:

1 - A proposta de lei n.º 66/VIII, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, sobre "Contagem do tempo de serviço prestado nas categorias de auxiliar de educação, ajudante e vigilante pelos educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância, regulados no Despacho n.º 52/80, de 12 de Junho, dos Secretários de Estado da Educação e da Segurança Social e no Despacho Conjunto de 11 de Maio de 1983 dos Secretários de Estado da Educação e Administração Escolar e da Segurança Social", tendo sido admitida já com reservas, não preenche os requisitos necessários para poder constituir iniciativa legislativa da Região nos termos do n.º 1 do artigo 167.º, conjugado com a alínea f) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região

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Autónoma da Madeira, que define as matérias de interesse especifico, pelo que não preenche as condições constitucionais e regimentais para ser apreciada, discutida e votada em Plenário da Assembleia da República.
2 - Que, para os devidos efeitos, seja dado conhecimento à Assembleia Legislativa Regional da Madeira do presente relatório e parecer aprovados.

Assembleia da República, 14 de Janeiro de 2003. - O Deputado Relator, António Braga - O Presidente da Comissão, Pedro Duarte.

Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

PROPOSTA DE LEI N.º 40/IX
(APROVA O REGIME JURÍDICO DA CONCORRÊNCIA)

Relatório e parecer da Comissão de Economia e Finanças

Relatório

A proposta de lei n.º 40/IX, do Governo, que "Aprova o regime jurídico da concorrência", foi apresentado ao abrigo da alínea d) do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 131.º e 132.º do Regimento da Assembleia da República.
Por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República de 14 de Janeiro de 2003, o projecto vertente baixou à Comissão de Economia e Finanças, para apreciação e parecer.

1 - Objecto e motivação

Na sequência da aprovação em Conselho de Ministros do instrumento legal que cria a Autoridade da Concorrência, a proposta de lei em apreço procede à revisão dos aspectos substantivos e adjectivos do regime jurídico da concorrência.
Parece claro que o enquadramento legal que conforma o ambiente em que actuam os agentes económicos, investidores e empresas, deve conter as normas adequadas para garantir a eficácia dos mecanismos de controlo prévio das concentrações, assegurar a certeza e segurança jurídicas necessárias ao são prosseguimento da sua actividade, além de prevenir e sancionar, de forma efectiva, as práticas concorrenciais abusivas.
Segundo o Governo, esta proposta de lei inscreve-se no esforço legislativo de revisão da legislação de enquadramento da concorrência, imprescindível à modernização da economia e à competitividade das empresas estabelecidas ou que pretendam estabelecer-se em Portugal.

2 - Antecedentes e enquadramento legal

Até ao presente momento, o regime legal de defesa da concorrência encontra-se regulado pelo Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de Outubro.
Com aquele diploma procurou o legislador dar resposta às alterações que entretanto ocorreram na economia nacional, num contexto de alguma desregulamentação e privatização de importantes áreas da actividade económica, e também em virtude do processo de integração europeia, que introduziram importantes mudanças na estrutura económica e modificaram a relação de forças no mercado.
O já referido Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de Outubro, visou integrar numa lei-quadro da política de concorrência os desenvolvimentos próprios de uma economia aberta, numa fase de internacionalização e de dinamismo concorrencial, contribuindo para o equilíbrio das relações entre agentes económicos e para o favorecimento dos objectivos gerais de desenvolvimento económico e social.
Introduziu-se, com o referido diploma aspectos inovadores, de entre os quais assume relevância o seu carácter universal e sistemático, uma vez que contemplava, para além das práticas restritivas da concorrência, as concentrações de empresas e os auxílios de Estado, completando o quadro dos principais instrumentos da política comunitária de defesa da concorrência.
Entre outras, introduziu a figura do abuso do estado de dependência económica, considerando que, até à publicação do mesmo decreto-lei, aquela figura só era considerada restritiva da concorrência se praticada por empresas que detivessem uma posição dominante no mercado de determinado bem ou serviço.
Também o regime de notificação prévia das operações de concentração de empresas, até então regulado pelo Decreto-Lei n.º 428/88, de 19 de Novembro, sofreu profundas alterações, acompanhando as soluções consagradas no Regulamento (CEE) n.º 4064/89, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, entretanto publicado.
No entanto, têm sido apontados ao citado diploma algumas insuficiências estruturais que importará superar.
Quanto às normas de carácter geral, na proposta de lei em causa, procurou alargar-se o âmbito de aplicação do diploma a todos os sectores da actividade económica, sem excepção, incluindo os sectores bancário e dos seguros, que passam a estar sujeitos às regras gerais relativas ao controlo prévio das operações de concentração.
No que se refere às empresas públicas e às empresas às quais o Estado tenha concedido direitos especiais ou exclusivos, assim como quanto às empresas encarregadas por lei da gestão de serviços de interesse económico geral, ou que tenham a natureza de monopólio legal, estabelece-se um regime delineado a partir do artigo 86.º do Tratado CE, na procura do equilíbrio entre os interesses da concorrência e os do serviço público.
Trata-se, no entender do Governo, de uma solução que permitirá encontrar, em nome do princípio da proporcionalidade, as soluções mais equilibradas no plano da política económica ou social, sem resvalar para intervenções dos poderes públicos na economia com carácter abusivo ou discriminatório.
Por outro lado, clarifica-se a noção de empresa, para efeitos de determinação do âmbito de aplicação do diploma, em termos análogos ao que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Procede-se também, na proposta em causa, a um outro alinhamento das regras respeitantes às práticas proibidas em virtude do seu carácter anticoncorrencial, com o objectivo de clarificar o seu regime.
Neste sentido, salienta-se na proposta analisada o carácter residual da noção de prática concertada relativamente às noções de acordo entre empresas e de decisão de associação de empresas, que, de acordo com o rumo das orientações jurisprudenciais dos tribunais comunitários, se limita a proibição de práticas anticoncorrenciais às que sejam susceptíveis de impedir, falsear ou restringir a concorrência "de forma sensível".

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Também se mantém a possibilidade de sujeitar os acordos e outras práticas de concertação à avaliação prévia da Autoridade da Concorrência, o que permite assegurar aos agentes económicos a máxima segurança jurídica, uma vez que podem requerer à autoridade um certificado negativo ou uma declaração de justificação.
No entanto, a próxima entrada em vigor do regulamento comunitário que substitui o sistema de notificação obrigatória por um sistema de "excepção legal", em que os acordos podem beneficiar do reconhecimento da sua licitude independentemente de notificação, justifica, segundo o Governo, que o funcionamento sistema de avaliação prévia que se pretende manter em Portugal se mantenha sob observação. Com efeito, a coexistência de dois sistemas diferentes no mesmo espaço, consoante os acordos ou práticas concertadas sejam abrangidos pelo direito comunitário ou pelo direito nacional, pode, na opinião do Executivo, vir a suscitar dificuldades de aplicação e insegurança dos agentes económicos.
Quanto ao regime dos abusos de posição dominante, abandonam-se as presunções constantes do n.º 2 do actual artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 371/93. Tais presunções, considera o Governo, são meramente indicativas, e, por isso, inúteis, e poderiam, por outro lado, induzir em erro.
Esta solução acompanha a orientação da jurisprudência comunitária, pois a quota de mercado ocupada por uma ou mais empresas, sendo um importante indicador de dominância, não se pode considerar como o único, devendo, pelo contrário, ter-se em conta uma pluralidade de factores.
A escolha dos limiares de dominância presumida com base na quota de mercado é, de resto, largamente aleatória e a sua aplicação fica sempre dependente de uma operação extremamente delicada que é a determinação do mercado relevante.
Identicamente as legislações de concorrência dos Estados-membros abstêm-se de estabelecer presunções ou de consagrar limiares de dominância; além de Portugal, somente a Alemanha seguiu essa orientação.
A Autoridade da Concorrência terá assim a função de densificar ou definir, na sua prática decisória ou regulamentar, os critérios da posição dominante.
Neste contexto, a alínea b) do n.º 3 artigo 6.º da presente proposta de lei, inspirando-se na lei alemã, consagra a proibição de abuso no acesso a infra-estruturas de carácter essencial.
É claramente alterado, no artigo 7.º da proposta em apreço, o regime da figura do abuso de dependência económica.
Sustenta o Governo que, mantendo-se na nossa legislação da concorrência a referência aquela figura (desconhecida na maior parte das legislações comunitárias), se impõe a modificação dos seus pressupostos, de modo a que possa actuar apenas se e na medida em que seja susceptível de afectar o funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência.
Indicam-se ainda, a título exemplificativo, que tipos de comportamentos podem ser considerados abusivos e esclarece-se o que se entende por falta de "alternativa equivalente".
Outra das alterações introduzidas por esta proposta respeita ao regime do controlo prévio das operações de concentração, nomeadamente quanto à noção de concentração e ao cálculo da quota de mercado e do volume de negócios das empresas envolvidas.
Inclui-se entre as condições de que depende a obrigatoriedade de notificação, uma condição suplementar ligada ao volume de negócios das empresas participantes, a fim de evitar que tenham de ser notificadas operações de concentração em que uma das empresas realiza, em Portugal, um volume de negócios insignificante, ou não está sequer presente no mercado português.
Também noutros aspectos se procede à harmonização entre o regime nacional e o regime comunitário, mormente quanto ao período limite em que deve ter lugar a notificação obrigatória, quanto ao controlo das empresas comuns, quanto ao regime de suspensão das operações durante o período de apreciação, e quanto aos critérios de apreciação das operações de concentração.
Refira-se, no que respeita a este último aspecto, a alteração da epígrafe relativamente ao artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 371/93 (Proibição de concentração), tida por desajustada ao seu objectivo e ao que deve ser o conteúdo do preceito em função desse objectivo.
Pretende-se não impedir operações de concentração de empresas (as quais se entende não deverem ser proibidas por princípio), mas antes esclarecer as condições em que estas devem ser apreciadas e os principais factores a ter em conta para sua autorização ou proibição.
Para tal adopta-se, com as necessárias adaptações, o esquema de redacção do artigo 2.º do Regulamento (CEE) n.º 4064/89, tido por mais ajustado à prossecução desse objectivo.
Em termos processuais e procedimentais, clarificam-se as faculdades de inquérito e de inspecção de que dispõem, e os deveres a que estão sujeitos, os órgãos e funcionários da Autoridade da Concorrência.
Os procedimentos sancionatórios respeitam os princípios da audiência dos interessados e do contraditório, bem como os demais princípios constantes do Código de Procedimento Administrativo, e ainda, sendo caso disso, do regime geral dos ilícitos de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Os procedimentos de supervisão ficam sujeitos às regras do Código de Procedimento Administrativo e os procedimentos de regulamentação seguirão regras de transparência e participação.
A tramitação a observar nos processos relativos a práticas proibidas é regulada no sentido de separar com nitidez as fases de inquérito e de instrução, definindo em que condições poderão ser ordenadas medidas cautelares pela autoridade.
O procedimento de controlo prévio das operações de concentração de empresas é clarificado, quer quanto aos poderes e obrigações da autoridade quer quanto aos deveres e direitos (designadamente de audiência prévia) dos autores da notificação e dos contra-interessados. Em paralelo do regime comunitário, o procedimento passa a dividir-se em duas fases, só havendo lugar a uma fase de investigação aprofundada se a autoridade concluir, no termo da fase de instrução, que a operação de concentração em causa é susceptível de criar ou de reforçar uma posição dominante da qual possam resultar entraves significativos à concorrência efectiva no mercado nacional ou numa parte substancial deste.
Estas alterações poderão dar resposta às necessidades de celeridade e de simplicidade dos procedimentos exigidas pela actividade dos agentes económicos e presentes na maior parte das operações de concentração, sem pôr em causa a sua análise cuidada.

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Decorre ainda da proposta o estabelecimento de regras quanto à produção de efeitos da notificação de operações de concentração e determinam-se com precisão os casos em que os negócios jurídicos relacionados com uma concentração são feridos de nulidade, sendo igualmente definidas as situações em que deve ser aberto um procedimento oficioso e as regras específicas que se lhe aplicam.
Quanto aos processos por infracção e aos procedimentos aplicáveis são estabelecidas regras de articulação entre a Autoridade da Concorrência, por um lado, e as autoridades reguladoras sectoriais e a Alta Autoridade para a Comunicação Social, por outro.
No capítulo das sanções, tipificam-se as infracções contra-ordenacionais a que corresponde cada tipo de ilícito, prevendo-se a aplicação de coimas e de sanções pecuniárias compulsórias, conforme os casos.
O regime sancionatório poderá tornar-se mais eficaz, uma vez que o montante das coimas e das sanções pecuniárias compulsórias passa a ser fixado, como sucede no regime comunitário, em percentagem do volume de negócios do infractor, com um limite máximo, respectivamente, de 10% e de 5%, o que não acontecia no âmbito do Decreto-Lei n.º 371/93.
Determina-se também a responsabilidade solidária das empresas associadas relativamente às infracções cometidas pelas suas associações, no quadro das regras de imputação da responsabilidade.
Registam-se ainda alterações no regime da prescrição do procedimento de contra-ordenações e das respectivas sanções, tendo em conta o regime definido no novo regulamento que se prevê vir a substituir o Regulamento n.º 17/62.
Em conformidade com o estatuído no diploma que institui a Autoridade da Concorrência, atribui-se a competência para julgar os recursos das decisões da Autoridade no Tribunal de Comércio de Lisboa, sob reserva de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa ou para o Supremo Tribunal de Justiça, segundo os casos.
De notar que esta solução implicará a aplicação por tribunais cíveis de regras processuais de natureza administrativa, em casos materialmente complexos o que o reclamará um esforço considerável de preparação desses tribunais.
Quanto ao regime financeiro, enumeram-se os actos sujeitos ao pagamento de uma taxa e remete-se para regulamento a adoptar pela autoridade a fixação dos respectivos montantes e das regras de incidência, liquidação e cobrança dessas receitas.
Finalmente, prevê-se que o regime a consagrar nesta proposta, como no diploma que cria a autoridade, seja adaptado para ter em conta a evolução do regime comunitário das regras de concorrência aplicáveis às empresas e dos regulamentos relativos ao controlo prévio das concentrações.

3 - Conclusões

A criação de uma autoridade de concorrência constituiu um passo para a modernização do ordenamento jurídico da concorrência em Portugal, indispensável ao reforço da competitividade internacional da economia portuguesa e às exigências da sua plena adaptação a um contexto de mercado aberto e de crescente globalização.
Com atribuições alargadas a todos os sectores da economia, a autoridade reúne os poderes de investigação e de punição de práticas anticoncorrenciais, antes repartidos entre o Conselho da Concorrência e a Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência, bem como os de aprovação das operações de concentração de empresas sujeitas a notificação prévia.
O aperfeiçoamento da legislação de defesa e promoção da concorrência permitirá adequar o quadro legal neste domínio e possibilita aos agentes económicos dispor de um ordenamento concorrencial seguro e actual, susceptível de promover o funcionamento eficiente dos mercados, a repartição eficaz dos recursos nacionais e, particularmente, a satisfação dos interesses dos consumidores.

Parecer

A proposta de lei n.º 40/IX, do Governo, preenche os requisitos constitucionais, legais e regimentais para subir ao Plenário da Assembleia da República, para apreciação e votação.

Assembleia da República, 30 de Janeiro de 2003. - O Deputado Relator, Herculano Gonçalves - P'lo Presidente da Comissão, António da Silva Preto.

Nota: O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência do BE.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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