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Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 2004 II Série-A - Número 39

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

S U M Á R I O

Projecto de lei n.o 414/IX (Procede à adaptação do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos às novas realidades criadas pela sociedade de informação):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Proposta de lei n.º 108/IX (Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, altera o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e a Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro):
- Vide projecto de lei n.º 414/IX.

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PROJECTO DE LEI N.º 414/IX
(PROCEDE À ADAPTAÇÃO DO CÓDIGO DOS DIREITOS DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS ÀS NOVAS REALIDADES CRIADAS PELA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO)

PROPOSTA DE LEI N.º 108/IX
(TRANSPÕE PARA A ORDEM JURÍDICA NACIONAL A DIRECTIVA 2001/29/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 22 DE MAIO DE 2001, RELATIVA À HARMONIZAÇÃO DE CERTOS ASPECTOS DO DIREITO DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS NA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO, ALTERA O CÓDIGO DO DIREITO DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS E A LEI N.º 62/98, DE 1 DE SETEMBRO)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

1. Introdução

1.1. - Em 12 de Janeiro de 2004, o Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei em epígrafe, a qual foi admitida em 20 de Janeiro de 2004, tendo-lhe sido atribuído o n.º 108/IX.
Em 18 de Fevereiro de 2004, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentaram projecto de lei sobre um dos aspectos regulados pela Directiva, o qual foi admitido, com o n.º 414/IX.
Ambas as iniciativas baixaram à 1.ª Comissão, para apreciação e elaboração de relatório e parecer.
Tendo em conta que, a pedido do Governo, ouvida a Conferência de Líderes, S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República agendou o debate na generalidade das iniciativas em causa para o dia 25 de Fevereiro, a Comissão reservou para depois dessa data a realização de um ciclo de audiências com todas as entidades cuja consulta se revela imprescindível.
Foi possível, contudo, realizar, no dia 18 de Janeiro de 2004, uma reunião de trabalho preliminar de Deputados da 1.ª Comissão com representantes da Associação Portuguesa de Direito Intelectual.
O relator recebeu representantes da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), do GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas, CRL) e da AGECOP (Associação para a Gestão da Cópia Privada), a quem foram solicitados pareceres por escrito, que foram enviados em tempo, figurando em anexo ao presente relatório. Inclui-se também o documento de análise elaborado, durante o processo de preparação da proposta de lei n.º 108/IX, pela Secção de Direito das Novas Tecnologias da Informação e Comércio Electrónico da Comissão de Legislação da Ordem dos Advogados e a tomada de posição da Associação Portuguesa de Software Livre.
Foram solicitadas ao Governo, mas não remetidas à Comissão até à data da aprovação do presente relatório, as contribuições apresentadas pelas entidades consultadas no decurso do longo processo de preparação da proposta de lei n.º 108/IX. Segundo foi anunciado pelo Gabinete de Direito de Autor do Ministério da Cultura, o projecto de diploma que deu origem à proposta de lei n.º 108/IX foi , ao longo de muitos meses, objecto de consulta e de análise "por parte dos representantes dos autores, dos titulares de direitos conexos, de consumidores, dos editores, dos representantes de bibliotecas e arquivos públicos, de organismos do Ministério da Cultura, da Ordem dos Advogados, de professores universitários das Faculdades, de Direito de Lisboa e de Coimbra e de outros especialistas convidados". Nesse contexto, terá ocorrido a apresentação por escrito de sugestões, a participação em debates públicos promovidos pelo Ministério da Cultura e a realização de reuniões sectoriais com representantes do Ministério da Cultura, sendo sucessivamente elaborados três ante-projectos. O texto final incorpora algumas das sugestões recebidas e enjeita outras, em termos que a 1.ª Comissão não se encontra em condições de reconstituir na presente fase de apreciação da proposta.

1.2. - A urgência que se quis imprimir à tramitação parlamentar do processo legislativo tem justificação no facto de a Directiva ter previsto prazo de transposição até 22 de Dezembro de 2002. Apenas a Grécia e a Dinamarca cumpriram tal prazo. No decurso de 2003, a Itália, a Áustria, a Alemanha e o Reino Unido produziram legislação, nos termos da directiva.
A Comissão decidiu, em 17 de Dezembro de 2003, interpor um recurso contra os outros oito Estados-membros (Bélgica, Espanha, França, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Finlândia e Suécia) para o Tribunal de Justiça pela não adopção das medidas de transposição nacionais [A Comissão decidiu igualmente recorrer ao mesmo Tribunal no tocante ao Reino Unido, por a sua legislação nacional não se aplicar ao território de Gibraltar. A Comissão decidiu não interpor recurso contra a Irlanda, porque a lei irlandesa em matéria de direito de autor foi adoptada em 2000 com base num anterior projecto da directiva, pelo que foi notificada à Comissão com a premissa de que a maior parte do texto cumpre o disposto na directiva e apenas são necessários ajustamentos de somenos importância, que foram, aliás, publicados em Janeiro de 2004, por decreto ministerial (European Communities (Copyright and Related Rights) Regulations 2004)].

1.3. - Importa finalmente assinalar que a proposta de lei, embora aprovada em Conselho de Ministros realizado no dia 7 de Janeiro de 2004, não tem em devida conta o Acórdão n.º 616/2003, proferido pelo Tribunal Constitucional em Dezembro de 2003, no processo relativo à fiscalização abstracta da constitucionalidade de normas da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, requerida pelo Sr. Provedor de Justiça.
Através do Acórdão mencionado, o Tribunal Constitucional considerou que a quantia ou remuneração prevista no mencionado diploma sobre cópia privada ("quer deva ou não ser rigorosamente caracterizada como imposto ou antes como receita coactiva parafiscal, dele próxima") deve ser tratada no quadro da norma do artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República, só podendo por isso ser fixada por lei.
Foram, em consequência, declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, as normas do artigo 3.º, n.os 1 e 2, a segunda das quais é reproduzida no artigo 6.º da proposta.

2 - Objecto, motivação e conteúdo da proposta de lei n.º 108/IX

2.1. - A proposta de lei n.º 108/IX visa proceder à adaptação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos

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ao ambiente digital, mediante a transposição para a ordem interna da Directiva Comunitária 2001/29/CE, do Parlamento e do Conselho, de 22 de Maio de 2001 e a revisão da Lei n.° 62/98, de 1 de Setembro, que regula a cópia privada [Apesar da denominação da proposta, as soluções para que aponta têm também vastas implicações para o "mundo não digital"].
A directiva é a resposta da União Europeia ao ambiente digital: actualiza a protecção do direito de autor com o intuito de se manter a par da tecnologia e visa garantir a protecção adequada de todo o material sujeito a direito de autor, como livros, filmes e música. Visa estabelecer um enquadramento seguro para o comércio transfronteiras de bens e serviços protegidos pelo direito de autor e facilitar o desenvolvimento do comércio electrónico de novos produtos e serviços multimédia.
Por outro lado, constitui o meio pelo qual a União Europeia e os seus Estados-membros dão cumprimento aos dois tratados de 1996 da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) - os "Tratados Internet" sobre o direito de autor e sobre prestações e fonogramas, que encetaram o processo de adaptação da protecção do direito de autor à tecnologia digital [Elaborada na esteira do Digital Millennium Copyright Act de 1998, celeremente aprovado pelo Congresso dos EUA, a directiva teve percurso polémico nas instituições comunitárias e sofreu sucessivas correcções, em busca do necessário equilíbrio entre os interesses dos titulares de direitos protegidos e os interesses dos utilizadores de obras. Cfr. propostas da Comissão (JO C 108 de 7.4.1998, p. 6 e JO C 180 de 25.6.1999, p. 6), Parecer do Comité Económico-Social ( JO C 407 de 28.12.1998, p. 30), Parecer do Parlamento Europeu de 10 de Fevereiro de 2000 (JO C 150 de 28.5.1999, p. 171), posição comum do Conselho de 28 de Setembro de 2000 (JO C 344, 1.12.2000, p. 1), decisão do Parlamento Europeu de 14 de Fevereiro de 2001 e Decisão do Conselho de 9 de Abril de 2001. Seis anos após o início do processo, os objectivos de harmonização legislativa visados pela Directiva estão longe da almejada concretização].
Com esse objectivo, o Governo propõe a alteração:

- Dos artigos 68°, 75.°, 76.°, 82.°, 176.°, 178.°, 180.°, 182.°, 184.°, 187.° e 189.° do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 63/85, de 14 de Março, e alterado pelas Leis n.os 45/85, de 17 de Setembro, e 114/91, de 3 de Setembro;
- Dos artigos 1.°, 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.° e 9.° da Lei n.° 62/98, de 1 de Setembro.

2.2. - Fixando o alcance da revisão do quadro legal proposta, a exposição de motivos assinala:

"Trata-se reconhecidamente de um labor que incide sobre uma matéria nova, complexa e em permanente mudança, longe ainda de um paradigma estabilizado. Por isso, as modificações agora introduzidas na legislação traduzem uma opção deliberada de adequar o ordenamento jurídico nacional ao ordenamento comunitário em parâmetros de estrita necessidade e razoabilidade (...) No horizonte próximo anunciam-se, em razão da produção normativa internacional a que Portugal está vinculado, novas intervenções legislativas no domínio do direito de autor, haja em vista a existência de trabalhos conducentes à aprovação de directivas e tratados. Isso permitirá o surgimento de ocasiões para introduzir as melhorias e os aprofundamentos legais que a experiência, entretanto obtida, vier a recomendar".

O Governo entendeu, pois, que a necessidade de transposição para o direito interno da Directiva não justifica uma reforma em profundidade do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e, menos ainda, um esforço de sistematização do nosso disperso Direito do Ciberespaço.
Embora reconhecendo a necessidade de modificar em profundidade múltiplos aspectos do regime da Propriedade Intelectual, para o adaptar às inovações decorrentes da revolução digital e da globalização, foi alegado publicamente que "esse labor exige tempos de maturação que são incompatíveis, em parte, com os contextos de decisão técnico-política habitualmente vivenciados", justificando-se apenas "a adopção de um 'standard mínimo' de modificações". Invoca-se ainda, em abono dessa opção, o facto de o processo de harmonização legislativa comunitária não estar fechado, uma vez que foi recentemente publicada a Directiva sobre o Direito de Sequência, e a Comissão Europeia divulgou para análise pública e discussão no seio do Conselho da União Europeia a nova proposta de Directiva relativa à luta contra a contrafacção e a pirataria dos bens da propriedade intelectual [COM (2003) 46 final, de 30.01.2003], a que se seguirão outras propostas.
Afigura-se óbvio que os muitos meses decorridos desde o início da preparação da proposta tornam porventura agora inevitável uma revisão minimalista, intercalar e célere, mas tal não era absolutamente inevitável no já distante início do processo. Por outro lado, é de ponderar cuidadosamente se deve esperar-se indefinidamente pelo aprofundamento da harmonização comunitária do regime do Direito de Autor para desencadear uma revisão em profundidade do Código que vigora entre nós desde a segunda metade da década de 80. É de notar, por fim, que muitas das matérias que a proposta não regula (vg. o regime do depósito legal na era digital) suscitam problemas melindrosos e urgentes cuja resolução só com graves custos pode ser adiada sem qualquer horizonte temporal [Cfr. projecto de lei n.º 1206, pendente na Assembleia Nacional francesa para transposição da mesma directiva, que inclui disposições sobre o depósito legal na era digital].

3. Objecto, motivação e conteúdo do projecto de lei n.º 414/IX

O projecto de lei n.º 414/IX visa regular apenas uma das matérias para as quais a Directiva 2001/29/CE fixa enquadramento geral. Parte-se do facto inegável de que "hoje é possível aceder à Net a partir dos mais variados dispositivos e usando os mais diversos programas de computador e sistemas operativos" e que "como resultado disso, milhões de obras - de livros a músicas, de filmes a artigos jornalísticos - circulam livremente na Net porque os seus autores assim o decidiram". Sustentando que os autores têm "o direito de controlar o acesso às suas obras digitais, utilizando as ferramentas e dispositivos que a própria tecnologia lhes fornece para preservar os seus legítimos interesses", os Deputados signatários entendem

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que "uso indiscriminado e sem controlo destes dispositivos pode criar uma situação paradoxal em que a própria tecnologia se sobrepõe à lei, em que o código informático da medida tecnológica é que decide e determina as condições de utilização que o beneficiário de uma obra, adquirida em condições legais, lhe pode dar".
Por forma a atingir um desejável equilíbrio entre interesses contrapostos, o projecto de lei "reconhece protecção jurídica das medidas tecnológicas de controlo de acesso das obras digitais que sejam eventualmente introduzidas pelo autor ou pelo detentor dos direitos de autor, sempre com a concordância do criador". Fixa, por outro lado, regras tendentes a assegurar que tais medidas "levem em conta e respeitem todas as utilizações livres previstas pelo Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos". São também eliminadas dúvidas e incertezas quanto à legalidade de certas acções de neutralização das medidas tecnológicas de controle de acesso, designadamente as que "tenham por único objectivo a investigação e o desenvolvimento científico nas áreas de segurança e criptografia".

4 - Apreciação das alterações legais visadas pela proposta de lei n.º 108/IX

As normas constantes da proposta de lei n.º 108/IX visam um vasto conjunto de alterações legais.

A)
A proposta pretende regular, de acordo com a Directiva, os direitos exclusivos relativos às modalidades de normal exploração económica dos bens protegidos, designadamente os direitos de reprodução, de comunicação ao público e de distribuição.
A Directiva (artigo 3.°) enquadra o direito de comunicação ao público nos termos seguintes:

"1. Os Estados-membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.
2. Os Estados-membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, cabe:

a) Aos artistas intérpretes ou executantes, para as fixações das suas prestações;
b) Aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas;
c) Aos produtores de primeiras fixações de filmes, para o original e as cópias dos seus filmes; e
d) Aos organismos de radiodifusão, para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por cabo ou satélite.

3 - Os direitos referidos nos n.os 1 e 2 não se esgotam por qualquer acto de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo".

Dá-se, assim, expressão à inovação decorrente dos Tratados OMPI.
Já no tocante ao direito de reprodução, a Directiva optou por consagrar uma definição muito ampla, pela qual a União Europeia pugnou, sem êxito, na Conferência Diplomática que aprovou os Tratados [Na Conferência Diplomática de 1996 não foi possível superar as divergências entre os Estados quanto à noção do direito de reprodução adequada à era digital. Optou-se por uma menção parcial em Declaração Acordada anexa às disposições dos Tratados].
Essa definição é acolhida na redacção proposta para os artigos 68.°, 176.°, 178.°, 184.° e 187.° do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), abrangendo os diversos titulares de direitos.

B)
A proposta introduz modificações pontuais em certas definições consagradas pelo CDADC no que respeita aos direitos conexos (artigo 176.º), dando expressão às alterações conceptuais decorrentes do Tratado da OMPI sobre Interpretações ou Execuções e Fonogramas.

C)
Adita-se um novo n.º 5 ao artigo 68.° do Código clarificando o regime do esgotamento do direito de distribuição. Este é limitado, nos termos da Directiva, ao território da União Europeia [Optou-se pelo "esgotamento regional", solução considerada preferível ao esgotamento internacional, igualmente admitido pelos Tratados, que facultam liberdade de escolha aos legisladores nacionais].

Fundamentando a opção, assinala-se no Considerando 28 da Directiva:

"A protecção do direito de autor nos termos da presente directiva inclui o direito exclusivo de controlar a distribuição de uma obra incorporada num produto tangível. A primeira venda na Comunidade do original de uma obra ou das suas cópias pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, esgota o direito de controlar a revenda de tal objecto na Comunidade. Tal direito não se esgota em relação ao original ou cópias vendidas pelo titular do direito, ou com o seu consentimento, fora da Comunidade. A Directiva 92/100/CEE estabelece os direitos de aluguer e comodato dos autores. O direito de distribuição previsto na presente directiva não prejudica as disposições relativas aos direitos de aluguer e comodato previstos no capítulo I dessa directiva".

Houve ainda a preocupação de clarificar [Cfr. Considerando 29] que "a questão do esgotamento não é pertinente no caso dos serviços, em especial dos serviços em linha. Tal vale igualmente para as cópias físicas de uma obra ou de outro material efectuadas por um utilizador de tal serviço com o consentimento do titular do direito. Por conseguinte, o mesmo vale para o aluguer e o comodato do original e cópias de obras ou outros materiais, que, pela sua natureza, são serviços. Ao contrário do que acontece com os CD-ROM ou os CDI, em que a propriedade intelectual está incorporada num suporte material, isto é, uma mercadoria, cada serviço em linha constitui de facto um acto que deverá ser sujeito a autorização quando tal estiver previsto pelo direito de autor ou direitos conexos".

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A redacção proposta para o artigo 68.°, n.° 5 do CDADC precisa que o direito de distribuição se refere a exemplares tangíveis de uma obra protegida.

D)
O regime aplicável às limitações e excepções aos direitos de autor e conexos gerou intensa controvérsia no decurso do processo de elaboração da Directiva.

Sintetizando os resultados alcançados, refere a Directiva [Cfr. Considerando 31]:

"Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. As excepções ou limitações existentes aos direitos estabelecidas a nível dos Estados-membros devem ser reapreciadas à luz do novo ambiente electrónico. As diferenças existentes em termos de excepções e limitações a certos actos sujeitos a restrição têm efeitos negativos directos no funcionamento do mercado interno do direito de autor e dos direitos conexos. Tais diferenças podem vir a acentuar-se tendo em conta o desenvolvimento da exploração das obras através das fronteiras e das actividades transfronteiras. No sentido de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, tais excepções e limitações devem ser definidas de uma forma mais harmonizada. O grau desta harmonização deve depender do seu impacto no bom funcionamento do mercado interno".
A Directiva optou por prever um regime de compromisso, muito singular, traduzido da definição de uma lista taxativa de limitações e excepções [Como se refere expressamente no Considerando 32, a Directiva "prevê uma enumeração exaustiva das excepções e limitações ao direito de reprodução e ao direito de comunicação ao público. Algumas excepções só são aplicáveis ao direito de reprodução, quando adequado. Esta enumeração tem em devida consideração as diferentes tradições jurídicas dos Estados-membros e destina-se simultaneamente a assegurar o funcionamento do mercado interno. Os Estados-membros devem aplicar essas excepções e limitações de uma forma coerente, o que será apreciado quando for examinada futuramente a legislação de transposição"], das quais apenas uma, referente ao direito de reprodução (artigo 5.°, n.° 1, da Directiva) é obrigatória. Superando hesitações e reservas iniciais, a versão final da Directiva teve em conta a necessidade de na União Europeia se garantir o normal funcionamento da Internet, salvaguardando-se a licitude de actos de reprodução temporária, que sejam "reproduções transitórias ou pontuais, constituindo parte integrante e essencial de um processo tecnológico efectuado com o único objectivo de possibilitar, quer uma transmissão eficaz numa rede entre terceiros por parte de um intermediário, quer a utilização legítima de uma obra ou de outros materiais protegidos" [Cfr. Considerando 33, que explicita ainda: "Os actos de reprodução em questão não deverão ter, em si, qualquer valor económico. Desde que satisfeitas essas condições, tal excepção abrange igualmente os actos que possibilitam a navegação ("browsing") e os actos de armazenagem temporária ("caching"), incluindo os que permitem o funcionamento eficaz dos sistemas de transmissão, desde que o intermediário não altere o conteúdo da transmissão e não interfira com o legítimo emprego da tecnologia, tal como generalizadamente reconhecido e praticado pela indústria, para obter dados sobre a utilização da informação"].
As demais excepções são facultativas, mas não desprovidas de enquadramento jurídico para a respectiva adopção, uma vez que deve ser respeitada a "regra dos 3 passos" consagrada no artigo 9.°/al. 2 da Convenção de Berna - Revisão de Estocolmo - e incluída no n.° 5 do artigo 5.° da Directiva, nos termos seguintes:

"As excepções e limitações (...) só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito".

A regra em causa, fixada pela Convenção de Berna, com aplicação limitada ao direito de reprodução, viu a sua aplicação alargada pelo artigo 13.° do Acordo TRIPS, da Organização Mundial do Comércio, a todos os direitos exclusivos previstos nesse Tratado e nos "Tratados Internet" da OMPI [Cfr. n° 1 do artigo 10.° do Tratado sobre Direito de Autor e n.° 2 do artigo 16.° do Tratado sobre prestações e fonogramas].
No período que precedeu a apresentação da proposta de lei n.º 108/IX foi prestada informação pelo Gabinete do Direito de Autor do Ministério da Cultura de que as soluções a propor pelo Governo teriam em conta:

- "A real importância das utilizações em causa para o bem comum, da sociedade, numa óptica de adequada ponderação dos direitos e interesses";
- "A tradição jurídica portuguesa, mantendo-se, sempre que possível, as formulações já consagradas no nosso ordenamento jurídico";
- "A previsão de algumas novas excepções especialmente necessárias para o novo ambiente digital, sem contudo esgotar a lista, de excepções prevista na Directiva, por se afigurar não ser absolutamente necessária uma tal opção para alcançar os interesses públicos relevantes na matéria" [Refuta-se, assim, que haja aumento das excepções: "Há excepções que apenas se limitam a adaptar situações já existentes e reconhecidas como legítimas ao ambiente digital. É o caso da possibilidade de se proceder à visualização e leitura de obras nos terminais de computador instalados nas bibliotecas por parte dos utentes. Em rigor, não se trata de uma. nova excepção, mas da adaptação de uma prática cultural a um novo suporte. Idêntico juízo pode ser formulado para o caso da utilização de bens intelectuais em processos administrativos e judiciais ou para fins de segurança pública. Na aparência, trata-se de uma nova excepção, até agora não integrada no corpo do Código. Há, porém, que referir que a indicada excepção já existe no ordenamento jurídico nacional aplicável designadamente às bases de dados, conforme resulta do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 10.° do Decreto Lei n.° 122/2000, que procedeu à transposição para o direito interno da Directiva 96/9/CE, de 11 de Março. O que se faz agora é alargar a previsão da excepção aos demais bens protegidos"].

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Quanto a certas excepções que serão formalmente novidade em sede legislativa legislação, alegou-se que "há muito se encontravam 'legitimadas' pelo uso corrente generalizado, sem que daí tivesse advindo qualquer especial oposição ou litígio por parte dos titulares de direitos" [O GDA dá como exemplo as reproduções de transmissões de radiodifusão - programas de rádio e televisão - efectuadas por hospitais e prisões, sem fins lucrativos, referindo: "Não há memória de qualquer proibição aos usos estabelecidos nesta matéria (time-shifting), sequer sob a forma tentada"].
Pelo seu carácter excessivamente genérico, este enunciado de critérios não se afigura bastante para fundamentar concreta e convincentemente certas das formulações propostas e não se reveste de utilidade para justificar diversas omissões [Alguns exemplos: artigos 5.º/3/i , 5.º/3/l, 5.º/3/m da Directiva. Também nos termos do artigo 5.º/2/b da Directiva, "os Estados-membros podem prever excepções ou limitações ao direito de reprodução em relação às reproduções em qualquer meio efectuadas por uma pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos, desde que os titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa que tome em conta a aplicação ou a não aplicação de medidas de carácter tecnológico, referidas no artigo 6.º, à obra ou outro material em causa".A norma assume no contexto digital a importância decorrente de permitir o normal uso da Internet (vg. para efeitos de consulta e acesso à informação), sem submeter os utilizadores a sanções por actividades cuja licitude não deve sofrer indefinições e que não se confundem com a pirataria].
Caberá, pois, ponderar a questão, na especialidade, apreciando as observações e sugestões dirigidas à Assembleia da República, por forma a que sejam devidamente fundamentadas as opções que o legislador entenda assumir.
Importará não ignorar, desde logo, parâmetros fixados pelo legislador comunitário, bem sintetizados em considerandos da Directiva:

- "Os Estados-membros podem prever uma excepção ou limitação a favor de certos estabelecimentos sem fins lucrativos, tais como bibliotecas acessíveis ao público e instituições equivalentes, bem como arquivos. No entanto, tal deve ser limitado a certos casos especiais abrangidos pelo direito de reprodução. Tal excepção ou limitação não deve abranger utilizações no contexto do fornecimento em linha de obras ou outro material protegido. A presente directiva não prejudica a faculdade de os Estados-Membros preverem uma derrogação ao direito exclusivo de comodato ao público, em conformidade com o disposto no artigo 5.º da Directiva 92/100/CEE. Por conseguinte, convém incentivar contratos ou licenças específicos que favoreçam de forma equilibrada esses organismos e a realização dos seus objectivos de difusão (Considerando 40);

- "Na aplicação da excepção ou limitação para efeitos de investigação pedagógica e científica não comercial, incluindo o ensino à distância, o carácter não comercial da actividade em questão deverá ser determinado por essa actividade propriamente dita. A estrutura organizativa e os meios de financiamento do estabelecimento em causa não são factores decisivos a esse respeito (Considerando 42).
- "É importante que os Estados-membros adoptem todas as medidas adequadas para favorecer o acesso às obras por parte dos portadores de uma deficiência que constitua obstáculo à sua utilização, concedendo particular atenção aos formatos acessíveis" (Considerando 43).

Para a fixação das excepções, afigura-se igualmente de incontornável utilidade o estudo da legislação já aprovada por outros Estados-membros [Cfr., por exemplo, a cautelosa delimitação feita pela lei alemã para enquadrar as formas de uso legítimas em função de necessidades de ensino e investigação científica (Gesetz zur Regelung des Urheberrechts in der informationsgesellschaft, de 10.9.2003, §52a, com a epígrafe "Öffentliche Zugänglichmachung für Unterricht und Forschung")].

E)
No tocante à reprografia, a proposta de lei reafirma o regime que a limita à utilização para fins exclusivamente privados [alínea b) do artigo 81.° do CDADC].
Fundamentando a formulação proposta, foi afirmado [No decurso do debate que precedeu a apresentação da iniciativa à Assembleia da República] que a mesma é "explicitamente ainda mais restrita do que a admitida, literalmente, no texto respectivo da Directiva, conquanto se entenda que o espírito do legislador comunitário tinha em mente a solução idêntica à adoptada na ordem jurídica portuguesa".

Tal opção foi justificada nos termos seguintes:

"A designada reprografia - a obtenção de exemplares de obras e documentos, protegidos ou não pelo direito, em papel ou suporte semelhante, realizada através de qualquer tipo de técnica fotográfica é uma prática social que, no que respeita à protecção dos autores, se constitui, quando indevidamente utilizada, num facto censurável que se generalizou nas últimas décadas, sendo admissível prever-se que, apesar de o seu impacto poder diminuir à medida que a tecnologia digital se impõe, sempre permanecerá difícil de controlar e combater.
O enunciado não exprime um juízo valorativo, tão só a constatação de um facto sociológico, cabendo aqui realçar a ideia de que certas utilizações da reprografia constituem um atentado ao mundo da edição, aspecto que se entende como profundamente negativo no domínio da Acção Cultural.
A admissão da reprografia no texto da Directiva tem como condição necessária a criação por parte do legislador nacional de uma "remuneração equitativa" a favor dos titulares de direitos que podem sofrer danos económicos com a sua abusiva utilização".

A "remuneração equitativa" em causa foi regulada pela lei da "cópia privada" - Lei n.° 62/98, de 1 de Setembro - cujo artigo 3.º, n.º 2, estabeleceu:

"2 - Sempre que a utilização seja habitual e para servir o público, o preço de venda ao público das fotocópias, electrocópias e demais suportes inclui uma remuneração cujo montante é fixado por acordo entre a pessoa colectiva prevista no artigo 6.º e as entidades públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos, que utilizem aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações".

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A norma em causa não teve aplicação prática. Ocorre, porém, que surge retomada no artigo 6.º da proposta de lei, sem ter em conta que ocorreu entretanto declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma idêntica (Acórdão 616/2003, citado).
O entendimento perfilhado pelo Tribunal Constitucional está, muito evidentemente, nos antípodas da opção que visou devolver a fixação do montante da remuneração para ulterior acordo entre a pessoa colectiva representativa dos titulares de direitos e as entidades que utilizem aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações.
A proposta de lei n.º 108/IX não tem assim em conta que, no novo quadro resultante da jurisprudência constitucional, terá de caber à lei, e só a esta, definir em concreto, em função de critérios a estabelecer justificadamente, os montantes e modalidades desta prestação coactiva que, de acordo com a jurisprudência constitucional portuguesa tem natureza fiscal ou parafiscal.

F)
A proposta consagra a previsão alargada de "remunerações equitativas" a favor dos titulares de direitos.

Tal opção foi fundamentada nos termos seguintes:

"Nuns casos, essa previsão constava já do corpo normativo do Código, noutros casos ela resulta de expressa indicação do legislador comunitário (por exemplo, as reproduções de transmissões radiofónicas feitas por instituições sociais, sem fins lucrativos).
Em todos os casos, a preocupação dominante foi a de permitir a defesa legítima dos titulares de direitos como manifestação e expressão concreta do incentivo aos criadores, aspecto que se pretende ser um dos eixos permanentes da política cultural desenvolvida pelas autoridades competentes na matéria".

G)
Alarga-se a regulamentação da "cópia privada" aos bens digitais, tendo em conta as novas possibilidades abertas pela massificação do uso de novas tecnologias de informação e comunicação [Para uma avaliação das vicissitudes que rodearam os esforços, largamente frustrados, de aplicação do quadro configurado pela Lei n.º 62/98, cfr. a contribuição da AGECOP publicada em anexo].
O regime proposto "não se aplica aos computadores, aos seus programas nem às bases de dados constituídas por meios informáticos, bem como aos equipamentos de fixação e reprodução digitais".
O Governo propõe concretamente a imposição de uma quantia (destinada a beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores, os produtores fonográficos e os videográficos) no preço de venda ao público:

- De todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras como finalidade única ou principal (com excepção dos equipamentos digitais);
- De todos e quaisquer suportes materiais virgens analógicos (com excepção do papel);
- De todos e quaisquer suportes materiais virgens digitais.

A proposta fixa o montante devido pelos consumidores em 3% do preço de venda ao público dos bens referidos, antes da aplicação do IVA, estabelecido pelos respectivos fabricantes e importadores.

Cumpre tão-só anotar, nesta sede, que:

- A exclusão dos equipamentos digitais foi consagrada na versão final da proposta. Não é conhecido o parecer da UMIC sobre tal matéria, nem a resposta às observações que a opção tem vindo a suscitar;
- Ao contrário do que sucede em relação à aplicação de uma percentagem fixa a aparelhos mecânicos, químicos, electrónicos ou outros capazes de fixar e reproduzir obras, a adopção da mesma técnica para tributar suportes não é sufragada pelo Direito Comparado e pode conduzir a resultados indesejáveis;
- Combinada com a não especificação, precisa e inequívoca, dos suportes abrangidos, a formulação proposta acarreta elevado grau de indefinição susceptível de reeditar os factores de controvérsia paralisante e congénita inexequibilidade que marcaram o primeiro ciclo de vigência precária e incompleta da Lei n.º 62/98 [Cfr., por se filiar na destrinça rigorosa de suportes, o artigo 39.º do Decreto legislativo nº 68, de 9 de Abril de 2003 (Attuazione della direttiva 2001/29/CE sull'armonizzazione di taluni aspetti del diritto d'autore e dei diritti connessi nella società dell'informazione):
"1.Il compenso di cui all'art. 71-septies della legge 22 aprile 1941, n. 633, è fissato fino al 31 dicembre 2005, e comunque fino all'emanazione del decreto di cui allo stesso art. 71-septies, nelle seguenti misure:
a) supporti audio analogici: 0,23 euro per ogni ora di registrazione;
b) supporti audio digitali dedicati, quali minidisc, CD-R audio e CD-RW audio: 0,29 euro per ora di registrazione. Il compenso è aumentato proporzionalmente per i supporti di durata superiore;
c) supporti digitali non dedicati, idonei alla registrazione di fonogrammi, quali CD-R dati e CD-RW dati: 0,23 euro per 650 megabyte.
d) memorie digitali dedicate audio, fisse o trasferibili, quali flash memory e cartucce per lettori MP3 e analoghi: 0,36 euro per 64 megabyte;
e) supporti video analogici: 0,29 euro per ciascuna ora di registrazione;
f) supporti video digitali dedicati quali DVHS, DVD-R video e DVD-RW video: 0,29 euro per ora, pari a 0,87 euro per un supporto con una capacità di registrazione di 180 minuti. Il compenso è aumentato proporzionalmente per i supporti di durata superiore;
g) supporti digitali idonei alla registrazione di fonogrammi e videogrammi, quali DVD Ram, DVD-R e DVD-RW: 0,87 euro per 4,7 gigabyte. Il compenso è aumentato proporzionalmente per i supporti di durata superiore;
h) apparecchi esclusivamente destinati alla registrazione analogica o digitale audio o video: 3 per cento dei relativi prezzi di listino al rivenditore.]

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H)
O Governo propõe alterações da redacção dos artigos 180.° e 182.° do CDADC, invocando "a necessidade de cumprimento do disposto no Tratado OMPI relativo à protecção jurídica das prestações dos artistas intérpretes ou executantes e dos fonogramas, designadamente em sede de reconhecimento do 'direito moral', cuja enunciação é mais ampla do que a fixada no nosso ordenamento jurídico".
Importa medir se há mais-valia nas alterações propostas ou se esta deve antes buscar-se no aperfeiçoamento do artigo 178.º.
Com efeito, relativamente aos direitos dos artistas, são já aplicáveis as disposições, transpostas atempadamente, em 1997, que consagram direitos fundamentais: o direito exclusivo de reprodução (artigo 7.º da Directiva 92/100/CEE), agora actualizado pelo artigo 2.º da Directiva da Sociedade da Informação; o direito exclusivo de distribuição (artigo 9.º da Directiva 92/100/CEE); o direito exclusivo de retransmissão por cabo (artigos 8.º e 9.º da Directiva 93/83/CEE), o direito exclusivo de radiodifusão e comunicação ao público (artigo 8.º da Directiva 92/100/CEE), incluindo a comunicação pública por satélite (artigo 4.º da Directiva 93/83/CEE) e o direito de aluguer (artigos 2.º e 4.º da Directiva 92/100/CEE).
A Directiva cuja transposição é agora proposta consagra o direito exclusivo dos artistas de autorizar ou proibir a colocação à disposição do público, das suas prestações, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa, a partir do local e no momento por ela escolhido (autorização para colocação em rede subsequente reprodução, venda; aluguer, radiodifusão, webcasting e outros procedimentos de difusão através de redes electrónicas).
A Directiva deixa aos Estados-membros a definição das formas de exercício deste direito - através de remuneração irrenunciável (o artista cede o direito, mas não a remuneração) ou se ficará sujeito à gestão colectiva obrigatória (como ocorre no tocante à retransmissão por cabo).
A proposta de lei n.º 108/IX limita-se a introduzir este direito no actual artigo 178.º do CDADC.
Por forma a reforçar deveras a tutela dos artistas foi publicamente aventado o aditamento de normas que clarifiquem as relações entre o artista intérprete ou executante que autorize a fixação da sua prestação para fins de radiodifusão e o respectivo produtor cinematográfico ou audiovisual ou videográfico, ou organismo de radiodifusão.

I)
O regime proposto em matéria de protecção das medidas tecnológicas e das informações para a Gestão dos Direitos merece cuidadosa ponderação à luz da Directiva e do Direito Comparado.
É de sublinhar que as regras constantes da proposta de lei não se aplicam aos programas de computador, que gozam de protecção específica nos termos da Directiva 91/250/CEE, transposta para a ordem interna pelo Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro.
A proposta de lei n.º 108/IX visa, sim, o aditamento ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos de um Título VI com a epígrafe: "Protecção das medidas de carácter tecnológico e das informações para a Gestão dos Direitos", no qual se dá nova redacção ao artigo 217.º e seguintes.
Fundamentando as soluções aventadas foi afirmado publicamente pelo GDA do Ministério da Cultura:

"Prevê se, à semelhança do que ocorre noutras situações tipificadas de violação de normas e princípios fundamentais do Direito de Autor, o recurso às tutelas penal e civil, quando se verifique a violação das normas de protecção dos bens jurídicos em causa, mediante a prática de actos, condutas e actividades que, intencionalmente, sejam realizados com vista a impedir, limitar ou por qualquer modo obstaculizar a existência das medidas eficazes de protecção de carácter tecnológico".

E conclui-se:

"A moldura penal prevista, bem como as penas acessórias elencadas, são de molde a considerar que o nível de protecção alcançado se afigura adequado aos objectivos prosseguidos pela Directiva. Por um lado, o quadro sancionatório previsto afigura se suficientemente dissuasor da prática de eventuais condutas ilícitas, o que é importante na perspectiva da prevenção geral; por outro, a latitude permitida pela redacção das normas dá ao intérprete e aplicador da lei, maxime ao juiz, a adequada abertura e flexibilidade para conformar o tipo de ilícito e a factualidade vivida, de um modo proporcionado, seguro e justo".
Sucede, porém, que as opções propostas constituem um dos aspectos mais polémicos da iniciativa governamental.
Não se trata apenas de um eco da controvérsia que marcou o debate da Directiva e que levou a procurar salvaguardar logo em sede de Direito Comunitário alguns dos mais temíveis efeitos perversos [Cfr. Considerando 48 da Directiva: "Tal protecção jurídica deve incidir sobre as medidas de carácter tecnológico que restrinjam efectivamente actos não autorizados pelos titulares de direitos de autor ou dos direitos conexos ou do direito sui generis em bases de dados, sem no entanto impedir o funcionamento normal dos equipamentos electrónicos e o seu desenvolvimento tecnológico. Tal protecção jurídica não implica nenhuma obrigação de adequação dos produtos, componentes ou serviços a essas medidas de carácter tecnológico, sempre que esses produtos, componentes ou serviços não se encontrem abrangidos pela proibição prevista no artigo 6.º. Tal protecção jurídica deve ser proporcionada e não deve proibir os dispositivos ou actividades que têm uma finalidade comercial significativa ou cuja utilização prossiga objectivos diferentes da neutralização da protecção técnica.
E esta protecção não deverá, nomeadamente, causar obstáculos à investigação sobre criptografia"].
A proposta opta pela consagração de soluções de tutela penal cuja necessidade, adequação e proporção não se encontra fundamentada nem harmonizada com os regimes que protegem valores de natureza similar.
A ser aprovada a redacção constante da proposta (artigo 218.º), passaria a cometer crime público, com procedimento criminal não dependente de queixa do ofendido, e punível com "pena de prisão até três anos ou pena de multa até 250 dias" (ou de 50 dias em caso de mera tentativa) "quem, não estando autorizado, neutralizar qualquer medida eficaz de carácter tecnológico, sabendo isso ou tendo motivos razoáveis para o saber" [Assinala-se, com pertinência, no Parecer da Secção de Direito das Novas Tecnologias da Informação e Comércio Electrónico da Comissão

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de Legislação da Ordem dos Advogados, publicado em anexo:
"Se pensarmos que estamos perante uma protecção avançada à verdadeira lesão (pois que, do elemento literal, não há qualquer relação entre o acto de neutralizar e a lesão do direito de autor) - neste sentido, um puro crime de perigo abstracto - e que o legislador entendeu dever consagrá-lo como um crime público (em que não é necessária a queixa -- cfr. n.º 2), vemos quão perigoso este crime se torna"].
A incriminação de actos preparatórios suscita igualmente reservas [Refere-se no parecer citado: "Uma vez mais, um crime de cortina fechada, em que o legislador antecipa a protecção para um momento anterior à lesão. Todavia, aqui, o tipo vislumbra o tipo de actos lesivos (constante das alíneas do n.º 1), o que lhe dá um cunho de um perigo mais concreto. Isto levou a que o crime tenha sido construído como um crime de tendência transcendente na modalidade de imperfeito de dois actos. Estes crimes são sempre crimes de complexa interpretação. Se combinarmos este facto com a exaustiva enunciação das modalidades de acção do proémio do n.º 1 (também uma técnica em desuso), somos forçados a concluir dever ser efectuada uma acentuada revisão do tipo. Uma nota final, mas não de somenos importância: a alínea b) do n.º 1 é uma absoluta norma penal em branco, ou melhor, dela não releva qualquer comportamento censurável, pelo que deve o mesmo ser expurgado do texto"].
Acresce que por força do disposto no artigo 8.º da proposta as incriminações teriam efeito retroactivo a 22 de Dezembro de 2002, solução que, de forma manifesta, viola uma regra basilar da Constituição da República.

J)
A proposta prevê limitações à protecção das medidas tecnológicas, estipulando no seu artigo 221.º:

"1 - As medidas eficazes de carácter tecnológico não devem constituir um obstáculo ao exercício normal pelos beneficiários das utilizações livres previstas nas alíneas a), e), f), i), n), e p) do n.º 2 do artigo 75.º, da alínea b) do artigo 81.º, n.º 4, do artigo 152.º e do n.º 1, nas alíneas a), c), d), e e) do artigo 189.º do Código, no seu interesse directo.
2 - Em ordem ao cumprimento do disposto no número anterior, os titulares de direitos devem adoptar adequadas medidas voluntárias, como o estabelecimento e aplicação de acordos entre titulares ou seus representantes e os utilizadores interessados.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, e sempre que se verifique, em razão de falta de acordo ou de omissão de conduta, que uma medida eficaz de carácter tecnológico impede ou restringe o uso ou a fruição de uma utilização livre por parte de um beneficiário que tenha legalmente acesso ao bem protegido, pode o lesado solicitar à autoridade competente a adopção de medidas adequadas à resolução do caso.
4 - Para os efeitos do disposto no número anterior, bem como para a resolução de litígios sobre a matéria em causa, é competente a Comissão de Mediação e Arbitragem, criada pela Lei n.º 83/2001, de 3 de Agosto, cujas decisões podem ser objecto de recurso para o Tribunal da Relação, com efeito meramente devolutivo.
5 - O incumprimento das decisões da Comissão de Mediação e Arbitragem pode dar lugar à aplicação do disposto no artigo 829.º-A do Código Civil.
6 - A tramitação dos processos previstos no número anterior tem a natureza de urgente. Cabe ao regulamento de funcionamento da Comissão de Mediação e Arbitragem estabelecer as regras relativas à fixação e pagamento dos encargos devidos a título de preparos e custas dos processos".

O sistema previsto assenta essencialmente no funcionamento de uma estrutura inexistente, cuja viabilidade de funcionamento eficaz não é conjecturável, atenta a sua natureza e regras procedimentais.
Não resulta claro, por outro lado, em que termos esse regime se articula com o previsto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro, que transpôs a Directiva sobre comércio electrónico, conferindo poderes de composição provisória de litígios à ANACOM e outras autoridades administrativas independentes.
Importa, por último, assegurar que o futuro regime não possa ser interpretado como:

- Criminalizando o fabrico e distribuição de qualquer ferramenta que permita o acesso a obras protegidas, mas que não cumpra ou possa ser rotulada como não cumprindo requisitos fixados pelo titular de direitos;
- Criminalizando a divulgação, científica ou não, de informações e dados referentes a mecanismos e tecnologias de gestão de acessos;
- Impedindo medidas necessárias ao depósito legal, que exige que as medidas de restrição de acesso não impeçam a modificação de formatos de ficheiros por forma a facultar a preservação a longo prazo das obras [Cfr. posição crítica assumida pela ANSOL, publicada em anexo].

L)
Prevê-se que os titulares de direitos possam, em caso de infracção actual ou iminente aos seus direitos, requerer ao tribunal o decretamento das medidas cautelares adequadas e previstas na lei geral (artigo 227.º).
As normas em causa não instituem qualquer regime especial, tendo carácter reafirmativo do regime geral.
Questionado sobre a articulação com o regime previsto pelo diploma que efectuou a transposição da Directiva sobre o Comércio electrónico, o GDA do Ministério da Cultura manifestou o entendimento segundo o qual, no tocante aos intermediários, os dois regimes são compatíveis, "conquanto se considere que a aplicação das disposições nesta contida, pela natureza genérica e aberta que assume no domínio da responsabilidade dos intermediários, aconselha uma formulação mais específica adaptada às particulares necessidades sentidas pelos titulares dos direitos de propriedade intelectual. Não parece haver contradição insanável na abordagem feita ao tema pelas duas Directivas".
A solução proposta à Assembleia da República não contempla, contudo, como se referiu, qualquer solução específica, assumindo por isso a natureza de norma de sinalização e reenvio, sem conteúdo relevante.

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M)
A redacção proposta para um futuro artigo 228.º do CDADC regulando a articulação do novo quadro legal com o decorrente de outros diplomas reproduz a norma constante do artigo 9.º da Directiva:

"O disposto na presente directiva não prejudica as disposições relativas nomeadamente às patentes, marcas registadas, modelos de utilidade, topografias de produtos semi-condutores, caracteres tipográficos, acesso condicionado, acesso ao cabo de serviços de radiodifusão, protecção dos bens pertencentes ao património nacional, requisitos de depósito legal, legislação sobre acordos, decisões ou práticas concertadas entre empresas e concorrência desleal, segredo comercial, segurança, confidencialidade, protecção dos dados pessoais e da vida privada, acesso aos documentos públicos e o direito contratual".

Compreensível em sede de direito comunitário, a norma não reveste utilidade específica em sede legislativa interna.

N)
O artigo 4.º da proposta visa manter e renumerar normas programáticas do CDADC (artigos 217.º - sobre arbitragem - e 218.º- previsão de lei definidora do regime das entidades de gestão colectiva do direito de autor) cujos comandos já foram executados pelo legislador, sendo hoje desprovidos de relevância normativa.

O)
O artigo 8.º estabelece um regime específico de aplicação no tempo de algumas das inovações legislativas propostas:

"O disposto nos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º do presente diploma produz efeitos desde 22 de Dezembro de 2002, sem prejuízo dos actos de exploração já praticados e dos direitos adquiridos por terceiros".

Sendo perceptível a ratio legis do preceito, atento o prazo fixado pela Directiva para as transposições pelos Estados-membros, o mesmo está redigido em termos que acarretam retroactividade de normas que decorrem do cumprimento da Directiva e de outras que acrescem ao conteúdo mínimo por esta imposto. Compreensivelmente, foi salvaguardada a mera aplicação futura do novo regime da cópia privada.
A redacção proposta tem como consequência a já assinalada retroactividade inconstitucional das normas penais previstas no artigo 3.º.

5 - Apreciação das soluções normativas propostas pelo BE

Em consonância com os objectivos de tutela equilibrada enunciados na exposição de motivos, o projecto subscrito pelos Deputados do Bloco de Esquerda regula exclusivamente o regime de medidas tecnológicas de controlo, definidas como "todo o mecanismo que limite o acesso a uma obra protegida pelo Código de Direito de Autor e Direitos Conexos, com a excepção de programas de computador".
Clarifica-se que "não constituem, enquanto tais, medidas tecnológicas de controlo de acesso: a) um protocolo; b) um formato; c) um algoritmo; d) um método de criptografia, de codificação ou de transformação". Precisa-se ainda que "a aplicação de medidas tecnológicas de controlo de acesso é definida de forma voluntária e opcional pelo detentor dos direitos de reprodução da obra, quando tal for expressamente autorizado pelo seu criador intelectual" (redacção proposta para o artigo 217.º do CDADC).
Assegurando embora protecção jurídica contra a neutralização de medidas tecnológicas de controlo de acesso, como é obrigatório por força da Directiva a transpor, o projecto regula pormenorizadamente os limites à adopção dessas medidas, estatuindo (artigo 219.º) que as mesmas "não podem constituir um obstáculo ao exercício normal pelos beneficiários das utilizações livres previstas nos artigos 75.º, 81.º, 152.º e 168.º" do CDADC.
Faz-se ainda depender a adopção de medidas tecnológicas de controlo de acesso do "depósito de uma cópia da obra sem a aplicação de quaisquer medidas tecnológicas de controlo de acesso, nos termos do depósito legal regido pelo Decreto-Lei n.º 74/82, de 3 de Março, e o Decreto-Lei n.º 362/86, de 28 de Outubro".
Clarificam-se também as condições em que pode ter lugar a neutralização de medidas tecnológicas de controlo de acesso:

- A neutralização de medidas tecnológicas de controlo de acesso é legal sempre que estas não respeitem os limites anteriormente enunciados, e na medida destes limites.
- A investigação que conduza à neutralização de uma medida tecnológica de controlo de acesso é também legal, desde que a consequente neutralização tenha exclusivos fins científicos e não seja usada para a violação dos direitos de autor e dos direitos conexos, tal como é definida no Título IV do CDADC.

A violação do regime previsto faz incorrer os infractores em contra-ordenações (artigo 221.º), nos termos seguintes:

"1. Constitui contra-ordenação punível com coima de 100 € a 1000 € a neutralização de qualquer medida tecnológica de controlo de acesso que não esteja abrangida pelo disposto no artigo 220.º, sem prejuízo das eventuais sanções previstas no Título IV deste Código.
2. Às contra-ordenações são aplicáveis as disposições do Regime Geral de contra-ordenações previsto pelo Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro.
3. A competência para o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas pertence à Inspecção-Geral das Actividades Culturais".

6. Conclusões

- Importa assegurar, com carácter de urgência, a revisão do CDADC, dando cumprimento à obrigação comunitária de transposição da Directiva 2001/29/CE;
- A proposta de lei n.º 108/IX e o projecto de lei n.º 414/IX facultam à Assembleia da República base de trabalho susceptível de permitir a conclusão atempada de um processo legislativo do qual resulte a actualização do CDADC, designadamente face às inovações decorrentes da era digital;
- No processo legislativo, a Assembleia da República deverá ter em conta a recente jurisprudência constitucional referente ao regime jurídico da cópia privada, o que implica

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reponderação de opções constantes da proposta de lei n.º 108/IX;
- O processo legislativo é o ensejo adequado para, ouvidas as entidades representativas dos titulares de direitos, justificar e ponderar à luz da Directiva e do Direito Comparado as formulações mais apropriadas para a desejável actualização do CDADC.

7. Parecer

Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte parecer:

Que as iniciativas legislativas em análise estão em condições constitucionais e legais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate na generalidade.

Assembleia da República, 25 de Fevereiro de 2004 - A Presidente, Assunção Esteves - O Deputado Relator, José Magalhães.

Nota: As conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Anexo 1
Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)

Artigo 68.º, n.º 2, da proposta de lei
Deve ser mantida a actual alínea h) do CDADC - "Assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes, qualquer utilização em obra diferente", já que este direito não foi absorvido por nenhuma das novas alíneas.
Artigo 68.º, n.º 5, da proposta de lei
Parece-nos que o texto original da Directiva (artigo 4.º, n.º 2) deveria ser o adoptado dada a sua maior clareza.
Artigo 75.º, n.º 1, da proposta de lei
Carece de definição a expressão "significado económico".
Artigo 75.º, n.º 2, alínea a), e n.º 4 da proposta de lei
Ao confrontar com a alínea b) do artigo 81.º do CDADC, verifica-se com a alteração proposta, uma dupla classificação legal, que levará à transformação do conceito de cópia privada em utilização livre, inviabilizando-se, desta forma, a aplicação prática da Lei n.º 62/98.
Defende-se, desde já, a eliminação desta alínea a) do artigo 75.º da proposta de lei.
Artigo 75.º, n.º 2, alínea e), da proposta de lei
Ao passar a incluir-se as instituições de ensino no conjunto das instituições que poderão proceder à reprodução livre de obras previamente tomadas acessíveis ao público passa a ser permitida a cópia total de obras nas instituições de ensino, o que é gravoso para autores e editores designadamente no âmbito dos livros técnicos e escolares.
Defendemos, pois, a exclusão das instituições de ensino da previsão desta alínea.
Além do mais, a sua inclusão na actual norma contraria o disposto na alínea f) da proposta [actual alínea e)] que permite apenas "a reprodução parcial nos estabelecimentos de ensino".
Esta mesma alínea, com a sua actual redacção, permite a reprodução de uma obra por qualquer processo, ao contrário do dispositivo da lei vigente que apenas permite a reprodução "pela fotografia ou processo análogo".
Defendemos que a lei deverá limitar a reprodução à que se verificar em suporte idêntico àquele em que a obra original foi publicada.
Artigo 75.º, n.º 2, alínea o), da proposta de lei
Parece-nos perigosa a inserção desta alínea sem que se criem adequados mecanismos de segurança e controle, uma vez que a possibilidade de acesso às obras por uma infinidade de utilizadores, nomeadamente os frequentadores de bibliotecas, museus, organismos públicos e escolas, poderá tomar-se grandemente lesivo dos interesses de autores e editores.
Artigo 75.º, n.º 2, alínea q), da proposta de lei
Esta alínea é uma novidade relativamente à lei actual e mesmo aos anteriores projectos de transposição.
Defendemos a sua eliminação, dada a imprecisão do conceito de "utilizações de menor importância vigentes".
A Directiva continha uma norma semelhante [artigo 5.º, n.º 3, alínea o)] mas apenas aplicável aos casos para os quais já existam excepções ou limitações na actual legislação, não prevendo a introdução autónoma de uma nova excepção.
Artigo 75.º, n.º 3, da proposta de lei
Relativamente a este ponto, defendemos que não deverá ser introduzida possibilidade da reprodução se processar a partir de cópias da obra.
Artigo 75.º, n.º 4, da proposta de lei
Neste ponto não foi respeitada a chamada "regra dos três passos" contida no n.º 5 do artigo 5.º da Directiva.
Deveria constar da norma que as limitações ao direito exclusivo do autor previstas nos n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 75.º "só se aplicarão em certos casos especiais".
Artigo 76.º, n.º 1, alínea d), da proposta de lei
Também deveria ser incluída nesta alínea, como objecto de uma remuneração equitativa a atribuir aos titulares de direitos, o caso da alínea m) do n.º 2 do artigo 75.º.
Artigo 82.º, n.º 2, da proposta de lei
Não nos parece curial que a fixação do montante da quantia referida deva ter em consideração a aplicação, ou não, de medidas de controle, uma vez que qualquer suporte ou aparelho destinado à duplicação é independente dessas medidas que terão alguma relevância a montante mas que são, de todo, independentes relativamente aos meios de duplicação.

Notas finais:

No respeitante aos artigos 217.º e seguintes da proposta de lei, entendemos subscrever o parecer que foi, oportunamente, apresentado pela Ordem dos Advogados sobre a matéria.
No respeitante à Lei n.º 62/98, parece-nos que a continuação da sua não aplicabilidade aos equipamentos do mundo digital poderá tomar-se altamente lesiva dos interesses dos autores, artistas e editores, uma vez que terá como consequência, a breve prazo, a não aplicabilidade da lei, por falta de objecto, tendo em conta a acelerada perda de importância do analógico.

Anexo 2
Gestão dos Direitos dos Artistas, CRL (GDA)

1. Introdução

A Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Maio, sobre a harmonização de certos

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aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, conhecida como "Directiva da Sociedade da Informação", visa completar a harmonização neste campo, tanto quanto tem sido considerado necessário, para o correcto funcionamento do mercado interno e a adaptação do quadro legal existente a nível da União Europeia para o contexto digital.
Relativamente aos direitos dos artistas, as anteriores Directivas (já transpostas para Portugal em 1997) já reconheciam aos mesmos, alguns direitos, como sejam: o direito exclusivo de reprodução (artigo 7.º da Directiva 92/100/CEE), agora substituído pelo artigo 2.º da Directiva da Sociedade da Informação; o direito exclusivo de distribuição (artigo 9.º da Directiva 92/100/CEE); o direito exclusivo de retransmissão por cabo (artigos 8.º e 9.º da Directiva 93/83/CEE), o direito exclusivo de radiodifusão e comunicação ao público (artigo 8.º da Directiva 92/100/CEE), incluindo a comunicação pública por satélite (artigo 4.º da Directiva 93/83/CEE) e o direito de aluguer (artigos 2.º e 4.º -Directiva 92/100/CEE).
Um novo direito foi agora acrescentado na Directiva da Sociedade de Informação: o direito exclusivo dos artistas de autorizar ou proibir a colocação à disposição do público, das suas prestações, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa, a partir do local e no momento por ela escolhido (autorização para colocação em rede - e.g. bases de dados electrónicos - para fins subsequentes de: reprodução, venda; aluguer; radiodifusão; simulcasting, webcasting, etc. em rede).
Este acto de colocação é um mero processo tecnológico que permite utilizações futuras das obras e prestações e está sujeito a autorização prévia do artista, sendo no futuro digital um acto fundamental, pois é o 1º acto de autorizar que permite todas as subsequentes utilizações.
A Directiva não estipula qual a forma de exercício deste direito, ou seja se está sujeito a uma remuneração irrenunciável (o artista cede o direito, mas não a remuneração) ou se ficará sujeito à gestão colectiva obrigatória (igual à retransmissão por cabo). Neste caso, seriam as entidades de gestão, mandatadas por lei, a proibirem ou autorizarem e negociarem a remuneração.
A proposta de lei n.º 108/IX limita-se a introduzir este direito no actual artigo 178.º do CDADC [Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos] (vide nossas observações infra).
Por outro lado, a proposta lei n.º 108/IX além de transpor a Directiva da Sociedade de Informação visa, igualmente, alterar a Lei n.º 62/98 de 1 de Setembro, que regulamenta a cópia privada, alargando a remuneração à cópia privada digital (a Lei n.º 62/98 só previa a cópia privada analógica), mas única e exclusivamente aos suportes digitais, não se aplicando aos equipamentos digitais, susceptíveis de reprodução de obras e prestações (vide nossas observações infra).

2 - A proposta de lei n.º 108/IX -Comentários da GDA,CRL
Proposta de lei n.º 108/IX - transpõe para a ordem jurídica nacional a directiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação, altera o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e a Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro.

2.1. - Artigo 75.º
O n.º 1 do artigo 75.º refere que são excluídos do direito de reprodução, os actos de reprodução temporária que sejam transitórios ou acessórios.
Ora, a expressão "acessórios" não existe no texto da Directiva e é muita vaga, não se podendo definir o seu conteúdo. A Directiva refere transitórios ou pontuais. Tal expressão "acessórios" deveria ser eliminada (vide considerando 33 da Directiva 2001/29/CE).
Por último, e no que concerne ao n.º 1 do artigo 75.º o mesmo só deveria incluir a navegação em rede (browsing) e os actos de armazenagem temporária (caching), como excepção ao direito de reprodução. Assim, deveria eliminar-se a expressão: "(...) em geral os processos meramente tecnológicos de transmissão", que consta da última parte deste n.º 1, porque deste modo se está a alargar o conteúdo dos actos de reprodução excluídos ou excepcionados (vide considerando 33 da Directiva 2001/29/CE).
Aliás, o texto deste número um vai mais longe que o texto da Directiva 2001/29/CE (artigo 5.º/1).

2.2. Artigo 75.º, n.º 2, alíneas o) e q)
A alínea o) do n.º 2 da proposta de lei não deveria ser implementada, mas caso se persista na sua inserção, no mínimo, deveria dar lugar a uma remuneração equitativa atribuir aos titulares de direitos.

A alínea q) do n.º 2 deve ser eliminada [correspondente à alínea o) do n.º 3 do artigo 5.º da Directiva]. Acontece que a lista de excepções previstas nos artigos 5.2, 5.3 e 5.4 da Directiva 2001/29/CE é exaustiva e o que é ainda mais importante, as excepções estabelecidas são opcionais.
Contudo, as excepções nacionais devem ser mais limitadas que a lista em número e portanto também em âmbito.

2.3 - Alteração ao artigo 82.º, n.º 2
A fixação do montante da remuneração devida pela reprodução ou gravação de obras não deverá estar condicionada ao maior ou menor grau de aplicação ou mesmo à aplicação de medidas eficazes de carácter tecnológico, não se implementando a última parte do considerando 35.º da Directiva 2001/29/CE (vide considerando. 35º da Directiva).

2.4- Artigo 178.º
Em relação a este artigo, a opção do legislador foi integrar no corpo da anterior alínea a) do artigo 178.º o novo "direito de colocação à disposição do público", consagrado, para os artistas, no n.º 2 do artigo 3.º da Directiva 2001/29/CE.
Contudo, no texto da Directiva este novo direito é um direito exclusivo de autorizar ou proibir, não podendo estar sujeito a algum limite. Acontece que a expressão "salvo quando se utilizem prestações já radiodifundidas ou fixadas" limita este direito e não faz sentido num meio digital, porquanto esta expressão, que consta do artigo 178.º, aplica-se ao direito de radiodifusão e não ao novo direito.
Assim, em relação ao artigo 178.º e subsequente artigo 179.º a GDA vem propor a seguinte redacção:

"Artigo 178.º
Poder de autorizar ou proibir

1. Assiste ao artista, intérprete ou executante, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes:

a) A radiodifusão e a comunicação ao público, por qualquer meio, da sua prestação, excepto quando a prestação já seja, por si própria uma prestação radiodifundida ou quando seja efectuada a partir de uma fixação;

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b) A fixação, sem o seu consentimento, das prestações que não tenham sido fixadas;
c) A reprodução directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, sem o seu consentimento, de fixação das suas prestações quando esta não tenha sido autorizada, quando a reprodução for feita para fins diversos daqueles para os quais foi dado o consentimento ou quando a primeira fixação tenha sido feita ao abrigo do artigo 189.º e a respectiva reprodução vise fins diferentes dos previstos nesse artigo.
d) A colocação à disposição do público, da sua prestação, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa, a partir do local e no momento por ela escolhido.

2. Sempre que um artista intérprete ou executante autorize a fixação da sua prestação para fins de radiodifusão a um produtor cinematográfico ou audiovisual ou videográfico, ou a um organismo de radiodifusão, considerar-se-á que transmitiu os seus direitos de radiodifusão e comunicação ao público, conservando o direito de auferir uma remuneração inalienável, equitativa e única, por todas as autorizações referidas no n.º 1, à excepção do direito previsto na alínea d) do número anterior. A gestão da remuneração equitativa única será exercida através de acordo colectivo celebrado entre os utilizadores e a entidade de gestão colectiva representativa da respectiva categoria, que se considera mandatada para gerir os direitos de todos os titulares dessa categoria, incluindo os que nela não se encontrem inscritos (artigo 4.º da Directiva 92/100/CEE e artigo 9.º da Directiva 93/83/CEE).
3. A remuneração inalienável e equitativa a fixar nos termos do número antecedente abrangerá igualmente a autorização para novas transmissões, retransmissão e a comercialização de fixações obtidas para fins exclusivos de radiodifusão (artigo 179.º/2 do actual CDADC).
4. O direito previsto na alínea d) do n.º 1, só poderá ser exercido por uma entidade de gestão colectiva de direitos dos artistas, que se presumirá mandatada para gerir os direitos de todos os titulares, incluindo os que nela não se encontrem inscritos. Sempre que estes direitos forem geridos por mais que uma entidade de gestão, o titular poderá decidir junto de qual dessas entidades deve reclamar os seus direitos.

Artigo 179.º
Revogação do artigo 179.º do Código, tendo em conta as alterações introduzidas
no artigo anterior (178.º)"

2.5.- Artigo 180.º - Identificação
Deve-se eliminar a expressão "salvo acordo em contrário", que não existe para os autores, aquando da sua identificação nas obras.
2.6 - Artigo 189.º - Utilizações livres
Em relação a este artigo 189.º, a GDA propõe que as fixações efémeras efectuadas pelos organismos de radiodifusão (artigo 189.º/1/d) do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e contemplada no artigo 5.º/2/d da Directiva 2001/29/CE), devem ser restringidas ao mínimo (i.e. cobrirem só cópias feitas com o próprio equipamento do organismo de radiodifusão para uma das suas próprias emissões específicas e não para múltiplas utilizações) e aplicarem-se a um período de tempo limitado. Deveria ser, igualmente, estabelecida a regra dos 3 passos para esta excepção. O n.º 2 do artigo 189.º deverá igualmente ser eliminado, pois não se enquadra no âmbito das utilizações livres ou excepções, mas constitui por si uma exclusão de toda a protecção outorgada ao artista interprete ou executante no título III do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
3 - Aditamento - novo artigo 221.º
O n.º 3 do novo artigo 221.º refere que para a resolução de litígios é competente a Comissão de Mediação e Arbitragem criada pela Lei n.º 83/2001, de 3 de Agosto.
Todavia, a Comissão criada, que funcionaria como uma Comissão de Mediação e Arbitragem especializada nesta área do direito, ainda não entrou em funcionamento e não foi sujeita a inscrição, no orçamento do Gabinete do Direito de Autor (vide artigo 33.º Lei n.º 83/2001, de 3 de Agosto).
4 - Alterações à Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro
4.1.- Artigo 1.º, n.º 2 -Objecto da Lei n.º 62/98
O n.º 2 do artigo 1.º da referida lei foi alterado, referindo o novo texto que não se aplica aos computadores, aos seus programas nem às bases de dados electrónicos, bem como aos equipamentos de fixação e reprodução digitais.
Assim, no que concerne ao digital a lei, para os artistas, só se aplica aos suportes digitais. No entanto, a Directiva 2001/29/CE, no seu artigo 1.º, n.º 2, estipula que a presente directiva não afecta de modo algum as disposições comunitárias existentes em matéria de programas de computador.
O texto da Directiva não diz que não se aplica mas que não pode afectar. Na opinião da GDA, a Lei n.º 62/98 deve aplicar-se aos computadores e aparelhos ou equipamentos digitais, porque os mesmos são meios de reprodução de obras e prestações e, como tal, no seu preço de venda incluir-se uma quantia destinada a beneficiar os titulares de direitos de autor e conexos.
O legislador deve aplicar a lei aos computadores e equipamentos, incluindo uma quantia destinada a beneficiar os titulares de direitos de autor e conexos e criar, igualmente, um regime de excepções ou isenções (vide artigo 4.º da Lei n.º 62/98), tal como existe para o direito de reprodução.
4.2- Artigo 2.º- Compensação devida pela reprodução ou gravação de obras
Propomos a eliminação da expressão "finalidade única ou principal", porquanto a maioria dos aparelhos e suportes digitais não têm por finalidade única ou principal, a gravação de obras e prestações, mas também têm esta finalidade.
4.3-Artigo 3.º -Fixação do montante
Em relação aos 3% estipulados neste artigo, como montante percentual que acresce ao preço de venda ao público de aparelhos analógicos e suportes analógicos e digitais a GDA considera esta quantia diminuta e irrisória (vide parecer da AGECOP sobre esta questão).
Esta é, portanto, a nossa opinião, sem prejuízo de posterior envio de outros estudos e relatórios.

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Anexo 3
Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP)

Breve análise do estado actual da Cópia Privada em Portugal

I. Breve enquadramento jurídico

A Associação para a Gestão da Cópia Privada foi constituída em Dezembro de 1998, em cumprimento do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro.
O seu objecto consiste em cobrar e gerir as quantias devidas aos autores, artistas intérpretes ou executantes, editores e produtores fonográficos e videográficos, a título de compensação pela reprodução das respectivas obras.
A reprodução de obras é, actualmente, um fenómeno por todos reconhecido.
Apesar de não se poder confundir "cópia privada" com "cópia pirata". E é precisamente por esse motivo que a "cópia pirata" constitui crime, previsto e punido pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (adiante CDADC), ao passo que a "cópia privada" é regulada pelos artigos 81.º e 82.º do mesmo Código, como realidade lícita, porém dentro de estritos limites e mediante a justa compensação de quem, por força da desejável evolução tecnológica, acaba por ver a exploração económica do seu trabalho injustamente diminuída.
De facto, atendendo ao processo de evolução tecnológica e à enorme expansão que tem conhecido nos últimos tempos, surgiram novas formas de utilização das obras, entre as quais a reprodução. Facto é que estas novas formas de utilização são generalizadas e incontroláveis, de tal modo que se verifica hoje a existência de uma exploração paralela, que causa evidentes prejuízos aos autores, artistas intérpretes ou executantes, editores e produtores fonográficos e videográficos.
O reconhecimento da licitude da reprodução configura, assim, uma excepção ao direito exclusivo de exploração da obra, sob a forma de um licenciamento compulsivo a priori. Mas para que essa licitude seja reconhecida têm de ser respeitados os requisitos do artigo 81.º do CDADC - e que se sintetizam na não afectação da exploração normal da obra e dos legítimos interesses do autor e na proibição de comunicação pública ou comercialização -, bem como cumprido o imperativo do artigo 82.º, que consiste no pagamento de uma compensação.
A compensação assim prevista constitui uma condição da licitude da cópia privada.
A questão da natureza jurídica desta compensação suscitou já intensos debates. Contudo, atento o enquadramento histórico em que surge, actualmente é entendimento maioritário entre a doutrina mais significativa deste ramo do Direito, que se trata aqui de um direito com a mesma natureza do direito de autor, sob contornos atípicos. Aliás, nem outra conclusão se pode retirar, atento o fundamento da criação desta compensação supra mencionado.
Chegados a este ponto, fácil é de compreender o motivo pelo qual a Lei n.º 62/98 estabelece dois sistemas de cobrança desta compensação, radicalmente diversos.
Analisando a situação real, verifica-se facilmente que a reprodução de fonogramas e videogramas é tendencialmente doméstica, pelo que o seu controle numérico é quase impossível. Diferentemente, a reprodução de livros é mais frequentemente efectuada em locais públicos, e portanto, pelo menos teoricamente, susceptível de algum controlo.
Tendo por base esta realidade, o artigo 3.º da Lei n.º 62/98 prevê duas formas de remuneração: uma relativa a aparelhos e suportes que permitam a reprodução e fixação de obras, directamente determinada em 3% para os primeiros e (ainda) omissa no que concerne aos segundos; outra pela exploração habitual e para servir o público destes mesmos aparelhos.
Enquadrada a situação jurídica da "cópia privada", passemos agora à análise da situação fáctica.

II. Análise da situação fáctica actual

1. Remuneração devida pela venda de aparelhos de fixação e reprodução de obras, correspondente a 3% do respectivo preço de venda ao público:

Actualmente, verifica-se uma atitude generalizada de resistência ao pagamento das remunerações devidas, reiteradamente demonstrada pelos fabricantes e importadores dos aparelhos supra mencionados, nomeadamente por meio da acção desenvolvida pela AGEFE.
Não se nos afigura lícita tal actuação, nem tão pouco justificada. Isto porque é a própria Lei n.º 62/98 que, no n.º 3 do artigo 3.º, estipula que a remuneração deve ser incluída no preço de venda ao público estabelecido pelos fabricantes e importadores. Assim, e como sucede em qualquer actividade económica, esta compensação deverá ser encarada como um custo e abatida ao excedente do consumidor, que o mesmo é dizer repercutida no preço final.
Acresce que a cobrança tem sido feita pela AGECOP com base em critérios de justiça material: por um lado, o cálculo da remuneração parte do preço de venda ao público deduzido de IVA; por outro lado, e para os aparelhos que têm diversas funções, e não apenas a de fixação e reprodução de obras, a base de cálculo é estabelecida mediante a utilização de critérios pro rata, por forma a obter como base de cálculo apenas o valor económico destes últimos componentes.
Assim, não se vislumbra outro fundamento para esta recusa generalizada de cumprimento da lei que não uma questão de cultura, que espelha uma perspectiva necessariamente parcial do problema, descurando a necessidade de protecção dos direitos dos intervenientes do processo criativo neste contexto específico.
Acresce que, a nível de fiscalização, apesar de a Lei n.º 62/98 atribuir plena competência à Inspecção-Geral das Actividades Culturais (adiante IGAC), bem como a todas as autoridades policiais e administrativas, tais entidades não têm desenvolvido as acções necessárias para garantir o cumprimento da lei.
De facto, a AGECOP apenas tem conhecimento de actuações ao nível de alguns centros de cópias, o que é manifestamente insuficiente para garantir o cumprimento do disposto na Lei n.º 62/98.
Nomeadamente, e no que respeita à questão dos equipamentos, está prevista a aplicação de coimas, a processar pela IGAC, pela violação do dever de pagamento de remunerações estipulado no artigo 3.º e pela omissão de envio à AGECOP e à IGAC das comunicações semestrais de vendas previstas no n.º 5 do artigo 5.º. Ora até à data não temos conhecimento de tais processos contra-ordenacionais terem alguma vez sido sequer iniciados, apesar da recusa generalizada de cumprimento da lei, muitas vezes denunciada quer pela AGECOP, quer por alguns dos seus associados, desde 1998.
A ausência de fiscalização efectiva e eficaz serve, assim, de apoio aos infractores da Lei, que prosseguem impunemente

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com as suas actividades de comercialização e se apropriam ilegitimamente das quantias devidas a esta Associação, quer porque as cobram e não entregam, quer porque não as cobram e deviam fazê-lo.

2. Remuneração incidente sobre o preço de venda ao público dos suportes materiais virgens analógicos:

A cobrança destas remunerações depende da prévia fixação do respectivo montante por Despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, mediante a prévia audição da AGECOP e da Comissão de Acompanhamento, o qual não foi emitido até à data.
O valor a cobrar no que concerne aos suportes deverá ser definido tendo em conta critérios realistas.
Nomeadamente, não será aceitável o estabelecimento de uma remuneração equivalente à determinada sobre os aparelhos, e que equivale a 3% sobre o respectivo preço de venda. Para demonstrar o fundamento da nossa posição, basta pensarmos no seguinte exemplo prático: uma caixa de 10 CD virgens custa em média 5 Euros. 3% de 5 Euros são 15 cêntimos. Se considerarmos que cada CD comporta 74 minutos de gravação, tal significa que os autores, artistas e produtores das obras que neles serão gravadas receberam 15 cêntimos pela utilização de 740 minutos das respectivas obras!
O que se nos afigura razoável, neste campo, é a ponderação dos interesses económicos reais em causa.

3. Remuneração devida pela utilização normal e para servir o público de aparelhos que permitam a reprodução de obras:

Pelos motivos já expostos, o montante desta remuneração é, de acordo com a Lei n.º 62/98, estipulado por acordo entre as partes.
Contudo, inúmeros problemas se levantam para este efeito, nomeadamente:

- Que critérios utilizar?
- Que percentagem de domínio público a considerar, no caso das bibliotecas?
- Que formas de controlo e fiscalização efectiva do número de cópias efectuado?

Alia-se a este facto a prática generalizada de cópia integral, e portanto ilícita, praticada no seio das entidades sujeitas ao pagamento de remuneração de forma absolutamente impune.

III. Análise da proposta de lei n.º 108/IX, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, altera o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e a Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (adiante proposta de lei)

No que respeita ao âmbito da análise da proposta de lei, vamos cingir-nos aos aspectos que respeitam directamente ao instituto da cópia privada.

1. Análise da alteração proposta do artigo 75.º do CDADC

Atentemos no que dispõe a alínea a) do n.º 2 e o n.º 4 do artigo 75.º do CDADC, na redacção que lhes é dada na proposta de lei:

"2. São lícitas, sem o consentimento do autor, as seguintes utilizações da obra:

a) A reprodução, para fins exclusivamente privados, em papel ou suporte similar, realizada através de qualquer tipo de técnica fotográfica ou processo com resultados semelhantes, com excepção das partituras;"

"4. Os modos de exercício das utilizações previstas nos números anteriores, não devem atingir a exploração normal da obra, nem causar prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor."

Atentemos agora no que dispõe a alínea b) do artigo 81.º do mesmo Código:

"É ainda consentida a reprodução:

b) Para uso exclusivamente privado, desde que não atinja a exploração normal da obra e não cause prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor, não podendo ser utilizada para quaisquer fins de comunicação pública ou comercialização."

O que resulta da alteração ora em análise é a transformação em utilização livre do conceito de cópia privada.
Obviamente, tal afigura-se inaceitável e mais, revela uma deficiente técnica legislativa.
De facto, como podemos conceber que um determinado comportamento possa ser objecto de uma dupla classificação legal, ainda para mais conflituante?
Com a alteração proposta, tornar-se-á praticamente impossível distinguir o que é utilização livre do que é cópia privada, inviabilizando a aplicação prática da Lei n.º 62/98 no que concerne a este ponto.
De facto, e atento o ambiente de resistência generalizada ao cumprimento da lei, tal como acima exposto, o que se alcançará com a aprovação desta alteração é apenas mais uma forma de os infractores se justificarem e se eximirem ao cumprimento da lei, nomeadamente ao pagamento da remuneração prevista no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 62/98.
Por outro lado, e uma vez que o conceito em apreço já estava contido no consentimento de reprodução, não se vê motivo para transformá-lo num direito de utilização livre, com claro prejuízo para os autores e editores.
Mais: diz-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º, na redacção constante da proposta de lei, que tal utilização deve ser acompanhada de uma remuneração equitativa a atribuir ao autor e ao editor. Assim, oneram-se as associações representativas de autores e editores com a árdua tarefa de discutir o que é remuneração equitativa em cada caso, e ainda de tentar descobrir quem procede a esta utilização livre, uma vez que, pela experiência obtida nos anos de trabalho da AGECOP, raros são os casos em que os utilizadores se dispõem voluntariamente a pagar o que devem!
Acresce que, uma vez que estamos perante um caso de duplicação legal de conceitos, tal pode implicar também a duplicação de remunerações devidas pela mesma realidade fáctica, já que o artigo 82.º prevê o pagamento de uma quantia, a título de compensação pela reprodução, ao passo que a utilização livre ora consagrada no artigo 75.º deve ser acompanhada do pagamento de uma remuneração equitativa.
Trata-se de mais uma porta aberta para causar prejuízos graves aos autores e editores, o que nos leva a questionar se foram tidas em conta as necessidades reais e cada vez mais prementes de proteger os agentes da cultura nacional.
Assim, a AGECOP considera inaceitável a introdução da mencionada alínea a), pelo que requer a sua eliminação imediata da proposta de lei.

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2. Análise da alteração proposta para o n.º 2 do artigo 82.º do CDADC

"2. A fixação do montante da quantia referida no número anterior, que deverá tomar em conta a aplicação, a não aplicação e o grau de aplicação de medidas de controlo eficazes do uso das obras protegidas, de carácter tecnológico, a sua cobrança e afectação, serão definidas por decreto-lei."

Em primeiro lugar, não vemos em que é que o critério ora introduzido possa relevar para efeitos de definição do montante da remuneração devida à AGECOP, uma vez que esta incide sobre o preço de venda de aparelhos e suportes que permitam a fixação e reprodução de obras, os quais, obviamente, não podem ser objecto de tais medidas, sob pena de tal inviabilizar a sua função de fixação e reprodução!
O facto de tais medidas poderem ser aplicadas é louvável, enquanto instrumento de combate à cópia pirata. Mas tais medidas são falíveis e rapidamente ultrapassadas quando implementadas. Como tal, a sua aplicação não deve ter qualquer influência no montante da remuneração a atribuir à AGECOP.
Assim, a AGECOP requer a eliminação deste critério, por inutilidade.
Por outro lado, chamamos a atenção para uma falha ao nível da técnica legislativa: é que a fixação do montante da remuneração devida à AGECOP já está feita na Lei n.º 62/98, aprovada pela Assembleia da República, e objecto de alteração na presente proposta (...). Não se vê, assim, motivo para a remeter para decreto-lei (…) Como tal, sugerimos que se substitua "decreto-lei" pela expressão "legislação especial".

3. Análise da proposta de alteração dos artigos 1.º, 2.º e 3.º, n.º 1 da Lei n.º 62/98

A AGECOP considera inadmissível e contrário ao espírito da Directiva a isenção dos aparelhos digitais do pagamento da remuneração prevista no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 62/98.
De facto, e atenta a evolução tecnológica a que temos assistido nos últimos anos, é de prever que os aparelhos analógicos desapareçam do mercado brevemente. O que implica que, provavelmente dentro de um ano, a remuneração incidente sobre os aparelhos que permitem a fixação e reprodução de obras desapareça.
Assim, os únicos instrumentos que efectivamente são usados para reprodução de obras irão ficar isentos de qualquer remuneração!
Em nosso entender, tal implica um claro retrocesso na protecção que, pela via da cópia privada, se concede a autores, artistas intérpretes e executantes, editores e produtores fonográficos e videográficos.
Como tal, entendemos que a remuneração prevista no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 62/98 deve ser estendida aos aparelhos digitais, e propomos que se mantenha a percentagem de 3% para os aparelhos digitais.
Também não nos parece aceitável que não se contemple uma remuneração a incidir sobre o preço de venda dos computadores, que são indubitavelmente aparelhos que permitem a reprodução e fixação massiva de obras, quer por via dos gravadores de CD neles incluídos, quer por via dos próprios discos rígidos.
Se pensarmos num computador que custe, por hipótese, € 1000, a aplicação de uma percentagem de 3% implicaria o pagamento de uma remuneração equivalente a € 30.
Assim, propomos a fixação de uma remuneração de € 15 por cada computador, que nos parece claramente beneficiadora face aos 3% a aplicar aos aparelhos analógicos e digitais, e por nós defendida em prol do desejável desenvolvimento da sociedade da informação.
No que respeita à remuneração a incidir sobre os suportes, é inaceitável a proposta de a mesma ser fixada também em 3%.
A remuneração prevista para o CD-R equivale, assim, a € 0,015 tomando por referência o preço de venda ao público de € 0.50 por cada suporte, com a duração média de 80 minutos.
Acresce que a maioria das remunerações na Europa comunitária têm por referência a duração ou capacidade de armazenagem do suporte, pelo que não se vislumbram motivos atendíveis para tal tendência não ser seguida em Portugal, já que possibilita uma maior justiça material na cobrança.
Assim, e atentas as remunerações estipuladas nos restantes países da União Europeia, propomos a fixação do montante da remuneração devida pelos suportes em € 0,20/por hora, o que equivale a cerca de 48 MB em termos de capacidade de armazenagem.
Por último, sugerimos ainda a alteração da redacção do artigo 2.º da Lei n.º 62/98, tal como resulta da proposta de lei, uma vez que a redacção actual nos parece um pouco confusa na parte que respeita à remuneração a incidir sobre os suportes.
Assim, sugerimos a seguinte redacção: "No preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, electrónicos, analógicos ou digitais, ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras como finalidade única ou principal, e bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais virgens analógicos e digitais, com excepção do papel, das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se, incluir-se-á uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores, os produtores fonográficos e os videográficos".

IV. Conclusão

A nova versão do texto de transposição da Directiva vem, surpreendentemente, apresentar soluções piores para os problemas de que enferma o instituto da cópia privada e, consequentemente, mais gravosas para os autores, artistas, editores e produtores.
Surpreendentemente, porque ao longo dos últimos dois anos a AGECOP não deixou de manifestar à tutela os principais problemas com que a associação se debate.
Com a aprovação da proposta de lei em apreço, não só se continuaria a deixar de resolver problemas prementes, como também, na prática, se projecta uma morte prematura deste instituto, à revelia de todos os sinais negativos que o mercado do livro e do audiovisual vem revelando em Portugal e, não menos importante, à revelia das soluções legislativas adoptadas na maioria dos países da União Europeia com os quais Portugal tem maiores afinidades, e dos quais, com esta proposta, Portugal se afasta cada vez mais.
Com efeito a opção de não fazer incidir a remuneração pela cópia privada no 'hardware' digital vem frustrar as

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expectativas legitimamente criadas sobre esta matéria ao longo dos últimos cerca de 18 anos. Basta recordar que durante cerca de 13 anos (1985 a 1998) os titulares de direitos tiveram que esperar repetidas vezes pela prometida regulamentação do instituto e durante mais cinco anos, a pretexto da futura transposição da Directiva do Direito de Autor na Sociedade da Informação, viram-se impedidos de proceder a cobranças relativamente a equipamentos ou suportes digitais.
Assim, consideramos que a proposta em apreço vem acelerar a morte lenta a que se condenou desde sempre a AGECOP, bem como invalidar todo o investimento, monetário e de trabalho, feito pelos seus associados ao longo destes anos.
Desta forma, além da anunciada extinção da Associação, por manifesta falta de meios para a sua subsistência, entendemos que a presente proposta é também nefasta para a defesa da cultura nacional, uma vez que denota um completo autismo às ameaças que actualmente assombram os legítimos direitos e expectativas de autores, artistas, editores e produtores.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2004. - AGECOP - Associação para a Gestão da Cópia Privada.

Anexo 4

Parecer da Secção de Direito das Novas Tecnologias da Informação e Comércio Electrónico da Comissão de Legislação da Ordem dos Advogados

A. Generalidades
Esta secção tem a plena consciência das dificuldades desta directiva, donde da sua transposição para cada ordem jurídica. Trata-se de um texto assaz controverso, pleno de implicações difusas, com uma técnica "legislativa" estranha, em que cada Estado-membro se pode "abastecer" de novas excepções ao Direito de Autor, contribuindo muito mais para a manutenção de diferenças entre as várias ordens jurídicas do que para a tendência "unificação jurídica" que perpassa nas tarefas comunitárias.
Por outro lado, não basta "transpor" uma directiva, nos vários sentidos que a expressão pode ter, incluindo a de uma cópia literal do seu teor, o que, curiosamente, nem sequer é muito fácil aqui, haja em vista o carácter sui generis deste parâmetro concreto. Com efeito, por muito cogente que possa ser um texto juscomunitário, subsistem sempre zonas de possível ideação de comandos normativos "nacionais", tarefa à qual subjazem concretas opções de política legislativa.
Ora, tais opções são o fruto de um intenso diálogo com os interessados, com as metas e os objectivos que os Governos traçam, idealizam, propõem ao País.
Por isso, não basta juntar normas, comandos, enunciados normativos, é bem tempo de, entre nós, se afirmar uma estratégia nacional relativamente à propriedade intelectual em geral, incluindo o Direito de Autor. Qual a relação que definitivamente queremos ter com estes ramos do Direito que não são, nenhum é, obviamente neutros.
Na verdade, temos ouvido personalidades como o Prof. Luís Valadares Tavares firmar, na Imprensa e no seu magistério, como é importante a opção de um país como o nosso pelo reforço da propriedade intelectual. Este tipo de opção está na ordem do dia, é à volta destas ideias que se faz, ou deve fazer, a discussão entre nós. Na verdade, se, como vimos, personalidades fora da ciência jurídica, iniciaram tal debate, cabe-nos responder, perguntando.
O que é que ao certo pretendemos, o que deve o legislador reflectir de um amplo consenso nacional, em síntese: deve proceder ao reforço do exclusivo proporcionado pelo Direito de Autor ou, ao invés, pronunciar-se pelo reforço das excepções a esse mesmo Direito?
A nossa insistência nesta problemática das excepções, prende-se com o facto de se tratar de um dos aspectos mais emblemáticos e controversos desta Directiva, ou seja, a vasta lista "opcional" do seu artigo 5.º.
Em nossa opinião, há nesta lista de excepções algumas que, claramente, reflectem o "particularismo" de Estados-membros, não devendo ser um "guia" para outros Estados, correspondem a necessidades com raízes na História que valendo para uma determinada realidade nacional, não têm de, obrigatoriamente, valer para outra.
Ou seja, é mister explicar bem as opções de política legislativa que levem a adoptar-se excepções novas, alargar o âmbito daquelas já existentes na lei nacional, tanto mais que tal alargamento não resulta do texto juscomunitário a adoptar.
Por outro lado, os Estados podem introduzir excepções novas, mas não basta fazê-lo, tão-só, é preciso regular tais excepções, como o faz, por exemplo, o artigo 75.º do nosso Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC).
Finalmente, as excepções, por que o são, além de estar sujeitas a regulação, como vimos, devem, ainda, ser interpretadas de forma estrita.
Mas, para além destas opções de política legislativa geral, deveria o nosso legislador ter definido algumas regras práticas de conduta, traduzidas em só transpor o que era rigorosamente obrigatório, além de aproveitar para modificar profundamente o nosso Código de Direito de Autor. Pelo que se vê, outra foi a opção do nosso legislador.

B. Enunciados normativos
Para além da reflexão de índole geral centrada na política legislativa, metodologia raramente seguida entre nós, cada artigo do anteprojecto, ou alguns deles, merecem, do mesmo modo, atenta análise casuística. É o que faremos de seguida:
A opção do legislador foi a de rever, pontualmente, o CDADC, para além de algumas inovações a que, a seu tempo, nos referiremos.
Assim, o anteprojecto contem sete artigos que constituem o "chapéu" sob o qual se alinham quer os artigos do CDADC objecto de revisão, quer aqueles que aduzem ou modificam outros normativos.
Entre os artigos do CDADC alterados pelo anteprojecto sob o artigo 2.º, figura o artigo 68.º CDADC.
Ao analisarmos as alterações propostas deparamos com o facto de o legislador ter deixado cair a alínea h) sem que nos seja explicada a razão, pelo que esta alínea deverá ser mantida, passando a nova redacção proposta para a alínea i).
Do mesmo modo, também não se entende porque razão se alude a actos de disposição lícitos no n.º 5, deste artigo 68.º, uma linguagem que nem sequer figura no artigo 4.º, 2 da Directiva, pelo que se sugere o "regresso" ao texto da directiva a transpor.

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Segue-se o artigo 75.º de grande importância pois é aquele que condensa as excepções ao Direito de Autor. Já supra nos detivemos, um tanto, nesta melindrosa questão.
No que diz respeito à matéria das excepções e limitações aos direitos consagrados no diploma em causa, importa referir o seguinte:

Deve aproveitar-se a oportunidade, suscitada pela revisão ao CDADC, e a propósito da excepção prevista no artigo 5.º, n.º 2, alínea d), para se actualizar o texto do artigo 152.º, n.º 4, eliminando-se a referência a "arquivos oficiais" e às empresas RTP E.P. e RDP E.P., pois não são só aquelas operadoras de radiodifusão (que, aliás, já nem existem sob aquela forma), a ter obrigação e interesse na organização e conservação de arquivos com interesse histórico, documental, sociológico, e cultural, para a utilização dos quais, aliás, deveria ser criado um regime especial, pois por falta de previsão específica dos contratos de encomenda ou de licença de uso celebrados com os titulares de direitos, não é hoje possível proceder-se à sua digitalização e colocação à disposição por parte do público, excepto se considerarmos que lhes possa ser aplicável a excepção prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 5.º da Directiva.
Ou seja, os arquivos audiovisuais organizados por organismos de radiodifusão sonora ou televisiva constituem hoje valiosos repositórios da memória colectiva, cuja colocação à disposição por parte do público nos termos da Directiva (e dos tratados da OMPI) está, em princípio, sujeita a autorização dos titulares de direitos no exercício do respectivo direito exclusivo. Porém, o alcance da alínea c) do n.º 3 do artigo 5.º da Directiva, ao permitir exceptuar desse exclusivo as obras radiodifundidas ou outros materiais da mesma natureza caso tal utilização não seja expressamente reservada vêm resolver grande parte o problema, invertendo a presunção de utilizabilidade a favor do público, e só impedindo a colocação em rede dos materiais relativamente aos quais o titular de direitos tenha expressamente reservado essa faculdade, o que, em princípio, deverá ser uma situação excepcional.
Daí que seja absolutamente indispensável, desde logo, a consagração da excepção no artigo 75.º do nosso Código, nos precisos termos e com a totalidade do alcance que a Directiva lhe confere - a alínea m) do n.º 2 do artigo 75.º prevista no anteprojecto deixa de fora, incompreensivelmente, as obras radiodifundidas ou outros materiais da mesma natureza, indiciando talvez que o legislador não terá provavelmente realizado o potencial da excepção no que respeita a resolução do velho problema dos arquivos audiovisuais. Por outro lado, talvez valesse a pena remeter para diploma regulamentar as condições em que as obras radiodifundidas e outros materiais da mesma natureza incluídas em arquivos constituídos por organismos de radiodifusão, sem discriminação entre os de serviço público e os operadores privados, poderão ser reproduzidas e colocadas à disposição do público de modo a poderem ser acedidas por utilizadores individuais, no momento e local por estes escolhido. Tomaria, sem dúvida, mais clara, a aplicabilidade da excepção como solução jurídica da questão. Mas não é indispensável.
No anteprojecto, não se consagraram algumas das excepções permitidas pela Directiva, sendo que há uma que há muito é exigida por razões de competitividade e igualdade para com os Estados mais próximos: a utilização para efeitos de caricatura, paródia ou pastiche, prevista na alínea k) do n.º 3 do artigo 5.º da Directiva. Ainda que já fosse possível deduzir de outras normas do CDADC tal excepção, ganhar-se-ia em clareza com a sua inserção explícita.
Em França e Espanha a excepção é permitida com grande aplicação prática e permitindo significativos êxitos de audiência. Também se trata, claramente de uma excepção que cumpre com a regra dos três passos, enunciada no n.º 5 do artigo 5.º da Directiva. É, sem dúvida, chegada a altura de a consagrar, com vantagem para o panorama cultural nacional.
A nosso ver, a excepção consignada actualmente na alínea b) do artigo 75.º, e que, no anteprojecto, passara para alínea d), ou seja, a chamada revista de imprensa, não se encontra enunciada na relação da Directiva, pelo que se tem de entendê-la como permitida ao abrigo da alínea o) do n.º 3, o que implica, como condições, o facto de só valer para a utilização não digital e de não poder condicionar a livre circulação de bens e serviços na Comunidade, condições essas que não encontramos vertidas no anteprojecto. Do mesmo modo, deveria o anteprojecto, ainda nesta sede, adequar tal reforma com o disposto nos artigos 173.º e seguintes do CDADC.
Ainda no artigo 75.º, no n.º 2, alínea a), sugere-se que se adopte antes a referência a "fins domésticos" pois, tal como está, a referência a "fins privados" é demasiado abrangente.
Repare-se que a própria directiva quando na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º alude a um "uso privado" não deixa de acrescentar que tal uso só pode ser aquele praticado por uma pessoa singular "e sem fins comercias directos ou indirectos".
O artigo 76.º alude a remunerações equitativas a pagar ao autor, ao editor, ao titular de direitos... Restaria saber qual a natureza destas "remunerações", o que não nos é explicado, tanto mais que a expressão "remuneração equitativa" tem um alcance e um sentido delimitado no nosso CDADC. Provavelmente, o legislador estaria a pensar naquelas compensações que já figuram na lei da cópia privada (Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro). Mas dizer isto é muito escasso, pois convém saber quem vai definir e como tais montantes. Atenta a experiência da lei da cópia privada, entre nós, não se augura uma solução muito positiva, sobretudo se deixar zonas de indefinição na lei.
Temos de seguida o artigo 82.º, que é assaz controverso. Desde logo, é mister interrogarmo-nos sobre se o n.º 1 que é mantido já abrangeria todas as situações que o legislador, agora, pretende abranger.
Este n.º 2 é de difícil interpretação se pensarmos que as obras, que é o que está em causa, é que poderão ser protegidas tecnologicamente, estas é que podem ser objecto de medidas tecnológicas de protecção e não um qualquer suporte, ou "aparelho", pois é impossível determinar-se qual o suporte ou "aparelho" que vai servir esse fim.
No artigo 176.º deve ser incluída a noção de produtor cinematográfico.
Na proposta de redacção do artigo 178.º, alínea a), foi inexplicavelmente eliminado o inciso "salvo quando se utilizem prestações já radiodifundidas ou já fixadas" o qual é absolutamente necessário para não inviabilizar a nova transmissão de uma prestação anteriormente fixada na linha do que dispõe o artigo 7.º da Convenção de Roma, que exige o consentimento do artista para a radiodifusão sonora ou televisiva, "e para a transmissão ao público da sua execução directa ou "ao vivo", contanto que não haja radiodifusão ou fixação intermediária dessa execução". (Como se pode ler no Guia da Convenção de Roma e da Convenção dos Fonogramas, editado pela OMPI em 1995).

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A redacção proposta é também confusa porque não se salvaguarda a hipótese de ter havido o próprio consentimento prévio, conforme contempla a versão actual, e porque não se esclarece o objecto da acção (impedir a radiodifusão, comunicação, colocação à disposição do quê?) A actual versão refere, obviamente, "as prestações que tenham realizado"... Presume-se que a alínea c) deva continuar o texto actual a partir de "sem o seu consentimento".
A alínea b) do n.º 1 do artigo 189.º, na redacção agora proposta, pretende, seguramente, remeter para as alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 75.º e não apenas para a alínea d). É que todas estas alíneas se referem a citações ou resumos com finalidades legítimas.
Não se alcança a razão pela qual se introduziram conceitos novos no artigo 182.º, sendo certo que se trata de conceitos de difícil densificação. Melhor seria deixar o artigo tal como está. Sabem os práticos quão difícil é lidar com estes temas.
Sob o artigo 3.º do anteprojecto, encontramos mais algumas disposições que merecem a nossa atenção.
O projecto de decreto-lei tipifica nos artigo 218.º, 219.º e 224.º três novos tipos de ilícito. Ora, a tipificação de um crime não é nunca neutra (não o deve ser, pelo menos), pressupõe necessariamente uma opção de política criminal.
Analisando integradamente estes três novos tipos criminais, em geral, resulta dos mesmos:

- Em primeiro lugar, que o bem jurídico inscrito nas normas em causa não é radicalmente novo (não anda longe da matriz essencial da protecção constante dos artigos 195.º e seguintes CADC);
- Que o legislador pretendeu, contudo, proteger um novo objecto de protecção (relacionado com a protecção das medidas tecnológicas).

Até aqui, nada de problemático nos aparece. Os problemas surgem quando analisamos o modo como o legislador pretende instituir este tipo de censura criminal e, bem assim, com a técnica de construção dos tipos adoptada.
Na verdade, o que resulta claramente dos mencionados tipos é a tentativa legislativa de:

- Antecipar a protecção penal para um momento anterior à verdadeira lesão do bem jurídico que se pretende proteger (de modo claríssimo nos artigos 219.º e 224.º, n.º 1, alínea b), mas, também, no artigo 218.º);
- Abraçar a técnica legislativa de tipificação de crimes, no critério da intensidade da lesão, como crimes de perigo;
- A instituição de causas de justificação: a cláusula de falta de autorização.

Também aqui não há novidades significativas. Há muito que os chamados crimes-barreira existem no nosso ordenamento penal e que a aceitação da lesão-perigo é consensual. O que acontece é que nestas situações, se o legislador não for particularmente cuidadoso na formulação dos tipos legais, a censura criminal pode comprimir os princípios básicos do Direito Penal. Quando apolítica criminal combina a opção da antecipação da tutela penal, com a instituição de tipos de perigo (em especial, de perigo abstracto), se tais cuidados não forem ponderados, a mistura toma-se explosiva.
Foi esse rigor que, nos parece, salvo melhor opinião, não ter sido completamente seguido.
Nos nossos comentários, começaremos por analisar os elementos objectivos do tipo de ilícito; para seguidamente e em bloco, analisarmos a dimensão subjectiva.
Artigo 218.º:
Comecemos pelo título "Tutela Penal", Todo o crime consagra uma tutela penal. É desrazoável que a censura dos actos que possam ser subsumidos no artigo 218.º se possa apelidar de Tutela Penal. "Pratica o crime de tutela penal" é algo que pouco sentido faz. E fará ainda menos quando praticará o mesmo crime (pelo menos, tem o mesmo título) quem praticar os actos previstos no artigo 224.º.
O nome é desajustado em ambos os casos e terem os dois crimes o mesmo nome cria dificuldades acrescidas.
Quanto aos elementos objectivos do tipo, há apenas uma modalidade de acção (neutralizar) e uma causa de justificação.
A causa de justificação ("não estando autorizado") apesar de usual nalguns tipos penais parece-nos desnecessária, pois que à mesma solução se chega por via das regras gerais das normas dirimentes do Código Penal, previstas nos artigos 31.º, n.º 1, alínea d), 38.º, n.º 2, e 39.º do Código Penal.
Isto é tanto real quando aquela causa se revela insuficiente, pois que não prevê as situações em que, por via de utilizações lícitas (em que o autor não tem que prestar qualquer consentimento, nem o consentimento é implícito) - pois que são uma previsão legal -, as medidas de carácter tecnológico sejam neutralizadas (isto, crendo que as, medidas são cegas e não se moldam às situações de utilizações lícitas da obra).
Esta consideração leva-nos a questionar a pertinência da criação deste crime, corporizada no comportamento activo de "neutralizar". É que neutralizar tais medidas será recorrente, será até necessária para o exercício dos direitos dos utilizadores.
Perante este facto, se pensarmos que estamos perante uma protecção avançada à verdadeira lesão (pois que, do elemento literal, não há qualquer relação entre o acto de neutralizar e a lesão do direito de autor) - neste sentido, um puro crime de perigo abstracto - e que o legislador entendeu dever consagrá-lo como um crime público (em que não é necessária a queixa - cfr. n.º 2), vemos quão perigoso este crime se toma.
Artigo 219.º:
Quanto ao título, de novo um equívoco. No seguimento, por exemplo, do nome previsto no artigo 265.º CPI, instituí-se um tipo com um nome que se confunde com uma parte essencial na dogmática penal (o relevo dos actos preparatórios na comissão de um crime), o que é francamente desaconselhável.
Uma vez mais, um crime de cortina fechada, em que o legislador antecipa a protecção para um momento anterior à lesão. Todavia, aqui, o tipo vislumbra o tipo de actos lesivos (constante das alíneas do n.º 1), o que lhe dá um cunho de um perigo mais concreto.
Isto levou a que o crime tenha sido construído como um crime de tendência transcendente na modalidade de imperfeito de dois actos. Estes crimes são sempre crimes de complexa interpretação. Se combinarmos este facto com a exaustiva enunciação das modalidades de acção do proémio do n.º 1 (também uma técnica em desuso), somos forçados a concluir dever ser efectuada uma acentuada revisão do tipo.

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Uma nota final, mas não de somenos importância: a alínea b) do n.º 1 é uma absoluta norma penal em branco, ou melhor, dela não releva qualquer comportamento censurável, pelo que deve o mesmo ser expurgado do texto.
Artigo 224.º:
Quanto ao título, já nos pronunciámos supra. Idem, quanto à causa de justificação (aqui, ainda, com a agravante de esta falta de autorização estar repetida na alínea b) do n.º 1 - e não se diga que são universos modais diferentes, pois que o dolo, que é pressuposto da comissão do crime, por parte do agente; as deve abranger, a ambas).
Também nos parece meramente reiterativa a inclusão da causa "sabendo...", pois, que o mesmo já decorre da acção dolosa prevista nas modalidades de acção da alínea b). Nada traz de novo para o intérprete, torna-se até um ruído interpretativo e acaba por limitar o âmbito de punibilidade do crime.
Quanto aos elementos subjectivos do tipo, o desnorte é ainda mais acentuado.
Artigo 218.º:
Causa-nos profunda estranheza a presença de "sabendo isso (?) ou tendo motivos para o saber". Se, com esse facto, o legislador pretende configurar a comissão do crime a título de dolo eventual, bem, tal já resultava da regra geral prevista no artigo 14.º do Código Penal. Não era necessário ter encontrado uma tão original e despropositada expressão.
Mas se o legislador quis, com este facto, estender a censura aos comportamentos negligentes, a nossa crítica é completa. Como referimos, não nos é completamente líquido que se deva tipificar como crime esta conduta, quanto mais censurá-la a título de negligência. E, ainda assim, se foi essa a intenção do legislador (o que se nos afigura um absurdo), que tivesse completamente explícito referido que o crime é punido a título de negligência.
Artigo 214.º:
Aqui, o caos. "Intencionalmente"? É o dolo que está em causa? Então, o artigo 14.º do Código Penal já o determina. Pretende-se instituir um crime de intenção (um crime de resultado cortado), então que se refira qual o resultado que se pretende ter como mira de horizonte.
Uma nova cláusula estilo a do artigo 219.º. Comentários idênticos.
Quanto às molduras penais, parecem-nos estar na bitola supletiva agora tão utilizada (de aplaudir a solução de penas alternativas de multa e de prisão), pelo que não há outros comentários a fazer, salvo o equacionar-se que no artigo 224.º se poderia qualificar o tipo através de uma qualificação pelo resultado.
Quanto ao artigo 225.º, a regra geral já existente no CDADC é que deveria ser alargada para abranger estas situações.
Para além destes tipos de ilícito, não deixaremos, ainda, de anotar mais alguns dos últimos artigos do anteprojecto proposto que nos causam muitas dúvidas.
Assim, o artigo 221.º ressente-se da sua própria matriz já colocar desafios de muito difícil dilucidação. Mas a opção plasmada no n.º 4 deste artigo é muito contestável, sendo certo que se essa Comissão não funciona no presente, para as funções que lhe foram destinadas, como é que alguma vez funcionará para estas novas funções, muito complexas, sendo certo que o seu escopo é completamente diverso deste.
A verdade é que as medidas tecnológicas impedem, de facto, a utilização das excepções e este regime vai dar azo a um sem-número de questões e de desafios à doutrina, ao legislador e aos práticos. Assim, quem quiser usar as excepções, corre o risco de ser sancionado ou, para delas fazer uso, será que pode requerer ao titular dos direitos o código protector para exercer um direito de acesso?
O artigo 225.º também releva de alguma confusão conceitual. Na verdade, tal classificação é válida para a "perda", não o é para a "apreensão" que é uma medida cautelar justamente para garantir a eventual aplicação dessa sanção acessória.
O artigo 226.º é inútil, haja em vista o artigo 203.º do CDA.
Finalmente, o 227.º , n.º 1, nada parece adiantar em relação aos procedimentos cautelares comuns previstos na lei processual civil, pelo que o legislador não quis aqui, seguramente, introduzir um novo procedimento cautelar "especial". É, por isso, redundante, sendo certo que toda esta matéria vai acabar por entroncar nas opções de política legislativa que parecem estar a ser tomadas quanto à transposição da Directiva "Comércio Electrónico" e que já tivemos ocasião de criticar nesta sede. Daí que o n.º 2 acabe por também não ter grande significado autónomo.
O artigo 228.º é, também, de uma utilidade contestável. No fundo, diz-nos o óbvio, ou seja que este diploma não prejudica a vigência do sistema jurídico português. Estreitamente relacionado com este artigo estaria o artigo 4.º deste anteprojecto que opera a revogação do artigo 212.º do CDA. Dizemos "estaria" pois este artigo alude, entre outras vertentes à "concorrência desleal". Mas cremos que o artigo 212.º tinha um sentido diferente, a natureza diversa, ou seja, a de que a exploração económica do direito de autor, tem de estar conforme às normas de concorrência desleal, rectius, aos usos honestos do comércio. Ora, não é isso que nos diz o artigo 228.º, uma mera enumeração de institutos cuja aplicação não é prejudicada por esta lei (cfr. Luís Francisco Rebello, anotação ao artigo 212.º, Código de Direito de Autor e do Direitos Conexos, anotado, Âncora Editora, 3.ª Edição, Lisboa, 2002).
Outro artigo que deveria ser profundamente discutido é o artigo 6.º.Tal discussão deveria, até, assentar em dois planos: um plano técnico-jurídico e, outro, de análise da concreta opção de política legislativa.
Este artigo reflecte a opção do legislador nacional de estender o regime da cópia privada ao mundo digital. Daí a revogação do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro. Tal opção "continua" e é plasmada no artigo 7.º que modifica, em conformidade, os artigos 2.º, 3.º, 5.º e 6.º daquele diploma legal. Mas não o deveria fazer, tanto mais que há um limite legal para isso. Ou seja, a disciplina do software maxime na Directiva 91/250/CE organiza a sua própria "cópia privada", o número e cópias que o utilizador pode efectuar, pelo que não pode o legislador nacional vir agora, por esta discreta revogação, alterar, do mesmo passo, a disciplina especial de que o software beneficia.
Aliás, o artigo 1, n.º 2, da directiva é bastante claro ao referir que o disposto nesta mesma directiva não afecta as disposições comunitárias em matéria de protecção jurídica dos programas de computador ou a protecção jurídica das bases de dados, entre outros.
Do ponto de vista da concreta opção de política legislativa, este é mais um exemplo da clara descoordenação que percorre (e percorrerá, sabe-se lá até quando...) o processo legislativo governamental, entre nós.
Em primeiro lugar, ninguém explica por que razão se estendem aos programas de computador, ou outros suportes

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digitais, as regras da "cópia privada". Como sempre, não se fica a perceber quais as razões que ditaram tal opção, numa altura em que noutros Estados-membros se procede, ou à sua exclusão ou, até, à revisão de leis que consagravam tal extensão (vejam-se, com atenção, os casos da Grécia e da Itália).
Percebe-se bem por que razão tais Estados procederam da forma descrita, querem desenvolver o seu segmento da Sociedade da Informação, querem atrair as empresas fundamentais para o desenvolvimento da Sociedade da Informação. Ora, todos pensávamos que o desenvolvimento da Sociedade da Informação era um desígnio nacional, tanto mais que é anunciado todos os dias, nos mais variados órgãos da comunicação social, um emblemático projecto denominado "e-U-A Universidade Electrónica". Ora, em que consiste tal programa, primacialmente? Consiste no fornecimento, a alunos e professores dos nossos estabelecimentos de ensino, de computadores e programas de computador a preços muito mais baixos! Ou seja, o mesmo Estado que, por um lado, apregoa o embaratecimento dos suportes digitais e para isso cativa as empresas participantes nesse mesmo programa, prepara-se para, com esta lei, encarecer tais produtos cumulando-os com mais taxas devidas pela extensão a tais suportes do enquadramento legal da cópia privada! Tudo isto sem entrarmos na discussão sobre a natureza dos suportes digitais e o facto de não servirem, primacialmente, para efectuar reproduções...
Ainda em sede de protecção jurídica dos programas de computador, seu enquadramento normativo e relação com esta directiva, ora transposta, deve realçar-se mais um conjunto de questões, insuficientemente tratadas neste anteprojecto.
Assim, não resulta claro se o software está excluído da aplicação do quadro de excepções do artigo 75.º. Mas resulta da própria directiva, isso sim, tal como vimos acontecer para a "cópia privada", que ao software só se aplicam as excepções previstas na Directiva 91/250, bastando para isso consultar o n.º 50 do preâmbulo da directiva que o diz claramente no último parágrafo.
Por outro lado, não se compreende a exclusão do software do artigo 223.º, quando a directiva no seu artigo 1.º diz que esta se aplica a todas as obras, excepto quando outras normas comunitárias contêm regras especiais quanto a algumas obras, incluindo programas de computador. É este o sentido da directiva e não qualquer outro.
Finalmente, andaria bem o legislador se aproveitasse para corrigir um lapso bem visível na nossa "lei do software" com incidência directa e precisa nesta mesma questão. Na verdade, o artigo 13.º, 2, do Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro, diz que podem ser apreendidos dispositivos em comercialização que tenham por finalidade exclusiva facilitar a supressão não autorizada ou a neutralização de qualquer salvaguarda técnica eventualmente colocada para proteger um programa de computador. Ora, o legislador tratou da medida cautelar, é certo, mas "esqueceu-se" do tipo de ilícito. Assim sendo, tais materiais serão eventualmente apreendidos para nada, uma vez que não lhe corresponde um ilícito principal de que aquela é uma mera medida cautelar... Basta comparar com a Lei espanhola 16/1993, de 23 de Dezembro, artigos 8.º e 9.º, para se perceber o "lapso" do nosso legislador que, aliás, teima (vá lá saber-se porquê...) em não o corrigir. Ora, é óbvio que o novo artigo 219.º do nosso anteprojecto ainda não é a solução.
Finalmente, poderia o anteprojecto ter aproveitado para incluir outras áreas de grande importância para o desenvolvimento da sociedade da informação na vertente do multimédia ou do acesso e utilização de conteúdos. Assim, talvez não fosse descabida a regulação do multimédia, atentos os trabalhos preparatórios de que o Ministério da Cultura dispõe sobre esta matéria. Por outro lado, poderia ter sido esta uma boa oportunidade para a inclusão de normas sobre realidades auxiliares de grande importância nesta área, como a criação de um "guichet único", permitindo o fácil acesso a conteúdos providos de total informação sobre os direitos que sobre esses conteúdos incidem, ou seja, facilitando a vida aos interessados.
Por último, não gostaríamos de deixar de manifestar a nossa estranheza para o quase nulo eco que as críticas endereçadas ao anteprojecto, ao longo dos últimos meses, têm neste último sobre que nos debruçamos, afinal praticamente idêntico ao "primeiro".
Admite-se que o legislador não tenha que aceitar e interiorizar todas as críticas, pois se aceita que muitas delas sejam descabidas ou desinteressantes. Mas conviria instituir uma saudável prática que vemos ser observada noutros Estados-membros da União Europeia, qual seja a de serem editados, periodicamente, relatórios explicando das razões pelas quais se aceitaram umas sugestões e se rejeitaram outras. De outra forma, prosseguiremos este meio opaco de fazer leis entre nós e quem se dedica, com o melhor do seu esforço, a colaborar criticamente, fica sem resposta, interrogando-se sobre a utilidade de todo o seu esforço.

Anexo 5

Parecer da ANSOL

A proposta de lei n.º 108/IX tem vários efeitos, muitos deles não óbvios a partir do texto:

1 - Restringe o acesso a qualquer obra - Cria uma restrição absoluta de acesso a qualquer tipo de obra artística e cultural, bem como a bases de dados (com a excepção de programas de computador).
2 - Monopólio sobre formatos de ficheiros - Criminaliza o fabrico e distribuição de qualquer ferramenta que permita o acesso à obra, mas que não cumpra o requisitos do detentor do direito de acesso.
3 - Censura - Criminaliza a divulgação, científica ou não, relacionada com mecanismos e tecnologia de gestão de acessos, uma vez que podem facilitar a neutralização destes mecanismos.
4 - Põe em causa o depósito legal - Se as medidas de restrição de acesso não permitirem a modificação de formatos de ficheiros evita a preservação a longo prazo das obras, em contradição directa com a lei do depósito legal (Decreto-Lei n.º 74/82, de 3 de Março).
5 - Taxa suportes digitais - Altera a Lei n.º 62/98, alargando a taxa sobre meios de fixação para CD, DVD, discos rígidos, memórias flash e outras.
6 - Limita o âmbito das utilizações livres - Limita as utilizações livres ao interesse da exploração comercial da obra.

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1974 | II Série A - Número 039 | 26 de Fevereiro de 2004

 

7 - Permite a revenda de obras - O único ponto positivo da proposta: Estabelece a doutrina de "primeira venda" (que permite, entre outras coisas, a venda de livros em segunda mão).

1. Restringe o acesso a qualquer obra
O direito de autor oferece um conjunto de direitos exclusivos, por tempo limitado, ao autor em troca da disponibilização das obras para o domínio público, das utilizações livres e do uso privado. Esses direitos exclusivos permitem, entre outros, a venda de livros e CD sem a necessidade de se assinar um contrato e, no caso do direito de sequência, receber parte da mais-valia realizada por outros na venda da sua obra. A proposta de lei n.º 108/IX põe do lado do autor a possibilidade de ignorar todas as contrapartidas.
O artigo 3.º da proposta de lei n.º 108/IX cria uma protecção absoluta a medidas eficazes de carácter tecnológico (MECT). Uma vez que as MECT não têm quaisquer limitações em relação ao que podem proibir, nada garante a disponibilidade das obras para o domínio público nem o acesso ao nível das utilizações livres nem do uso privado. As limitações às MECT não salvaguardam o acesso à obra, deixando apenas aberta a possibilidade de uma retribuição financeira.

2. Monopólio sobre formatos de ficheiros
Qualquer programa ou ferramenta que permita ler um formato de ficheiro que inclua gestão de direitos (como acontece com o Microsoft Office 2003) e não cumpra exactamente as mesmas especificações é considerado ilegal. Isto impede o desenvolvimento de soluções concorrentes que possam ler os mesmos dados, independentemente da vontade do autor. Criam-se, de uma forma indirecta, monopólios ilimitados sobre formatos de ficheiros. Nos Estados Unidos da América esta legislação foi utilizada para banir programas para ler DVD adquiridos legalmente em computadores.

3. Censura
Tal como o Digital Millennium Copyright Act nos Estados Unidos da América, esta proposta de lei proíbe, no seu artigo 3.º, qualquer serviço que possa facilitar a neutralização de obras. Esta definição foi usada para evitar a publicação de artigos científicos e outra informação referente a medidas de carácter tecnológico.
O problema tomou uma importância tal que, no Reino Unido, a implementação da Directiva 2001/29/CE inclui uma excepção no que toca à investigação na área de criptografia. Infelizmente, a proposta de lei não seguiu o exemplo britânico.

4. Põe em causa o depósito legal
A proposta de lei n.º 108/IX, na sua forma actual, apresenta um problema que põe em causa a preservação da memória nacional de que a Biblioteca Nacional (BN) é fiel depositária. O principal problema relaciona-se com a protecção dada a "medidas eficazes de carácter tecnológico". Ao restringir o acesso, torna impossível a mudança de formatos indispensável à preservação de obras digitais. Para piorar o caso, o novo artigo 221.º não dá quaisquer garantias que, mesmo após o processo de mediação, a Biblioteca Nacional seja capaz de obter uma obra preservável. E qualquer iniciativa por parte da Biblioteca Nacional para obter tal obra é tornada ilegal pelo novos artigos 218.º e 219.º.
Além disso, a análise das obras para identificar quais são problemáticas em termos de preservação e o processo definido no novo artigo 221.º representam um acréscimo de custos e de recursos que dificilmente poderão ser suportados com o orçamento actual.

5. Taxa suportes digitais
As alterações à Lei n.º 62/98 expandem aos CD, memórias flash, discos móveis, chaves USB, minidiscs e todos os outros suportes digitais, a taxa de 3% sobre o preço de venda já existente para suportes analógicos (com a excepção do papel).

6. Limita o âmbito das utilizações livres
O artigo 2.º acrescenta ao artigo 75.º do CDADC a limitação de quaisquer utilizações livres às seguintes condições: não devem atingir a exploração normal da obra, nem causar prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor. Actualmente ainda não se conhece o verdadeiro impacto desta limitação.
Além disso, a protecção dada às medidas tecnológicas, e a não garantia de acesso nas limitações a estas, fazem com que as utilizações livres se tenham tornado opcionais para os detentores do direito de autor (que, infelizmente, não costumam ser os autores).

7. Permite a revenda de obras
O artigo 2.º da proposta estabelece algo que tem sido assumido até hoje: que, após a compra de uma fixação da obra (livro, CD, etc.), o autor deixa de deter o direito exclusivo de distribuição. Desta forma, é permitida a venda em segunda mão de livros, CD e outros.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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