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0038 | II Série A - Número 002 | 18 de Setembro de 2004

 

O grande impacto do Julgamento da Maia deve-se, sem dúvida, ao facto de ter ocorrido após uma campanha demagoga e desmobilizadora dos movimentos anti-escolha que afirmavam que as mulheres não eram condenadas pela prática do aborto.
De acordo com os dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça, desde 1998 até 2003, registaram-se em Portugal 30 julgamentos pela prática de crime de aborto. No mesmo período, de acordo com a mesma fonte, foi registada a ocorrência de 197 crimes contra a vida intra-uterina.
Muitos mais se sucederão certamente, face às buscas domiciliárias entretanto ocorridas em Algés, Alhos Vedros, Mem Martins e Lisboa.
Outro pormenor importante é a quantidade de meios técnicos e humanos que são disponibilizados para a investigação deste tipo de crimes - no processo de Aveiro foram utilizadas escutas telefónicas, foi montado um esquema de vigilância ao médico arguido durante vários meses, as mulheres foram sujeitas a devassadores exames ginecológicos para os quais não deram o seu consentimento, e que foram pedidos por órgãos policiais e não por magistrado, como exige a lei. No processo de Setúbal foi proferido despacho de não pronúncia pelo juiz de instrução, tendo o Ministério Público recorrido da decisão para a Relação de Évora e obtido decisão favorável, prosseguindo assim o processo para a fase de julgamento.
Esta utilização de meios para perseguir as mulheres implica que outros crimes que efectivamente põe em causa a vida em sociedade ficam por investigar pois os meios não são infinitos.
As implicações éticas e políticas da lei:
Ainda na Idade Média São Tomás de Aquino questionava "Caberá à lei humana proibir todos os vícios e preceituar todas as virtudes?" (Summa Theologiae) - e respondia negativamente. Ora, não será isso mesmo que se pretende fazer no século XXI com a questão do aborto? A lei deve, de facto, estabelecer o domínio das garantias da liberdade e da responsabilidade, e não deve procurar impor ou punir comportamentos que relevam da escolha pessoal, familiar ou social. Durante a sua intervenção na Conferência Europeia sobre Desafios Éticos no Atendimento da Pessoa com Deficiência Profunda, Frei Bento Domingues afirmou que "algumas questões da bio-ética acabam por exigir um enquadramento jurídico num Estado de direito, numa democracia, para se poder viver bem em conjunto em instituições justas. O que levanta a própria questão da invenção da democracia: que democracia queremos nós construir? É uma democracia cada vez mais exigente que o debate de questões éticas, de pronunciamentos éticos e de bio-ética - como, por exemplo, os referendos sobre o aborto ou a eutanásia (...) - podem vencer a tentação frequente de trocar o sentido de responsabilidade pela banalização, pela ética pimba. (...) A sociedade tem de sustentar-se em valores para os quais a razão instrumental e a tecnociência é cega. Sem os valores da autonomia, da solidariedade, e da compaixão, a vida é brutal, cruel".
Está na hora de quebrar com preconceitos morais persecutórios e de deixar de recorrer à invocação de um princípio religioso, a que Frei Bento Domingues chamou "o tapa buracos da ignorância humana", e é por isso tempo de procurar soluções efectivas e concretas. Não basta a indignação perante situações como as dos julgamentos de mulheres pelo facto de terem abortado, porque essas situações continuarão a existir enquanto a lei em vigor não for alterada.
Nesse sentido, atente-se, por exemplo, no acórdão do julgamento da Maia: "Relativamente aos crimes contra a vida intra-uterina por que vêm pronunciadas diversas arguidas e cuja punibilidade constitui o cerne da chamada problemática do aborto, considera-se útil, antes de proceder à subsunção jurídica das condutas apuradas, deixar consignado o esclarecimento, sobretudo necessário para quem não conhece bem os critérios de decisão e regras próprias do funcionamento dos tribunais, de que não se ignoram nem esquecem aspectos, tão polémicos quanto respeitáveis e importantes, que vão do filosófico, moral e religioso, passando pelo científico até ao social e político, e que confluem na discussão pública do problema. (...) Ao tribunal, como órgão de soberania independente, cabe, apenas, a função de administrar a justa solução do caso objecto do processo, jamais os meios ou critérios de a conseguir poderão ser outros que não a Constituição e a lei a que deve obediência, independentemente do julgamento que sobre as respectivas soluções jusnormativas qualquer cidadão é livre de fazer ou defender, democraticamente".
Outras opções foram entretanto defendidas, como a não punição das mulheres através do recurso ao estado de necessidade desculpante, contudo, esta opção não é uma verdadeira opção pois, do ponto de vista jurídico, o acto mantém a sua ilicitude, e, por outro lado, as mulheres continuarão a ser investigadas e julgadas, ficando dependentes de mais um juízo de valor acerca das suas opções.

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