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0007 | II Série A - Número 017 | 20 de Novembro de 2004

 

SUSPENDE OS PROCEDIMENTOS CRIMINAIS INSTAURADOS PELA PRÁTICA DE CRIME DE ABORTO PUNÍVEL NOS TERMOS DOS N.os 2 E 3 DO ARTIGO 140.º DO CÓDIGO PENAL

Os recentes e sucessivos julgamentos de mulheres pela prática de aborto, realizados nos Tribunais da Maia, Aveiro, Setúbal e Lisboa, vieram mostrar que a lei penal sancionava a mais revoltante devassa da privacidade das mulheres.
Investigadas pelos órgãos de polícia, inquiridas sobre a sua vida mais íntima, sobre as suas mais dramáticas decisões, sujeitas a exames que violam a sua privacidade, as mulheres remetidas para a humilhante clandestinidade do aborto sentam-se no banco dos acusados como se a sociedade lhes exigisse a expiação por um crime.
Ou então vêem-se "coagidas" a aceitar medidas de injunção e regras de boa conduta que acrescentam uma nova humilhação à humilhação do aborto clandestino. Como aconteceu recentemente em Coimbra.
Novos julgamentos se anunciam.
E, no entanto, o sentimento geral é o de que, sendo embora o aborto um momento difícil para a mulher que se vê confrontada com a difícil decisão, não comete a mulher qualquer crime.
A prová-lo estão as estatísticas das denúncias pelo crime de aborto, quando cotejadas com os estimados milhares de abortos clandestinos realizados.
Apesar disso, depois do referendo, sucedem-se de uma forma preocupante os julgamentos de mulheres. A perseguição penal aparenta ser como que uma espécie de desforço post-referendário contra as mulheres que ousam desafiar a lei que as humilha.
Os que defendem a manutenção da penalização, sempre que há algum julgamento, multiplicam-se em declarações no sentido de que não querem a condenação das mulheres.
O mesmo fizeram nos últimos debates parlamentares sobre a despenalização.
Em Janeiro do corrente ano, segundo a comunicação social, o então Primeiro-Ministro Durão Barroso declarou admitir a descriminalização do aborto, mas remeteu a sua concretização para 2006.
E declarou apoiar as propostas da JSD no sentido de, numa primeira fase, serem tomadas medidas de combate às causas que levam a mulher a abortar e, seguidamente, impedir que, ao fazê-lo, a mulher seja condenada.
A maioria aprovou uma resolução que pretende corresponder à primeira fase, a qual não tem qualquer espécie de concretização. Diga-se em abono da verdade.
Mas ao apresentar a proposta de resolução a maioria reconheceu que às mulheres não têm sido garantidas as medidas de prevenção do aborto.
O actual Primeiro-Ministro acenou com a possibilidade de alteração da lei na próxima legislatura.
Pergunta-se assim que ética preside à continuação da perseguição penal das mulheres?
Sobre esta matéria escreveu o Professor Costa Andrade, num artigo publicado no Jornal O Público de 2 de Fevereiro, sob o título "O dia em que o PSD descriminalizou o aborto", o seguinte:
"De forma decididamente apodíctica (a promessa de Durão Barroso) descriminalizou de facto, desde já e forma irreversível, o aborto. Promessas à parte, o aborto foi descriminalizado aos meados de Janeiro de 2004 …
A descriminalização tornou-se law in action antes de se ter tornado law in books (…) como pode esperar-se que os juízes portugueses condenem hoje por um facto que amanhã vai ser inapelavelmente descriminalizado? E com que empenhamento vão iniciar processos, que podem muito bem acabar quando a prática já deixou de ser ilícita, tendo passado para o campo do criminalmente neutro ou indiferente?
(…) Por outro lado, e sobretudo, esperar pela descriminalização em letra de lei enquanto se cumprem políticas para erradicar ou dominar as causas do aborto, significa continuar a admitir mandar mulheres para a cadeia, enquanto se cumprem obrigações governamentais (…)
(…) o adiamento da descriminalização legal significa a instauração de um período de quarentena e transição durante o qual as mulheres são erigidas em bodes expiatórios das culpas dos governos (…)
(…) Mas se as causas do aborto são imputáveis à omissão e culpa da governação, falece legitimidade e moral ao Governo para continuar a mandar as mulheres para a prisão enquanto ele expia a sua própria culpa ou repara as malfeitorias devidas à sua inacção".

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