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4075 | II Série A - Número 100 | 05 de Junho de 2003

 

decisão "mas mãos" da entidade empregadora, sem que haja qualquer referência a um "intervenção médica" ou enquadramento do pedido no âmbito dos serviços de higiene e saúde no trabalho. Se atentarmos ao teor do Acórdão do Tribunal Constitucional de 25 de Setembro de 2002 [In Diário da República II Série, de 25 de Outubro de 2002, pág. 17789], podemos interrogar-nos se esta indagação sobre o estado de saúde (e, mesmo sobre a gravidez), a coberto de um fundamento impreciso - as "particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional" - e sem qualquer conexão com a preservação da "a saúde dos trabalhadores", não estará a contribuir para institucionalizar uma "sistemática e global devassa da reserva da vida privada, constitucionalmente censurável".
Aliás, se compararmos a formulação do artigo 17.º, n.º 2, com o artigo 19.º, n.º 3, confirma-se essa diferença de regimes, sendo claro que os testes e exames médicos só podem ser feitos por ordem e direcção do médico e que será - por princípio - inacessível o resultado dos mesmos à entidade empregadora. O mesmo princípio não foi consignado em relação à revelação de informações sobre a "vida privada" (artigo 17.º, n.º 1) e sobre a "saúde e gravidez" (artigo 17.º, n.º 2). Impõe-se que seja feita uma clarificação no sentido de que a solicitação "por escrito" e "a respectiva fundamentação" sejam subscritas por médico e que, tal como acontece com o n.º 3 do artigo 19.º, ao empregador só seja revelada a aptidão ou inaptidão para o cargo.
Se assim não for cria-se um grave precedente, violador de princípios enraizados na nossa tradição jurídica laboral [Veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional de 25 de Setembro de 2002, in DR II Série de 25 de Outubro de 2002, pág. 17789], em relação à possibilidade de acesso por parte da entidade empregadora aos dados da vida privada e, particularmente, sobre o estado de saúde do trabalhador.
Caso não seja feita esta precisão, entendemos que as disposições do artigo 17.º, n.os 1 e 2, do Código contrariam os artigos 26.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República por a limitação da intimidade da vida privada dos trabalhadores se revelar excessiva, não adequada, desproporcionada e desnecessária [Cf. neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 394/93, de 16 de Junho, in DR I Série A, n.º 229, de 29 de Setembro de 1993], traduzindo-se numa efectiva aniquilação de um direito fundamental sem se atender aos princípios da "mútua compressão" que deve nortear a harmonização de direitos fundamentais. Como ensina Vieira de Andrade [Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, 1983, pág. 221], "não pode ignorar-se que nos casos de conflito, a Constituição protege diversos valores ou bens em jogo e que não será lícito sacrificar pura e simplesmente um deles ao outro". Adianta este autor que "a medida em que se vai comprimir cada um dos direitos (ou valores) pode ser diferente, dependendo do modo como se apresentam e das alternativas possíveis de solução de conflito". Ora, é evidente que, no caso em apreço, a entidade empregadora não precisa de conhecer os dados - nomeadamente aqueles que se referem à saúde ou à vida privada - bastando que o médico se pronuncie no sentido de que o trabalhador está apto a desempenhar as funções a que se candidata. Só o médico está em condições de, em função do estado de saúde, aferir a aptidão e capacidade do trabalhador (ou candidato) para desempenhar a actividade profissional.
Quando o legislador pretende disciplinar e dar execução a preceitos constitucionais actua no contexto de um "poder vinculado" que, segundo Vieira de Andrade, lhe permite optar por várias soluções; "mas não lhe é possível afectar ou modificar o conteúdo do direito fundamental, sob pena de se inverter a ordem constitucional das coisas" (pág. 229).
As leis restritivas têm que cumprir os requisitos indicados no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa. No caso em apreço verifica-se que existe uma dupla violação: as restrições impostas aos direitos fundamentais dos trabalhadores ultrapassam em muito o que é estritamente necessário para salvaguardar os direitos da entidade empregadora e, por isso, a solução encontrada consubstancia uma diminuição, injustificada, da extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Daí que possa ser questionada, caso não sejam introduzidas as alterações propostas, a constitucionalidade do artigo 17.º, n.os 1 e 2.
2 - Os mesmos princípios devem ser aplicados em relação à previsão da parte final do artigo 19.º, n.º 3, quando se prevê a possibilidade de o médico responsável pelos testes ou exames médicos poder comunicar os dados do trabalhador ao empregador quando obtiver "autorização escrita deste". Num domínio em que o princípio da proporcionalidade é determinante para ponderar os poderes da entidade empregadora e a limitação dos direitos dos trabalhadores, seria desejável que - para compensar a situação de inferioridade em que se encontra o trabalhador - a lei tivesse estabelecido os princípios mínimos de protecção para prevenir intrusões indevidas e indesejáveis que afectem os direitos de personalidade dos trabalhadores. A posição em que o trabalhador se encontra é um bom exemplo da falta de liberdade de decisão, razão pela qual se justifica que a lei afaste qualquer dúvida que se possa colocar neste domínio. Em face do poder de autoridade que caracteriza o contrato de trabalho e da posição de subordinação em que se encontra o trabalhador tem entendido a jurisprudência, de forma pacífica, que a renúncia a certos direitos na vigência do contrato de trabalho se caracteriza por uma "vontade não inteiramente livre, na medida em que pode, de algum modo, ser determinada por imposição da parte detentora do referido poder" [Vejam-se, entre muitos, os seguintes acórdãos: STJ - acórdão de 3 de Abril de 1991 (BMJ 406, pág. 433). Relação de Lisboa - acórdãos de 23 de Outubro de 2002, de 26 de Fevereiro de 2003 (in http:www.dgsi.pt/jtrl.nsf)]. Para a jurisprudência, o trabalhador, na vigência do contrato de trabalho, "encontra-se dominado pela relação de subordinação, não dispondo do exercício pleno da sua liberdade de decidir, pelo menos psicologicamente".
Em face do exposto, entendemos que deveria ser eliminada qualquer possibilidade de a entidade empregadora ter acesso a dados relativos a testes ou exames médicos, não se apresentando a autorização escrita do trabalhador como um "consentimento livre".
3 - Entendemos que o artigo 17.º, n.º 3, deveria consignar a possibilidade de o trabalhador, nas condições estabelecidas no artigo 12.º, alínea b), da Lei n.º 67/98, solicitar a eliminação de alguns dos seus dados, não se limitando os poderes de "controlo dos respectivos dados pessoais" ao direito "conhecimento", "rectificação" e "actualização".
4 - O artigo 19.º, n.º 1, estabelece algumas situações em que, fora do contexto da legislação relativa a segurança,

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