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4077 | II Série A - Número 100 | 05 de Junho de 2003

 

Em face dos princípios e orientações constantes da jurisprudência do Tribunal Constitucional é fundamental que os serviços de medicina de trabalho exerçam as suas funções com discrição, respeito pela dignidade do trabalhador e sem discriminação, cumprindo a obrigação de sigilo a que estão vinculados [Cf preocupações similares manifestadas por Pierre Kayser, ob. cit. pág. 271. Veja-se, igualmente, García Serrano e I. Pedrosa Alquézar - Vigilancia de la salud de los trabajadores, aspectos clínicos y jurídicos de los reconocimientos médicos en el trabajo, 1999, páginas 30 e 31].
Concluímos, por isso, que a realização de exames fora do contexto dos serviços de medicina do trabalho apresenta um grande perigo de proliferação de tratamentos de dados de saúde e da vida privada dos trabalhadores, com riscos acrescidos de exames "coercivos" desenquadrados de uma prevenção integrada de promoção e vigilância da saúde do trabalhador. Por outro lado, há um risco acrescido de interconexão de tratamentos tendentes a integrar "informação exaustiva" sobre o estado de saúde do trabalhador, na medida em que não está regulada a relação de interdependência entre os médicos referidos no artigo 19.º, n.º 3, e os médicos do trabalho.

IV - Meios de vigilância à distância

1 - Em relação aos "meios de vigilância à distância" saúda-se o teor do artigo 20.º, n.º 1, pela função clarificadora que vem introduzir no nosso ordenamento jurídico, na medida em que já algumas vezes a questão da utilização das novas tecnologias para controlo do desempenho profissional tinha sido suscitada junto da CNPD.
A redacção do n.º 2 do artigo 20.º prevê duas realidades distintas:

a) Admite a utilização de "sistemas de controlo" (v.g. de videovigilância) quando razões "inerentes à natureza da actividade o justifiquem". Será o caso em que, por razões de eficácia do sistema de segurança, se recorre a estes meios para poder vigiar determinado tipo instalações quer para protecção contra a intrusão de terceiros como protecção dos próprios trabalhadores [Esta possibilidade concreta está hoje prevista, por exemplo, no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 139/2002, de 17 de Maio, diploma que aprovou o Regulamento de segurança dos estabelecimentos de fabrico e de produtos explosivos];
b) Considera lícita a utilização de "meios de vigilância à distância" sempre que os mesmos "tenham por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens".

2 - É a possibilidade de utilização de meios de vigilância à distância com o objectivo de assegurar a "protecção e segurança de pessoas e bens" que suscita algumas interrogações e o texto proposto deveria ser ponderado em conformidade com a doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional de 12 de Junho de 2002 [Acórdão n.º 255/2002 in DR I Série A, de 8 de Julho de 2002, pág. 5237]. Esta problemática tem estreita relação com a intervenção da CNPD e com a aplicação da Lei n.º 67/98, devendo estes tratamentos ser-lhe notificados, nos termos do artigo 27.º, n.º 1.
Neste acórdão o Tribunal Constitucional caracterizou, com rigor, as implicações da recolha de som e imagem, através de equipamentos electrónicos de vigilância e controlo, na esfera das pessoas. Citando Paulo Mota Pinto, considerou que "a permissão da utilização dos referidos equipamentos constitui uma limitação ou uma restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada, consignada no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa". Acrescentou que as tarefas de definição das regras e a apreciação dos aspectos relativos à videovigilância constituem "matéria atinente a direitos liberdades e garantias".
É patente que os meios utilizados e o respectivo tratamento implicam, necessariamente, algumas restrições em relação ao direito à imagem [Veja-se o artigo 79.º, n.º 2, do Código Civil e o artigo 199.º do Código Penal], à liberdade de movimentos, integrando esses dados, por isso, informação relativa à vida privada [Segundo J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira - Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed. 1993, pág. 181 - deve ser reconhecido o "direito de cada um de não ser fotografado nem ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento" e o "direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar"]. Em face da declaração de inconstitucionalidade das normas do artigo 12.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 231/98, de 22 de Julho, não podemos deixar de manifestar a nossa perplexidade pela forma genérica como se legitima a utilização de "meios de vigilância electrónica", sem a mínima ponderação dos interesses em presença: a segurança de pessoas e bens e a reserva da intimidade da vida privada (direito à imagem/liberdade de movimentos). Por outro lado, não deixa de ser anómalo que seja o Código do Trabalho, de uma forma tão abrangente e desenquadrada de qualquer contexto (lembra-se que o Decreto-Lei n.º 231/98 só admitia a recolha de imagens e som a "sociedades de segurança privada" ou no âmbito se "serviços de autoprotecção"), a legitimar a utilização de meios de vigilância à distância. Ou seja, basta agora que qualquer entidade alegue que esses meios se destinam à "protecção de pessoas e bens" para ser lícita a utilização daqueles meios.
Não houve o mínimo cuidado em regular aspectos como o "direito de acesso", o tempo de conservação, a forma como deve ser assegurado o direito de informação a outras pessoas que frequentam o estabelecimento mas não são trabalhadores, se existem situações em que o titular se pode opor ao tratamento de dados por razões ponderosas e legítimas, que tipo de acesso pode ter o responsável às imagens recolhidas e para que finalidades.
Por isso, entendemos que a Assembleia da República deveria - em termos gerais - legislar sobre a matéria de videovigilância, regulamentando os aspectos enunciados, sendo desejável que o Código do Trabalho fizesse a remissão para o regime geral estabelecido. A reflexão que aqui deixamos é se a Assembleia da República considera que a formulação do artigo 20.º, n.º 2, não dá origem a uma proliferação de sistemas de videovigilância, sem controlo e sem aplicação dos princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e pertinência.
Será que a simples invocação da necessidade de assegurar a "protecção e segurança de pessoas e bens" é suficiente para legitimar o tratamento?

V - Igualdade e não discriminação

1 - As afirmações de princípio contidas nos artigos 22.º e 23.º, n.º 1, do Código não suscitam qualquer objecção ou

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