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0003 | II Série A - Número 004 | 02 de Abril de 2005

 

PROJECTO DE LEI N.º 1/X
INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ

I - Introdução

Desde 1982 que o PCP tem vindo a lutar, na Assembleia da República e fora dela, pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez e pelo consequente fim do grave problema de saúde pública que constitui o aborto clandestino.
A Assembleia da República chegou em 1998 a aprovar, na generalidade, um projecto de lei de despenalização, cujo processo legislativo viria a ser interrompido pela convocação de um referendo sobre a matéria, acordado da noite para o dia entre os líderes de então do PS e do PSD.
Por isso rejeitamos a ideia de que por "escrúpulo democrático" seria necessária a realização de um novo referendo antes de qualquer alteração da lei penal nesta matéria. Escrúpulo democrático foi, na verdade, o que faltou quando, após a referida aprovação na generalidade de uma iniciativa de despenalização, dois partidos - PS e PSD - acordaram a realização de um referendo enxertado num processo legislativo em curso, em total desrespeito pelo papel da Assembleia da República no exercício do poder legislativo.
O referendo de 1998 nunca sequer teve valor vinculativo, visto que votaram apenas 31,9% dos eleitores. Mesmo que tivesse tido mais de 50% de votantes, o seu efeito vinculativo já teria há muito terminado, tendo em conta que passaram quase oito anos desde a sua realização e que estamos a entrar na terceira legislatura posterior àquela em que a consulta popular se efectuou. Não obstante, o referendo de 1998 tem sido sucessivamente invocado para tentar negar a plena legitimidade jurídica e também política da Assembleia da República para legislar sobre a matéria.
Em Março de 2004 a Assembleia da República, em debate agendado pelo PCP, discutiu mais uma vez esta questão. Nesse debate, em que se votaram, em primeiro lugar, iniciativas de despenalização e depois iniciativas de convocação de referendo, ficou, aliás, expressa uma ampla convergência dos partidos então na oposição sobre esta matéria. O debate e a votação foi essencial para desmascarar a hipocrisia dos partidos da direita, com o PSD preso de um acordo pós-eleitoral com o CDS-PP, em que se garantia a não aprovação de qualquer iniciativa, mas também para confirmar a total legitimidade da Assembleia da República para proceder à alteração legislativa em causa.
Despenalizar a interrupção voluntária da gravidez na Assembleia da República sem referendo prévio não significa, pois, fugir à consulta popular, especialmente num momento em que a ampla maioria parlamentar de forças que afirmam defender a alteração da lei penal lhe atribui particular legitimidade nesta matéria.
Despenalizar a interrupção voluntária da gravidez é a única forma de pôr fim às sucessivas investigações, devassas, humilhações, julgamentos e condenações de mulheres que nos últimos anos se repetiram em vários processos judiciais em Portugal;
Despenalizar a interrupção voluntária da gravidez é a única forma de combater o flagelo do aborto clandestino, atingindo mulheres portuguesas, sendo um grave problema de saúde pública;
Despenalizar a interrupção voluntária da gravidez significa alterar uma legislação penal que não tem eficácia no combate ao aborto. Apenas o torna clandestino, desprotegido e perigoso para a saúde física e psíquica e, por vezes, para a própria vida das mulheres.
Quando, em 1982, o PCP tomou a iniciativa do primeiro debate sobre o aborto estimavam-se em 100 000 abortos clandestinos por ano. Actualmente esse número situa-se entre os 20 a 40 000 abortos. Estes números evidenciam que as mulheres nos últimos 30 anos tem vindo a utilizar formas seguras para prevenir gravidezes indesejadas. Estas novas possibilidades foram abertas com o 25 de Abril e com a institucionalização das consultas de planeamento familiar a partir dos centros de saúde, informação e acesso à contracepção, utilizando crescentemente formas seguras de planeamento familiar e de garantir uma vivência sexual saudável.
A consolidação de um caminho que generalize a educação sexual nas escolas, que amplie as consultas de planeamento familiar e a acessibilidade à contracepção é uma aposta decisiva e indispensável, sendo necessário dar uma especial atenção às camadas mais jovens.
Mas os números continuam a demonstrar que não existem métodos de controlo da fertilidade 100% seguros, podendo ocorrer falhas e gravidezes não desejadas. E em muitas destas situações as mulheres decidem recorrer ao aborto em Portugal ou no estrangeiro. E muitas continuam a chegar aos hospitais com sequelas de aborto clandestino.
Assumimos sem hesitação nem ambiguidade a defesa da despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas e não qualquer outra solução que assente na ideia da culpabilização das mulheres pelo recurso ao aborto, mesmo que com penalização mitigada.
Em 30 anos de democracia várias oportunidades foram perdidas no encarar desta dura realidade. Portugal não pode continuar a situar-se entre os países que negam à mulher a liberdade de decidir em matéria de direitos sexuais e reprodutivos, componente fundamental do direito à igualdade.
O PCP bate-se pela alteração de uma legislação que maltrata as mulheres que recorrem ao aborto tratando-as como criminosas e pela aprovação de uma lei penal tolerante que respeite a capacidade de decisão das mulheres e que se integre na defesa dos seus direitos sexuais e reprodutivos.

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