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Sábado, 22 de Outubro de 2005 II Série-A - Número 59 (*)

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006) (*)

S U M Á R I O

Projectos de lei (n.os 105, 141, 151, 172, 176 e 177/X):
N.º 105/X (Apoio ao associativismo português no estrangeiro):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
N.º 141/X (Regula as aplicações médicas da procriação assistida):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Saúde.
N.º 151/X (Regula as técnicas de procriação medicamente assistida):
- Vide projecto de lei n.º 141/X.
- Relatório e parecer da Comissão de Saúde.
N.º 172/X (Regula as técnicas de reprodução medicamente assistida):
- Vide projecto de lei n.º 141/X.
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Saúde.
N.º 176/X - Regime jurídico da procriação medicamente assistida (apresentada pelo PSD).
N.º 177/X - Altera o Código do Trabalho, Aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, incrementando a negociação e a contratação colectiva e impedindo a caducidade das convenções colectivas (apresentado pelo BE).

Proposta de lei n.o 39/X:
Autoriza o Governo a legislar em matéria de direitos dos consumidores de serviços financeiros, comunicações comerciais não solicitadas, ilícitos de mera ordenação social no âmbito da comercialização à distância de serviços financeiros e submissão de litígios emergentes da prestação a consumidores de serviços financeiros à distância a entidades não jurisdicionais de composição de conflitos, a fim de transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores.

Projectos de resolução (n.os 77 e 78/X):
N.º 77/X - Cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 129/2005, de 11 de Agosto (apresentado pelo PSD).
N.º 78/X - Cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 129/2005, de 11 de Agosto (apresentado pelo PCP).

Propostas de resolução (n.os 2 e 4/X):
N.º 2/X (Aprova, para ratificação, o Protocolo n.º 14 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa, aberto à assinatura em Estrasburgo, em 13 de Maio de 2004):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
N.o 4/X (Aprova, para ratificação, o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia, assinado em Argel, em 8 de Janeiro de 2005):
- Idem.

(*) Artigo 174.º n.º 1 da CRP, Artigo 47.º n.º 1 do RAR e Artigo 171.º n.os 1 e 2 da CRP.

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PROJECTO DE LEI N.º 105/X
(APOIO AO ASSOCIATIVISMO PORTUGUÊS NO ESTRANGEIRO)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas

I - Relatório

Nota preliminar

Cinco Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 105/X, relativo ao "Apoio ao associativismo português no estrangeiro".
Esta iniciativa foi efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do mesmo Regimento.

Objecto

O projecto de lei sub judice apresenta como desiderato proporcionar às associações portuguesas no estrangeiro um quadro de apoios com reflexos não apenas na sua actividade tradicional mas igualmente no plano do ensino da língua portuguesa, da afirmação da cultura portuguesa em geral, do apoio social aos jovens estudantes e da divulgação da imprensa regional.
Em particular, esta iniciativa tem por objecto a instituição de apoios a acções, actividades e projectos promovidos pelas associações de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, tendo em vista a defesa e a promoção dos direitos e interesses sociais e culturais das comunidades emigrantes.
Para o efeito, preconiza-se a instituição de um Registo Nacional das Associações de Portugueses no Estrangeiro (RNAPE), cuja estrutura deverá ser criada no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Comunidades Portuguesas, e cujo registo está condicionado ao cumprimento dos seguintes requisitos:

- Não terem objectivos político-partidários ou fins lucrativos;
- Especificação estatutária, de entre as finalidades da associação, da defesa e promoção dos direitos e interesses sociais e culturais das comunidades de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro;
- Disporem de, pelo menos, 300 associados;
- Existência de parecer positivo da respectiva autoridade consular, baseado na capacidade demonstrada para a realização de acções com relevância para a defesa da cultura portuguesa e os objectivos da presente lei.

Os artigos 5.º a 7.º do projecto de lei elencam um conjunto de requisitos formais relacionados com os actos de inscrição, suspensão, caducidade e cancelamento de registo.
Nos artigos 8.º a 11.º são apresentadas as modalidades de apoios a conceder às associações de portugueses residentes no estrangeiro, às quais é permitida a solicitação de apoios financeiros, técnicos ou logísticos para a realização de acções concretas, ou de programas, próprios ou comuns, ou, ainda, para o desenvolvimento de quaisquer actividades, desde que, cumulativamente, visem a defesa e promoção dos direitos e interesses sociais e culturais das comunidades de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
Entre esses apoios a conceder obrigatoriamente pelo Estado português destacam-se:

a) Bolsas de estudo para frequência de cursos de língua portuguesa no estrangeiro;
b) Subsídios extraordinários para a promoção de programas de dinamização cultural, recreativa e desportiva;
c) Atribuição de prioridade para a criação de cursos de língua portuguesa;
d) Subsídio mensal ordinário no valor de duas retribuições mínimas mensais garantidas, atribuído obrigatoriamente a partir do momento do despacho definitivo de inscrição;
e) Incentivos para a divulgação de imprensa regional portuguesa entre os associados;
f) Subsídios para construção, aquisição ou modernização das instalações das associações;
g) Incentivos para a realização de intercâmbios entre associações.

Importa corrigir a gralha existente no n.º 1 do artigo 10.º do projecto de lei em análise, uma vez que a remissão que é feita para a alínea c) do n.º 2 do artigo 9.º deverá ser substituída pelo artigo 8.º, por forma a obter uma adequada articulação de normas.

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Os apoios a conceder às associações de portugueses residentes no estrangeiro estão condicionados ao cumprimento de dois requisitos de ordem geral: (i) a inscrição no RNAPE e (ii) a constituição regular há mais de dois anos (cifra artigo 2.º do projecto de lei).
O diploma em questão estipula, ainda, um conjunto de contrapartidas para que as associações de portugueses residentes no estrangeiro possam beneficiar dos apoios supra referidos, sendo de realçar as seguintes obrigações associativas:

a) Fornecer todas as informações relacionadas com a sua actividade em geral, e os apoios concedidos ou a conceder, em especial;
b) Divulgar junto da imprensa local os apoios concedidos;
c) Informar o Governo de qualquer desistência que ocorra no âmbito de um processo de concessão de apoio;
d) Comunicar todas as alterações susceptíveis de influir na decisão de concessão dos apoios;
e) Fornecer todos os elementos factuais ou contabilísticos relacionados com os apoios concedidos ou a conceder;
f) Fornecer aos candidatos a bolseiros todos os processos de candidaturas às bolsas e as decisões que sobre as mesmas recaíram.

O artigo 13.º e seguintes do projecto de lei n.º 105/X englobam um conjunto de normas procedimentais, cumprindo apenas relevar a imputação ao Estado português de todos os encargos decorrentes do presente diploma, mediante recurso a verbas do Orçamento do Estado.

Enquadramento legal

A matéria em causa - "Apoio ao associativismo português no estrangeiro" - já foi objecto de tratamento legislativo muito recente, através do Despacho n.º 16 155/2005 (publicado na II Série, de 25 de Julho), que consagra o "Regulamento de atribuição de apoios pela Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas".
Este diploma já em vigor reconhece a relevância do associativismo nas actuais comunidades portuguesas e a importância do reforço das iniciativas das associações portuguesas no estrangeiro, atribuindo à Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP), no âmbito das suas atribuições e competências, a responsabilidade pelo apoio prioritário a iniciativas de carácter associativo.
O Despacho n.º 16 155/2005 (II Série, de 25 de Julho), que aprovou o "Regulamento de atribuição de apoios pela Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas", possui como objectivos a promoção da integração social, escolar, cultural e política dos jovens luso-descendentes; o reforço da ligação dos portugueses residentes no estrangeiro à vida social, política, cultural e económica dos países onde residem; a promoção e divulgação da língua e cultura portuguesas no estrangeiro; o aprofundamento do estudo das questões conexas com a emigração e comunidades portuguesas; o reforço dos laços de solidariedade entre os membros de uma determinada comunidade, nomeadamente com os idosos e carenciados; e, finalmente, o estímulo e consolidação dos vínculos de pertença à cultura portuguesa.
Ainda nos termos do Despacho n.º 16 155/2005, podem candidatar-se à atribuição de apoio pela DGACCP as associações e federações das comunidades portuguesas legalmente constituídas, sem fins lucrativos ou partidários, cuja actividade vise o benefício sócio-cultural das referidas comunidades; os cidadãos ou grupos de cidadãos, portugueses ou luso descendentes, que se constituam com a finalidade de desenvolver um projecto específico que prossiga algum dos objectivos definidos no artigo 1.º; e ainda outras entidades nacionais ou estrangeiras, sem fins lucrativos ou partidários, que proponham a realização de projectos que resultem em benefício das comunidades portuguesas e se enquadrem em algum dos objectivos definidos no artigo 1.º.

II - Conclusões

1 - Nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, cinco Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 105/X, relativo ao "Apoio ao associativismo português no estrangeiro", o qual reúne os requisitos formais previstos no artigo 138.º do mesmo Regimento.
2 - O projecto de lei sub judice apresenta como desiderato a instituição de um Registo Nacional de Associações de Portugueses Residentes no Estrangeiro, bem como a definição de um regime de apoios com reflexos não apenas na sua actividade tradicional mas igualmente no plano do ensino da língua portuguesa, da afirmação da cultura portuguesa em geral, do apoio social aos jovens estudantes e da divulgação da imprensa regional.
3 - Os encargos decorrentes da concretização da presente iniciativa legislativa deverão ser suportados mediante recurso a verbas do Orçamento do Estado, desconhecendo-se o impacto financeiro desta proposta.

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4 - A matéria em causa - "Apoio ao associativismo português no estrangeiro" - já foi, pelo menos parcialmente, objecto de recente tratamento legislativo, através da publicação do Despacho n.º 16 155/2005, de 25 de Julho, que aprovou o "Regulamento de atribuição de apoios pela Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas".

III - Parecer

O projecto de lei n.º 105/X, apresentado por um grupo de Deputados do Partido Social Democrata, encontra-se em condições regimentais e constitucionais de ser agendado para apreciação pelo Plenário da Assembleia da República, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Palácio de São Bento, 27 de Setembro de 2005.
A Deputada Relatora, Maria Helena Rodrigues - O Presidente da Comissão, José Luís Arnaut.

Nota: - As conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP e BE).

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PROJECTO DE LEI N.º 141/X
(REGULA AS APLICAÇÕES MÉDICAS DA PROCRIAÇÃO ASSISTIDA)

PROJECTO DE LEI N.º 151/X
(REGULA AS TÉCNICAS DE PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA)

PROJECTO DE LEI N.º 172/X
(REGULA AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Objectivo das iniciativas

Os Deputados do Bloco de Esquerda vieram apresentar o projecto de lei n.º 141/X - Regula as aplicações médicas da procriação assistida.
Os Deputados do Partido Socialista apresentaram o projecto de lei n.º 151/X - Regula as técnicas da procriação medicamente assistida.
Os Deputados do Partido Comunista Português apresentaram o projecto de lei n.º 172/X - Regula as técnicas de reprodução medicamente assistida.
Todos estes projectos de lei se afirmam necessários para resolver a grave situação da esterilidade ou infertilidade que afectam milhares de casais.
Todos os projectos de lei se afirmam necessários porque a procriação medicamente assistida surge como forma de debelar uma doença, sendo absolutamente necessário regular a utilização das técnicas a que se recorre.
Concomitantemente, enunciam-se já em todos os projectos de lei algumas regras destinadas a tornar possível a investigação científica em embriões.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 67.º, n.º 2, alínea e), atribui ao Estado a incumbência de regulamentar a procriação assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana.

II - Parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida

Em 24 de Julho de 2004 o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida foi chamado a pronunciar-se sobre os projectos de lei do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista, então pendentes na Assembleia da República.
O Conselho preferiu elaborar um parecer genérico sobre o tema.
Do mesmo parecer salientam-se, em síntese, as seguintes conclusões:

a) As técnicas de PMA devem, em princípio, ser utilizadas de acordo com o desígnio original das mesmas e ao abrigo do princípio da beneficência em situações de infertilidade e/ou esterilidade, percepcionadas como

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doença pelo casal, para tentar obter a concepção de um ser humano quando os meios naturais o não permitam;
b) As técnicas de PMA são, pois métodos terapêuticos subsidiários, e não alternativos - princípio da subsidiariedade;
c) As derrogações ao princípio enunciado na alínea anterior devem ser autorizadas por uma entidade independente que o Conselho propõe, verificadas e ponderadas razões estritamente médicas decorrentes da prevenção de transmissão de doenças graves de origem genética;
d) Assim, no entender do Conselho, as técnicas prosseguem o objectivo de auxiliar a concretização de um projecto parental, onde deve ser considerado o desejo dos candidatos a pais, mas sobretudo os interesses do futuro ser humano, de acordo com o princípio da vulnerabilidade que obriga ao cuidado e protecção do outro, frágil e perecível;
e) Só os casais heterossexuais casados ou vivendo em união de facto podem ser beneficiários das técnicas;
f) Devem ser utilizados exclusivamente gâmetas do casal, no respeito pela regra da não instrumentalização da vida humana, decorrente do princípio da dignidade humana;
g) O Conselho admite derrogações ao princípio estabelecido na alínea anterior, por ponderadas razões estritamente médicas, quando esteja em causa a saúde reprodutiva do casal, podendo nesse caso haver recurso à doação singular de gâmetas, desde que tal seja autorizado por uma entidade independente, cuja criação é proposta pelo Conselho;
h) A doação, quando autorizada, não permite qualquer tipo de retribuição, devendo permanecer absolutamente gratuita, no respeito pela regra da não comercialização do corpo humano ou das suas partes que decorre do princípio da dignidade humana;
i) Nos casos referidos na alínea g) deve ser salvaguardada a possibilidade de identificação do dador de gâmetas a pedido do seu filho biológico quando atingir a maioridade legal, no reconhecimento do direito à identidade pessoal e biológica;
j) Mesmo em relação aos casos em que o dador não é identificável, deve manter-se permanentemente disponível, podendo ser solicitada, antes da maioridade do filho biológico e pelos representantes legais deste, a informação genética relevante para a saúde do filho;
l) O conhecimento da identidade do dador de gâmetas não poderá implicar, por parte do filho biológico, a reivindicação de quaisquer direitos em relação àquele ou de deveres daquele para com o próprio;
m) Os beneficiários das técnicas de PMA devem ser claramente informados acerca da natureza técnico-científica do processo, incluindo a descrição das intervenções a que serão sujeitos e seus potenciais benefícios e riscos, designadamente os que podem afectar os interesses da criança a nascer;
n) A informação prestada deverá igualmente incidir sobre os seguintes aspectos:
Psicológicos, tais como o agravamento do sofrimento psicológico na intensificação de sentimentos de frustração ou de comportamentos obsessivos, sociais - como seja a apresentação de alternativas, nomeadamente a adopção, legais - particularmente no caso de recurso a dador de gâmetas; económicos, na incerteza do investimento financeiro alcançar o bem desejado e, mesmo em caso de sucesso, na dificuldade de previsão de custos totais; e éticos, quer relativos ao casal, na perda da privacidade da sua intimidade, quer relativos à futura criança, na artificialização da sua geração, quer em relação ao dador;
o) O consentimento deverá ser expresso por escrito e poderá ser revogado a todo o tempo até ao momento da transferência, de acordo com o enunciado geral da regra do consentimento informado, decorrente do princípio da autonomia;
p) Também o dador de gâmetas deverá ser claramente informado acerca da natureza e implicações do acto a que se propõe, no cumprimento da regra do consentimento informado, implicada no princípio da autonomia;
q) De todos os actos que impliquem a utilização das técnicas de PMA deve ser garantida confidencialidade, no respeito pelo direito à privacidade individual, com excepção dos casos previstos na alíneas i) e j);
r) Deverá ser garantido aos profissionais de saúde o direito à objecção de consciência relativamente à execução das técnicas de PMA, consignado pelo princípio da autonomia;
s) A implementação das técnicas de PMA deve impedir a produção de um número de embriões superior ao destinado à transferência - embriões excedentários -, atendendo ao princípio do respeito pela vida humana, bem como reduzir a incidência de gravidezes múltiplas, na assunção do princípio da responsabilidade enquanto obrigatoriedade de prevenir as consequências negativas dos actos praticados;
t) Todo o embrião humano tem direito à vida e ao desenvolvimento, no corroborar do princípio universal de que todo o existente requer existir, pelo que o embrião originado in vitro deverá fazer sempre parte de um projecto parental;
u) A promoção da adopção embrionária é o procedimento ético mais adequado no que se refere ao devir dos embriões excedentários actualmente existentes, bem como àqueles que, por circunstâncias ou razões

O termo adopção não é terminologicamente correcto. Com efeito, o termo adopção consta da nossa Constituição - artigo 36.º-E como se pode ver desse artigo, a adopção é um instituto aplicável apenas à pessoa humana. Não pode, assim, ser usado relativamente ao embrião.

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imponderáveis, venham futuramente a ser excluídos do seu projecto parental originário, pois é o único procedimento que permite reintegrar o embrião num projecto parental, cumprindo o seu destino originário de transferência para o útero e garantindo o seu direito à vida e ao desenvolvimento;
v) Sempre que a adopção embrionária não se verifique num prazo de tempo útil, comprometendo assim a possibilidade de vida e de desenvolvimento do embrião, impõe-se ponderar as possíveis alternativas do destino a dar aos embriões excedentários, a saber a sua disponibilização para investigação científica ou a sua destruição;
x) A investigação científica em embriões humanos apenas é eticamente legítima quando procede em benefício do próprio embrião;
y) Contudo, o Conselho admite derrogações ao enunciado geral referido na alínea anterior quando o único destino alternativo for o da destruição do embrião;
z) Nos casos referidos na alínea anterior os embriões poderão ser utilizados para investigação científica que, não actuando em benefício dos próprios, resulte em benefício da humanidade;
aa) Qualquer projecto de investigação científica em embriões humanos deve ser rigorosamente escrutinado, pelos órgãos competentes já instituídos para o efeito, quanto à qualidade científica do projecto e dos investigadores responsáveis e quanto ao grau de previsibilidade de benefícios para a humanidade, devendo ser igualmente objecto de acompanhamento fiscalizador nas suas diversas fases de desenvolvimento, na observância das directrizes ético-jurídicas comuns a toda a experimentação em seres humanos;
ab) Nenhum dos investigadores envolvidos em investigação científica em embriões poderá pertencer a qualquer centro de PMA e/ou instituição onde se mantenham embriões criopreservados, a fim de evitar um conflito de interesses potencialmente penalizador da vida e desenvolvimento do embrião;
ac) A criação de embriões apenas para fins de investigação científica não é eticamente aceitável;
ad) Quando após a fertilização ovocitária ocorrer a formação espontânea de embriões biologicamente inviáveis estes estão, por este facto, excluídos de qualquer projecto parental e poderão ser disponibilizados para investigação;
ae) As instituições, públicas ou privadas, em que actualmente se pratica PMA deverão ser sujeitas a um processo de certificação, devendo as novas instituições da mesma natureza, públicas ou privadas, a serem criadas, estar sujeitas a um processo de licenciamento. Apenas estes requisitos permitirão o controlo público da actividade e a transparência do seu exercício;
af) É recomendada a criação de uma entidade independente, de natureza pluridisciplinar, destinada ao acompanhamento técnico, ético e social da utilização das técnicas de procriação medicamente assistida decorrentes da lei, a apresentar propostas para acreditação e licenciamento dos centros públicos e privados de procriação medicamente assistida, assim como ao acompanhamento das pessoas a serem submetidas às técnicas de procriação medicamente assistida e das nascidas com a intervenção dessas técnicas.

III - Questões de Bioética

As descobertas no campo da genética abriram um importante debate sobre as questões éticas suscitadas.
O diagnóstico genético pré-implantação ou pré-implantatório será ético? Ou não representará a instrumentalização do ser humano?
Idênticas questões são suscitadas pela clonagem e pela investigação sobre embriões.
Tem havido respostas diferenciadas nos vários países, constatando-se que as decisões éticas que estão na base das diversas legislações oscilam entre o horror da eugenia que pensam estar na base da aplicação das descobertas na área da genética e o fascínio de contribuir para o debelar do sofrimento humano.
Na Alemanha o debate sobre a importação de células estaminais embrionárias mostrou clivagens interessantes entre os protagonistas do debate político. Dentro dos três partidos - CDU, SPD e Os Verdes - que aprovaram a lei restritiva de 1990, a que mais adiante nos referiremos, as divergências foram interessantes.

Roman Herzog da CDU expressou-se da seguinte forma:
"Eu não estou preparado para explicar a uma criança, com fibrose cística, com a morte num horizonte próximo, que está lutando contra a asfixia, as razões éticas que estão vedando à ciência que torne possível a sua salvação."

Schroeder, argumentando a favor da importação das células estaminais embrionárias, pronunciou-se da seguinte forma:
"(Sem a biotecnologia) nós dificilmente seremos capazes de assegurar a nossa prosperidade aos nossos filhos e netos (…) A ética da cura requer tanta atenção como a ética da criação."

Joahnnes Rau do SPD respondeu-lhe:

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"Quando a dignidade humana é afectada, os argumentos económicos não contam (…) nada pode ter precedência relativamente à dignidade individual."

Também no outro partido que votara favoravelmente a lei de 1990, o mais aceso opositor à revolução genética - Os Verdes - surgiram vozes discordantes:
"Não é possível ser completamente a favor ou contra a biotecnologia. Isso seria tão razoável como dizer: Eu sou contra a reunificação da Alemanha. As coisas mudaram e essa é a realidade. Não se pode ser contra a realidade."

Aliás, é também interessante acompanhar a evolução da legislação Suiça das mais restritivas se tivermos em conta a lei de 1998 - que passou a admitir depois de um referendo em 2004 a investigação científica com células estaminais embrionárias que antes proibira.
As questões éticas relativamente à investigação científica e ao diagnóstico pré-implantatório foram analisadas pelo Comité Internacional de Bioética (CIB), da UNESCO, em parecer de 24 de Abril de 2003, o qual se pronunciou como se segue.
"Ao comité compete pronunciar-se, nos termos do artigo 2.º da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e sobre os Direitos Humanos, acerca das práticas, nomeadamente acerca das intervenções nas células germinais, que podem ser contrárias à dignidade humana.
O Comité Intergovernamental de Bioética em 2001 convidou o CIB a considerar no seu programa de trabalho o diagnóstico genético pré-implantatório e as intervenções nas células germinais.
Tendo o CIB concluído o seguinte:

- O diagnóstico genético pré-implantatório pode ser uma opção adicional para os pais na situação de elevado risco de gerarem uma criança com doenças genéticas ou malformações.
- Recomenda-se que o DGP se limite a indicações médicas; a selecção do sexo por razões não médicas não é ética.
- A investigação no embrião para averiguar da possibilidade de ser dador a outra criança com doença genética ou leucemia por ter grupo HLA compatível é considerado eticamente aceitável apenas se o DGPI for feito para investigar a existência ou não da doença em causa, e se a investigação do HLA não puder ser considerada como o critério de selecção contra o embrião não afectado pela doença em causa.
- O DGPI para seleccionar e implantar embriões com uma doença ou condição semelhante aos pais ou a um deles é considerado eticamente inaceitável.
- O DGPI para detecção de anormalidades cromossómicas para seleccionar e implantar os embriões não afectados melhorando os resultados da fecundação in vitro (chamado o teste de aneuploidias) é considerado eticamente aceitável. Devido ao alto custo do DGPI não está acessível a todos os casais que dele precisam.
- Uma decisão acerca da aceitabilidade do DGPI para as sequências do X que estão associadas com o aumento do risco de doenças multifactoriais, incluindo muitas formas de cancro, de doenças cardiovasculares e desordens neurodegenerativas, requer um maior debate público e discussão entre profissionais. Se essas formas de DGPI forem consideradas devem ser restringidas aos casos envolvendo alto risco e graves doenças clínicas.
- A recomendação de que o DGPI seja limitado a indicações médicas implica que é rejeitado que se testem características físicas e mentais normais. O mesmo se aplica às intervenções na linha germinal."

O mesmo Comité, em anterior parecer de 6 de Abril de 2001, pronunciou-se sobre a utilização de células estaminais embrionárias para a investigação com fins terapêuticos, e anotando as divergências dentro do próprio Comité, concluiu que:
"Toda a sociedade tem o direito e o dever de discutir e resolver as questões éticas com as quais se encontra confrontada. Quando o desacordo é total, a sociedade deve pronunciar-se sobre a questão quer porque ela põe em causa um dos seus valores fundamentais quer porque as considerações práticas exigem que o problema seja resolvido. A utilização do embrião humano parece ser uma dessas questões.

E concluiu ainda:
"Em todos os aspectos das pesquisas envolvendo o embrião humano deve dar-se uma especial importância ao respeito da dignidade humana e aos princípios enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e na Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos do Homem (1997)."

Relativamente à clonagem, o grupo de conselheiros para a ética da biotecnologia junto da Comissão Europeia pronunciou-se, em resumo, no seguinte sentido :

Neste referendo, a lei reuniu mais de 65% de votos favoráveis. Mesmo no cantão onde predomina a religião católica, a lei obteve mais de 50% de votos favoráveis.
Ver parecer n.º 9, de 28 de Maio de 1997.

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"A instrumentalização do homem, quer dizer o perigo de eugenismo ligado à clonagem reprodutiva, tornam-na eticamente inaceitável. Assim, toda a tentativa para fazer nascer um ser humano geneticamente idêntico, através da transferência de núcleo a partir de uma célula humana de adulto ou de criança (clonagem reprodutiva), deve ser proibida."
"As mesmas objecções éticas devem levar à proibição de toda a tentativa de obtenção de embriões geneticamente idênticos no quadro da procriação medicamente assistida, seja pela cisão de embriões seja pela transferência de núcleo, por mais compreensíveis que sejam as razões invocadas.
Conviria estar atento para que nos países onde é admitida a investigação não terapêutica cognitiva sobre o embrião mediante autorização todo o projecto de pesquisa, prevendo uma transferência de núcleo, tenha, por objecto, por uma parte, quer a descoberta das causas das doenças humanas quer contribuir para a investigação sobre a minimização do sofrimento humano, e por outra parte, deve excluir também qualquer reimplantação do embrião no útero."

A Convenção de Oviedo, estabelece o seguinte:

"Artigo 13.º
Intervenções sobre o genoma humano

Uma intervenção tendo por objecto modificar o genoma humano não pode ser empreendida senão por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas, e apenas se não tiver por finalidade uma modificação do genoma da descendência.

Artigo 14.º
Não selecção do sexo

A utilização das técnicas de assistência médica à procriação não é admitida para escolher o sexo da criança a nascer, salvo se tiver em vista evitar uma doença hereditária grave ligada ao sexo.

Artigo 18.º
Investigação sobre os embriões in vitro

1 - Quando a pesquisa sobre embriões in vitro estiver permitida por lei, esta assegurará uma protecção adequada ao embrião.
2 - A constituição de embriões humanos para fins de investigação é proibida."

O Protocolo Adicional a esta Convenção (de 1998) proíbe, no artigo 1.º, toda e qualquer intervenção visando criar um ser humano geneticamente idêntico a outro ser humano, quer esteja vivo quer morto.

IV - Direito comparado

Vários ordenamentos jurídicos, na Europa e fora da Europa, regulamentam as técnicas de procriação medicamente assistida.
Sinteticamente passaremos em revista, alguns desses ordenamentos jurídicos, relativamente às questões mais debatidas.

Espanha
Na Espanha o recurso às técnicas de reprodução medicamente assistida passou a reger-se pela Lei n.º 35/1988, de 22 de Novembro, entretanto alterada pela Lei n.º 45/2003, de 21 de Novembro.
A Lei n.º 42/1988, de 28 de Dezembro, legislou sobre a doação e utilização de embriões e fetos humanos ou das suas células, tecidos ou órgãos.
Segundo a legislação espanhola, a procriação medicamente assistida não é um método alternativo de reprodução, e admite-se o recurso à PMA nos casos de esterilidade para facilitar a procriação quando outras terapêuticas tenham sido afastadas por serem inadequadas ou ineficazes.
Mas ainda podem ser utilizadas as técnicas de PMA como prevenção e tratamento de enfermidades de origem genética ou hereditária quando seja possível recorrer a elas com suficientes garantias de diagnóstico e terapêuticas e estejam estritamente indicadas.

A Convenção está longe de ter reunido a unanimidade. Com efeito, consultado um parecer do Comité de Ética da Bélgica, constata-se que alguns membros discordam da Convenção em vários pontos. Segundo alguns a proibição de terapia genica germinal (artigo 13.º) é devida a razões de segurança sanitária e pode desaparecer no futuro. Quanto ao n.º 2 do artigo 18.º, alguns membros do Comité consideram que pode verificar-se nalguns casos que é indispensável a criação de embriões no interesse dos próprios pacientes sofrendo de esterilidade ou de doenças genéticas.

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Beneficiárias das técnicas de PMA
A lei espanhola não limita aos casais o recurso às técnicas. Qualquer mulher, desde que seja maior. A mulher receptora das técnicas pode pedir que se suspendam em qualquer momento da sua realização. Consagra-se a possibilidade de o filho ou a mulher receptora dos gâmetas terem acesso a informações de carácter geral sobre o doador.

Inseminação artificial e transferência post mortem de embriões
A lei espanhola admite a inseminação artificial post mortem e também a transferência de embriões post mortem (artigo 9.º).
Não sendo sequer necessário que o material reprodutor seja de falecido marido. Pode ser também de homem não casado com a beneficiária das técnicas desde que em escritura ou testamento autorize a utilização do seu material reprodutor nos seis meses seguintes ao seu falecimento. O marido também o poderá fazer, sendo então havido como pai.
Se a inseminação ou a transferência post mortem de embriões for feita sem que haja escritura ou testamento do falecido marido, este não poderá ser havido como pai.

Maternidade de substituição
O contrato de maternidade de substituição ainda que gratuito é nulo.

Investigação com embriões
A Lei n.º 45/2003 veio introduzir alterações à Lei n.º 35/88 no que toca ao destino dos embriões supranumerários.
Assim, só em relação aos crioconservados antes da data da entrada em vigor da lei se estabeleceu que o casal ou só a mulher, conforme os casos, devem indicar o destino dos mesmos, podendo escolher os seguintes:

- Manter a criopreservação até que sejam transferidos de acordo com a lei da reprodução médica assistida;
- Doá-los a título gratuito, a outros casais, com fins reprodutivos.
- Consentir em que as estruturas biológicas obtidas no momento da descongelação possam ser utilizadas em investigação dentro dos limites adiante indicados, ou, simplesmente, proceder à sua descongelação, sem qualquer finalidade.

Relativamente aos embriões doados manter-se-iam crioconservados por mais cinco anos, findos os quais, não tendo sido utilizados, seriam cedidos ao Centro Nacional de Transplantes e de Medicina Regenerativa.
Não se conhecendo o casal progenitor ou a mulher, conforme os casos, dos pré-embriões crioconservados, ou não se tendo obtido o consentimento informado no prazo de um ano, manter-se-iam crioconservados por mais quatro anos para serem doados a quem o solicitasse para fins reprodutivos, findos os quais sem que tivesse sido tornada efectiva a doação, seriam cedidos ao Centro Nacional de Transplantes e de Medicina Regenerativa.
De qualquer forma, de acordo com a lei, as estruturas biológicas deveriam servir para objectivos de particular importância, tais como o progresso de investigação fundamental ou o avanço de conhecimentos médicos para aplicação de novos métodos de diagnóstico, preventivos ou terapêuticos aplicáveis ao ser humano.
Na Lei n.º 35/88 autoriza-se a investigação:

- Com gâmetas com a finalidade de investigação básica ou fundamental;
- Dirigida a aperfeiçoar as técnicas de obtenção e maturação dos ovócitos, assim como de crioconservação de óvulos;
- As gâmetas utilizadas na investigação ou experimentação não se usarão para dar origem a pré-embriões destinados à procriação.

O teste do hamster ficou autorizado, até à fase de divisão em duas células do óvulo do hamster fecundado, para avaliar a capacidade de fertilização do espermatozóide humano, ficando proibidas, como regra geral, as quimeras e os híbridos, salvo os que forem autorizados pela autoridade pública competente.
A investigação com pré-embriões viáveis só é permitida se se trata de investigação aplicada com carácter diagnóstico, e com fins terapêuticos ou preventivos e se não for alterado o património genético não patológico.
A investigação em pré-embriões com outras finalidades que não sejam as de diagnóstico ou de comprovação da sua viabilidade só é autorizada em pré-embriões não viáveis, se se provar cientificamente que não pode ser realizada com animais, se tiver por base um projecto devidamente apresentado e autorizado pelas autoridades sanitárias e científicas competentes, e se for realizado dentro do prazo autorizado.

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Para a investigação em pré-embriões, para além do requisito, entre outros, do consentimento informado dos doadores, a mesma só pode ser feitas em pré-embriões que não se desenvolvam in vitro para além de 14 dias, sem contar com o prazo da criopreservação.
Os pré-embriões abortados são considerados mortos ou não viáveis.
Os pré-embriões não viáveis podem ser utilizados com fins farmacêuticos, de diagnóstico o terapêutico, previamente conhecidos e autorizados.
Os pré-embriões mortos podem ser utilizados com fins científicos, diagnósticos ou terapêuticos.

Diagnóstico genético pré-implantatório
É permitida a intervenção nos pré-embriões in vitro com fins de diagnóstico para avaliar a sua viabilidade, para detectar enfermidades hereditárias e tratá-las, se for caso disso, ou desaconselhar a sua transferência para o útero.
O Governo espanhol anunciou já que apresentará uma alteração às leis existentes para nelas incluir a clonagem de embriões com fins terapêuticos.
O Grupo Parlamentar do PSOE apresentou uma proposta de resolução recomendando ao Governo que alterasse a lei de reprodução medicamente assistida no seguinte sentido:

- Permitir a investigação em embriões supra numerários criopreservados posteriormente a 2003;
- Permitir a intervenção em pré-embriões para avaliar da sua compatibilidade com tratamentos de filhos dos seus progenitores;
- Alterar os limites à fecundação de ovócitos.

Alemanha
A Lei Federal de 13 de Setembro de 1990 sobre o embrião é uma lei de carácter penal que considera o embrião como uma pessoa, enuncia proibições fundamentais que comina com penas, para defender o embrião sobretudo dos investigadores.
As lacunas da lei são em parte supridas pelas directivas da Ordem Federal dos Médicos.

Beneficiários das técnicas
Segundo as directivas da Ordem só os casais que tenham contraído casamento podem recorrer às técnicas de PMA; os casais heterossexuais vivendo em união de facto têm de dirigir-se à Comissão Regional da Ordem, que decide caso a caso.
Uma mulher só não pode recorrer à PMA.

A inseminação artificial e a transparência de embriões post mortem
Relativamente à inseminação artificial e a transferência de embriões post mortem, a lei prevê uma pena de multa ou de prisão até três anos, mas a mulher que for inseminada não incorre em qualquer punição.
A lei não considera ilícita a transferência de embriões post mortem. Pode realizar-se para permitir a realização de um projecto parental.
Contudo, como segundo as directivas da Ordem, em regra, a crioconservação só deve realizar-se antes da fusão dos núcleos, e que a crioconservação é apenas aceitável a título excepcional quando a implantação prevista não pôde ter lugar durante o ciclo, é reduzido o alcance da permissão.

Diagnóstico pré-implantatório
Segundo a lei de 1990, o diagnóstico pré-implantatório é proibido.

Investigação em embriões
A lei proíbe a produção de embriões e a cultura de embriões para investigação científica. Proíbe a investigação científica nos embriões existentes. O embrião só pode ser utilizado com a finalidade de assegurar a sua sobrevivência.
A lei proíbe a clonagem, as quimeras e os seres híbridos.
Entretanto, algumas das disposições da lei foram contestadas, o que deu origem a que o Comité Nacional de Ética emitisse pareceres, nomeadamente em relação à importação de células estaminais embrionárias destinadas à investigação.
Relativamente a essa importação, o Comité dividiu-se, sendo a opinião dominante de 15 dos seus membros a de que a importação de células estaminais embrionárias devia ser provisoriamente autorizada, por um período limitado, dentro de requisitos específicos.
Nove destes 15 membros subscreveram esta posição apenas porque a questão se manteve em debate, aguardando uma posição definitiva. Estes nove membros subscreveram uma outra posição, segundo a qual era eticamente aceitável a utilização de embriões supra numerários, para investigação científica.
Também na Alemanha.

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Dez dos membros do Comité pronunciaram-se no sentido de que devia ser aplicada uma moratória à importação de células estaminais embrionárias, até que a questão tivesse um debate mais aprofundado. Mas destes 10 membros, quatro subscreveram uma posição segundo a qual era eticamente inadmissível a importação de células estaminais embrionárias, pois que a utilização das mesmas representava a instrumentalização do ser humano, e a importação contribuía para a redução do nível de protecção do ser humano.
Acabou por ser aprovada a lei denominada Stem Cell Act, de 28 de Junho de 2002, relativa à importação e utilização das células estaminais embrionárias que consagrou, como princípio, a proibição de importação e utilização das células estaminais embrionárias como forma de prevenir a procura, na Alemanha, de derivações das células estaminais embrionárias e a produção de embriões para obtenção daquelas.
Reafirmando a definição de embrião já constante da lei de 1990 - toda e qualquer célula totipotente que tem a potencialidade de se dividir e dar origem a um ser humano -, a lei estabelece as condições a que deve obedecer a importação e utilização de células estaminais embrionárias, a título excepcional , destinadas a investigação:

- Devem ter sido obtidas no país exportador antes de 1 de Janeiro de 2002, e conservadas em cultura ou armazenadas segundo o processo de criopreservação;
- Devem ter sido obtidas a partir de embriões obtidos através da procriação medicamente assistida, se para tal não tiverem sido usados, nem possam ser usados, desde que os motivos não digam respeito ao próprio embrião ;
- Os embriões não podem ter sido resultantes de doação a título oneroso.

Diagnóstico pré-implantatório
Relativamente ao diagnóstico pré-implantatório, uma maioria de 16 membros da Comissão de Análise do Bundestag votou no sentido de ser completamente proibido o diagnóstico genético pré-implantatório .
Contudo, e já depois disso, o Comité Nacional de Ética alemão propôs que a tecnologia de reprogramação genética fosse regulada não pela lei de 1990, mas por uma lei separada - Lei sobre a Medicina Reprodutiva. Ao fazer esta proposta, oito de 15 membros participando no Conselho pronunciaram-se a favor da autorização do diagnóstico genético pré-implantatório, embora sujeito a limitações.
Dentro deste contraditório processo alemão, dir-se-á ainda o seguinte:
No final do ano de 2004 o Conselho Nacional de Ética pronunciou-se no sentido da proibição da clonagem reprodutiva.
Contudo, relativamente à clonagem para fins de investigação, três posições foram defendidas no Conselho:

Uma que defendia a possibilidade da clonagem dentro de determinadas limitações;
Outra que propugnava a manutenção da proibição de clonagem para fins de investigação;
E uma terceira que defendia a manutenção provisória da proibição da clonagem.
Entretanto, não tendo havido votação, os membros do Comité acordaram em recomendar que não fosse autorizada, no momento, a clonagem para fins de investigação.
Confira-se esta posição com a posição do Governo alemão em 2003 nas Nações Unidas.
A Alemanha, com a China, Reino Unido, França, Rússia e China, manifestou-se favorável a uma convenção internacional que só proibisse a clonagem reprodutiva, enquanto que relativamente à clonagem para fins de investigação os países deveriam definir as posições nas suas próprias leis.

Bélgica
Não existe qualquer lei na Bélgica que regulamente as técnicas de procriação medicamente assistida.
Apenas existe um Decreto Real de 15 de Fevereiro de 1999 publicado no MONITOR BELGA que fixa, de uma maneira muito precisa, as normas a que devem obedecer os programas de cuidados na medicina de reprodução. Mas apenas se trata de normas sobre condições logísticas, elementos ambientais, pessoal, peritagem médica ou não médica, normas de qualidade. Mas nada está previsto sobre as condições a que se deve obedecer para beneficiar das técnicas, nem sobre procedimentos. Cada centro de reprodução medicamente assistida funciona como entende.
Entretanto, encontra-se parado um processo legislativo relativo a um projecto de lei de 1997, e foram apresentados já na sessão corrente mais dois projectos de lei sobre a matéria.
O Comité de Bioética tem diversos pareceres sobre a questão, como, por exemplo:

O debate sobre a importação e a utilização de células estaminais embrionárias surgiu depois da Fundação Alemã para a investigação ter pedido autorização para importar células estaminais embrionárias armazenadas resultantes de embriões destruídos no estrangeiro.
Este requisito está em ligação com as restritivas posições da lei alemã sobre diagnóstico pré-implantatório.
No entanto, na Alemanha, pratica-se e é autorizado o diagnóstico sobre glóbulos polares porque as análises são realizadas sobre o óvulo no momento em que se encontra no estádio dos dois pronúcleos, quer dizer antes da formação do embrião conforme definido pela lei de 1990.
A lei de 1990 teve os votos a favor da CDU, do Partido Social Democrata e de Os Verdes.

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- Sobre a inseminação ou transferência de embriões post mortem - admitindo-a verificando-se determinados requisitos;
- Sobre a maternidade de substituição entendendo que deve ser proibida, excepto perante determinadas situações médicas, como a falta de útero, uma contra-indicação formal de gravidez, ou infertilidade uterina.
- Doação de esperma ou óvulos onde se fazem várias recomendações, nomeadamente em relação ao segredo sobre a identificação do dador;
- Clonagem terapêutica e utilização das células estaminais - no qual considera que a investigação sobre células estaminais não pode ser compartimentada hermeticamente entre células estaminais adultas, fetais e embrionárias. É prematuro privar os investigadores de uma ou de outra pista de investigação.

Não tendo uma lei sobre procriação medicamente assistida, a Suíça tem, no entanto, uma lei aprovada em 2003 acerca da investigação científica em embriões in vitro.
Nos termos dessa lei, a investigação é permitida se tiver por objectivo finalidades terapêuticas ou se tiver por finalidade a progressão de conhecimentos no que toca à esterilidade, infertilidade, transplante de órgãos ou de tecidos, prevenção ou tratamento de doenças. Também tem de ser baseada nos conhecimentos científicos mais recentes e satisfazer as exigências de uma metodologia correcta da investigação científica.
Além disso:
Deve ser realizada num laboratório ligado a um programa universitário de cuidados na área da medicina reprodutiva ou de genética humana; deve ser realizada sob o controlo de um médico especialista ou de um professor em ciências; deve ser realizada no decurso dos primeiros 14 dias de desenvolvimento do embrião, congelação não incluída; não pode existir método de investigação alternativo com eficácia comparável.
A produção de embriões in vitro é proibida, salvo se o objectivo da investigação não puder ser atingido com os embriões excedentários, desde que cumpridas as restantes condições da lei.
A estimulação dos óvulos só é autorizada se a mulher for maior, der o seu consentimento por escrito e for cientificamente justificada.
A lei proíbe a implantação de embriões humanos em animais, proíbe as quimeras e os seres híbridos.

Proíbe ainda a implantação nos seres humanos do embrião sujeito a investigação científica, a menos que as pesquisas tenham sido conduzidas com um objectivo terapêutico para o próprio embrião ou quando se tratar de uma pesquisa de observação que não atente contra a integridade do embrião.
A lei proíbe ainda:

- A utilização dos embriões, dos gâmetas ou das células estaminais embrionárias com finalidades comerciais;
- A realização de pesquisas ou tratamentos com carácter eugénico, ou seja, baseadas na selecção ou ampliação de características genéticas não patológicas da espécie humana;
- A realização de pesquisas visando a selecção do sexo, com excepção da selecção que permite afastar embriões afectados por doenças ligadas ao sexo;
- A clonagem humana reprodutiva.

França
A França introduziu profundas alterações à Lei da Bioética .

Clonagem
Nessa lei proíbe-se - artigo 21.º - a clonagem reprodutiva.

beneficiários das técnicas:
Um casal. O homem e a mulher formando um casal devem estar vivos, em idade de procriar, casados ou podendo provar uma vida em comum pelo menos durante dois anos.
A procriação medicamente assistida tem de resultar de gâmetas de pelo menos um dos membros do casal.
É permitida a investigação científica com embriões excedentários e com células embrionárias, mas só quando permitir progressos terapêuticos de relevo, e com a condição de não poderem ser obtidos por um método alternativo de eficácia comparável, segundo o estado dos conhecimentos científicos.

Segundo a lei canadiana sobre a procriação medicamente assistida, que contém um artigo destinado a definições, a quimera é um embrião no qual foi introduzida, pelo menos, uma célula proveniente de outra forma de vida ou um embrião composto de células provindas de vários embriões fetos ou seres humanos; híbridos são:
a) O óvulo humano fertilizado por um espermatozóide de uma outra forma de vida;
b) O óvulo de uma outra forma de vida fertilizado por um espermatozóide humano;
c) O óvulo humano no qual foi introduzido o núcleo de uma célula de uma outra forma de vida;
d) O óvulo de uma outra forma de vida no qual foi introduzido o núcleo de uma célula humana;
e) O óvulo humano ou de uma outra forma de vida, que, de qualquer maneira, contém componentes haploides de cromossomas de origem humana e de uma outra forma de vida.
Lei n.º 2004-800, de 6 de Agosto de 2004, relativa à bioética.

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É proibida a clonagem reprodutiva e a clonagem com fins terapêuticos.
É proibida a criação de embriões para investigação científica.

Diagnóstico pré-implantatório
O diagnóstico biológico efectuado a partir de células recolhidas do embrião in vitro pode igualmente ser autorizado, a título experimental, quando se encontrarem reunidas as seguintes condições:

"O casal gerou uma criança afectada por doença genética grave, podendo causar a morte a partir dos primeiros anos de vida, reconhecida como incurável no momento do diagnóstico.
O prognóstico vital desta criança pode ser melhorado de maneira decisiva pela aplicação sobre ela de uma terapêutica, não causando dano a integridade do corpo da criança nascida da transferência do embrião para o útero.
O diagnóstico mencionado na primeira alínea tem por única finalidade investigar a anomalia genética, assim como os meios de a prevenir e de a tratar, por um lado, e de permitir a aplicação da terapêutica mencionada na alínea anterior, por outro lado.
Os dois membros do casal dão o seu consentimento por escrito para a realização do diagnóstico.
A realização do diagnóstico é submetida á autorização da Agência da Biomedicina, que disso dará conta no relatório público."

Reino Unido
A procriação medicamente assistida rege-se por uma lei de 1990, alterada em 1992.
Esta legislação é completada pelo Código Deontológico da Human Fertilisation and Embryology Authority (HFEA).
O Código Deontológico é aprovado pelo Ministro da Saúde e depois pelo Parlamento.

Beneficiários
A lei não fala nem da situação matrimonial nem da idade dos beneficiários. O Parlamento decidiu não excluir nenhuma categoria de mulheres.
Só o Código Deontológico explicita que, no caso de uma mulher só solicitar o recurso às técnicas de PMA, os estabelecimentos devem prestar uma particular atenção à capacidade da futura mãe para satisfazer as necessidades da criança e indagar se o agregado familiar ou o agregado social da futura mãe, quer e pode partilhar essa responsabilidade, assim como a de educar a criança, contribuir para as suas necessidades, e ocupar-se dela.
A inseminação artificial e a transferência de embriões post mortem são autorizadas.
O diagnóstico pré-implantatório é autorizado.
A HFEA (Human Fertilisation & Embryology Authority) nos finais de 2001 anunciou que passaria a autorizar no diagnóstico pré-implantatório a pesquisa relativa à existência do Grupo HLA compatível com a de uma criança, irmão ou irmã, afectada por doença grave com vista a tornar possível a cura dessa criança através do transplante de células estaminais de sangue, presentes na medula e no cordão umbilical. Mas a partir dessa data apenas era possível fazer esse diagnóstico nas células do embrião que tivessem sido retiradas para fazer o diagnóstico de uma possível doença genética.
Contudo, os anos mostraram não haver risco acrescido para o embrião com aquele novo exame, pelo que, a partir de 21 de Julho de 2004, passou a poder ser autorizado apenas o diagnóstico para apuramento de embrião com grupo HLA compatível com o de irmão ou irmã. Pelo que é possível o recurso às técnicas de procriação medicamente assistida só para aquele efeito.
Investigação científica
A lei proíbe a utilização do embrião depois do aparecimento da linha primitiva, presumindo-se irrefutável o seu aparecimento a partir do 14.º que se segue à fecundação, não contando com o período de criopreservação.
Objectivos da investigação:
- Melhorar as técnicas de tratamento da esterilidade;
- Melhorar o diagnóstico em matéria de doenças congénitas;
- Desenvolver técnicas de contracepção mais eficazes;
- Melhorar os conhecimentos relativos às falsas gravidezes.

A investigação pode ter lugar tanto sobre embriões excedentários dados pelos progenitores como sobre embriões criados para esse efeito.
A lei proíbe expressamente a criação de clones humanos, de quimeras e de seres híbridos.
A lei proíbe unicamente a substituição do núcleo de uma célula embrionária por um núcleo retirado de uma célula adulta ou de um embrião. Implicitamente permite a transferência nuclear se for realizada antes da fecundação. E permite a clonagem por cisão de embriões, mas proíbe a utilização deste último método para fins de reprodução. A HFEA pode conceder autorizações para investigação em embriões resultantes de cisões.

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Em 2001 foi aprovado o Human Reproductive Cloning Act 2001 que proíbe a clonagem reprodutiva, considerando um crime a colocação no útero de uma mulher de um embrião que tenha sido criado sem ser por fertilização.

Suíça
A lei suíça era, até há pouco tempo, uma lei extremamente restritiva.
Os beneficiários eram, e ainda são, os casais heterossexuais casados ou não. A inseminação com esperma apenas é permitida aos casados.
A lei proíbe a inseminação e a transferência de embriões post mortem.
A lei proibia o diagnóstico pré-implantatório e a investigação com embriões. Depois do referendo a que já atrás nos referimos entrou em vigor a lei de 19 de Dezembro de 2003 sobre a investigação com células estaminais embrionárias. Esta lei prevê a possibilidade de congelação de embriões e a investigação sobre o embrião.
Quanto ao diagnóstico pré-implantatório, em Junho passado próximo o Presidente do Conselho Nacional de Ética suíço e o Secretário Científico do mesmo Conselho comunicavam oficialmente ao Parlamento suíço que, segundo a opinião da maioria dos membros do Conselho, existiam razões éticas suficientemente convincentes para levantar a interdição do diagnóstico pré-implantatório, embora com a condição de se estabelecer uma estrita regulamentação.

V - Antecedentes legislativos

Na VII Legislatura o Governo de então apresentou a proposta de lei n.º 135/VII, de que resultou o Decreto n.º 415/VII.
Perante os protestos que tal decreto suscitou na comunidade científica, o Presidente da República vetou o diploma. Isto em 1999.
Na anterior legislatura os proponentes das iniciativas legislativas em análise apresentaram projectos de lei sobre o recurso às técnicas de procriação medicamente assistida.
Entre os projectos de lei então apresentados pelo Bloco de Esquerda e pelo PS, e os que agora apresentaram, existem algumas diferenças. Não assim relativamente ao projecto de lei apresentado pelo PCP, então e agora.
Efectivamente, no projecto de lei apresentado na anterior legislatura o PS introduzia a proibição da maternidade de substituição. No projecto de lei agora em análise o PS admite a maternidade de substituição, embora restritivamente.
Com o BE acontece precisamente o contrário. No projecto de lei anterior admitia, em certas situações, a maternidade de substituição. Agora o projecto de lei é, nessa matéria, completamente omisso.
Existem também alterações e profundas no actual projecto de lei do PS relativamente aos embriões excedentários.
No anterior projecto de lei do PS, numa solução igual à da lei suíça de 1998, obrigava à transferência de todos os embriões para o útero, não podendo haver destruição de embriões.
Esse dispositivo desaparece no actual projecto de lei.
E quanto à investigação científica em embriões, enquanto o anterior projecto de lei estabelecia que só era permitida a criação e a utilização de embriões para fins de investigação e de experimentação científica, não podendo o embrião ser objecto de investigação senão quando esta tivesse por finalidade o benefício do próprio embrião, o actual projecto de lei proíbe a criação de embriões para investigação científica mas permite a utilização de embriões na investigação com objectivos diagnósticos ou terapêuticos, desde que a investigação seja autorizada pelo CNRMA.
Relativamente ao diagnóstico genético pré-implantatório, enquanto no anterior projecto de lei só se permitia esse diagnóstico em termos dos benefícios para o próprio embrião, no actual projecto de lei permite-se o uso das técnicas de DGPI para o diagnóstico ou terapêutica de doenças genéticas ou outras.

VI - Aspectos mais polémicos dos projectos de lei

Vejamos, então, algumas das principais questões a que os projectos de lei pretendem dar resposta:
Condições de admissibilidade:
Os que pretendam aceder às técnicas de procriação medicamente assistida, têm, previamente, de se encontrar na seguinte situação:

Projecto de lei do BE:
As técnicas de produção medicamente assistida só podem ser aplicadas após diagnóstico de infertilidade, ou como forma de prevenção ou tratamento de doença de origem genética ou infecciosa (artigo 4.º, n.º 1)

Projecto de lei do PS:
As técnicas de procriação medicamente assistida só podem utilizar-se após rigoroso diagnóstico de infertilidade, certificado por equipa médica de que façam parte, pelo menos, dois especialistas qualificados

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com o mínimo de cinco anos de actividade em áreas médicas ligadas à reprodução humana ou aprovação em ciclo de estudos especiais em medicina da reprodução.
O projecto de lei admite, no entanto, o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida com o fim de proceder à prevenção ou ao tratamento de anomalias de origem genética, infecciosa ou outra - artigo 2.º.

Projecto de lei do PCP:
Só podem ser utilizadas as técnicas de procriação medicamente assistida nos casos de comprovada esterilidade ou infertilidade de um dos seus membros, ou como forma de prevenção e tratamento de doenças de origem genética ou hereditário - artigo 2.º.
De todos os projectos de lei se conclui que a procriação medicamente assistida não é uma forma alternativa de reprodução.
O recurso à mesma está fundamentado em graves problemas de saúde.

Beneficiários das técnicas
Projecto de lei o BE:
Mulher que tenha, pelo menos, 18 anos de idade e não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, e que para tal tenha expressa a sua vontade.

Projecto de lei do PS:
Pessoas casadas que não se encontrem separadas judicialmente de pessoas e bens ou separadas de facto, ou as que, sendo de sexo diferente, vivam em condições análogas às dos cônjuges há pelo menos dois anos, podem recorrer a técnicas de procriação medicamente assistida.
As técnicas só podem ser utilizadas em benefício de quem tenha, pelo menos, 18 anos de idade e não se encontre interdito ou inabilitado por anomalia psíquica.
Só pode ser beneficiário de técnicas de procriação medicamente assistida o casal que contribua com gâmetas de, pelo menos, um dos seus membros.
Para se ser beneficiário de embriões o PS indica idades máximas - 45 anos para a mulher e 55 anos para os homens.

Projecto de lei do PCP:
Casais unidos pelo casamento e não separados judicialmente de pessoas e bens, ou de facto, ou os casais em união de facto.
As mulheres sós, desde que maiores de 18 anos e não se encontrem interditas ou inabilitadas por anomalia psíquica.

Finalidades proibidas
Projecto de lei do BE:
Clonagem reprodutiva tendo como objectivo criar seres geneticamente idênticos a outros.
A utilização de técnicas de PMA para conseguir ou melhorar determinadas características não-médicas do nascituro, designadamente a escolha do sexo, com excepção dos casos em que haja risco elevado de doença genética ligada ao sexo, e para a qual não seja ainda possível a detecção directa por diagnóstico pré-natal ou diagnóstico genético pré-implantação.

Projecto de lei do PS:
O recurso a técnicas de procriação medicamente assistida com o objectivo deliberado de criar seres humanos idênticos, designadamente por clonagem, ou de dar origem a quimeras ou de intentar a fecundação interespécies.
A utilização de técnicas de PMA para conseguir determinadas características do nascituro, designadamente a escolha do sexo, salvo nos casos de prevenção ou tratamento de anomalias de origem genética, infecciosa ou outra.

Projecto de lei do PCP:
Utilização das técnicas para criação de quimeras ou com o objectivo deliberado de criar seres idênticos, designadamente por clonagem reprodutiva, ou de intentar a fecundação entre gâmetas da espécie humana e gâmetas das restantes espécies animais, salvo neste último caso, nomeadamente para avaliação da capacidade de fecundação do espermatozóide humano, o teste do hamster, e, mediante expressa autorização do CNRMA devidamente justificada, quaisquer outros testes.
O artigo 34.º do projecto de lei, ao estabelecer a moldura penal para a clonagem reprodutiva, explicita como clonagem reprodutiva a implantação no útero de embrião obtido através de cisão de embriões e a implantação no útero de embrião obtido através de transferência núcleo, salvo quando esta transferência seja necessária à aplicação das técnicas de reprodução medicamente assistida (caso, como se diz no preâmbulo, de transferência de núcleo que dá origem a duas mães biológicas, por deficiências de citoplasma daquela que será havida como mãe natural).

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O projecto de lei estabelece a licitude da selecção de embriões de determinado sexo, quando houver séria probabilidade de transmissão de anomalia genética grave ligada ao sexo, ou quando a finalidade seja a de obter embriões com grupo HLA compatível com o de criança gravemente doente que necessite de transplante compatível (artigo 6.º).
Com esta disposição está relacionada ainda a disposição do n.º 2 do artigo 27.º, segundo a qual pode recorrer-se ao diagnóstico pré-implantação ou pré-implantatório quando o casal beneficiário tenha um filho afectado por doença genética grave que possa causar a morte prematura, reconhecida como incurável no momento do diagnóstico e desde que o prognóstico de vida dessa criança possa melhorar decisivamente pela aplicação de uma terapêutica que não afecte a integridade do corpo da criança nascida da transferência de embriões, e desde que o diagnóstico se destine a detectar a doença genética, bem como os meios de a prevenir e a tratar, e permitir a aplicação da terapêutica supra referida, quando as finalidades referidas não possam ser prosseguidas por outras formas.

Inseminação, fecundação in vitro e transferência de embriões post mortem
Projecto de lei do BE:
Nada prevê.

Projecto de lei do PS:
É proibida a inseminação artificial post mortem do marido ou do homem com quem a mulher vivesse em união de facto (artigo 18.º).
Só é permitida a implantação post mortem de embrião, para permitir a realização de um projecto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai, decorrido que seja o prazo considerado ajustado à adequada ponderação da decisão (artigo 18.º).
O mesmo se aplica à fecundação in vitro post mortem (artigo 22.º).

Projecto de lei do PCP:
Após a morte do marido ou do homem com quem a mulher vivia em união de facto, e ainda que não exista consentimento por escrito do falecido para o acto de inseminação, a mulher pode ser inseminada com sémen do mesmo, recolhido com vista a futura inseminação durante a coabitação, ou até ao termo das 24 horas após o falecimento; porém, neste último caso apenas se existir um projecto parental apreciado pela Comissão Nacional de Reprodução Medicamente Assistida, que decidirá.
Até à decisão da petição apresentada à Comissão, com vista à inseminação com sémen recolhido após o falecimento, proceder-se-á à criopreservação do material genético recolhido.
A inseminação a que se reporta este artigo só é lícita durante o período de um ano posterior ao falecimento.
Permite-se a fecundação in vitro post-mortem.
O projecto de lei é omisso em relação à transferência de embriões post mortem.

Maternidade de substituição
Projecto de lei do BE:
É omisso.

Projecto de lei do PS:
É restringido o recurso à maternidade de substituição, à apreciação do CNRMA.

Projecto de lei do PCP:
É omisso.

Diagnóstico pré-implantação ou pré-implantatório
Projecto de lei do BE
É permitida a aplicação sob a orientação do médico especialista responsável das técnicas de diagnóstico genético pré-implantação (DGPI) que tenham reconhecido valor científico para diagnóstico, tratamento ou prevenção de doenças genéticas graves.
É permitido o rastreio genético de aneuploidias nos embriões a implantar, com vista a diminuir o risco de alterações cromossómicas e assim aumentar as possibilidades de sucesso das técnicas de PMA. e

O rastreio genético de aneuploidias parece ser uma forma de diagnóstico pré-implantação. O método mais usado é a hibridacão in situ fluorescente (FISH), que permite a análise de determinados cromossomas para identificar e, portanto, transferir para o útero materno os embriões com uma dotação normal dos cromossomas analisados. A especificação no projecto desta forma de DGPI terá a ver com o facto de se chamar a atenção para a necessidade de utilizar uma outra técnica (também de DGPI), a hibridação genómica comparada, já que aquela só permite analisar metade dos cromossomas?
Conhecem-se as seguintes aneuploidias: síndrome de Down (trisomia 21); síndroma de Edwards, trisomia 18); síndroma de Patau (trisomia 13 ou 15); síndroma de Klinefeller (44 autosomas + XXY); síndroma do suplo (44 autosomas +XYY); síndroma de turner (44 autosomas + X).

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Projecto de lei do PS
Só são permitidas técnicas de diagnóstico genético pré-implantação de reconhecido valor científico para o diagnóstico ou terapêutica de doenças genéticas ou outras.

Projecto de lei do PCP
O diagnóstico genético pré-implantatório é permitido nos casos de risco de transmissão à descendência de doenças ou mutações genéticas.
É ainda lícito o diagnóstico pré-implantatório quando o casal beneficiário tenha um filho afectado por doença genética grave que possa causar a morte prematura, reconhecida como incurável no momento do diagnóstico e desde que o prognóstico de vida dessa criança possa melhorar decisivamente pela aplicação de uma terapêutica que não afecte a integridade do corpo da criança nascida da transferência de embriões, e desde que o diagnóstico se destine a detectar a doença genética bem como os meios de a prevenir e a tratar, e permitir a aplicação da terapêutica supra referida, quando as finalidades referidas não possam ser prosseguidas por outras formas.

Transferência de embriões, prevenção de gravidezes múltiplas, embriões excedentários e investigação científica

Projecto de lei do BE
Não pode haver a produção deliberada de embriões excedentários.
O número de ovócitos a fertilizar depende da situação clínica e é ao médico que cabe a decisão.
O número de embriões a transferir depende da situação clínica, de acordo com as boas práticas, no limite máximo de três.
Os embriões excedentários devem ser criopreservados, desde que tenham condições mínimas de viabilidade para serem utilizados pela mesma mulher ou pelo mesmo casal em novo processo de transferência, ou, mediante consentimento expresso do casal, para doação para outra mulher pelo prazo máximo de três anos.
Findo esse prazo terão a utilização prevista na lei (noutra lei, que no projecto de lei não se define essa utilização).

Projecto de lei do PS
É proibida a criação deliberada de embriões para fins de investigação ou experimentação científica.
Apenas deve haver lugar à criação de embriões considerados necessários para o êxito do processo, sendo o número de ovócitos a inseminar determinado pela situação clínica do casal e a indicação geral de prevenção da gravidez múltipla.
Os embriões excedentários, se forem viáveis, devem ser congelados, comprometendo-se os beneficiários a utilizá-los no prazo máximo de três anos, após o que podem ser destinados a outro casal, com o consentimento dos beneficiários.
Os embriões viáveis podem ser utilizados para fins de investigação científica só será permitida com objectivos diagnósticos ou terapêuticos e estará condicionada à apreciação e decisão do CNRMA (artigo 7.º)
Parece que os inviáveis também podem ter o mesmo destino - artigo 21.º, n.º 5.

Projecto de lei do PCP
O número de ovócitos a estimular são os que, atentos os conhecimentos médicos científicos e as condições dos beneficiários, sejam considerados necessários para a transferência para o útero de embriões de qualidade, que garantam adequada taxa de sucesso, segundo os padrões vigentes.
Pode transferir-se para o útero um número máximo de três embriões, devendo, no entanto, o CNRMA definir em que casos pode haver a transferência de três embriões.
Os embriões excedentários desde que com qualidade compatível com o processo técnico devem ser criopreservados para serem usados pelo ou pelos beneficiários, sendo essa a sua vontade, no prazo máximo de três anos, podendo ser doados no mesmo prazo para utilização por terceiros que recorram a técnicas de reprodução medicamente assistida.
É proibida a criação de embriões através da reprodução medicamente assistida, com o objectivo deliberado da sua utilização na investigação e experimentação científicas.
É, no entanto, lícita a utilização de embriões na investigação científica com o objectivo de prevenção, diagnóstico ou terapêutica de embriões, de aperfeiçoamento das técnicas de reprodução medicamente assistida, ou o de constituir bancos de células estaminais embrionárias para programas de transplantes, ou com quaisquer outras finalidades terapêuticas artigo 7.º.
É lícita a utilização na investigação científica dos embriões abandonados, inviáveis e dos embriões excedentários, neste caso mediante autorização expressa dos beneficiários, e dos embriões obtidos sem recurso à fecundação por espermatozóide.
O projecto de lei define - artigo 8.º - o que são embriões abandonados, inviáveis e excedentários.

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São excedentários os embriões de qualidade não implantados no útero, disponíveis para utilização pelos beneficiários, ou que, pelos mesmos, possam ser doados.
São abandonados os embriões excedentários que até ao termo do decurso do prazo de três anos, não sejam utilizados pelos beneficiários, nem sejam doados pelos mesmos para utilização por outrem na reprodução medicamente assistida; são ainda considerados abandonados os embriões não doados que não sejam criopreservados por vontade de qualquer dos beneficiários.
São embriões inviáveis os que, por qualquer motivo, não reúnam as condições para serem utilizados na reprodução medicamente assistida.

VII - Conclusões

1 - Os projectos de lei em análise, constatando que a infertilidade e a esterilidade são um grave problema de saúde, afectando números casais, vêm propor a regulamentação das técnicas de procriação medicamente assistida, definindo, por forma muito semelhante, quais as técnicas de procriação que serão:

a) A inseminação artificial;
b) A fertilização in vitro;
c) A injecção intracitoplasmática de espermatozóides;
d) A transferência de embriões para o útero;
e) A transferência de gâmetas, zigotos ou embriões para a trompa;
f) O diagnóstico genético pré-implantação;
g) Outras técnicas laboratoriais de manipulação gamética ou embrionária em uso ou que venham a ser desenvolvidas.

2 - Todos os projectos de lei criam uma entidade - CNRMA ou CNPMA -, a qual terá entre outras competências, e muito resumidamente, as de definir os critérios para o licenciamento e certificação dos centros públicos e privados, dar parecer sobre pedidos de licenciamento, definir códigos de boas práticas médicas e verificar a sua aplicação, incentivar a investigação e dar parecer sobre projectos científicos na área da PMA.
3 - Os projectos de lei definem a constituição dessa comissão.
4 - Tal como consta das três iniciativas legislativas, a procriação medicamente assistida não é uma forma de fecundação alternativa, mas só pode haver recurso às técnicas nos casos de esterilidade ou infertilidade, ou ainda como forma de tratamento de doenças.
5 - Dois dos projectos de lei (PS e PCP) estabelecem o direito de acesso às técnicas a casais, baseados no casamento, ou em união de facto; o projecto de lei do PCP estabelece também o direito de acesso por parte de mulheres sós, desde que maiores de 18 anos, e desde que não estejam interditas ou inabilitadas por anomalia psíquica; o projecto de lei do BE confere o direito às mulheres maiores de 18 anos não interditas ou inabilitadas por anomalia psíquica.
6 - Os três projectos de lei contêm disposições para prevenção de gravidezes múltiplas, sem restrições exageradas quanto ao número de ovócitos a estimular, restrições essas que poderiam conduzir a maior sofrimento da mulher por ser provável a repetição da mesma noutros ciclos, perante insucessos na fecundação.
7 - Os projectos de lei regulam o destino dos embriões excedentários, proibindo a criação deliberada de embriões para investigação científica.
8 - Todos os projectos de lei definem como finalidades proibidas:

- A clonagem reprodutiva;
- A selecção do sexo, excepto nos casos em que haja risco de doença relacionada com o sexo, estabelecendo-se ainda no projecto de lei do Bloco de Esquerda que é proibido o recurso às técnicas de procriação medicamente assistida para obtenção de características não médicas;
- O projecto de lei do PCP permite ainda o diagnóstico pré-implantatório (artigo 27.º, n.º 2) e a selecção de embriões quando a finalidade seja a de obter embriões com grupo HLA compatível com o de criança gravemente doente que necessite de transplante compatível.

9 - No projecto de lei do PS proíbem-se ainda as quimeras e a fecundação entre espécies, sendo certo que no projecto de lei do PCP só se mantêm estas proibições quando as mesmas não forem justificadas.
10 - Todos os projectos de lei permitem o diagnóstico pré-implantatório ou pré-implantação, aditando o projecto de lei do BE o rastreio de aneuploidias (anormalidades cromossómicas conhecidas como trissomias acrescentadas com o número do cromossoma onde se verificam).
11 - No projecto de lei do PS permite-se a maternidade de substituição, ainda que em situações muito limitadas.

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12 - O projecto de lei do PCP permite a inseminação e a fecundação in vitro post mortem (em certos casos torna-se necessária a existência de um projecto parental).
13 - O projecto de lei do PS proíbe a inseminação post mortem e permite a fecundação in vitro e a transferência de embriões post mortem para realizar um projecto parental, verificadas certas condições.
14 - Os três projectos de lei regulam ainda a dádiva de ovócitos, embriões e esperma, não sendo permitida a venda.
15 - Os três projectos de lei regulam ainda os direitos e deveres dos beneficiários, nomeadamente o consentimento informado e a confidencialidade.
16 - Todos os projectos de lei contêm disposições relativas ao estabelecimento da filiação, sendo que o Bloco de Esquerda, ao contrário do PS e do PCP, fê-lo através de alterações ao Código Civil.
17 - Os projectos de lei contêm normas de direito penal para punir comportamentos que infrinjam a lei.
18 - No projecto de lei do PS prevê-se a obrigatoriedade de o Governo apresentar à Assembleia da República, de três em três anos, um relatório sobre a execução da lei e sobre a necessidade da sua alteração.
19 - O BE prevê a apresentação pelo CNPMA ao Ministro da Saúde e à Assembleia de um relatório anual, nele incluindo a avaliação dos centros de procriação medicamente assistida, recomendações acerca da legislação e sua regulamentação e outros assuntos considerados relevantes.
20 - Segundo o projecto de lei do Bloco de Esquerda o tratamento da infertilidade através das técnicas de PMA deve ser comparticipado integralmente nos cinco primeiros ciclos de tratamento, incluindo a medicação necessária; os seguros de saúde devem obrigatoriamente incluir a cobertura integral dos custos de tratamentos de infertilidade e aplicação de técnicas de procriação medicamente assistida no caso dos primeiros cinco ciclos de tratamento, incluindo a medicação necessária.
21 - Segundo o projecto de lei do PCP, o Serviço Nacional de Saúde garante a aplicação das técnicas de reprodução medicamente assistida nas cinco primeiras tentativas; os seguros de saúde garantem também obrigatoriamente o recurso às técnicas de reprodução medicamente assistida nas cinco primeiras tentativas.
22 - A Constituição da República, no seu artigo 67.º, n.º 2, alínea e), atribui ao Estado a incumbência de regulamentar a procriação assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana.

Assim, a Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias emite o seguinte

VIII - Parecer

Os projectos de lei n.º 141/X, do BE - "Regula as aplicações médicas da procriação assistida", n.º 151/X, do PS - "Regula as técnicas de procriação medicamente assistida", e n.º 172/X, do PCP - "Regula as técnicas de reprodução medicamente assistida", cumprem os requisitos constitucionais e regimentais, pelo que se encontram em condições para subir a Plenário.

Palácio de São Bento, 20 de Outubro de 2005.
A Deputada Relatora, Odete Santos - O Presidente da Comissão, Osvaldo Castro.

Nota: - As conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

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PROJECTO DE LEI N.º 141/X
(REGULA AS APLICAÇÕES MÉDICAS DA PROCRIAÇÃO ASSISTIDA)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Saúde

I- Objectivo da iniciativa

Os Deputados do Bloco de Esquerda vieram apresentar o projecto de lei n.º 141/X - Regula as aplicações médicas da procriação assistida.
O projecto de lei afirma-se como necessário para resolver a grave situação da esterilidade ou infertilidade que afectam milhares de casais.
A procriação medicamente assistida surge como forma de debelar uma doença, sendo absolutamente necessário regular a utilização das técnicas a que se recorre.
Concomitantemente, enunciam-se já em todos os projectos, algumas regras destinadas a tornar possível a investigação científica em embriões.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 67.°, n.º 2, atribui ao Estado a incumbência de regulamentar a procriação assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana;

II - O Parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida

Em 24 de Julho de 2004, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida foi chamado a pronunciar-se sobre os projectos de lei do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista, então pendentes na Assembleia da República.
O Conselho preferiu elaborar um parecer genérico sobre o tema.
Do mesmo parecer salientam-se, em síntese, as seguintes conclusões:

A) As técnicas de PMA devem, em princípio, ser utilizadas, de acordo com o desígnio original das mesmas e ao abrigo do princípio da beneficência, em situações de infertilidade e/ou esterilidade, percepcionadas como doença pelo casal, para tentar obter a concepção de um ser humano quando os meios naturais o não permitam;
B) As técnicas de PMA são, pois, métodos terapêuticos subsidiários e não alternativos ao princípio da subsidiariedade;
C) As derrogações ao princípio enunciado na alínea anterior devem ser autorizadas por uma entidade independente que o Conselho propõe, verificadas e ponderadas as razões estritamente médicas decorrentes da prevenção de transmissão de doenças graves de origem genética;
D) Assim, no entender do Conselho, as técnicas prosseguem o objectivo de auxiliar a concretização de um projecto parental, onde deve ser considerado o desejo dos candidatos a pais, mas sobretudo os interesses do futuro ser humano, de acordo com o princípio da vulnerabilidade que obriga ao cuidado e protecção do outro, frágil e perecível;
E) Só os casais heterossexuais casados, ou vivendo em união de facto, podem ser beneficiários das técnicas;
F) Devem ser utilizados exclusivamente gâmetas do casal, no respeito pela regra da não instrumentalização da vida humana, decorrente do princípio da dignidade humana;
G) O Conselho admite derrogações ao princípio estabelecido na alínea anterior, por ponderadas razões estritamente médicas, quando esteja em causa a saúde reprodutiva do casal, podendo nesse caso haver recurso à doação singular de gâmetas, desde que tal seja autorizado por uma entidade independente, cuja criação é proposta pelo Conselho;
H) A doação, quando autorizada, não permite qualquer tipo de retribuição, devendo permanecer absolutamente gratuita, no respeito pela regra da não comercialização do corpo humano ou das suas partes que decorre do princípio da dignidade humana;
I) Nos casos referidos na alínea G) deve ser salvaguardada a possibilidade de identificação do dador de gâmetas a pedido do seu filho biológico quando atingir a maioridade legal, no reconhecimento do direito à identidade pessoal e biológica;
J) Mesmo em relação aos casos em que o dador não é identificável, deve manter-se permanentemente disponível, podendo ser solicitada, antes da maioridade do filho biológico, e pelos representantes legais deste, a informação genética relevante para a saúde do filho;
L) O conhecimento da identidade do dador de gâmetas não poderá implicar, por parte do filho biológico, a reivindicação de quaisquer direitos em relação àquele, ou de deveres daquele para com o próprio;
M) Os beneficiários das técnicas de PMA devem ser claramente informados acerca da natureza técnico-científica do processo, incluindo a descrição das intervenções a que serão sujeitos e seus potenciais benefícios e riscos, designadamente os que podem afectar os interesses da criança a nascer;
N) A informação prestada deverá igualmente incidir sobre os seguintes aspectos:

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psicológicos - tais como o agravamento do sofrimento psicológico na intensificação de sentimentos de frustração ou de comportamentos obsessivos,
sociais - como seja a apresentação de alternativas, nomeadamente a adopção,
legais - particularmente no caso de recurso a dador de gâmetas,
económicos - na incerteza de o investimento financeiro alcançar o bem desejado e, mesmo em caso de sucesso, na dificuldade de previsão de custos totais,
e éticos - quer relativos ao casal, na perda da privacidade da sua intimidade, quer relativos à futura criança, na artificialização da sua geração, quer em relação ao dador;
O) O consentimento deverá ser expresso por escrito e poderá ser revogado a todo o tempo até ao momento da transferência, de acordo com o enunciado geral da regra do consentimento informado, decorrente do princípio da autonomia;
P) Também o dador de gâmetas deverá ser claramente informado acerca da natureza e implicações do acto a que se propõe, no cumprimento da regra do consentimento informado, implicada no princípio da autonomia;
Q) De todos os actos que impliquem a utilização das técnicas de PMA deve ser garantida confidencialidade, no respeito pelo direito à privacidade individual, com excepção dos casos previstos nas alíneas I) e J);
R) Deverá ser garantido aos profissionais de saúde o direito à objecção de consciência relativamente à execução das técnicas de PMA, consignado pelo princípio da autonomia;
S) A implementação das técnicas de PMA deve impedir a produção de um número de embriões superior ao destinado à transferência - embriões excedentários -, atendendo ao princípio do respeito pela vida humana, bem como reduzir a incidência de gravidezes múltiplas, na assunção do princípio da responsabilidade enquanto obrigatoriedade de prevenir as consequências negativas dos actos praticados;
T) Todo o embrião humano tem direito à vida e ao desenvolvimento, no corroborar do princípio universal de que todo o existente requer existir, pelo que o embrião originado in vitro deverá fazer sempre parte de um projecto parental;
U) A promoção da adopção embrionária é o procedimento ético mais adequado no que se refere ao devir dos embriões excedentários actualmente existentes, bem como àqueles que, por circunstâncias ou razões imponderáveis, venham futuramente a ser excluídos do seu projecto parental originário, pois é o único procedimento que permite reintegrar o embrião num projecto parental, cumprindo o seu destino originário de transferência para o útero e garantindo o seu direito à vida e ao desenvolvimento;
V) Sempre que a adopção embrionária não se verifique num prazo de tempo útil, comprometendo assim a possibilidade de vida e de desenvolvimento do embrião, impõe-se ponderar as possíveis alternativas do destino a dar aos embriões excedentários, a saber, a sua disponibilização para investigação científica ou a sua destruição;
X) A investigação científica em embriões humanos apenas é eticamente legítima quando procede em benefício do próprio embrião;
Y) Contudo, o Conselho admite derrogações ao enunciado geral referido na alínea anterior quando o único destino alternativo for o da destruição do embrião;
Z) Nos casos referidos na alínea anterior os embriões poderão ser utilizados para investigação científica que, não actuando em benefício dos próprios, resulte em benefício da humanidade;

AA) Qualquer projecto de investigação científica em embriões humanos deve ser rigorosamente escrutinado, pelos órgãos competentes já instituídos para o efeito, quanto à qualidade científica do projecto e dos investigadores responsáveis e quanto ao grau de previsibilidade de benefícios para a humanidade, devendo ser igualmente objecto de acompanhamento fiscalizador nas suas diversas fases de desenvolvimento, na observância das directrizes ético-jurídicas comuns a toda a experimentação em seres humanos;
AB) Nenhum dos investigadores envolvidos em investigação científica em embriões poderá pertencer a qualquer centro de PMA e/ou instituição onde se mantenham embriões criopreservados, a fim de evitar um conflito de interesses potencialmente penalizador da vida e desenvolvimento do embrião;
AC) A criação de embriões apenas para fins de investigação científica não é eticamente aceitável;
AD) Quando após a fertilização ovocitária ocorrer a formação espontânea de embriões biologicamente inviáveis, estes estão, por este facto, excluídos de qualquer projecto parental e poderão ser disponibilizados para investigação;
AE) As instituições, públicas ou privadas, em que actualmente se pratica PMA deverão ser sujeitas a um processo de certificação, devendo as novas instituições da mesma natureza, públicas ou privadas, a serem criadas, estar sujeitas a um processo de licenciamento. Apenas estes requisitos permitirão o controlo público da actividade e a transparência do seu exercício;

O termo adopção não é terminologicamente correcto. Com efeito, o termo adopção consta da nossa Constituição - artigo 36.º E como se pode ver desse artigo, a adopção é um instituto aplicável apenas à pessoa humana. Não pode, assim, ser usado relativamente ao embrião.

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AF) É recomendada a criação de uma entidade independente, de natureza pluridisciplinar, destinada ao acompanhamento técnico, ético e social da utilização das técnicas de procriação medicamente assistida decorrentes da lei, a apresentar propostas para acreditação e licenciamento dos centros públicos e privados de procriação medicamente assistida assim como ao acompanhamento das pessoas a serem submetidas às técnicas de procriação medicamente assistida e das nascidas com a intervenção dessas técnicas.

III - Questões de bioética

As descobertas no campo da genética, abriram um importante debate sobre as questões éticas suscitadas.
O Diagnóstico genético pré-implantação ou pré-implantatório, será ético? Ou não representará a instrumentalização do ser humano?
Idênticas questões são suscitadas pela clonagem e pela investigação sobre embriões.
Tem havido respostas diferenciadas nos vários países, constatando-se que as decisões éticas que estão na base das diversas legislações oscilam entre o horror da eugenia, que pensam estar na base da aplicação das descobertas na área da genética, e o fascínio de contribuir para o debelar do sofrimento humano.
Na Alemanha, o debate sobre a importação de células estaminais embrionárias, mostrou clivagens interessantes entre os protagonistas do debate político. Dentro dos três partidos - CDU, SPD e Verdes - que aprovaram a lei restritiva de 1990, a que mais adiante nos referiremos, as divergências foram interessantes.
Roman Herzog da CDU expressou-se da seguinte forma: "Eu não estou preparado para explicar a uma criança, com fibrose cística, com a morte num horizonte próximo, que está lutando contra a asfixia, as razões éticas que estão vedando à ciência que torne possível a sua salvação."
Schroeder, argumentando a favor da importação das células estaminais embrionárias, pronunciou-se da seguinte forma: "(Sem a biotecnologia) nós dificilmente seremos capazes de assegurar a nossa prosperidade aos nossos filhos e netos (…). A ética da cura requer tanta atenção como a ética da criação."
Joahnnes Rau do SPD respondeu-lhe: "Quando a dignidade humana é afectada, os argumentos económicos não contam (…) nada pode ter precedência relativamente à dignidade individual." Também no outro partido, que votara favoravelmente a lei de 1990, o mais aceso opositor à revolução genética - Os Verdes - surgiram vozes discordantes: "Não é possível ser completamente a favor ou contra a biotecnologia. Isso seria tão razoável como dizer: eu sou contra a reunificação da Alemanha. As coisas mudaram e essa é a realidade. Não se pode ser contra a realidade."
Aliás, é também interessante acompanhar a evolução da legislação Suiça das mais restritivas se tivermos em conta a lei de 1998 - que passou a admitir, depois de um referendo em 2004 , a investigação científica com células estaminais embrionárias que antes proibira.
As questões éticas relativamente à investigação científica e ao diagnóstico pré-implantatório foram analisadas pelo Comité Internacional de Bioética (CIB) da UNESCO, em Parecer de 24 de Abril de 2003, o qual se pronunciou como se segue.
Ao Comité compete pronunciar-se nos termos do artigo 2.° da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e sobre os Direitos Humanos, acerca das práticas, nomeadamente acerca das intervenções nas células germinais, que podem ser contrárias à dignidade humana.
O Comité Intergovernamental de Bioética, em 2001, convidou o CIB a considerar, no seu programa de trabalho, o diagnóstico genético pré-implantatório e as intervenções nas células germinais.
Tendo o CIB concluído o seguinte:

- O diagnóstico genético pré-implantatório pode ser uma opção adicional para os pais na situação de elevado risco de gerarem uma criança com doenças genéticas ou malformações.
- Recomenda-se que o DGP se limite a indicações médicas; a selecção do sexo por razões não médicas não é ética.
- A investigação no embrião para averiguar da possibilidade de ser dador a outra criança com doença genética ou leucemia por ter grupo HLA compatível é considerado eticamente aceitável apenas se o DGPI for feito para investigar a existência ou não da doença em causa, e se a investigação do HLA não puder ser considerado como o critério de selecção contra o embrião não afectado pela doença em causa.
- O DGPI para seleccionar e implantar embriões com uma doença ou condição semelhante aos pais ou a 1 deles é considerado eticamente inaceitável
- O DGPI para detecção de anormalidades cromossómicas para seleccionar e implantar os embriões não afectados melhorando os resultados da fecundação in vitro (chamado o teste de aneuploidias) é considerado eticamente aceitável. Devido ao alto custo do DGPI não está acessível a todos os casais que dele precisam.
- Uma decisão acerca da aceitabilidade do DGPI para as sequências do X que estão associadas com o aumento do risco de doenças multifactoriais, incluindo muitas formas de cancro, de doenças cardiovasculares e desordens neurodegenerativas requer um maior debate público e discussão entre profissionais. Se essas

Neste referendo a lei reuniu mais de 65% de votos favoráveis. Mesmo no cantão onde predomina a religião católica, a lei obteve mais de 50% de votos favoráveis.

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formas de DGPI forem consideradas, devem ser restringidas aos casos envolvendo alto risco e graves doenças clínicas.
- A recomendação de que o DGPI seja limitado a indicações médicas implica que é rejeitado que se testem características físicas e mentais normais. O mesmo se aplica às intervenções na linha germinal.

O mesmo Comité, em anterior parecer de 6 de Abril de 2001, pronunciou-se sobre a utilização de células estaminais embrionárias para a investigação com fins terapêuticos, e anotando as divergências dentro do próprio Comité, concluiu que "Toda a sociedade tem o direito e o dever de discutir e resolver as questões éticas com as quais se encontra confrontada. Quando o desacordo é total, a sociedade deve pronunciar-se sobre a questão, quer porque ela põe em causa um dos seus valores fundamentais quer porque as considerações práticas exigem que o problema seja resolvido. A utilização do embrião humano parece ser uma dessas questões.
E concluiu ainda: "Em todos os aspectos das pesquisas envolvendo o embrião humano deve dar-se uma especial importância ao respeito da dignidade humana e aos princípios enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e à Declaração Universal sobre o genoma humano e os direitos do Homem (1997)".
Relativamente à clonagem, o Grupo de conselheiros para a ética da biotecnologia junto da Comissão Europeia pronunciou-se, em resumo, no seguinte sentido:
"A instrumentalização do homem, quer dizer o perigo de eugenismo ligado à clonagem reprodutiva, tornam-na eticamente inaceitável. Assim, toda a tentativa para fazer nascer um ser humano geneticamente idêntico, através da transferência de núcleo a partir de uma célula humana de adulto ou de criança (clonagem reprodutiva), deve ser proibida.
As mesmas objecções éticas devem levar à proibição de toda a tentativa de obtenção de embriões geneticamente idênticos no quadro da procriação medicamente assistida, seja pela cisão de embriões seja pela transferência de núcleo, por mais compreensíveis que sejam as razões invocadas.
Conviria estar atento para que, nos países onde é admitida a investigação não terapêutica cognitiva sobre o embrião mediante autorização, todo o projecto de pesquisa prevendo uma transferência de núcleo tenha, por objecto, por uma parte, quer a descoberta das causas das doenças humanas quer contribuir para a investigação sobre a minimização do sofrimento humano e, por outra parte, deve excluir também qualquer reimplantação do embrião no útero".
A Convenção de Oviedo, estabelece o seguinte:

"Artigo 13.º
Intervenções sobre o genoma humano

Uma intervenção tendo por objecto modificar o genoma humano não pode ser empreendida senão por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas, e apenas se não tiver por finalidade uma modificação do genoma da descendência.

Artigo 14.º
Não selecção do sexo

A utilização das técnicas de assistência médica à procriação não é admitida para escolher o sexo da criança a nascer, salvo se tiver em vista evitar uma doença hereditária grave ligada ao sexo.

Artigo 18.º
Investigação sobre os embriões in vitro

1 - Quando a pesquisa sobre embriões in vitro estiver permitida por lei, esta assegurará uma protecção adequada ao embrião.
2 - A constituição de embriões humanos para fins de investigação é proibida."

O Protocolo adicional a esta Convenção (de 1998) proíbe, no artigo 1.°, toda e qualquer intervenção visando criar um ser humano geneticamente idêntico a outro ser humano, quer esteja vivo quer morto.

Ver Parecer n.º 9, de 28 de Maio de 1997.
A Convenção está longe de ter reunido a unanimidade. Com efeito, consultado um parecer do Comité de Ética da Bélgica, constata-se que alguns membros discordam da Convenção em vários pontos. Segundo alguns, a proibição de terapia genica germinal (artigo 13.°) é devida a razões de segurança sanitária e pode desaparecer no futuro. Quanto ao n.º 2 do artigo 18.°, alguns membros do Comité consideram que pode verificar-se nalguns casos que é indispensável a criação de embriões no interesse dos próprios pacientes sofrendo de esterilidade ou de doenças genéticas.

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IV - Direito comparado

Vários ordenamentos jurídicos, na Europa e fora da Europa, regulamentam as técnicas de procriação medicamente assistida. Sinteticamente passaremos em revista alguns desses ordenamentos jurídicos, relativamente às questões mais debatidas.

Espanha
Na Espanha, o recurso às técnicas de reprodução medicamente assistida passou a reger-se pela Lei n.º 35/1988, de 22 de Novembro, entretanto alterada pela Lei n.º 45/2003, de 21 de Novembro.
A Lei n.º 42/1988, de 28 de Dezembro, legislou sobre a doação e utilização de embriões e fetos humanos ou das suas células, tecidos ou órgãos.
Segundo a legislação espanhola, a procriação medicamente assistida não é um método alternativo de reprodução, e admite-se o recurso à PMA nos casos de esterilidade para facilitar a procriação quando outras terapêuticas tenham afastadas, por serem inadequadas ou ineficazes.
Mas ainda podem ser utilizadas as técnicas de PMA como prevenção e tratamento de enfermidades de origem genética ou hereditária quando seja possível recorrer a elas com suficientes garantias de diagnóstico e terapêuticas e estejam estritamente indicadas.

Beneficiárias das técnicas de PMA
A lei espanhola não limita aos casais o recurso às técnicas. Qualquer mulher, desde que seja maior.
A mulher receptora das técnicas pode pedir que se suspendam em qualquer momento da sua realização.
Consagra-se a possibilidade de o filho ou a mulher receptora dos gâmetas terem acesso a informações de carácter geral sobre o doador.

Inseminação artificial e transferência post mortem de embriões
A lei espanhola admite a inseminação artificial post mortem e também a transferência de embriões post mortem. (artigo 9.°). Não sendo sequer necessário que o material reprodutor seja de falecido marido. Pode ser também de homem não casado com a beneficiária das técnicas desde que, em escritura ou testamento, autorize a utilização do seu material reprodutor nos seis meses seguintes ao seu falecimento. O marido também o poderá fazer, sendo então havido como pai.
Se a inseminação ou a transferência post mortem de embriões for feita sem que haja escritura ou testamento do falecido marido, este não poderá ser havido como pai.

Maternidade de substituição:
O contrato de maternidade de substituição, ainda que gratuito, é nulo.

Investigação com embriões
A Lei n.º 45/2003 veio introduzir alterações à Lei n.º 35/88 no que toca ao destino dos embriões supranumerários.
E assim, só em relação aos crioconservados antes da data da entrada em vigor da lei, estabeleceu-se que o casal ou só a mulher, conforme os casos, devem indicar o destino dos mesmos, podendo escolher os seguintes:

- Manter a criopreservação até que sejam transferidos de acordo com a lei da reprodução médica assistida;
- Doá-los a título gratuito, a outros casais, com fins reprodutivos.
- Consentir em que as estruturas biológicas obtidas no momento da descongelação possam ser utilizadas em investigação dentro dos limites adiante indicados, ou, simplesmente, proceder à sua descongelação, sem qualquer finalidade.

Relativamente aos embriões doados manter-se-iam crioconservados por mais cinco anos, findos os quais, não tendo sido utilizados, seriam cedidos ao Centro Nacional de Transplantes e de Medicina Regenerativa.
Não se conhecendo o casal progenitor ou a mulher, conforme os casos, dos pré-embriões crioconservados, ou não se tendo obtido o consentimento informado no prazo de um ano, manter-se-iam crioconservados por mais quatro anos para serem doados a quem solicitasse para fins reprodutivos, findos os quais sem que tivesse sido tornada efectiva a doação, seriam cedidos ao Centro Nacional de Transplantes e de Medicina Regenerativa.
De qualquer forma, de acordo com a lei, as estruturas biológicas deveriam servir para objectivos de particular importância, tais como o progresso de investigação fundamental ou o avanço de conhecimentos médicos para aplicação de novos métodos de diagnóstico, preventivos ou terapêuticos aplicáveis ao ser humano.

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Na Lei n.º 35/88 autoriza-se a investigação:

- Com gâmetas, com a finalidade de investigação básica ou fundamental;
- Dirigida a aperfeiçoar as técnicas de obtenção e maturação dos ovócitos, assim como de crioconservação de óvulos;
- Os gâmetas utilizados na investigação ou experimentação não se usarão para dar origem a pré-embriões destinados à procriação.

O teste do hamster ficou autorizado, até à fase de divisão em duas células do óvulo do hamster fecundado, para avaliar a capacidade de fertilização do espermatozóide humano, ficando proibidas como regra geral, as quimeras e os híbridos, salvo os que forem autorizados pela autoridade pública competente.
A investigação com pré-embriões viáveis só é permitida se se tratar de investigação aplicada com carácter diagnóstico e com fins terapêuticos ou preventivos e se não for alterado o património genético não patológico.
A investigação em pré-embriões com outras finalidades que não sejam as de diagnóstico ou de comprovação da sua viabilidade só é autorizada em pré-embriões não viáveis, se se provar cientificamente que não pode ser realizada com animais, se tiver por base um projecto devidamente apresentado e autorizado pelas autoridades sanitárias e científicas competentes, e se for realizado dentro do prazo autorizado.
Para a investigação em pré-embriões, para além do requisito, entre outros, do consentimento informado dos doadores, a mesma só pode ser feitas em pré-embriões que não se desenvolvam in vitro para além de 14 dias, sem contar com o prazo da criopreservação.
Os pré-embriões abortados são considerados mortos ou não viáveis.
Os pré-embriões não viáveis podem ser utilizados com fins farmacêuticos, de diagnóstico ou terapêutico, previamente conhecidos e autorizados.
Os pré-embriões mortos podem ser utilizados com fins científicos, diagnósticos ou terapêuticos.

Diagnóstico genético pré-implantatório
É permitida a intervenção nos pré-embriões in vitro com fins de diagnóstico para avaliar a sua viabilidade, para detectar enfermidades hereditárias e tratá-las, se for caso disso, ou desaconselhar a sua transferência para o útero.
O Governo espanhol anunciou já que apresentará uma alteração às leis existentes para nelas incluir a clonagem de embriões com fins terapêuticos.
O Grupo Parlamentar do PSOE apresentou uma proposta de resolução recomendando ao Governo que alterasse a lei de reprodução medicamente assistida no seguinte sentido:

- Permitir a investigação em embriões supranumerários criopreservados posteriormente a 2003;
- Permitir a intervenção em pré-embriões para avaliar da sua compatibilidade com tratamentos de filhos dos seus progenitores;
- Alterar os limites à fecundação de ovócitos.

Alemanha
A Lei Federal de 13 de Setembro de 1990 sobre o embrião é uma lei de carácter penal que considera o embrião como uma pessoa, enuncia proibições fundamentais que comina com penas, para defender o embrião sobretudo dos investigadores.
As lacunas da lei são em parte supridas pelas Directivas da Ordem Federal dos Médicos.

Beneficiários das técnicas
Segundo as Directivas da Ordem só os casais que tenham contraído casamento podem recorrer às técnicas de PMA; os casais heterossexuais vivendo em união de facto têm de dirigir-se à Comissão Regional da Ordem, que decide caso a caso.
Uma mulher só não pode recorrer à PMA.

A inseminação artificial e a transferência de embriões post mortem
Relativamente à inseminação artificial e a transferência de embriões post mortem, a lei prevê uma pena de multa ou de prisão até três anos, mas a mulher que for inseminada não incorre em qualquer punição.
A lei não considera ilícita a transferência de embriões post mortem. Pode realizar-se para permitir a realização de um projecto parental.
Contudo, como segundo as Directivas da Ordem, em regra a crioconservação só deve realizar-se antes da fusão dos núcleos, e que a crioconservação é apenas aceitável a título excepcional quando a implantação prevista não pôde ter lugar durante o ciclo, é reduzido o alcance da permissão.

Diagnóstico pré-implantatório
Segundo a lei de 1990, o diagnóstico pré-implantatório é proibido.

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Investigação em embriões
A lei proíbe a produção de embriões e a cultura de embriões para investigação científica.
Proíbe a investigação científica nos embriões existentes. O embrião só pode ser utilizado com a finalidade de assegurar a sua sobrevivência.
A lei proíbe a clonagem, as quimeras e os seres híbridos.
Entretanto, algumas das disposições da lei foram contestadas, o que deu origem a que o Comité Nacional de Ética emitisse pareceres, nomeadamente em relação à importação de células estaminais embrionárias destinadas à investigação.
Relativamente a essa importação, o Comité dividiu-se, sendo a opinião dominante - 15 dos seus membros, a de que a importação de células estaminais embrionárias devia ser provisoriamente autorizada, por um período limitado, dentro de requisitos específicos.
Nove destes 15 membros subscreveram esta posição apenas porque a questão se manteve em debate, aguardando uma posição definitiva. Estes nove membros subscreveram uma outra posição, segundo a qual era eticamente aceitável a utilização de embriões supranumerários, para investigação científica. Também na Alemanha.
Dez dos membros do Comité pronunciaram-se no sentido de que devia ser aplicada uma moratória à importação de células estaminais embrionárias, até que a questão tivesse um debate mais aprofundado. Mas destes 10 membros, quatro subscreveram uma posição segundo a qual era eticamente inadmissível a importação de células estaminais embrionárias, pois que a utilização das mesmas representava a instrumentalização do ser humano, e a importação contribuía para a redução do nível de protecção do ser humano.
Acabou por ser aprovada a Lei denominada Stem cell Act de 28 de Junho de 2002 relativa à importação e utilização das células estaminais embrionárias que consagrou, como princípio, a proibição de importação e utilização das células estaminais embrionárias como forma de prevenir a procura, na Alemanha, de derivações das células estaminais embrionárias e a produção de embriões para obtenção daquelas.
Reafirmando a definição de embrião já constante da lei de 1990 - toda e qualquer célula totipotente que tem a potencialidade de se dividir e dar origem a um ser humano, a lei estabelece as condições a que deve obedecer a importação e utilização de células estaminais embrionárias, a título excepcional , destinadas a investigação:

- Devem ter sido obtidas no país exportador antes de 1 de Janeiro de 2002 e conservadas em cultura ou armazenadas segundo o processo de criopreservação;
- Devem ter sido obtidas a partir de embriões obtidos através da procriação medicamente assistida, se para tal não tiverem sido usados, nem possam ser usados, desde que os motivos não digam respeito ao próprio embrião ;
- Os embriões não podem ter sido resultantes de doação a título oneroso.

Diagnóstico pré-implantatório
Relativamente ao diagnóstico pré-implantatório, uma maioria de 16 membros da Comissão de Análise do Bundestag votou no sentido de ser completamente proibido o Diagnóstico genético pré-implantatório.
Contudo, e já depois disso, o Comité Nacional de Ética alemão propôs que a tecnologia de reprogramação genética fosse regulada não pela lei de 1990 mas por uma lei separada - Lei sobre a Medicina Reprodutiva. Ao fazer esta proposta, oito de 15 membros participando no Conselho pronunciaram-se a favor da autorização do diagnóstico genético pré-implantatório fosse autorizado embora sujeito a limitações.
Dentro deste contraditório processo alemão dir-se-á ainda o seguinte:
No final do ano de 2004, o Conselho Nacional de Ética pronunciou-se no sentido da proibição da clonagem reprodutiva.
Contudo, relativamente à clonagem para fins de investigação, três posições foram defendidas no Conselho:

- Uma que defendia a possibilidade da clonagem dentro de determinadas limitações;
- Outra que propugnava a manutenção da proibição de clonagem para fins de investigação;
- E uma terceira que defendia a manutenção provisória da proibição da clonagem.

Entretanto, não tendo havido votação, os membros do Comité acordaram em recomendar que não fosse autorizada, no momento, a clonagem para fins de investigação.

O debate sobre a importação e a utilização de células estaminais embrionárias surgiu depois de a Fundação Alemã para a investigação ter pedido autorização para importar células estaminais embrionárias armazenadas resultantes de embriões destruídos no estrangeiro.
Este requisito está em ligação com as restritivas posições da lei alemã sobre diagnóstico genético pré-implantatório.
No entanto, na Alemanha, pratica-se e é autorizado o diagnóstico sobre glóbulos polares porque as análises são realizadas sobre o óvulo no momento em que se encontra no estádio dos 2 pronúcleos, quer dizer, antes da formação do embrião conforme definido pela lei de 1990.
A lei de 1990 teve os votos favoráveis da CDU, do Partido Social Democrata e dos Verdes.

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Confira-se esta posição com a posição do Governo Alemão em 2003 nas Nações Unidas.
A Alemanha, com a China, Reino Unido, França, Rússia e China, manifestou-se favorável a uma Convenção Internacional, que só proibisse a clonagem reprodutiva, enquanto relativamente à clonagem para fins de investigação os países deveriam definir as posições nas suas próprias leis.

Bélgica
Não existe qualquer lei na Bélgica que regulamente as técnicas de procriação medicamente assistida.
Apenas existe um Decreto Real de 15 de Fevereiro de 1999 publicado no MONITOR BELGA que fixa de uma maneira muito precisa as normas a que devem obedecer os programas de cuidados na medicina de reprodução. Mas apenas se trata de normas sobre condições logísticas, elementos ambientais, pessoal, peritagem médica ou não médica, normas de qualidade.
Mas nada está previsto sobre as condições a que se deve obedecer para beneficiar das técnicas, nem sobre procedimento. Cada centro de reprodução medicamente assistida funciona como entende.
Entretanto, encontra-se parado um processo legislativo relativo a um projecto de lei de 1997, e foram apresentados já na sessão corrente mais dois projectos de lei sobre a matéria.
O Comité de Bioética tem diversos pareceres sobre a questão, como, por exemplo:

- Sobre a inseminação ou transferência de embriões post mortem, admitindo-a verificando-se determinados requisitos;
- Sobre a maternidade de substituição entendendo que deve ser proibida excepto perante determinadas situações médicas, como a falta de útero, uma contra-indicação formal de gravidez, ou infertilidade uterina;
- Doação de esperma ou óvulos onde se fazem várias recomendações, nomeadamente em relação ao segredo sobre a identificação do dador;
- Clonagem terapêutica e utilização das células estaminais - no qual considera que a investigação sobre células estaminais não pode ser compartimentada hermeticamente entre células estaminais adultas, fetais e embrionárias. É prematuro privar os investigadores de uma ou de outra pista de investigação.

Não tendo uma lei sobre procriação medicamente assistida, a Suiça tem, no entanto, uma lei aprovada em 2003 acerca da investigação científica em embriões in vitro.
Nos termos dessa lei, a investigação é permitida se tiver por objectivo finalidades terapêuticas ou se tiver por finalidade a progressão de conhecimentos no que toca à esterilidade, infertilidade, transplante de órgãos ou de tecidos, prevenção ou tratamento de doenças. Também tem de ser baseada nos conhecimentos científicos mais recentes e satisfazer as exigências de uma metodologia correcta da investigação científica.
Além disso, deve ser realizada num laboratório ligado a um programa universitário de cuidados na área da medicina reprodutiva ou de genética humana; deve ser realizada sob o controle de um médico especialista ou de um Professor em ciências; deve ser realizada no decurso dos primeiros 14 dias de desenvolvimento do embrião, congelação não incluída; não pode existir método de investigação alternativo com eficácia comparável.
A produção de embriões in vitro é proibida, salvo se o objectivo da investigação não puder ser atingido com os embriões excedentários, desde que cumpridas as restantes condições da lei.
A estimulação dos óvulos só é autorizada se a mulher for maior, der o seu consentimento por escrito e for cientificamente justificada.
A lei proíbe a implantação de embriões humanos em animais, proíbe as quimeras e os seres híbridos .
Proíbe ainda a implantação nos seres humanos do embrião sujeito a investigação científica, a menos que as pesquisas tenham sido conduzidas com um objectivo terapêutico para o próprio embrião ou quando se tratar de uma pesquisa de observação que não atente contra a integridade do embrião.
A lei proíbe ainda:

- A utilização dos embriões, dos gâmetas ou das células estaminais embrionárias com finalidades comerciais;
- A realização de pesquisas ou tratamentos com carácter eugénico, ou seja, baseadas na selecção ou ampliação de características genéticas não patológicas da espécie humana;
- A realização de pesquisas visando a selecção do sexo, com excepção da selecção que permite afastar embriões afectados por doenças ligadas ao sexo;
- A clonagem humana reprodutiva.

Segundo a lei Canadiana sobre procriação medicamente assistida que contém um artigo destinado a definições a quimera é um embrião no qual foi introduzido pelo menos, uma célula proveniente de outra forma de vida ou um embrião composto de células provindas de vários embriões fetos ou seres humanos; híbridos são:
a) óvulo humano fertilizado por um espermatozóide de uma outra forma de vida;
b) óvulo de uma outra forma de vida fertilizado por um espermatozóide humano;
c) óvulo humano no qual foi introduzido o núcleo de uma célula de uma outra forma de vida;
d) óvulo de uma outra forma de vida no qual foi introduzido o núcleo de uma célula humana;
e) óvulo humano ou de uma outra forma de vida, que, de qualquer maneira, contém componentes haploides de cromossomas de origem humana e de uma outra forma de vida.

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França
A França introduziu profundas alterações à Lei da Bioética .

Clonagem
Nessa lei proíbe-se - artigo 21.° - a clonagem reprodutiva.

Beneficiários das técnicas:
Um casal
O homem e a mulher formando um casal devem estar vivos, em idade de procriar, casados ou podendo provar uma vida em comum pelo menos durante dois anos.
A procriação medicamente assistida tem de resultar de gâmetas de pelo menos um dos membros do casal.
É permitida a investigação científica com embriões excedentários, e com células embrionárias mas só quando permitir progressos terapêuticos de relevo, e com a condição de não poderem ser obtidos por um método alternativo de eficácia comparável, segundo o estado dos conhecimentos científicos.
É proibida a clonagem reprodutiva e a clonagem com fins terapêuticos.
É proibida a criação de embriões para investigação científica

Diagnóstico pré-implantatório
O diagnóstico biológico efectuado a partir de células recolhidas do embrião in vitro pode igualmente ser autorizado, a título experimental, quando se encontrarem reunidas as seguintes condições:

"O casal gerou uma criança afectada por doença genética grave, podendo causar a morte a partir dos primeiros anos de vida, reconhecida como incurável no momento do diagnóstico.
O prognóstico vital desta criança pode ser melhorado de maneira decisiva pela aplicação sobre ela de uma terapêutica, não causando dano à integridade do corpo da criança nascida da transferência do embrião para o útero.
O diagnóstico mencionado na primeira alínea tem por única finalidade investigar a anomalia genética assim como os meios de a prevenir e de a tratar, por um lado, e de permitir a aplicação da terapêutica mencionada na alínea anterior, por outro lado.
Os dois membros do casal dão o seu consentimento por escrito para a realização do diagnóstico.
A realização do diagnóstico é submetida a autorização da Agência da Biomedicina, que disso dará conta no Relatório público."

Reino Unido
A procriação medicamente assistida rege-se por uma lei de 1990 alterada em 1992.
Esta legislação é completada pelo Código Deontológico da Human Fertilisation and Embryology Authority (HFEA).
O Código Deontológico é aprovado pelo Ministro da Saúde e depois pelo Parlamento.

Beneficiários
A lei não fala nem da situação matrimonial nem da idade dos beneficiários. O Parlamento decidiu não excluir nenhuma categoria de mulheres.
Só o Código Deontológico explicita que, no caso de uma mulher só solicitar o recurso às técnicas de PMA, os estabelecimentos devem prestar uma particular atenção à capacidade da futura mãe para satisfazer as necessidades da criança e indagar se o agregado familiar ou o agregado social da futura mãe quer e pode partilhar essa responsabilidade, assim como a de educar a criança, contribuir para as suas necessidades e ocupar-se dela.

Inseminação artificial e transferência de embriões post mortem
São autorizadas:

O Diagnóstico pré-implantatório
É autorizado.
A HFEA (Human Fertilisation and Embryology Authority), nos finais de 2001, anunciou que passaria a autorizar no diagnóstico pré-implantatório a pesquisa relativa à existência do Grupo HLA compatível com a de uma criança, irmão ou irmã, afectada por doença grave com vista a tornar possível a cura dessa criança através do transplante de células estaminais de sangue, presentes na medula e no cordão umbilical. Mas a partir dessa data, apenas era possível fazer esse diagnóstico nas células do embrião que tivessem sido retiradas para fazer o diagnóstico de uma possível doença genética.

Veja-se a Lei n.º 2004-800, de 6 de Agosto de 2004, relativa à Bioética.

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Contudo, os anos mostraram não haver risco acrescido para o embrião com aquele novo exame, pelo que, a partir de 21 de Julho de 2004 passou a poder ser autorizado apenas o diagnóstico para apuramento de embrião com grupo HLA compatível com o de irmão ou irmã. Pelo que é possível o recurso às técnicas de procriação medicamente assistida só para aquele efeito.

Investigação científica
A lei proíbe a utilização do embrião depois do aparecimento da linha primitiva.
Presumindo-se irrefutável o seu aparecimento a partir do 14.° que se segue à fecundação não contando com o período de criopreservação.
Objectivos da investigação:
- Melhorar as técnicas de tratamento da esterilidade;
- Melhorar o diagnóstico em matéria de doenças congénitas;
- Desenvolver técnicas de contracepção mais eficazes;
- Melhorar os conhecimentos relativos às falsas gravidezes.

A investigação pode ter lugar tanto sobre embriões excedentários dados pelos progenitores como sobre embriões criados para esse efeito.
A lei proíbe expressamente a criação de clones humanos, de quimeras e de seres híbridos.
A lei proíbe unicamente a substituição do núcleo de uma célula embrionária por um núcleo retirado de uma célula adulta, ou de um embrião. Implicitamente permite a transferência nuclear se for realizada antes da fecundação. E permite a clonagem por cisão de embriões, mas proíbe a utilização deste último método para fins de reprodução. A HFEA pode conceder autorizações para investigação em embriões resultantes de cisões.
Em 2001 foi aprovado o Human Reproductive Cloning Act 2001 que proíbe a clonagem reprodutiva, considerando um crime a colocação no útero de uma mulher de um embrião que tenha sido criado sem set por fertilização.

Suíça
A lei suíça era, até há pouco tempo, uma lei extremamente restritiva.
Os beneficiários eram, e ainda são, os casais heterossexuais casados ou não.
A inseminação com esperma apenas é permitida aos casados.
A lei proíbe a inseminação e a transferência de embriões post mortem.
A lei proibia o diagnóstico pré-implantatório e a investigação com embriões.
Depois do referendo a que já atrás nos referimos, entrou em vigor a lei de 19 de Dezembro de 2003 sobre a investigação com células estaminais embrionárias. Esta lei prevê a possibilidade de congelação de embriões e a investigação sobre o embrião.
Quanto ao diagnóstico pré-implantatório, em Junho passado próximo, o Presidente do Conselho Nacional de Ética suíço e o Secretário Científico do mesmo Conselho comunicavam oficialmente ao Parlamento suíço que, segundo a opinião da maioria dos membros do Conselho, existiam razões éticas suficientemente convincentes para levantar a interdição do diagnóstico pré-implantatório, embora com a condição de se estabelecer uma estrita regulamentação.

V - Antecedentes legislativos

Na VII Legislatura, o Governo de então apresentou a proposta de lei n.º 135/VII de que resultou o Decreto n.º 415/VII.
Perante os protestos que tal decreto suscitou na comunidade científica, o Presidente da República vetou o diploma. Isto em 1999.
Na anterior legislatura, o proponente apresentou um projecto de lei sobre o recurso às técnicas de procriação medicamente assistida. Relativamente ao qual existem algumas relevantes diferenças.
Por exemplo, no projecto anterior o BE admitia, em certas situações, a maternidade de substituição. Agora, o projecto de lei é, nessa matéria, completamente omisso.

VI - Aspectos mais relevantes do projecto de lei

Vejamos, então, algumas das principais questões a que o projecto de lei pretende dar resposta:

Condições de admissibilidade
As técnicas de produção medicamente assistida só podem ser aplicadas após diagnóstico de infertilidade, ou como forma de prevenção ou tratamento de doença de origem genética ou infecciosa (artigo 4.°, n.º 1).
Assim, fica claro que a procriação medicamente assistida não é uma forma alternativa de reprodução.
O recurso à mesma está fundamentado em graves problemas de saúde.

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Beneficiários das técnicas
Mulher que tenha, pelo menos, 18 anos de idade e não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, e que para tal tenha expresso a sua vontade.

Finalidades proibidas
Clonagem reprodutiva tendo como objectivo criar seres geneticamente idênticos a outros.
A utilização de técnicas de PMA para conseguir ou melhorar determinadas características não-médicas do nascituro, designadamente a escolha do sexo, com excepção dos casos em que haja risco elevado de doença genética ligada ao sexo, e para a qual não seja ainda possível a detecção directa por diagnóstico pré-natal ou diagnóstico genético pré-implantação.

Inseminação, fecundação in vitro e transferência de embriões post-mortem
Nada prevê.

Maternidade de substituição
É omisso.

Diagnóstico pré-implantação ou pré-implantatório
É permitida a aplicação sob a orientação do médico especialista responsável das técnicas de diagnóstico genético pré-implantação (DGPI) que tenham reconhecido valor científico para diagnóstico, tratamento ou prevenção de doenças genéticas graves.
É permitido o rastreio genético de aneuploidias nos embriões a implantar, com vista a diminuir o risco de alterações cromossómicas e assim aumentar as possibilidades de sucesso das técnicas de PMA. e

Transferência de embriões, prevenção de gravidezes múltiplas, embriões excedentários e investigação científica
Não pode haver a produção deliberada de embriões excedentários.
O número de ovócitos a fertilizar depende da situação clínica e é ao médico que cabe a decisão.
O número de embriões a transferir depende da situação clínica, de acordo com as boas práticas no limite máximo de três.
Os embriões excedentários devem ser criopreservados desde que tenham condições mínimas de viabilidade para serem utilizados pela mesma mulher ou pelo mesmo casal em novo processo de transferência, ou, mediante consentimento expresso do casal, para doação para outra mulher pelo prazo máximo de três anos.
Findo esse prazo terão a utilização prevista na lei (noutra lei, que no projecto não se define essa utilização).

VII - Conclusões

1 - O projecto de lei em análise, constatando que a infertilidade e a esterilidade são um grave problema de saúde, afectando inúmeros casais, vem propor a regulamentação das técnicas de procriação medicamente assistida, definindo quais as técnicas de procriação:

a) A inseminação artificial;
b) A fertilização in vitro;
c) A injecção intracitoplasmática de espermatozóides;
d) A transferência de embriões para o útero;
e) A transferência de gâmetas, zigotos ou embriões para a trompa;
f) O diagnóstico genético pré-implantação;
g) Outras técnicas laboratoriais de manipulação gamética ou embrionária em uso ou que venham a ser desenvolvidas.

2 - O projecto de lei cria uma entidade - a CNPMA, a qual terá entre outras competências, e muito resumidamente, as de definir os critérios para o licenciamento e certificação dos centros públicos e privados, dar parecer sobre pedidos de licenciamento, definir códigos de boas práticas médicas e verificar a sua aplicação, incentivar a investigação e dar parecer sobre projectos científicos na área da PMA.
3 - O projecto de lei define a constituição dessa comissão.

O rastreio genético de aneuploidias parece ser uma forma de diagnóstico pré-implantação. O método mais usado é a hibridação in situ fluorescente (FISH), que permite a análise de determinados cromossomas para identificar e portanto transferir para o útero materno os embriões com uma dotação normal dos cromossomas analisados. A especificação no projecto desta forma de DGPI poderá ter a ver com o facto de se chamar a atenção para a necessidade de utilizar uma outra técnica (também de DGPI) a hibridação genómica comparada, já que aquela só permite analisar metade dos cromossomas.
Conhecem-se as seguintes aneuploidias: síndrome de Down (trisomia 21); síndroma de Edwards trisomia 18); síndroma de Patau (trisomia 13 ou 15); síndroma de Klinefeller (44 autosomas + XXY); síndroma do suplo (44 autosomas +XYY); síndroma de tumer (44 autosomas + X).

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4 - A procriação medicamente assistida não é uma forma de fecundação alternativa, mas só pode haver recurso às técnicas nos casos de esterilidade ou infertilidade, ou ainda como forma de tratamento de doenças.
5 - No projecto, confere-se o direito de recorrer às técnicas de PMA às mulheres maiores de 18 anos não interditas ou inabilitadas por anomalia psíquica.
6 - O projecto de lei contém disposições para prevenção de gravidezes múltiplas, sem restrições exageradas quanto ao número de ovócitos a estimular, restrições essas que poderiam conduzir a maior sofrimento da mulher por ser provável a repetição da mesma noutros ciclos, perante insucessos na fecundação.
7 - Regula-se ainda o destino dos embriões excedentários, proibindo a criação deliberada de embriões para investigação científica.
8 - Definem-se, como finalidades proibidas:
- A clonagem reprodutiva;
- A selecção do sexo, excepto nos casos em que haja risco de doença relacionada com o sexo, explicitando-se que é proibido o recurso às técnicas de procriação medicamente assistida para obtenção de características não médicas.
9 - Permite-se o Diagnóstico pré-implantação, e o rastreio de aneuploidias (anormalidades cromossómicas conhecidas como trissomias acrescentadas com o número do cromossoma onde se verificam.
10 - O diploma regula ainda a dádiva de ovócitos, embriões e esperma, não sendo permitida a venda.
11 - E regula ainda os direitos e deveres dos beneficiários, nomeadamente o consentimento informado e a confidencialidade.
12 - Altera-se o Código Civil para inclusão de normas especiais necessárias sobre a filiação.
13 - O projecto contém normas de direito penal, para punir comportamentos que infrinjam a lei.
14 - Prevê-se a apresentação pelo CNPMA, ao Ministro da Saúde e à Assembleia, de um relatório anual, nele incluindo a avaliação dos centros de procriação medicamente assistida, recomendações acerca da legislação e sua regulamentação e outros assuntos considerados relevantes.
15 - Segundo o diploma, o tratamento da infertilidade através das técnicas de PMA deve ser comparticipado integralmente nos cinco primeiros ciclos de tratamento, incluindo a medicação necessária; os seguros de saúde devem obrigatoriamente incluir a cobertura integral dos custos de tratamentos de infertilidade e aplicação de técnicas de procriação medicamente assistida no caso dos primeiros cinco ciclos de tratamento, incluindo a medicação necessária.
16 - A Constituição da República no seu artigo 67.°, n.º 2, alínea e), atribui ao Estado a incumbência de regulamentar a procriação assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana.

VIII - Parecer

Assim, a Comissão de Saúde emite o seguinte parecer:
O projecto de lei n.º 141/X (BE) - Regula as aplicações médicas da procriação assistida - cumpre os requisitos constitucionais e regimentais, pelo que se encontra em condições para subir a Plenário.

Palácio de S. Bento, 20 de Outubro de 2005.
A Deputada Relatora, Odete Santos - P'lo Presidente da Comissão, Carlos Andrade Miranda.

Nota: As conclusões e o parecer foram aprovados, com votos a favor PS, do PSD, do CDS-PP e do PCP, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes.

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PROJECTO DE LEI N.º 151/X
(REGULA AS TÉCNICAS DE PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA)

Relatório e parecer da Comissão de Saúde

Os Deputados Alberto Martins, Maria de Belém Roseira, Vitalino Canas, Guilherme d'Oliveira Martins, Catarina Mendonça Mendes, Osvaldo Castro, Ricardo Rodrigues e Luís Carito, todos integrando o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, entenderam dever subscrever um projecto de lei que "Regula as técnicas de procriação medicamente assistida".
A referida iniciativa legislativa, que obteve o n.º 151/X, deu entrada e foi admitida no dia 28 de Julho de 2005, tendo baixado nessa data a esta Comissão Parlamentar para efeitos de distribuição inicial prévia à sua discussão na generalidade.
Entretanto, a mesma foi anunciada em sessão plenária da Assembleia da República do dia 7 de Setembro de 2005 e foi publicada em Diário da Assembleia da República, II Série - A, n.° 47/X/1, de 7 de Setembro de 2005, págs. 20 a 29.

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Encontrando-se agendada a discussão na generalidade para a sessão plenária do dia 21 de Outubro, cumpre a esta Comissão Parlamentar, nos termos regimentais, emitir o devido relatório e parecer.

I
Objecto

O projecto de lei n.º 151/X tem por objecto a criação de um quadro normativo de regulação das técnicas de procriação medicamente assistida.

II
Princípios enformadores

De entre os princípios cuja defesa o diploma assume, destacam-se os seguintes:

- As técnicas de procriação medicamente assistida que impliquem manipulação gamética ou embrionária como método subsidiário e não alternativo de procriação;
- Admissibilidade da procriação medicamente assistida heteróloga;
- Proibição da clonagem, da criação de quimeras, da fecundação interespécies e, salvo em certos casos, da maternidade de substituição;
- Admissibilidade da inseminação post-mortem em circunstâncias especificamente previstas;
- O desenvolvimento integral da criança, assegurado pela garantia do acesso a uma estrutura familiar biparental e heterosexual;
- Idoneidade técnica e cientificamente comprovada dos estabelecimentos para a prática da procriação medicamente assistida;
- Confidencialidade dos actos relativamente aos participantes das técnicas de procriação medicamente assistida;
- Proibição da transacção ou valoração comercial dos produtos biológicos de natureza genética;
- Obrigatoriedade do consentimento de todos os intervenientes para todos os actos relativos a técnicas de procriação medicamente assistida;
- Reconhecimento do direito a objecção de consciência por parte dos médicos e de quaisquer outros profissionais de saúde;
- Criação e legalização de unidades de conservação de sémen.

III
Enquadramento e antecedentes

A Constituição da República Portuguesa proclama o direito à vida como um direito prioritário, merecedor de protecção absoluta.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 26.° da Lei Fundamental prescreve que "A vida humana é inviolável".
E o n.º 3 do artigo 26.º concretiza e desenvolve esta norma garantística, a ela conformando o desenvolvimento científico e tecnológico, ao estatuir que "A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica."
Já no capítulo dos direitos sociais, a Constituição comete ao Estado, para protecção da inserto, a regulamentação da procriação medicamente assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana [cfr. artigo 67.°, n.º 2, alínea e)].
Infraconstitucionalmente, o Decreto-Lei n.° 319/86, de 25 de Setembro, estabeleceu diversas regras aplicáveis à utilização de técnicas de procriação medicamente assistida, então designada por procriação artificial humana.
Mais tarde, a Lei n.° 12/93, de 22 de Abril, que regulou a colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana, remeteu para legislação especial a dádiva de óvulos e de esperma, bem como a transferência e manipulação de embriões (cfr. artigo 1.°, n.º 2).
Também o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) dedicou alguma da sua melhor produção doutrinária a esta transcendente matéria, como o demonstram os seus Pareceres n.os 3/CNE/93 e 15/CNECV/95.
O primeiro definiu os princípios éticos que devem estar implícitos nas práticas de procriação medicamente assistida.
Já o segundo veio alertar o legislador para a urgente necessidade de ser impedida a produção de embriões para fins de investigação científica.
Desde meados da última década do século findo, diversas iniciativas foram apresentadas com vista a dotar o ordenamento jurídico português de um quadro legislativo que regulasse as técnicas de procriação

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medicamente assistida e, bem assim, que definisse as aplicações médicas admissíveis com recurso a essas técnicas.
Porém, vicissitudes diversas impediram que qualquer das iniciativas apresentadas obtivesse o valor de lei, razão pela qual perdura até ao presente esta tão grave lacuna no ordenamento jurídico nacional.

IV
Síntese

As principais soluções normativas que o diploma preconiza são as seguintes:

A utilização de técnicas de procriação medicamente assistida apenas se pode verificar em relação a casos em que tenha havido um rigoroso diagnóstico de infertilidade, certificado por uma equipa médica de que façam parte especialistas com suficiente experiência nas áreas ligadas à reprodução humana.
Pode haver recurso a técnicas de procriação medicamente assistida para prevenção ou tratamento de anomalias, designadamente de origem genética, infecciosa.
Só podem recorrer às técnicas de procriação medicamente assistida pessoas casadas e não separadas judicialmente de pessoas ou separadas de facto ou as pessoas de sexo diferente que vivam pelo menos há dois anos em condições análogas às dos cônjuges.
Em qualquer caso, os beneficiários deverão ter sempre, pelo menos, 18 anos de idade e não podem encontrar-se interditos ou inabilitados por anomalia psíquica.
Para além de proibir a criação de seres humanos idênticos (clonagem) e de quimeras, bem como a fecundação interespécies, o projecto de lei não permite igualmente a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida para conseguir determinadas características do nascituro, designadamente a escolha do sexo.
A maternidade de substituição não é permitida quando decorra de negócio jurídico oneroso, apenas podendo recorrer-se a esta figura legal em casos que, não sendo tipificados neste projecto de lei, deverão ser apreciados pelo Conselho Nacional de Reprodução Medicamente Assistida (CNRMA), órgão criado também pelo mesmo diploma.
Sendo proibida a criação deliberada de embriões para fins de investigação ou experimentação científica, a utilização de embriões viáveis existentes para essas finalidades só é permitida para fins de diagnóstico ou terapêuticos, desconhecendo-se se para benefício do próprio embrião ou não.
O direito a objecção de consciência por parte dos profissionais de saúde é reconhecido, mas as razões que motivam o seu exercício devem ser especificadas.
O articulado do diploma regula depois as diversas técnicas de procriação medicamente assistida, contendo regras sobre a determinação da paternidade, no caso de inseminação artificial, sobre a dádiva de sémen e de ovócitos, no caso de fecundação in vitro.
Em especial, o artigo 27.º do diploma estatui a possibilidade de autorização, pelo CNRMA, da maternidade de substituição, desde que, cumulativamente, se trate do único recurso para responder à situação concreta de infertilidade, os interesses e os direitos do casal, da criança a nascer e da mãe de substituição sejam respeitados e não seja praticada qualquer remuneração, com excepção das despesas realizadas.
É criado o CNRMA e são também fixadas as competências deste órgão, de que se destacam a emissão de parecer sobre os estabelecimentos autorizados a praticar as técnicas de procriação medicamente assistida, a elaboração científica e avaliação dos resultados globais médico-sanitários e psico-sociológicos da utilização das técnicas de procriação medicamente assistida.
Finalmente, é previsto um regime sancionatório para a utilização indevida de técnicas de procriação medicamente assistida (prisão até cinco anos se sem consentimento de qualquer beneficiários), a promoção da maternidade de substituição a título oneroso, (prisão até três anos), a utilização indevida de embriões (prisão até três anos se se tratar de criação deliberada para investigação e até três se for cedência de embriões) e a violação do dever de sigilo (prisão até dois anos).

Parecer

A Comissão de Saúde entende que o projecto de lei n.º 151/X preenche os requisitos constitucionais e regimentais aplicáveis para subir a Plenário para apreciação e discussão, reservando os grupos parlamentares as suas posições sobre a matéria em causa para o debate.

Palácio de S. Bento, 19 de Outubro de 2005.
O Deputado Relator, Fernando Negrão - P'lo Presidente da Comissão, Carlos Andrade Miranda.

Nota: - O parecer foi aprovado, com votos a favor PS, do PSD, do CDS-PP e do PCP, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes.

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PROJECTO DE LEI N.º 172/X
(REGULA AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Saúde

I - Do Relatório

1.1 - Nota prévia
Em 6 de Outubro de 2005 deu entrada na Assembleia da República o projecto de lei n.º 172/X do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, que "Regula as técnicas de reprodução medicamente assistida".
Por Despacho do Presidente da Assembleia da República de 10 de Outubro de 2005, a presente iniciativa foi admitida, tendo baixado à Comissão de Saúde, para efeitos de elaboração do respectivo relatório e parecer.
A iniciativa legislativa vertente será discutida na reunião do Plenário da Assembleia da República do dia 21 de Outubro de 2005.
O projecto de lei n.º 172/X (PCP), que "Regula as técnicas de reprodução medicamente assistida", foi apresentado ao abrigo do disposto do n.º 1 do artigo 167.º e do artigo 161.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, observando os requisitos de forma previstos nos artigos 131.º a 133.º e 138.º do Regimento da Assembleia da República.
Cumpre salientar que o projecto de lei n.º 172/X (PCP) corresponde a uma retoma do projecto de lei n.º 512/IX (PCP) que, nos termos constitucionais aplicáveis (cfr. n.º 6 do artigo 167.º da CRP), caducou com a demissão do XVI Governo Constitucional.

1.2 - Do objecto e motivação
Através do projecto de lei n.º 172/X, pretende o Grupo Parlamentar do PCP a regulamentação das técnicas de reprodução medicamente assistidas.
Entendem os autores da iniciativa em análise que existe um vazio jurídico relativamente às questões da procriação medicamente assistida face ao número, cada vez maior, de casais afectados pela infertilidade e esterilidade. A este facto, junta-se o Relatório da Organização Mundial de Saúde e a opinião da comunidade científica que vem salientado a necessidade de legislar sobre o assunto, considerando a esterilidade e infertilidade um problema de saúde pública. Impõe-se, pois, legislar na área da reprodução medicamente assistida, de modo a poder solucionar um problema que afecta cerca de 500 000 pessoas em Portugal.
Em concreto, o diploma em análise, propõe:

- Alargar o âmbito de acesso à reprodução medicamente assistida, uma vez que, situando-se a aplicação das técnicas na área de prevenção e tratamento da infertilidade e das doenças genéticas ou hereditárias, estas não deveriam ficar apenas reservadas aos casais, mas deveriam ser também acessíveis às mulheres sós, estéreis ou inférteis, ou em relação às quais se verifique também o risco de transmissão à descendência daquelas doenças;
- A aplicação das técnicas com sémen de dador, e também com ovócitos e embriões doados;
- A aplicação das técnicas, mesmo após o falecimento do marido ou da pessoa com quem a mulher vivia em união de facto;
- A selecção de embriões apenas para os casos em que haja o risco de transmissão de anomalia genética grave ligada ao sexo, ou quando a finalidade seja a de obter embriões com grupo HLA compatível com o de criança gravemente doente que necessite de transplante compatível;
- A realização de diagnóstico genético apenas nos casos de risco de transmissão à descendência de doenças ou mutações genéticas; e ainda quando o casal beneficiário tenha um filho afectado por doença genética grave que possa causar a morte prematura, reconhecida como incurável no momento do diagnóstico e desde que o prognóstico de vida dessa criança possa melhorar decisivamente pela aplicação de uma terapêutica que não afecte a integridade do corpo da criança nascida da transferência de embriões, e desde que o diagnóstico se destine a detectar a doença genética bem como os meios de a prevenir e a tratar, e permitir a aplicação da terapêutica supra referida;
- A proibição ao recurso a técnicas de reprodução medicamente assistida com o objectivo de criar quimeras (ser humano resultante de dois embriões resultantes da mesma fecundação, ou de fecundações diferentes), ou com o objectivo deliberado de criar seres idênticos (clonagem reprodutiva);
- A proibição ao recurso destas técnicas para obter a fecundação entre a espécie humana e as outras espécies animais, ressalvando-se o teste do hamster, vulgarmente utilizado para avaliação da capacidade do espermatozóide humano, e ainda quaisquer outros casos que o Conselho Nacional de Reprodução Medicamente Assistida (cuja criação se prevê no projecto) venha a autorizar;
- Limitar o número de embriões a implantar na mulher, por forma a obstar às gravidezes múltiplas; fazendo a ressalva de não limitação quanto ao número de ovócitos a fecundar, o qual deverá ser feito segundo

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o que, de acordo com a história do casal, será previsivelmente necessário para obtenção dos embriões de qualidade a implantar;
- A possibilidade de o consentimento ser revogável por qualquer dos beneficiários até ao momento da aplicação da terapêutica, conferindo à mulher o direito de interromper a aplicação do tratamento em qualquer altura;
- A possibilidade de embriões excedentários, abandonados e inviáveis sejam utilizados na investigação científica;
- A possibilidade de utilização de embriões obtidos sem recurso à fecundação por espermatozóide na investigação científica;
- O direito de acesso às técnicas de reprodução medicamente assistida, nas cinco primeiras tentativas uma vez que, de uma maneira geral, a gravidez consegue-se na 5.ª tentativa;
- Por igual motivo, que os seguros de saúde assegurem as mesmas tentativas;
- A regulamentação sobre direitos e deveres dos beneficiários, dos profissionais dos estabelecimentos públicos e privados autorizados a aplicar as técnicas de reprodução medicamente assistida, e a regulamentação da forma do consentimento;
- A regulamentação sobre o direito à confidencialidade dos dadores e sobre a forma de reprodução, estabelecendo, no entanto, casos excepcionais em que esse dever deve ceder.

Por último, e relativamente às sanções, entendem os autores deste diploma que as disposições penais têm de ter em conta o estipulado no Código Penal existente, para com ele constituírem um todo harmónico, nomeadamente o previsto no artigo 168.º - que pune com pena de prisão de 1 a 8 anos a aplicação de técnicas de reprodução medicamente assistida, sem o consentimento da mulher. Entendem os autores que o facto ilícito de aplicar as técnicas sem o consentimento formal deverá ser matéria contra-ordenacional. Por outro lado, dado que o Código Penal se refere apenas à aplicação das técnicas sem consentimento da mulher, se deverá também punir, com pena igual, a recolha de material genético do Homem sem o seu consentimento.
Ainda em matéria penal, o projecto propõe a adopção da formulação do artigo 150.º para as intervenções e tratamentos.
Por último e sempre sumariando, as finalidades proibidas, como a clonagem reprodutiva, são punidas com uma pena de 1 a 5 anos.

1.3 - Do enquadramento constitucional e legal
A Constituição da República veio reconhecer a protecção à família no seu artigo 67.º e, no que especificamente concerne à reprodução medicamente assistida, o texto constitucional atribui ao Estado, a tarefa fundamental de "regulamentar a procriação medicamente assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana" [n.º 2, alínea e) do artigo 67.º].
No n.º 3 do artigo 26.º, a lei fundamental prevê ainda, em âmbito de direitos pessoais, que "a lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científicas."
No quadro legal, convém referir a Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001, de 3 de Janeiro de 2001, que "Aprova, para ratificação, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina: Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, aberta à assinatura dos Estados-membros do Conselho da Europa em Oviedo, em 4 de Abril de 1997, e o Protocolo Adicional que proíbe a Clonagem de seres humanos, aberto à assinatura dos Estados-membros em Paris, em 12 de Janeiro de 1998", aprovada por unanimidade em reunião do Plenário da Assembleia da República.

1.4 - Dos antecedentes parlamentares
A matéria atinente ao regime jurídico que regula as técnicas de reprodução medicamente assistida tem sido objecto de diversas abordagens no quadro da Assembleia da República, nomeadamente no plano da iniciativa legislativa.
Na VII Legislatura, o Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei n.º 135/VII que versava sobre o mesmo tema ("Regula as técnicas de procriação medicamente assistida"). O diploma em causa foi discutido, na generalidade, em reunião plenária da Assembleia da República e votado favoravelmente pelo PS e CDS-PP, com a abstenção dos restantes grupos parlamentares. Baixou à 7.ª Comissão para discussão onde foram rejeitadas as propostas de alteração do PCP. Submetido a votação, foi aprovado, com os votos a favor do PS e CDS-PP, os votos contra do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD, dando origem ao Decreto n.º 415/VII (DAR II Série - A, n.º 80, de 16 de Julho de 1999). O diploma em questão foi vetado por inconstitucionalidade pelo Presidente da República e devolvido à Assembleia da República para reapreciação.
Na IX Legislatura, foram admitidos três diplomas sobre a mesma matéria: o projecto de lei n.º 90/IX, na 1.ª Sessão Legislativa, da autoria do Grupo Parlamentar do PS (DAR II série - A, n.º 18/IX/1, de 4 de Julho de 2002), o projecto de lei n.º 371/IX, na 2.ª Sessão Legislativa, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (DAR II série - A, n.º 12/IX/2, de 5 de Novembro de 2003) e, por fim, na 3.ª Sessão Legislativa, o

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projecto de lei n.º 512/IX, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP (DAR II série - A, n.º 16/IX/3, de 18 de Novembro de 2004), iniciativa essa, que agora foi retomada. Estas iniciativas que acabariam por caducar, nos termos constitucionais aplicáveis, em consequência da demissão do XVI Governo Constitucional.
O projecto de lei n.º 172/X, objecto do presente relatório e parecer, corresponde, assim, a uma retoma do projecto de lei n.º 512/IX.
Por último, importa referir que foram também admitidos três diplomas que versam sobre a mesma matéria: o projecto de lei n.º 141/X (BE) "Regula as aplicações médicas da procriação assistida", o projecto de lei n.º 151/X (PS) "Regula as técnicas de procriação medicamente assistida" e o projecto de lei n.º 176/X (PSD) "Regime jurídico da procriação medicamente assistida", cuja discussão está também agendada para o dia 21 de Outubro de 2005.

II - Das conclusões

Atentos os considerandos que antecedem, conclui-se no seguinte sentido:

- O Grupo Parlamentar do PCP tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 172/X, que "Regula as técnicas de reprodução medicamente assistida".
- Esta iniciativa foi apresentada ao abrigo do disposto no artigo 167.º da CRP e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento.
- O diploma em apreço visa criar um regime jurídico adequado à procriação medicamente assistida que supra as lacunas do nosso ordenamento jurídico face a esta matéria.
- Com esta iniciativa, procuram os autores solucionar um problema que afecta 15% dos casais em idade reprodutiva, isto é, cerca de 500 000 pessoas em Portugal e que tem efeitos imediatos sobre o bem-estar da população.

III - Do parecer

Face ao exposto, a Comissão de Saúde é do seguinte parecer:

- Salvo melhor e mais qualificado entendimento, o projecto de lei n.º 172/X, que "Regula as técnicas de reprodução medicamente assistida", preenche os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, podendo ser discutido e votado pelo Plenário da Assembleia da República;
- Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República;
- Nos termos regimentais aplicáveis, o presente relatório e parecer deverá ser remetido ao Sr. Presidente da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 20 de Outubro de 2005.
O Deputado Relator, Manuel Pizarro - P'lo Presidente da Comissão, Carlos Andrade Miranda.

Nota: As conclusões e o parecer foram aprovados, com votos a favor PS, do PSD, do CDS-PP e do PCP, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes.

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PROJECTO DE LEI N.º 176/X
REGIME JURÍDICO DA PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA

A Constituição da República Portuguesa consagra, na alínea e) do n.º 2 do artigo 67.º, inserto no capítulo dos direitos sociais e no âmbito da protecção da família, o dever que impende sobre o Estado de regular a procriação medicamente assistida.
Na economia constitucional a família é o elemento fundamental sobre o qual se estrutura a sociedade, sendo, antes disso, porém, o locus natural de realização da pessoa humana.
Neste quadro determina aquele preceito constitucional que a procriação medicamente assistida seja regulada "em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana".
Essa tarefa legislativa prende-se, assim, também, com os direitos, liberdades e garantias pessoais em que se densifica o princípio da dignidade da pessoa humana estruturante do nosso Estado de direito.
O ser humano é o pilar, a causa, o núcleo central de toda a ordem jurídica, gozando de uma dignidade intrínseca e de todo um conjunto de direitos fundamentais, entre os quais ocupa um lugar cimeiro o direito à vida.

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O efectivo reconhecimento da dignidade pessoal de cada ser humano, único e irrepetível, exige o respeito e a promoção dos direitos da pessoa, universais e invioláveis. A inviolabilidade da pessoa tem a sua primeira expressão na inviolabilidade da vida humana.
Ocorre que a execução da tarefa legislativa que se vem de referir tem-se revelado bastante difícil - como o provam as diversas tentativas já empreendidas nesse sentido -, tendo sido sucessivamente adiada.
Esta dificuldade decorre em grande medida da própria complexidade da matéria, situada na confluência de campos científicos que apresentam ou hodiernamente um enorme dinamismo e que envolvem disciplinas tais como a medicina, a psicologia, a ética e o próprio direito, não havendo também por isso uma visão unívoca sobre as respostas a dar às diversas questões que a mesma suscita.
Envolvendo, por outro lado, interesses mais diversos, a começar pelo natural desejo de ter um filho e de se reproduzir e passando pelas liberdades científica e profissional, entre outros, as soluções legislativas não podem, entretanto, esquivar-se às balizas constitucionais a que o legislador deve submeter-se, sendo de sopesar sempre, muito especialmente, os supremos interesses do próprio filho.
A inexistência de legislação específica, porém, tem levado ao surgimento de inúmeras situações de facto que dificilmente se compaginam com estes ditames constitucionais.
Por outro lado, as normas jurídicas que têm vindo a ser convocadas, a fim de solucionar as diversas questões emergentes destas situações, não constituem propriamente um regime abrangente, coerente e sistematicamente inserido no nosso ordenamento jurídico, sendo numerosas as dúvidas e contradições que a sua aplicação suscita.
A atenção às balizas que vêm de ser referidas conduz, desde logo, a que se regule a procriação medicamente assistida no sentido de prevenir que as cada vez mais diversas possibilidades técnicas que a ciência disponibiliza neste campo venham a envolver, em concreto, um desrespeito à vida, à dignidade, à integridade e à identidade do ser humano, em todas as fases do seu desenvolvimento.
Neste contexto, revelam-se ainda merecedoras de uma especial disciplina normativa outras situações, tais como a manipulação genética, a crioconservação e a utilização de embriões para fins de investigação científica, a procriação medicamente assistida heteróloga, o recurso a mães portadoras, a inseminação e fertilização in vitro post-mortem, para além de procedimentos como a clonagem, entre outros.
Finalmente, o presente diploma, estabelecendo ainda a disciplina fundamental dos centros autorizados a aplicar técnicas de procriação medicamente assistida, cria as estruturas de fiscalização e registo, para além de definir o próprio quadro sancionatório, sem o que o regime consagrado careceria da efectividade que dele se exige.
A fim, pois, de satisfazer a necessidade de definir um regime da procriação medicamente assistida que seja a um tempo denso, preciso, moderno e sistematicamente coerente, assume-se neste projecto de lei a defesa dos seguintes princípios e soluções normativas:

a) Ninguém pode ser discriminado por ter nascido mediante técnicas de procriação medicamente assistida ou com base no seu património genético;
b) As técnicas de procriação medicamente assistida não constituem uma forma alternativa de procriação, mas um método subsidiário a utilizar apenas quando a gravidez não possa ser alcançada de forma natural e após esgotados os meios médicos de cura das causas de esterilidade;
c) Deve ser dada preferência às técnicas intracorpóreas e que não impliquem manipulação genética ou embrionária, não sendo admitidas técnicas de procriação assistida em que se verifiquem um risco sério de destruição de embriões ou de criação de embriões para os quais não esteja assegurado um projecto de vida, sendo, por conseguinte, autorizada a inseminação somente do número de ovócitos, em um máximo de três, que o casal autorize que venha a ser transferido para o útero materno caso a fecundação se verifique em todos eles;
d) Não é admitida a procriação heteróloga;
e) Os beneficiários têm de ser maiores de 18 anos e menores de 45, no caso da mulher, ou de 55, no caso do homem, além de não estarem inabilitados ou interditos por anomalia psíquica e serem pessoas de sexo diferente, casadas e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto ou viverem em união de facto tutelada por lei há mais de dois anos;
f) Os beneficiários devem prestar o seu consentimento livre, informado, expresso e por escrito perante um médico num centro autorizado para a respectiva técnica de procriação medicamente assistida;
g) É admitida a crioconservação de embriões e de sémen em centros autorizados, sendo proibida a crioconservação de ovócitos para utilização em técnicas de procriação medicamente assistida enquanto não existirem garantias suficientes relativamente à sua viabilidade após a descriogenização;
h) È criado o instituto da adopção embrionária;
i) Os embriões humanos, os órgãos, tecidos e células embrionárias, assim como os gâmetas humanos, não podem ser comercializados;

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j) É proibida a criação ou utilização de embriões humanos para fins de investigação ou de experimentação científicas;
k) Admite-se, nos termos de legislação própria, a investigação científica sobre o embrião quando ela resulte em benefício do mesmo ou nos casos dos embriões relativamente aos quais estejam esgotadas todas as hipóteses de implantação no organismo de uma mulher ou de adopção nos três anos seguintes à sua crioconservação, dos embriões inviáveis ou das células estaminais embrionárias resultantes de aborto eugénico ou espontâneo;
l) É instituída, para coordenar e fiscalizar a aplicação das técnicas de procriação medicamente assistida, a Comissão Nacional de Procriação Medicamente Assistida, órgão independente a funcionar junto do Ministério da Saúde;
m) É instituído o Registo Nacional de Procriação Medicamente Assistida, a funcionar junto da Comissão Nacional de Procriação Medicamente Assistida;
n) A fim de se garantir o cumprimento de critérios de qualidade e de se evitar a clandestinidade, a discriminação económico-social e a comercialização de embriões ou gâmetas humanos, exige-se que as técnicas de procriação medicamente assistida sejam realizadas somente nos centros públicos e privados, sem fins lucrativos, para tal autorizados pelo Ministério da Saúde e inscritos no Registo Nacional;
o) Os médicos e o pessoal dos centros autorizados estão obrigados a assegurar a estrita confidencialidade de todos os dados relativos à prática da procriação medicamente assistida, sendo-lhes garantido o direito à objecção de consciência;
p) O indivíduo nascido por procriação artificial através de adopção de embriões tem direito, após a maioridade, a conhecer a sua historicidade pessoal, inclusive a forma como foi gerado e a sua identidade genética;
q) É proibido o recurso às mães portadoras, sendo considerado nulo todo o contrato, gratuito ou oneroso, de gestação uterina para outrem, sendo definidas, porém, regras especiais de estabelecimento da filiação para o caso de esta proibição não ser acatada;
r) É admitida a implantação post-mortem do embrião - mas não a inseminação ou fertilização in vitro post-mortem - desde que o cônjuge ou o indivíduo com quem a mulher vivia em união de facto tutelada por lei tenha dado o seu consentimento e o embrião seja implantado no prazo de 300 dias após a morte;
s) É proibida a clonagem de seres humanos;
t) Só é permitida a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida para escolher o sexo ou outras características da criança a nascer se tal se revelar o único meio de prevenir doenças hereditárias graves e não implicar a destruição de embriões;
u) São proibidos, ainda, outros procedimentos que não respeitem a vida, a dignidade, a integridade e a identidade do ser humano no estado de embrião, tais como a ectogénese, a criação de embriões com gâmetas de dadores, a fusão de embriões entre si ou qualquer outro procedimento para produzir quimeras e a fecundação interespécies.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Objecto e âmbito

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei regula a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida.

Artigo 2.º
Âmbito de aplicação

A presente lei aplica-se às seguintes técnicas de procriação medicamente assistida:

a) Inseminação artificial;
b) Fertilização in vitro;
c) Injecção intracitoplasmática de espermatozóides;
d) Transferência de embriões humanos para o útero;
e) Transferência de gâmetas ou de embriões humanos para a trompa;
f) Outras técnicas laboratoriais de manipulação gamética ou embrionária equivalentes ou subsidiárias.

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Capítulo II
Princípios gerais

Artigo 3.º
Dignidade e identidade

As técnicas de procriação medicamente assistida devem respeitar a dignidade e a identidade do ser humano em todas as suas fases de desenvolvimento.

Artigo 4.º
Não discriminação

É proibida a discriminação com base no património genético ou no facto de se ter nascido mediante utilização de técnicas de procriação medicamente assistida.

Artigo 5.º
Assistência médica e regras de conduta

As técnicas de procriação medicamente assistida só podem ser praticadas sob a responsabilidade e orientação de um médico especialista qualificado, a quem cabe propor a técnica mais adequada e respeitar os deveres profissionais e as regras de conduta aplicáveis em cada caso, de acordo com as leges artis.

Artigo 6.º
Objecção de consciência

Os médicos e os outros profissionais de saúde têm direito à objecção de consciência, sem necessidade de fundamentação, quando solicitados para a prática da procriação medicamente assistida.

Artigo 7.º
Sigilo profissional

Os médicos e os outros profissionais devem guardar absoluto sigilo sobre todos os actos ou factos relacionados com a procriação medicamente assistida de que tenham tido conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas.

Artigo 8.º
Acessos a técnicas de procriação medicamente assistida

1 - As técnicas de procriação medicamente assistida são um método subsidiário, e não alternativo, de procriação, às quais só é permitido recorrer quando a gravidez não possa ser alcançada de forma natural e após esgotados os meios médicos de cura das causas dessa impossibilidade.
2 - É ainda admitido o recurso àquelas técnicas quando, de acordo com as leges artis, constituir o único meio de prevenção de doenças graves, do foro genético ou infeccioso.
3 - Um processo de procriação medicamente assistida só pode ser desencadeado depois de verificada a inexistência de ovócito em que tenha sido iniciado o processo de fecundação, crioconservado antes da singamia, ou de embrião crioconservado, em qualquer dos casos resultante da fecundação de gâmetas de ambos os beneficiários.

Artigo 9.º
Limites

1 - Só são admitidos processos de procriação medicamente assistida de que não decorra um risco sério de destruição de embriões ou de criação de embriões para os quais não esteja assegurado um projecto de vida.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior só podem ser inseminados ovócitos em número adequado à procriação, sendo os ovócitos fecundados implantados no organismo materno no mesmo ciclo terapêutico que lhes deu origem, em número recomendado pelas leges artis e autorizado pelos beneficiários nos termos do artigo 13.º, e os restantes ovócitos em que tenha sido iniciado o processo de fecundação, se os houver, criogenizados em momento anterior à singamia.
3 - A decisão sobre o número de ovócitos a inseminar deve ter em conta factores como a idade, o número de filhos que o casal pretenda ter, as tentativas anteriores, o tipo e a causa de esterilidade ou as outras circunstâncias que estejam na origem da utilização da procriação medicamente assistida.

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4 - Só podem ser implantados no organismo materno até dois embriões, no caso de a idade da mulher não ser superior a 35 anos, e até três embriões, entre os 35 e os 45 anos.

Artigo 10.º
Casos de não implantação

1 - Os embriões humanos que, nos termos do artigo anterior, tiverem sido alvo de crioconservação, devem, no prazo máximo de três anos, ser utilizados pelos beneficiários em novo processo de transferência para o organismo materno ou, mediante consentimento expresso, nos termos do artigo 17.º, ser destinados a adopção.
2 - Os embriões humanos, relativamente aos quais tiverem sido esgotadas todas as hipóteses de implantação no organismo de uma mulher, podem ser utilizados em investigação científica, nos termos definidos no artigo seguinte.

Artigo 11.º
Criação e utilização de embriões para fins científicos

1 - É proibida a criação de embriões para fins de investigação ou de experimentação científicas.
2 - Um embrião só pode ser objecto de investigação ou de terapia quando estas sejam motivadas por necessidades do próprio embrião e não envolvam um risco desproporcionado para a sua vida.
3 - As situações referidas no número anterior são objecto de regulação em legislação própria.
4 - Os embriões relativamente aos quais estejam esgotadas todas as hipóteses de implantação no organismo de uma mulher ou de adopção nos três anos seguintes à sua crioconservação, podem, nos termos de legislação própria, ser utilizados para investigação científica desde que essa utilização tenha obtido prévio consentimento expresso informado e consciente dos beneficiários aos quais se destinavam.
5 - Os embriões inviáveis, bem como as células estaminais embrionárias resultantes de aborto eugénico ou espontâneo, com uma vida biológica residual e sem possibilidade de desenvolvimento, podem ser utilizadas para fins de investigação científica desde que seja razoável esperar que daí possa resultar benefício para a humanidade, em termos a constar de legislação própria.
6 - A legislação prevista nos n.os 4 e 5 deve assegurar a autorização casuística de cada utilização, fundamentada, nomeadamente, na qualidade científica de cada projecto, que apenas pode ter por objectivo a prevenção, o diagnóstico ou a terapêutica de doenças humanas, e dos investigadores envolvidos, bem como do grau de previsibilidade de efectivos benefícios para a humanidade que dele resultem.

Capítulo III
Beneficiários e prestação do consentimento

Artigo 12.º
Beneficiários

1 - Os beneficiários de técnicas de procriação medicamente assistida têm de ter entre 18 e 45 anos, no caso da mulher, e 55 anos, no caso do homem, e não estar interditos ou inabilitados por anomalia psíquica.
2 - As técnicas de procriação medicamente assistida só podem ser usadas por pessoas de sexo diferente, casadas e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, ou que vivam em união de facto tutelada por lei há mais de dois anos.
3 - Não podem ser beneficiárias de técnicas de procriação medicamente assistida as mulheres que, anteriormente, se tenham injustificadamente oposto à implantação de embriões criados por técnicas de procriação medicamente assistida por elas desencadeadas.

Artigo 13.º
Consentimento dos beneficiários

1 - Ambos os beneficiários devem prestar o seu consentimento livre, informado, expresso e por escrito perante um médico do centro autorizado.
2 - O consentimento dos beneficiários deve ainda ser prestado, na mesma ocasião, relativamente à possibilidade de os embriões serem destinados a outro casal caso se verifique alguma das situações de adopção embrionária previstas na presente lei.
3 - O consentimento é revogável por qualquer dos beneficiários antes de iniciado o processo de fecundação.
4 - O consentimento caduca se, no prazo de um ano, o procedimento técnico para o qual foi prestado não tiver sido iniciado.

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Artigo 14.º
Direitos e deveres dos beneficiários

1 - Os beneficiários têm direito a receber a assistência necessária à prática da procriação medicamente assistida e a não ser submetidos a técnicas que acarretem riscos significativos para a saúde.
2 - Os beneficiários, a fim de prestarem o seu consentimento, devem ser informados pelo centro autorizado relativamente a:

a) Técnica mais adequada para o seu caso e respectiva fundamentação;
b) Número considerado adequado de ovócitos a inseminar e a implantar no organismo materno, nos termos do artigo 9.º;
c) Riscos e implicações psicológicas previsíveis inerentes à técnica de procriação medicamente assistida proposta;
d) Possibilidade e relevância da adopção e da adopção embrionária, como processos alternativos;
e) Implicações jurídicas, sociais e éticas do recurso à procriação medicamente assistida;
f) Outras informações relacionadas com o processo que se entendam pertinentes.

3 - As informações referidas nas alíneas a), b), e c) do número anterior devem ser dadas pelo médico perante quem é prestado o consentimento.
4 - Os beneficiários de técnicas de procriação medicamente assistida devem fornecer as informações solicitadas pelo médico do centro autorizado que sejam adequadas para se proceder ao diagnóstico e subsequente aplicação da respectiva técnica, e respeitar as prescrições médicas que lhes sejam feitas.

Capítulo IV
Crioconservação

Artigo 15.º
Crioconservação de ovócitos fecundados, antes da singamia, e de embriões humanos

Os ovócitos em que foi iniciado o processo de fecundação e em que ainda não ocorreu a singamia, bem como os embriões não implantados, nos casos previstos no artigo 10.º, devem ser crioconservados em centro autorizado em condições técnicas adequadas.

Artigo 16.º
Crioconservação de gâmetas

1 - O sémen deve ser crioconservado em centro autorizado em condições técnicas adequadas.
2 - É proibida a crioconservação de ovócitos para utilização em técnicas de procriação medicamente assistida enquanto não existirem garantias suficientes de segurança com a sua utilização após a descriogenização.

Capítulo V
Adopção de embriões

Artigo 17.º
Embriões destinados à adopção

1 - Podem ser destinados à adopção os embriões humanos em que se verifique o decurso do prazo de três anos desde a crioconservação, bem como aqueles em relação aos quais aconteça a morte, a ausência ou a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica de qualquer dos beneficiários.
2 - É necessário, para a adopção, o consentimento livre, informado, expresso e por escrito perante um médico do centro autorizado, dos beneficiários de quem provenha o embrião.

Artigo 18.º
Adoptantes

1 - Podem adoptar embriões humanos todos os casais que reúnam as condições necessárias ao recurso às técnicas de procriação medicamente assistida, nos termos da presente lei, bem como os casais e as mulheres que tenham sido seleccionados para adopção plena, nos termos da legislação respectiva.
2 - A adopção de embriões humanos consuma-se com a implantação no organismo materno.
3 - Os adoptantes devem ser previamente informados das implicações jurídicas, sociais e éticas da adopção e expressar o seu consentimento livre, expresso e por escrito, perante um médico do centro autorizado.

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Capítulo VI
Estabelecimento da filiação

Artigo 19.º
Princípios gerais

1 - Às pessoas nascidas com recurso a técnicas de procriação medicamente assistida, inclusive após adopção de embriões, são aplicadas as regras gerais do estabelecimento da filiação, com as especialidades previstas no presente Capítulo.
2 - As pessoas nascidas com recurso a técnicas de procriação medicamente assistida têm o direito a conhecer a sua história e identidade pessoais, direito que poderá ser exercido, pessoalmente, após a maioridade, ou antes disso por intermédio do seu representante legal, junto da Comissão Nacional para a Procriação Medicamente Assistida, com base nos fundamentos definidos no seu regulamento, previsto na alínea l) do n.º 3 do artigo 26.º.

Artigo 20.º
Maternidade

1 - Não é permitido o recurso às chamadas mães portadoras, sendo nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, de gestação uterina para outrem.
2 - Em caso de violação da proibição constante do número anterior a filiação é estabelecida em relação à mãe portadora.

Artigo 21.º
Paternidade

A paternidade presume-se em relação ao cônjuge ou, nos casos de união de facto, em relação ao parceiro da mulher, não sendo permitida a sua impugnação com fundamento na utilização de técnicas de procriação medicamente assistida consentida.

Artigo 22.º
Inseminação e fertilização post mortem

1 - É proibida a inseminação ou fertilização post mortem.
2 - Os gâmetas devem ser destruídos após o conhecimento da morte de qualquer dos beneficiários, a qual deve ser comunicada ao centro autorizado.

Artigo 23.º
Implantação post-mortem

1 - Se, tendo prestado o seu consentimento para o processo de procriação medicamente assistida, sobrevier a morte do cônjuge ou do parceiro com quem a beneficiária viva em união de facto os embriões já criados podem ser implantados no organismo materno.
2 - A criança nascida nos termos do número anterior é tida, para todos os efeitos legais, como filha do falecido.

Artigo 24.º
Salvaguarda do direito à saúde

Se existirem razões médicas devidamente comprovadas, pode o indivíduo nascido da adopção de embrião ou, durante a sua menoridade, o seu representante legal, solicitar por escrito à Comissão referida no artigo 26.º informações objectivas sobre as características genéticas dos progenitores biológicos e ainda, se absolutamente imprescindível, a respectiva identificação.

Capítulo VII
Centros autorizados

Artigo 25.º
Centros autorizados

1 - As técnicas de procriação medicamente assistida só podem ser realizadas em estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, autorizados pelo Ministério da Saúde, adiante designados por centros autorizados.
2 - A crioconservação de ovócitos fecundados, após a singamia, e de embriões humanos, bem como a crioconservação de gâmetas, só podem ser realizadas em centros autorizados.
3 - Os centros autorizados dispõem de um registo interno confidencial com todos os dados relativos à utilização das técnicas de procriação medicamente assistida.

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4 - Os centros autorizados são sujeitos a avaliação periódica de qualidade e enviam um relatório anual sobre a respectiva actividade à Comissão referida no artigo seguinte, do qual consta, designadamente, o número de ovócitos inseminados, o número de ovócitos fecundados implantados e o número de ovócitos fecundados e de embriões criogenizados.
5 - Em diploma próprio são definidos, designadamente:

a) Os critérios e requisitos técnico-científicos necessários à emissão de autorização e respectivo prazo;
b) As qualificações exigidas às equipas médicas e ao restante pessoal de saúde;
c) O acesso ao registo interno confidencial e a sua utilização;
d) O modo e os critérios de avaliação periódica da qualidade técnica;
e) As situações em que a autorização de funcionamento pode ser revogada.

Capítulo VIII
Comissão Nacional e Registo Nacional

Artigo 26.º
Comissão Nacional de Procriação Medicamente Assistida

1 - É criada a Comissão Nacional para a Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), que tem as características de um órgão pluridisciplinar, composto por nove personalidades de reconhecida competência técnica e científica, procurando integrar as várias áreas do saber com incidência na área da saúde reprodutiva, nomeadamente médicos especialistas da reprodução, biólogos, embriologistas, geneticistas, eticistas, psicólogos, sociólogos e outros especialistas na área das ciências sociais.
2 - Os membros da CNPMA são designados da seguinte forma:

a) Cinco personalidades eleitas pela Assembleia da República, entre as quais o Presidente e o Vice-Presidente;
b) Quatro personalidades a designar por despacho do Ministro da Saúde, mediante audição prévia do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, da Ordem dos Médicos, da Sociedade Portuguesa da Medicina da Reprodução e da Ordem dos Biólogos.

3 - A CNPMA tem as seguintes competências:

a) Propor a emissão da regulamentação necessária ao cumprimento da presente lei;
b) Fiscalizar o cumprimento da presente lei pelos centros autorizados para a prática da procriação medicamente assistida;
c) Dar parecer sobre a autorização de funcionamento de novos centros onde se realize a procriação medicamente assistida e de centros de crioconservação, e sobre situações de revogação dessa autorização;
d) Autorizar o recurso a técnicos de procriação medicamente assistida como meio de prevenção de doenças graves do foro genético ou infeccioso;
e) Acompanhar os processos de adopção de embriões;
f) Manter actualizado e garantir a confidencialidade do Registo Nacional de Procriação Medicamente Assistida;
g) Emitir parecer sobre as questões colocadas pelos médicos ou centros autorizados;
h) Receber e avaliar os relatórios anuais dos centros autorizados;
i) Receber as queixas dos utentes dos centros autorizados;
j) Instruir os processos de contra-ordenações e aplicar as coimas previstas na presente lei;
k) Pronunciar-se sobre qualquer iniciativa de divulgação de informação sobre as técnicas de procriação medicamente assistida;
l) Definir, no seu regulamento, as condições e as circunstâncias em que deve ser prestada à pessoa nascida com recursos às técnicas de procriação medicamente assistida, ou ao seu representante legal, as informações respeitantes à sua história e identidade pessoais, prevista no n.º 2 do artigo 19.º.

Artigo 27.º
Registo Nacional de Procriação Medicamente Assistida

1 - É criado o Registo Nacional de Procriação Medicamente Assistida (RNPMA), que funciona junto da CNPMA.
2 - São sujeitos a registo obrigatório:

a) Os centros autorizados para a prática da procriação medicamente assistida;
b) A relação dos embriões crioconservados e a identificação dos respectivos progenitores;
c) A identidade dos beneficiários e das crianças nascidas pelas técnicas referidas na alínea anterior;

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d) Os consentimentos prestados e respectivas revogações;
e) O óbito do ou dos dadores de embriões.

3 - A existência do RNPMA não obsta ao dever dos centros autorizados procederem também à organização do seu próprio registo interno.
4 - A organização e funcionamento do RNPMA são definidos por diploma próprio, ouvida a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais.

Capítulo IX
Responsabilidade criminal e de mera ordenação social

Secção I
Responsabilidade criminal

Artigo 28.º
Criação ou utilização indevida de embrião humano

Quem criar ou utilizar embrião humano para fim não autorizado por lei é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Artigo 29.º
Destruição de embrião humano

Quem, prosseguindo técnica de procriação medicamente assistida, destruir embrião humano viável, de acordo com o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Artigo 30.º
Procriação medicamente assistida em local não autorizado ou sem habilitação legal

Quem prosseguir técnicas de procriação medicamente assistida em local não autorizado ou sem habilitação legal é punido com pena de prisão até três anos.

Artigo 31.º
Ectogénese

Quem prosseguir ectogénese fora de um processo de procriação medicamente assistida ou para além do momento em que, segundo as leges artis, deva proceder-se à implantação do embrião é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Artigo 32.º
Clonagem de seres humanos

Quem prosseguir a criação de um ser humano com idêntico conjunto de genes nucleares de outro ser humano é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

Artigo 33.º
Fusão de embriões

Quem fundir embriões entre si, utilizando pelo menos um embrião humano, é punido com pena de prisão de três a 12 anos.

Artigo 34.º
Fecundação interespécies

Quem fecundar gâmeta não humano com gâmeta humano, ou gâmeta humano com gâmeta não humano, é punido com pena de prisão de três a 12 anos.

Artigo 35.º
Alienação de embriões humanos

Quem alienar embrião humano é punido com pena de prisão até três anos.

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Artigo 36.º
Procriação assistida com escolha de características genéticas

Quem utilizar técnicas de procriação medicamente assistida para escolha de características genéticas, designadamente o sexo do nascituro, excepto neste caso se o objectivo for evitar doenças hereditárias graves ligadas ao sexo, é punido com pena de prisão até três anos.

Artigo 37.º
Indiferenciação de dadores

Quem criar embriões com recurso a gâmetas de conjunto indiferenciado de dadores é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Artigo 38.º
Maternidade de substituição

Quem, por qualquer meio, prosseguir acordo de gestação uterina para outrem é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

Artigo 39.º
Inseminação e fertilização in vitro post-mortem

Quem prosseguir inseminação ou fertilização in vitro após a morte do dador de gâmetas é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

Artigo 40.º
Responsabilidade penal das entidades colectivas e equiparadas

As entidades colectivas são responsáveis criminalmente quando, por razão da sua actividade, ocorram os crimes previstos no presente capítulo, nos termos do regime da responsabilidade penal das entidades colectivas e equiparadas.

Secção II
Ilícitos de mera ordenação social

Artigo 41.º
Contra-ordenações

1 - Constitui contra-ordenação punível com uma coima de 10 000 a 100 000 euros:

a) A comercialização de gâmetas;
b) A comercialização de células, tecidos ou órgãos embrionários;
c) A publicitação da comercialização de embriões humanos, células, tecidos ou órgãos embrionários ou gâmetas;
d) A publicitação da maternidade de substituição.

2 - Constitui contra-ordenação punível com uma coima de 5 000 a 50 000 euros:

a) O recurso a técnicas de procriação medicamente assistida sem que, de acordo, com as leges artis, e consoante as situações, estejam preenchidas as condições exigidas no artigo 8.º;
b) A utilização de gâmetas do mesmo dador em mais de três gestações bem sucedidas;
c) O recurso a técnicas de procriação medicamente assistida em relação a pessoas que, consoante as situações, não preencham as condições exigidas no artigo 12.º;
d) O recurso a técnicas de procriação medicamente assistida em relação a casal que não contribua com gâmetas dos seus membros, fora dos casos previstos de adopção de embriões.

Artigo 42.º
Sanções acessórias

1 - Pelas contra-ordenações previstas no presente diploma podem, atenta a gravidade do facto, ser aplicadas as seguintes sanções acessórias:

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a) Injunção judiciária;
b) Interdição temporária do exercício de actividade ou profissão;
c) Privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos outorgados por entidades ou serviços públicos;
d) Encerramento temporário de estabelecimento;
e) Cessação da autorização de funcionamento;
f) Publicidade da decisão condenatória.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 11.º, 12.º, 14.º, 17.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, que regula as infracções contra a economia e a saúde pública, com a redacção dada pela Declaração de Rectificação n.º 2370, de 21 de Março de 1984, publicado no Diário da República n.º 77, de 31 de Março de 1984, pelos Decretos-Lei n.º 374/89, de 12 de Outubro, n.º 6/95, de 17 de Janeiro, n.º 49/97, de 28 de Fevereiro, n.º 20/99, de 28 de Janeiro, n.º 162/99, de 13 de Maio, n.º 143/2001, de 26 de Abril, e pelas Leis n.º 13/2001, de 4 de Junho, e n.º 108/2001, de 28 de Novembro.

Secção III
Disposição comum

Artigo 43.º
Direito subsidiário

Ao disposto no presente capítulo é aplicável subsidiariamente o Código Penal e o regime geral das contra-ordenações.

Capítulo X
Disposições finais e transitórias

Artigo 44.º
Relatório

Os estabelecimentos que à data da entrada em vigor da presente lei pratiquem a procriação medicamente assistida devem apresentar ao Ministro da Saúde e à CNPMA, no prazo de três meses, um relatório detalhado das suas actividades desde o início do seu funcionamento, incluindo informação sobre as técnicas utilizadas, o número de ovócitos fecundados por ciclo, o número de embriões crioconservados e a identificação dos respectivos progenitores.

Artigo 45.º
Regulamentação

O Governo aprova, no prazo máximo de 90 dias após a publicação da presente lei, a respectiva e necessária regulamentação.

Artigo 46.º
Revogação

É revogado o Decreto-Lei n.º 319/86, de 25 de Setembro.

Artigo 47.º
Entrada em vigor

Sem prejuízo do disposto no artigo 45.º, a presente lei entra em vigor 120 dias após a data da sua publicação.

Palácio de São Bento, 13 de Outubro de 2005.
Os Deputados do PSD: Duarte Lima - Jorge Moreira da Silva - António Montalvão Machado - Regina Ramos Bastos - Luís Marques Guedes - Ricardo Martins.

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PROJECTO DE LEI N.º 177/X
ALTERA O CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO, INCREMENTANDO A NEGOCIAÇÃO E A CONTRATAÇÃO COLECTIVA E IMPEDINDO A CADUCIDADE DAS CONVENÇÕES COLECTIVAS

Exposição de motivos

A globalização neoliberal tem vindo a impor a desregulamentação das relações laborais, subordinando tudo à competitividade, ao livre mercado e ao lucro.
Nesta perspectiva o Código do Trabalho e a sua regulamentação foram aprovados sob a égide da anterior maioria das direitas do governo PSD/CDS, constituindo uma malha jurídica que subverte as relações de trabalho e põe em causa o direito de trabalho como sempre o conhecemos.
Como muito bem refere José João Abrantes in Questões laborais, citando Hanau/Adomeit, "O direito do trabalho nasceu porque a igualdade entre o empregador e o trabalhador não passava de uma ficção. O facto de o trabalhador aparecer como a parte mais fraca e a possibilidade real de o empregador abusar dos poderes que o próprio quadro contratual lhe confere justificaram desde cedo a intervenção do legislador no domínio das relações de trabalho e estiveram na génese deste ramo do direito do trabalho enquanto segmento do ordenamento jurídico de fortíssima feição proteccionista".
Daqui resulta evidente, do princípio da igualdade constitucionalmente garantida, bem como das mais elementares regras do direito e da sua função social, que não se pode tratar de forma igual o que, à partida, é, no caso vertente, à vista de todos, desigual.
O próprio artigo 4.º da Lei n.º 99/2003, norma-chave do diploma, sobre o "Princípio do tratamento mais favorável", ao fazer com que as normas legais de regulação do trabalho deixem de ser, por regra, dotadas de uma imperatividade mínima em relação à regulamentação colectiva, passando a ter um valor meramente supletivo, dificilmente poderá ser considerado como respeitador dos parâmetros constitucionais.
A situação da contratação colectiva é indissociável das novas regras estabelecidas pelo Código do Trabalho, mesmo que seja inegável que já antes havia dificuldades e bloqueamentos. Só que, consabidamente, o Código não resolveu os problemas, antes os agravou.
Dados da própria Direcção-Geral de Emprego e das Relações de Trabalho, no período de 1 de Julho a 15 de Agosto de 2005, referem que continuamos a assistir a um aumento do número de convenções colectivas publicadas quando comparado com o período homólogo do ano anterior. Contudo, continuamos ainda a registar valores muito abaixo dos verificados nos anos 2000 a 2003. No que respeita ao número de trabalhadores abrangidos, os valores continuam a ficar muito aquém do desejável.
O perigo de caducidade de convenções colectivas está presente. No mês de Julho caducou já a contratação colectiva nas indústrias têxteis, vestuário e calçado que abrangia mais de 100 000 trabalhadores.
A revogação do Código de Trabalho e da sua regulamentação é uma exigência cidadã.
O recente acordo tripartido alcançado em sede de concertação social colocou em evidência a cedência do governo PS ao patronato, mantendo, no essencial, o Código de Bagão Félix, defraudando o seu próprio programa.
Esse facto é visível na não reposição do "princípio do tratamento mais favorável".
Esse facto é visível quer na admissão da caducidade das convenções quer ao consagrar legalmente a subversão da jurisprudência do tribunal constitucional, quanto à "absorção nos contratos de trabalho existentes à data da caducidade, que reporta para o artigo 557.º do Código de Trabalho, até à entrada em vigor de uma outra convenção colectiva de trabalho ou decisão arbitral" e "quanto à formação dos direitos e deveres em sede dos contratos de trabalho"
A solução encontrada em sede de concertação social, reportando os direitos colectivos para a esfera individual, é, em si, uma solução restritiva e frágil na sua base, visto que estamos entre intervenientes que não são iguais, não protegendo totalmente a "parte mais fraca" numa relação laboral. No acordo alcançado algumas matérias como a retribuição, a duração do tempo de trabalho e categorias profissionais e respectivas definições, são absorvidas nos contratos individuais de trabalho.
No entanto, é preciso realçar que, como diz João Reis in Questões laborais, "a convenção colectiva de trabalho não é constitucionalmente desenhada para ser funcionalizada em ordem a ser incorporada nos contratos individuais". Na ausência de contratação colectiva, os que trabalhem de novo ficarão unicamente abrangidos pelo contrato individual de trabalho. A desregulamentação laboral vigorará em toda a linha.
A solução encontrada em sede de concertação social é também negativa ao continuar a insistir numa proposta que transforma a arbitragem obrigatória num instrumento intolerável de intromissão do poder político na contratação colectiva, totalmente à revelia dos normativos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), atribuindo ao Governo, na pessoa do Ministro do Trabalho, o poder discricionário de promover ou não promover a arbitragem obrigatória.
A solução encontrada em sede de concertação social é redutora ao nada alterar de substancial no que diz respeito ao direito inalienável à greve, a não ser estender a definição de serviços mínimos à administração indirecta do Estado. Desde logo, o âmbito do que se entende por serviços mínimos é alargado de tal forma que nos parece ultrapassar a protecção pretendida pela Constituição, quase se transformando os serviços

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mínimos em serviços máximos e consagra-se que a prestação dos serviços mínimos é efectuada sob a autoridade e direcção do empregador - como se a obrigação de prestar serviços mínimos não fosse uma obrigação legal mas, sim, subordinada ao contrato de trabalho. O governo nada propõe para eliminar a chamada "cláusula de paz social" (artigo 606.º).
Esta "cláusula consiste na renúncia ao exercício do direito à greve em sede de contratação colectiva, o que, claramente, constitui uma ofensa aos direitos fundamentais e constitucionalmente consagrados. O direito à greve é um direito de exercício colectivo e é atribuído individualmente a todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, cabendo apenas às associações sindicais a possibilidade de a declarar. Assim sendo, não nos parece que as associações sindicais possam renunciar a um direito de que não são titulares. Por outro lado, a regulamentação dos serviços mínimos cabe aos sindicatos, tal como defende a OIT, e, contrariamente ao que o Governo defende, estes não podem ser limitados por instrumentos de regulamentação colectiva ou definidos pelo ministro.
O Bloco de Esquerda coloca a necessidade imediata de corrigir a desumanidade mais conservadora das políticas das direitas no código laboral, e reforçar a negociação colectiva nomeadamente quanto:

a) À reintrodução do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, na medida em que este é a parte mais fraca na relação de trabalho;
b) Ao fim da caducidade das convenções colectivas de trabalho, permitindo a manutenção dos direitos dos trabalhadores, até nova convenção;
c) Ao privilégio que tem de ser atribuído à arbitragem voluntária em detrimento da arbitragem obrigatória;
d) Ao direito inalienável à greve, e à competência que cabe apenas às associações sindicais em a declarar e a regulamentar os serviços mínimos;

Assim, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

O presente diploma altera a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, bem como o Código de Trabalho, publicado em anexo, incrementando a negociação e a contratação colectiva e impedindo a caducidade das convenções colectivas.

Artigo 2.º
Altera o Código de Trabalho publicado em anexo à Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto

Os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 532.º, 533.º, 536.º, 537.º, 541.º, 542.º, 544.º, 554.º, 555.º, 556.º, 558.º, 560.º, 563.º, 565.º, 575.º, 578.º, 595.º, 596.º, 598.º, 599.º, 601.º e 604.º do Código do Trabalho, publicado em anexo da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 2.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)

a) (…)
b) (…)
c) (…)

3 - (…)
4 - Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não negociais são o regulamento de extensão e o regulamento de condições mínimas.

Artigo 3.º
(…)

Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não negociais só podem ser emitidos na falta de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho negociais.

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Artigo 4.º
(…)

1 - As fontes de direito superiores prevalecem sobre fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais favorável para o trabalhador.
2 - Quando numa disposição deste diploma se declarar que a mesma pode ser afastada por convenção colectiva de trabalho, entende-se que o não pode ser por cláusula de contrato individual.
3 - (eliminar)

Artigo 532.º
(…)

Os instrumentos de regulamentação colectiva são, sob pena de nulidade, celebrados por escrito e assinados pelos representantes das associações sindicais e, conforme os casos, pelos representantes das associações de empregadores ou das entidades empregadoras interessadas.

Artigo 533.º
(…)

1 - Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem:

a) Limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos;
b) Contrariar as normas imperativas;
c) Incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei;
d) Estabelecer regulamentação das actividades económicas, nomeadamente no tocante aos períodos de funcionamento das empresas, ao regime fiscal e à formação dos preços;
e) Conferir eficácia retroactiva a qualquer das suas cláusulas, salvo tratando-se de cláusulas de natureza pecuniária de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial.

2 - (…)

Artigo 536.º
(…)

1 - Sempre que numa empresa se verifique concorrência de instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis a alguns trabalhadores serão observados os seguintes critérios de prevalência:

a) Sendo um dos instrumentos concorrentes ou um acordo colectivo ou um acordo de empresa, será esse o aplicável;
b) Em todos os outros casos, prevalecerá o instrumento que for considerado, no seu conjunto, mais favorável pelo sindicato representativo do maior número dos trabalhadores em relação aos quais se verifica a concorrência desses instrumentos.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, o sindicato competente deverá comunicar por escrito ao empregador interessado e à Inspecção-Geral do Trabalho, no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor do último dos instrumentos concorrentes, qual o que considera mais favorável.
3 - Caso a faculdade prevista no número anterior não seja exercida pelo sindicato respectivo no prazo consignado, tal faculdade defere-se aos trabalhadores da empresa em relação aos quais se verifique concorrência, que, no prazo de 30 dias, devem, por maioria, escolher o instrumento mais favorável.
4 - (…)
5 - Na ausência de escolha, quer pelos sindicatos quer pelos trabalhadores, será aplicável o instrumento de publicação mais recente.
6 - (…)

Artigo 537.º
(…)

1 - Sempre que existir concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho de natureza não negocial, o regulamento de extensão afasta a aplicação do regulamento de condições mínimas.
2 - Em caso de concorrência entre regulamentos de extensão, aplica-se o que contiver um tratamento mais favorável ao trabalhador.

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Artigo 541.º
(…)

As convenções colectivas de trabalho podem regular:

a) As relações entre as partes outorgantes, nomeadamente no que toca à verificação do cumprimento da convenção e aos meios de resolução de conflitos decorrentes da sua aplicação e revisão;
b) (…)
c) (…)
d) (eliminar)
e) (…)
f) (…)
g) (eliminar)

Artigo 542.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)
6 - A pedido da comissão, pode participar nas reuniões, sem direito a voto, um representante do Ministério que tutela a área laboral.

Artigo 544.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)

a) (…)
b) (…)

3 - A proposta deve ser apresentada na data da denúncia, sob pena de esta não ter validade.
4 - Das propostas, bem como da documentação que deve acompanhá-las, nomeadamente a fundamentação económica, serão enviadas cópias ao Ministério que tutela a área laboral.

Artigo 554.º
(…)

1 - Em caso de desfiliação dos trabalhadores, dos empregadores ou das respectivas associações, dos sujeitos outorgantes, a convenção colectiva aplica-se até à celebração de nova convenção colectiva.
2 - (eliminar)

Artigo 555.º
(…)

1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que vincula o transmitente é aplicável ao adquirente, salvo, se entretanto, outro instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial passar a aplicar-se ao adquirente.
2 - (…)

Artigo 556.º
(…)

1 - As convenções colectivas e as decisões arbitrais vigoram pelo prazo que delas constar expressamente.
2 - A convenção colectiva e a decisão arbitral mantêm-se em vigor até serem substituídas por outro instrumento de regulamentação colectiva.

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Artigo 558.º
(…)

1 - A convenção colectiva pode ser denunciada, no todo ou em parte, por qualquer das entidades que a subscreveram, mediante comunicação escrita dirigida à outra parte, desde que seja acompanhada de uma proposta negocial.
2 - As convenções colectivas não podem ser denunciadas antes de decorridos 10 meses após a data da sua entrada em vigor.
3 - A denúncia pode ser feita a todo o tempo quando:

a) As partes outorgantes acordem no princípio da celebração da convenção substitutiva, em caso de cessão total ou parcial, de uma empresa ou estabelecimento;
b) As partes outorgantes acordem na negociação simultânea da redução da duração e da adaptação da organização do tempo de trabalho.

Artigo 560.º
(…)

1 - (eliminar)
2 - (…).
3 - (…).
4 - (…)

Artigo 563.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - A adesão pode não abranger todo o conteúdo da convenção a que se refere, mas dela não pode resultar modificação desse conteúdo, ainda que destinada a aplicar-se somente no âmbito da entidade aderente.

Artigo 565.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)
6 - Não podem ser árbitros os gerentes, administradores, representantes, empregados, consultores e todos aqueles que tenham interesse financeiro directo nas entidades interessadas na arbitragem ou nas empresas das entidades empregadoras interessadas ou dos associados das organizações interessadas e ainda os cônjuges, parentes e afins em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, adoptantes e adoptados das pessoas indicadas.

Artigo 575.º
(…)

1 - (…).
2 - (…).
3 - Os regulamentos de extensão, salvo referência expressa em contrário, não são aplicáveis às empresas relativamente às quais exista regulamentação colectiva específica.

Artigo 578.º
(…)

Nos casos em que seja inviável o recurso ao regulamento de extensão prevista no artigo anterior, pode ser emitido pelos Ministros responsável pela área laboral e da tutela ou responsável pelo sector de actividade um regulamento de condições mínimas de trabalho sempre que se verifique uma das seguintes condições:

a) Inexistência de associações sindicais ou patronais;
b) Recusa reiterada de uma das partes em negociar;

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c) Prática de actos ou manobras dilatórias que, de qualquer modo, impeçam o andamento normal do processo de negociação.

Artigo 595.º
(…)

1 - As entidades com legitimidade para decidirem o recurso à greve devem dirigir ao empregador ou à associação de empregadores e ao Ministério responsável pela área laboral por meios idóneos, nomeadamente por escrito ou através dos meios de comunicação social, um aviso prévio, com o prazo mínimo de cinco dias.
2 - Para os casos previstos no n.º 2 do artigo 598.º, o prazo de aviso prévio é de 10 dias.
3 - (eliminar)

Artigo 596.º
(…)

1 - (…)
2 - (eliminar)

Artigo 598.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (eliminar)
h) (eliminar)
i) (eliminar)
j) Transportes, cargas e descargas de animais e géneros alimentares deterioráveis.

3 - (…)

Artigo 599.º
(…)

1 - Compete às associações sindicais e trabalhadores definir e organizar o processo de prestação de serviços mínimos.
2 - (eliminar)
3 - (eliminar)
4 - (eliminar)
5 - (eliminar)
6 - (eliminar)
7 - (eliminar)

Artigo 601.º
(…)

No caso de não cumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos, sem prejuízo dos efeitos gerais, o Governo pode determinar a requisição ou mobilização, nos termos previstos na legislação aplicável.

Artigo 604.º
(…)

1 - (…)
2 - (eliminar)"

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Artigo 3.º
Norma revogatória

1 - São revogados os artigos 13.º, 14.º, 15.º e 17.º da Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto.
2 - São revogados os artigos 5.º, 531.º, 557.º, 559.º, 567.º, 568.º, 569.º, 570.º, 571.º, 572.º, 589.º, 600.º e 606.º do Código do Trabalho, publicado em anexo à Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto.
3 - São revogados os artigos 406.º a 449.º da regulamentação do Código do Trabalho, aprovada pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.

Artigo 4.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 12 de Outubro de 2005.
As Deputadas e os Deputados do BE: Luís Fazenda - Mariana Aiveca - Helena Pinto - Ana Drago - João Teixeira Lopes.

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PROPOSTA DE LEI N.º 39/X
AUTORIZA O GOVERNO A LEGISLAR EM MATÉRIA DE DIREITOS DOS CONSUMIDORES DE SERVIÇOS FINANCEIROS, COMUNICAÇÕES COMERCIAIS NÃO SOLICITADAS, ILÍCITOS DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL NO ÂMBITO DA COMERCIALIZAÇÃO À DISTÂNCIA DE SERVIÇOS FINANCEIROS E SUBMISSÃO DE LITÍGIOS EMERGENTES DA PRESTAÇÃO A CONSUMIDORES DE SERVIÇOS FINANCEIROS À DISTÂNCIA A ENTIDADES NÃO JURISDICIONAIS DE COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS, A FIM DE TRANSPOR PARA A ORDEM JURÍDICA INTERNA A DIRECTIVA N.º 2002/65/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 23 DE SETEMBRO DE 2002, RELATIVA À COMERCIALIZAÇÃO À DISTÂNCIA DE SERVIÇOS FINANCEIROS PRESTADOS A CONSUMIDORES

Exposição de motivos

Com a presente proposta de lei visa o Governo obter autorização da Assembleia da República para, no âmbito da comercialização à distância de serviços financeiros, legislar em matéria de direitos dos consumidores de serviços financeiros, comunicações não solicitadas, mecanismos extrajudiciais de resolução de litígios e ilícitos de mera ordenação social verificados neste âmbito, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Directivas n.º 90/619/CEE, do Conselho, n.º 97/7/CE e n.º 98/27/CE, por sua vez alterada pela Directiva n.º 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno.
O regime a aprovar resultante da transposição desta Directiva permitirá dar resposta e colmatar uma lacuna até à data existente no ordenamento jurídico português, uma vez que a forma de contratar à distância é especialmente adequada aos serviços financeiros, atendendo ao seu carácter significativamente desmaterializado. Tal é principalmente conseguido através de especiais direitos a informação pré-contratual e contratual consagrados a favor dos consumidores, nomeadamente no que diz respeito à identidade e actividade do prestador, às características do serviço financeiro a prestar, aos termos do contrato a celebrar e à existência de mecanismos de protecção dos consumidores. Pretende-se, por esta via, dotar o consumidor de todos os elementos necessários à correcta formação da decisão de contratar.
Aquele objectivo é também prosseguido por via da consagração do instituto da livre resolução do contrato celebrado à distância, o qual, à semelhança do que já sucede no âmbito de outros contratos de consumo e no regime geral da contratação à distância, passa a ser susceptível de exercício em relação a determinados serviços financeiros. Estas matérias, respeitando à protecção de direitos e à consagração de garantias dos consumidores, configuram um regime que deve enquadrar-se entre os direitos que revestem natureza equiparada à dos direitos, liberdades e garantias e, por isso, estão sujeitas a autorização legislativa da Assembleia da República.
Outra matéria a motivar a necessidade da presente autorização legislativa respeita às comunicações não solicitadas. Reconhecendo-se que a transmissão destas comunicações pode ser inconveniente para os consumidores e perturbar o bom funcionamento das redes interactivas, concede-se, pela presente lei, autorização ao Governo para, na esteira de soluções já instituídas para outros sectores de actividade, aprovar, relativamente aos serviços financeiros, o regime de acordo com o qual a utilização de sistemas automatizados de chamada sem intervenção humana (aparelhos de chamada automáticos), de aparelhos de fax ou de correio electrónico, para fins de comercialização directa, apenas poderá ser autorizada em relação a pessoas que

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tenham dado o seu consentimento prévio. O Governo fica, nesta matéria, autorizado a legislar no sentido da chamada "opção de entrada", isto é, consagrando a solução de acordo com a qual o envio de mensagem depende de uma manifestação expressa de vontade do destinatário em aceitá-la. Trata-se de proteger a esfera privada dos consumidores face a publicidade, ou mensagens de outra natureza, que não desejam receber.
Incluiu-se, ainda, na presente autorização legislativa o regime sancionatório aplicável à violação das normas que regulam a comercialização à distância de serviços financeiros com a possibilidade de elevação dos montantes máximos legalmente previstos e de aplicação de determinadas sanções acessórias. Prevê-se igualmente a possibilidade de o Governo adaptar o regime geral das contra-ordenações às especificidades da contratação à distância, nomeadamente no tocante à responsabilidade da pessoa colectiva e seus agentes, à responsabilização sob a forma de negligência e a título de tentativa e à impugnação judicial, revisão e execução de decisões proferidas em processos de contra-ordenação instaurados.
Por fim, cabe ainda no âmbito da presente lei autorização para o Governo legislar em matéria de submissão dos litígios relativos a comercialização à distância de serviços financeiros a mecanismos extrajudiciais que, para essa resolução, venham a ser criados.
Foram ouvidos a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, o Instituto de Seguros de Portugal, o Banco de Portugal, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, a Associação Portuguesa de Bancos, a Associação Portuguesa de Seguradores, a Associação Portuguesa de Sociedades Corretoras e Financeiras de Corretagem, a Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios, a Associação de Sociedades Financeiras para Aquisições a Crédito, a Federação Nacional das Cooperativas de Consumo e o Conselho Nacional do Consumo.
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º
Objecto

É concedida ao Governo autorização legislativa para, no âmbito da comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores, definir o regime dos ilícitos de mera ordenação social, consagrar direitos dos consumidores de serviços financeiros, prever o regime aplicável às comunicações não solicitadas e prever a submissão de litígios emergentes da prestação de serviços financeiros à distância a consumidores a mecanismos extrajudiciais de resolução de litígios.

Artigo 2.º
Âmbito

No âmbito da autorização legislativa concedida pelo artigo anterior, fica o Governo autorizado a, nos termos dos artigos seguintes:

a) Criar os ilícitos de mera ordenação social, as sanções e as regras gerais, de natureza substantiva e processual, que se revelem adequadas a garantir o respeito pelas normas legais que disciplinam a comercialização à distância de serviços financeiros;
b) Consagrar direitos dos consumidores na comercialização à distância de serviços financeiros;
c) Prever o regime aplicável às comunicações efectuadas pelos prestadores de serviços financeiros não solicitadas pelos consumidores;
d) Prever a submissão dos litígios emergentes da prestação a consumidores de serviços financeiros à distância aos meios extrajudiciais de resolução de litígios que, para o efeito, venham a ser criados.

Artigo 3.º
Sentido e extensão da autorização legislativa quanto ao regime dos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções

1 - No uso da autorização legislativa conferida pela alínea a) do artigo anterior fica o Governo autorizado a determinar que a violação das normas que regulam a comercialização à distância de serviços financeiros seja sancionada com as coimas e sanções acessórias descritas neste diploma.
2 - O limite máximo das coimas pode ser elevado a 1 500 000,00 euros, quando a coima for aplicável a uma pessoa colectiva ou a 750 000,00 euros, quando a coima for aplicável a uma pessoa singular.
3 - Conjuntamente com a coima, fica o Governo autorizado a estabelecer para os ilícitos de mera ordenação social que tipificar a aplicação cumulativa com as sanções principais das seguintes sanções acessórias, em função da gravidade da infracção e da culpa do agente:

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a) Apreensão e perda do objecto da infracção, incluindo o produto do benefício económico obtido pelo infractor através da sua prática;
b) Interdição do exercício da profissão ou da actividade a que a contra-ordenação respeita, por um período até três anos;
c) Inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, chefia e fiscalização em pessoas colectivas que sejam prestadoras de serviços financeiros, por um período até três anos;
d) Publicação da punição definitiva, a expensas do infractor, num jornal de larga difusão na localidade da sede ou do estabelecimento permanente do infractor ou, se este for uma pessoa singular, na da sua residência.

4 - O Governo pode adaptar o regime geral das contra-ordenações às particularidades da comercialização de serviços financeiros à distância, no sentido de:

a) Estabelecer um regime específico de responsabilidade quanto à actuação em nome ou por conta de outrem, nomeadamente no sentido de:

i) A responsabilidade da pessoa colectiva não precludir a responsabilidade individual dos respectivos agentes;
ii) Não obstar à responsabilidade individual dos agentes a circunstância de o tipo legal da infracção exigir determinados elementos pessoais e estes só se verificarem na pessoa colectiva, ou exigir que o agente pratique o facto no seu interesse, tendo aquele actuado no interesse de outrem;
iii) A invalidade e a ineficácia jurídicas dos actos em que se funde a relação entre o agente individual e o ente colectivo não obstarem a que seja aplicado o disposto nas subalíneas anteriores.

b) Determinar o cumprimento do dever violado nas infracções por omissão, não obstante o pagamento da coima ou o cumprimento das sanções acessórias, podendo o infractor ser sujeito à injunção de cumprir o dever omitido.

5 - O Governo pode adaptar as regras de processo previstas no regime geral das contra-ordenações no tocante à impugnação judicial, revisão e execução das decisões proferidas em processos de contra-ordenação instaurados, no sentido de ser estabelecida uma norma especial relativa ao tribunal competente para conhecer o recurso de impugnação das decisões proferidas.
6 - O Governo fica autorizado a determinar a aplicação subsidiária do regime sancionatório sectorial da autoridade administrativa que for competente nos termos da concretização do número anterior.

Artigo 4.º
Sentido e extensão da autorização legislativa quanto a direitos dos consumidores

No uso da autorização legislativa conferida pela alínea b) do artigo 2.º fica o Governo autorizado a consagrar, a favor dos consumidores de serviços financeiros prestados à distância, especiais direitos à informação pré-contratual e contratual, assim como o direito à livre resolução de contratos, designadamente:

a) Assegurando que a informação a prestar deve incluir informação relativa ao prestador do serviço, ao serviço financeiro e ao contrato;
b) Garantindo que deve ser prestada ao consumidor informação relativa aos mecanismos de protecção, designadamente no que respeita a:

i) Sistemas de indemnização aos investidores e de garantia de depósitos;
ii) Existência ou inexistência de meios extrajudiciais de resolução de litígios e respectivo modo de acesso.

c) Prevendo que, quando o contacto com o consumidor seja estabelecido por telefonia vocal, o prestador deve indicar inequivocamente, no início da comunicação, a sua identidade e o objectivo comercial do contacto;
d) Estabelecendo que o consumidor tem o direito de resolver livremente o contrato à distância num prazo limite de 14 dias, ou de 30 dias no caso dos contratos de seguro de vida e relativos à adesão individual a fundos de pensões abertos, sem necessidade de indicação do motivo nem havendo lugar a qualquer indemnização ou penalização.

Artigo 5.º
Sentido e extensão da autorização legislativa quanto às comunicações não solicitadas

No uso da autorização legislativa conferida pela alínea c) do artigo 2.º fica o Governo autorizado a:

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a) Estabelecer que o envio de mensagens cuja recepção seja independente da intervenção do destinatário, nomeadamente por via de sistemas automatizados de chamada, por telecópia ou por correio electrónico, carece do consentimento prévio do consumidor;
b) Prever que o envio de mensagens mediante a utilização de outros meios de comunicação à distância que permitam uma comunicação individual apenas pode ter lugar quando não haja oposição manifestada pelo consumidor nos termos previstos em legislação ou regulamentação especial.

Artigo 6.º
Sentido e extensão da autorização legislativa quanto à submissão dos litígios a mecanismos extrajudiciais de resolução

No uso da autorização legislativa conferida pela alínea d) do artigo 2.º fica o Governo autorizado a prever a submissão dos litígios emergentes da prestação de serviços financeiros à distância a consumidores aos meios extrajudiciais de resolução de litígios que, para o efeito, venham a ser criados bem como, no caso desses litígios terem carácter transfronteiriço, o dever da entidade responsável por essa resolução cooperar com as entidades dos outros Estados-membros, que desempenhem funções análogas.

Artigo 7.°
Duração

A autorização concedida pela presente lei tem a duração de 120 dias.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 6 de Outubro de 2005.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - O Ministro da Presidência, Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira - O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Ernesto Santos Silva.

Anexo

Projecto de Decreto-Lei

O Decreto-Lei n.° 143/2001, de 26 de Abril, procedeu à transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva n.º 97/7/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos celebrados à distância, estabelecendo o regime jurídico aplicável aos contratos celebrados à distância com consumidores relativos à generalidade dos bens e serviços. Contudo, os serviços financeiros foram expressamente excluídos do âmbito de aplicação daquele diploma, pelo que surge a necessidade de consagração de um regime específico para os contratos à distância relativos a serviços financeiros. De facto, pretende-se que a utilização de técnicas de comunicação à distância não conduza a uma limitação indevida da informação prestada ao consumidor, fixando-se os requisitos de informação pré-contratual e após a celebração do contrato a que fica obrigado o prestador do serviço financeiro. O presente diploma vem, assim, transpor para a ordem jurídica portuguesa a Directiva n.º 2002/65/CE, de 23 de Setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores.
Por um lado, o presente diploma introduz deveres de informação pré-contratual específicos para os prestadores de serviços financeiros à distância, sem prejuízo de impor a estes que essa informação, e os termos do contrato, seja depois comunicada em papel, ou noutros suporte duradouro, ao consumidor antes de este ficar vinculado pelo contrato. Por suporte duradouro entende-se, nomeadamente, disquetes informáticas, CD-ROM, DVD, bem como o disco duro do computador que armazene o correio electrónico.
Por outro lado, o consumidor tem o direito de resolver, num determinado prazo, o contrato celebrado à distância, sem necessidade de invocar qualquer causa que justifique essa resolução e sem que haja lugar, por isso, a qualquer penalização do consumidor. Este direito de livre resolução em nada prejudica a aplicação do regime geral de resolução de contratos. O direito de livre resolução não é, contudo, aplicável a algumas situações, designadamente quando o contrato implica a prestação de serviços financeiros que incidem sobre instrumentos cujo preço dependa de flutuações do mercado, tais como os serviços relacionados com operações cambiais, instrumentos do mercado monetário, valores mobiliários, unidades de participação em organismos de investimento colectivo, futuros sobre instrumentos financeiros, incluindo instrumentos equivalentes que dêem origem a uma liquidação em dinheiro, contratos a prazo relativos a taxas de juro, swaps de taxa de juro, de divisas ou de fluxos ligados a acções ou índices de acções, opções de compra ou de venda de qualquer dos instrumentos referidos, incluindo os instrumentos equivalentes que dêem origem a uma liquidação em dinheiro.
Sem prejuízo do direito de livre resolução, o consumidor pode solicitar, antes do prazo de livre resolução, o início da execução do contrato, ficando, nesse caso, obrigado ao pagamento dos serviços efectivamente prestados. Considera-se, por exemplo, que no caso de ter sido celebrado um contrato de aquisição de cartão de crédito a utilização do cartão pelo consumidor corresponde a um pedido de início de execução do contrato.

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Para se assegurar uma maior protecção do consumidor português prevê-se agora a obrigatoriedade de utilização da língua portuguesa em toda a informação que lhe é dirigida, que só pode ser dispensada com o seu consentimento expresso. Procurou-se ainda proteger o consumidor face a serviços ou comunicações não solicitados.
Por seu turno, quando o contrato celebrado é um contrato de execução continuada, designadamente um contrato de abertura de conta bancária, de gestão de carteira, de registo e depósito ou de aquisição de um cartão de crédito, que implica a subsequente realização de operações de execução, o presente diploma aplica-se apenas ao contrato-quadro e não à execução de cada operação sucessiva feita no âmbito desse contrato. A título meramente exemplificativo refira-se que a subscrição de novas unidades de participação do mesmo fundo de investimento colectivo é considerada uma operação sucessiva da mesma natureza.
Foram ouvidos a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, o Instituto de Seguros de Portugal, o Banco de Portugal, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, a Associação Portuguesa de Bancos, a Associação Portuguesa de Seguradores, a Associação Portuguesa de Sociedades Corretoras e Financeiras de Corretagem, a Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios, a Associação de Sociedades Financeiras para Aquisições a Crédito, o Conselho Nacional do Consumo e a Federação Nacional das Cooperativas de Consumo.
Assim, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo (…) da Lei n.° (…/2005, de…, e nos termos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 198.° da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Título I
Disposições gerais

Capítulo I
Objecto e âmbito

Artigo 1.º
Objecto

1 - O presente decreto-lei estabelece o regime aplicável à informação pré-contratual e aos contratos relativos a serviços financeiros prestados a consumidores através de meios de comunicação à distância, pelos prestadores autorizados a exercer a sua actividade em Portugal.
2 - O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores e que altera as Directivas n.º 90/619/CEE, do Conselho, n.º 97/7/CE e n.º 98/27/CE, por sua vez alterada pela Directiva n.º 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno.

Artigo 2.º
Definições

Para efeitos do presente decreto-lei, considera-se:

a) "Contrato à distância", qualquer contrato cuja formação e conclusão sejam efectuadas exclusivamente através de meios de comunicação à distância, que se integrem num sistema de venda ou prestação de serviços organizado com esse objectivo pelo prestador;
b) "Meio de comunicação à distância", qualquer meio de comunicação que possa ser utilizado sem a presença física e simultânea do prestador e do consumidor;
c) "Serviços financeiros", qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de investimento ou de pagamento e os relacionados com a adesão individual a fundos de pensões abertos;
d) "Prestador de serviços financeiros", as instituições de crédito e sociedades financeiras, os intermediários financeiros em valores mobiliários, as empresas de seguros e resseguros, os mediadores de seguros e as sociedades gestoras de fundos de pensões;
e) "Consumidor", qualquer pessoa singular que, nos contratos à distância, actue de acordo com objectivos que não se integrem no âmbito da sua actividade comercial ou profissional.

Artigo 3.º
Intermediários de serviços financeiros

As disposições do presente decreto-lei aplicáveis aos prestadores de serviços financeiros são extensíveis, com as devidas adaptações, aos intermediários que actuem por conta daqueles, independentemente do seu estatuto jurídico e de estarem, ou não, dotados de poderes de representação.

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Artigo 4.º
Contratos de execução continuada

1 - Nos contratos que compreendam um acordo inicial de prestação do serviço financeiro e a subsequente realização de operações de execução continuada as disposições do presente decreto-lei aplicam-se apenas ao acordo inicial.
2 - Quando não exista um acordo inicial de prestação do serviço financeiro, mas este se traduza na realização de operações de execução continuada, os artigos 13.° a 18.° aplicam-se apenas à primeira daquelas operações.
3 - Sempre que decorra um período superior a um ano entre as operações referidas no número anterior, os artigos 13.° a 18.° são aplicáveis à primeira operação realizada após tal intervalo de tempo.

Artigo 5.º
Irrenunciabilidade

O consumidor não pode renunciar aos direitos que lhe são conferidos pelo presente decreto-lei.

Capítulo II
Utilização de meios de comunicação à distância

Artigo 6.º
Alteração do meio de comunicação à distância

O consumidor pode, em qualquer momento da relação contratual, alterar o meio de comunicação à distância utilizado, desde que essa alteração seja compatível com o contrato celebrado ou com a natureza do serviço financeiro prestado.

Artigo 7.º
Serviços financeiros não solicitados

1 - É proibida a prestação de serviços financeiros à distância que incluam um pedido de pagamento, imediato ou diferido, ao consumidor que os não tenha prévia e expressamente solicitado.
2 - O consumidor a quem sejam prestados serviços financeiros não solicitados não fica sujeito a qualquer obrigação relativamente a esses serviços, nomeadamente de pagamento, considerando-se os serviços prestados a título gratuito.
3 - O silêncio do consumidor não vale como consentimento para efeitos do número anterior.
4 - O disposto nos números anteriores não prejudica o regime da renovação tácita dos contratos.

Artigo 8.º
Comunicações não solicitadas

1 - O envio de mensagens cuja recepção seja independente da intervenção do destinatário, nomeadamente por via de sistemas automatizados de chamada, por telecópia ou por correio electrónico, carece do consentimento prévio do consumidor.
2 - O envio de mensagens mediante a utilização de outros meios de comunicação à distância que permitam uma comunicação individual apenas pode ter lugar quando não haja oposição do consumidor manifestada nos termos previstos em legislação ou regulamentação especiais.
3 - As comunicações a que se referem os números anteriores, bem como a emissão ou recusa de consentimento prévio, não podem gerar quaisquer custos para o consumidor.

Artigo 9.º
Idioma

1 - Sempre que o consumidor seja português a informação pré-contratual, os termos do contrato à distância e todas as demais comunicações relativas ao contrato são efectuadas em língua portuguesa, excepto quando o consumidor aceite a utilização de outro idioma.
2 - Nas demais situações o prestador deve indicar ao consumidor o idioma ou idiomas em que é transmitida a informação pré-contratual e os termos do contrato à distância, e em que são efectuadas as demais comunicações relativas ao contrato.

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Artigo 10.º
Ónus da prova

1 - A prova do cumprimento da obrigação de informação ao consumidor, assim como do consentimento deste em relação à celebração do contrato, e, sendo caso disso, à sua execução, compete ao prestador.
2 - São proibidas as cláusulas que determinem que cabe ao consumidor o ónus da prova do cumprimento da totalidade ou de parte das obrigações do prestador referidas no número anterior.

Título II
Informação pré-contratual

Artigo 11.º
Forma e momento da prestação da informação

1 - A informação constante do presente título e os termos do contrato devem ser comunicados em papel ou noutro suporte duradouro disponível e acessível ao consumidor, em tempo útil e antes de este ficar vinculado por uma proposta ou por um contrato à distância.
2 - Considera-se suporte duradouro aquele que permita armazenar a informação dirigida pessoalmente ao consumidor, possibilitando no futuro, durante o período de tempo adequado aos fins a que a informação se destina, um acesso fácil à mesma e a sua reprodução inalterada.
3 - Se a iniciativa da celebração do contrato partir do consumidor e o meio de comunicação à distância escolhido por este não permitir a transmissão da informação e dos termos do contrato de acordo com o n.º 1 do presente artigo, o prestador deve cumprir estas obrigações imediatamente após a celebração do mesmo.
4 - O consumidor pode, a qualquer momento da relação contratual, exigir que lhe sejam fornecidos os termos do contrato em suporte de papel.

Artigo 12.º
Clareza da informação

A informação constante do presente título deve identificar os objectivos comerciais do prestador de modo inequívoco e ser prestada de modo claro e perceptível, de forma adaptada ao meio de comunicação à distância utilizado e com observância dos princípios da boa fé.

Artigo 13.º
Informação relativa ao prestador de serviços

Deve ser prestada ao consumidor a seguinte informação relativa ao prestador do serviço:

a) Identidade e actividade principal do prestador, sede ou domicílio profissional onde se encontra estabelecido e qualquer outro endereço geográfico relevante para as relações com o consumidor;
b) Identidade do eventual representante do prestador no Estado-membro da União Europeia de residência do consumidor e endereço geográfico relevante para as relações do consumidor com o representante;
c) Identidade do profissional diferente do prestador com quem o consumidor tenha relações comerciais, se existir, a qualidade em que este se relaciona com o consumidor e o endereço geográfico relevante para as relações do consumidor com esse profissional;
d) Número de matrícula na Conservatória do Registo Comercial ou outro registo público equivalente no qual o prestador se encontre inscrito com indicação do respectivo número de registo ou forma de identificação equivalente nesse registo;
e) Indicação da sujeição da actividade do prestador a um regime de autorização necessário e identificação da respectiva autoridade de supervisão.

Artigo 14.º
Informação relativa ao serviço financeiro

Deve ser prestada ao consumidor a seguinte informação sobre o serviço financeiro:

a) Descrição das principais características do serviço financeiro;
b) Preço total devido pelo consumidor ao prestador pelo serviço financeiro, incluindo o conjunto das comissões, encargos e despesas inerentes e todos os impostos pagos através do prestador ou, não podendo ser indicado um preço exacto, a base de cálculo do preço que permita a sua verificação pelo consumidor;
c) Indicação da eventual existência de outros impostos ou custos que não sejam pagos através do prestador ou por ele facturados;
d) Custos adicionais decorrentes, para o consumidor, da utilização de meios de comunicação à distância, quando estes custos adicionais sejam facturados;

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e) Período de validade das informações prestadas;
f) Instruções relativas ao pagamento;
g) Indicação de que o serviço financeiro está ligado a instrumentos que impliquem riscos especiais relacionados com as suas características ou com as operações a executar;
h) Indicação de que o preço depende de flutuações dos mercados financeiros fora do controlo do prestador e que os resultados passados não são indicativos dos resultados futuros.

Artigo 15.º
Informação relativa ao contrato

1 - Deve ser prestada ao consumidor a seguinte informação relativa ao contrato à distância:

a) A existência ou inexistência do direito de livre resolução previsto no artigo 19.°, com indicação da respectiva duração, das condições de exercício, do montante que pode ser exigido ao consumidor nos termos dos artigos 24.° e 25.° e das consequências do não exercício de tal direito;
b) As instruções sobre o exercício do direito de livre resolução, designadamente quanto ao endereço, geográfico ou electrónico, para onde deve ser enviada a notificação desta;
c) A indicação do Estado-membro da União Europeia ao abrigo de cuja lei o prestador estabelece relações com o consumidor antes da celebração do contrato à distância;
d) A duração mínima do contrato à distância, tratando-se de contratos de execução permanente ou periódica;
e) Os direitos das partes em matéria de resolução antecipada ou unilateral do contrato à distância, incluindo as eventuais penalizações daí decorrentes;
f) A lei aplicável ao contrato à distância e o tribunal competente previstos nas cláusulas contratuais.

2 - A informação sobre obrigações contratuais a comunicar ao consumidor na fase pré-contratual deve ser conforme à lei presumivelmente aplicável ao contrato à distância.

Artigo 16.º
Informação sobre mecanismos de protecção

Deve ser prestada ao consumidor informação relativa aos seguintes mecanismos de protecção:

a) Sistemas de indemnização aos investidores e de garantia de depósitos;
b) Existência ou inexistência de meios extrajudiciais de resolução de litígios e respectivo modo de acesso.

Artigo 17.°
Informação adicional

O disposto no presente título não prejudica os requisitos de informação prévia adicional previstos na legislação reguladora dos serviços financeiros, a qual deve ser prestada nos termos do n.° 1 do artigo 11.°

Artigo 18.°
Comunicações por telefonia vocal

1 - Quando o contacto com o consumidor seja estabelecido por telefonia vocal, o prestador deve indicar inequivocamente, no início da comunicação, a sua identidade e o objectivo comercial do contacto.
2 - Perante o consentimento expresso do consumidor, o prestador apenas está obrigado à transmissão da seguinte informação:

a) Identidade da pessoa que contacta com o consumidor e a sua relação com o prestador;
b) Descrição das principais características do serviço financeiro;
c) Preço total a pagar ao prestador pelo serviço financeiro, incluindo todos os impostos pagos através do prestador ou, quando não possa ser indicado um preço exacto, a base para o cálculo do preço que permita a sua verificação pelo consumidor;
d) Indicação da eventual existência de outros impostos ou custos que não sejam pagos através do prestador ou por ele facturados;
e) Existência ou inexistência do direito de livre resolução previsto no artigo 19.°, com indicação, quando o mesmo exista, da respectiva duração, das condições de exercício e do montante que pode ser exigido ao consumidor nos termos dos artigos 24.° e 25.°.

3 - O prestador deve ainda comunicar ao consumidor a existência de outras informações e respectiva natureza que, nesse momento, lhe podem ser prestadas, caso este o pretenda.

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4 - O disposto nos números anteriores não prejudica o dever do prestador transmitir posteriormente ao consumidor toda a informação prevista no presente título, nos termos do artigo 11.°.

Título III
Direito de livre resolução

Artigo 19.°
Livre resolução

O consumidor tem o direito de resolver livremente o contrato à distância, sem necessidade de indicação do motivo e sem que possa haver lugar a qualquer indemnização ou penalização.

Artigo 20.º
Prazo

1 - O prazo de exercício do direito de livre resolução é de 14 dias, excepto para contratos de seguro de vida e relativos à adesão individual a fundos de pensões abertos, em que o prazo é de 30 dias.
2 - O prazo para o exercício do direito de livre resolução conta-se a partir da data da celebração do contrato à distância, ou da data da recepção, pelo consumidor, dos termos do mesmo e das informações, de acordo com o n.º 3 do artigo 11.°, se esta for posterior.
3 - No caso de contrato à distância relativo a seguro de vida, o prazo para a livre resolução conta-se a partir da data em que o tomador for informado da celebração do mesmo.

Artigo 21.º
Exercício

1 - A livre resolução deve ser notificada ao prestador por meio susceptível de prova e de acordo com as instruções prestadas nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 15.°.
2 - A notificação feita em suporte de papel ou outro meio duradouro disponível e acessível ao destinatário considera-se tempestivamente efectuada se for enviada até ao último dia do prazo, inclusive.

Artigo 22.º
Excepções

O direito de livre resolução previsto neste decreto-lei não é aplicável às seguintes situações:

a) Prestação de serviços financeiros que incidam sobre instrumentos cujo preço dependa de flutuações do mercado, insusceptíveis de controlo pelo prestador e que possam ocorrer no período de livre resolução;
b) Seguros de viagem e de bagagem;
c) Seguros de curto prazo, de duração inferior a um mês;
d) Contratos de crédito destinados à aquisição, construção, conservação ou à beneficiação de bens imóveis;
e) Contratos de crédito garantidos por direito real que onere bens imóveis;
f) Contratos de crédito para financiamento, total ou parcial, do custo de aquisição de um bem ou serviço cujo fornecedor tenha um acordo com o prestador do serviço financeiro, sempre que ocorra a resolução do contrato de crédito, nos termos do n.º 3 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.º 143/2001, de 26 de Abril;
g) Contratos de crédito para financiamento, total ou parcial, do custo de aquisição de um direito de utilização a tempo parcial de bens imóveis, cujo vendedor tenha um acordo com o prestador do serviço financeiro, sempre que ocorra a resolução do contrato de crédito nos termos do n.º 6 do artigo 16.º e do n.º 2 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto.

Artigo 23.º
Caducidade pelo não exercício

O direito de livre resolução caduca quando o contrato tiver sido integralmente cumprido, a pedido expresso do consumidor, antes de esgotado o prazo para o respectivo exercício.

Artigo 24.º
Efeitos do exercício do direito de livre resolução

1 - O exercício do direito de livre resolução extingue as obrigações e direitos decorrentes do contrato ou operação, com efeitos a partir da sua celebração.
2 - Nos casos em que prestador tenha recebido quaisquer quantias a título de pagamento dos serviços fica obrigado a restituí-las ao consumidor no prazo de 30 dias, contados da recepção da notificação da livre resolução.

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3 - O consumidor restitui ao prestador quaisquer quantias ou bens dele recebidos no prazo de 30 dias, contados do envio da notificação da livre resolução.
4 - O disposto nos números anteriores e no artigo seguinte não prejudica o regime do direito de renúncia previsto para os contratos de seguros e de adesão individual a fundos de pensões abertos.

Artigo 25.°
Início da execução do contrato no prazo de livre resolução

1 - O consumidor não está obrigado ao pagamento correspondente ao serviço efectivamente prestado antes do termo do prazo de livre resolução.
2 - Exceptuam-se os casos em que o consumidor tenha pedido o início da execução do contrato antes do termo do prazo de livre resolução, caso em que o consumidor está obrigado a pagar ao prestador, no mais curto prazo possível, o valor dos serviços efectivamente prestados em montante não superior ao valor proporcional dos mesmos no quadro das operações contratadas.
3 - O pagamento referido no número anterior só pode ser exigido caso o prestador prove que informou o consumidor do montante a pagar, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 15.°.

Título IV
Fiscalização

Artigo 26.°
Entidades competentes

1 - O Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e o Instituto de Seguros de Portugal são competentes, no âmbito das respectivas atribuições, para a fiscalização do cumprimento das normas do presente decreto-lei.
2 - O disposto no número anterior não prejudica as atribuições próprias do Instituto do Consumidor em matéria de publicidade.

Artigo 27.°
Legitimidade activa

Sem prejuízo das competências do Ministério Público no âmbito da acção inibitória, podem requerer a apreciação da conformidade da actuação de um prestador de serviços financeiros à distância com o presente decreto-lei, judicialmente ou perante a entidade competente, para além dos consumidores, as seguintes entidades:

a) Entidades públicas;
b) Organizações de defesa de consumidores, incluindo associações de defesa de investidores;
c) Organizações profissionais que tenham um interesse legítimo em agir.

Artigo 28.°
Prestadores de meios de comunicação à distância

1 - Os prestadores de meios de comunicação à distância devem pôr termo às práticas declaradas desconformes com o presente decreto-lei pelos tribunais ou entidades competentes e que por estes lhes tenham sido notificadas.
2 - São prestadores de meios de comunicação à distância as pessoas singulares ou colectivas, privadas ou públicas, cuja actividade comercial ou profissional consista em pôr à disposição dos prestadores de serviços financeiros à distância um ou mais meios de comunicação à distância.

Artigo 29.°
Resolução extrajudicial de litígios

1 - Os litígios emergentes da prestação à distância de serviços financeiros a consumidores podem ser submetidos aos meios extrajudiciais de resolução de litígios que, para o efeito, venham a ser criados.
2 - A entidade responsável pela resolução extrajudicial dos litígios referidos no número anterior deve, sempre que o litígio tenha carácter transfronteiriço, cooperar com as entidades dos outros Estados-membros da União Europeia que desempenhem funções análogas.

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Título V
Regime sancionatório

Capítulo I
Disposições gerais

Artigo 30.º
Responsabilidade

1 - Pela prática das contra-ordenações previstas no presente título podem ser responsabilizados, conjuntamente ou não, pessoas singulares ou colectivas, ainda que irregularmente constituídas.
2 - As pessoas colectivas são responsáveis pelas contra-ordenações previstas neste título quando os factos tiverem sido praticados, no exercício das respectivas funções ou em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores.
3 - A responsabilidade da pessoa colectiva não preclude a responsabilidade individual dos respectivos agentes.
4 - Não obsta à responsabilidade individual dos agentes a circunstância de o tipo legal da infracção exigir determinados elementos pessoais e estes só se verificarem na pessoa colectiva, ou exigir que o agente pratique o facto no seu interesse, tendo aquele actuado no interesse de outrem.
5 - A invalidade e a ineficácia jurídicas dos actos em que se funde a relação entre o agente individual e a pessoa colectiva não obstam a que seja aplicado o disposto nos números anteriores.

Artigo 31.º
Tentativa e negligência

1 - A tentativa e a negligência são sempre puníveis.
2 - A sanção da tentativa é a do ilícito consumado, especialmente atenuada.
3 - Em caso de negligência, os limites máximos e mínimos da coima são reduzidos a metade.
4 - A atenuação da responsabilidade do agente individual nos termos dos números anteriores comunica-se à pessoa colectiva.

Artigo 32.°
Cumprimento do dever omitido

1 - Sempre que o ilícito de mera ordenação social resulte da omissão de um dever, a aplicação da sanção e o pagamento da coima não dispensam o infractor do seu cumprimento, se este ainda for possível.
2 - O infractor pode ser sujeito à injunção de cumprir o dever omitido.

Artigo 33.°
Prescrição

1 - O procedimento pelos ilícitos de mera ordenação social previstos neste decreto-lei prescreve no prazo de cinco anos, nos termos do regime geral dos ilícitos de mera ordenação social.
2 - As sanções prescrevem no prazo de cinco anos, a contar do dia em que a decisão administrativa se tornar definitiva ou do dia em que a decisão judicial transitar em julgado.

Artigo 34.°
Direito subsidiário

Em tudo o que não se encontrar especialmente previsto no presente título é subsidiariamente aplicável o disposto no regime sancionatório do sector financeiro em que o ilícito foi praticado e, quando tal se revelar necessário, no regime geral dos ilícitos de mera ordenação social.

Capítulo II
Ilícitos de mera ordenação social

Artigo 35.°
Contra-ordenações

Constituem contra-ordenação, punível com coima de € 2500 a € 1 500 000, se praticada por pessoa colectiva, e de € 1 250 a € 750 000, se praticada por pessoa singular, as seguintes condutas:

a) A prestação de serviços financeiros não solicitados, nos termos previstos no artigo 7.°;

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b) O envio de comunicações não solicitadas, em infracção ao disposto no artigo 8.º;
c) A prestação de informação que não preencha os requisitos previstos nos artigos 11.° e 12.°;
d) O incumprimento dos deveres específicos de informação previstos nos artigos 9.°, 13.º a 16.º e 18.º;
e) A prática de actos que, por qualquer forma, dificultem ou impeçam o regular exercício do direito de resolução contratual previsto no artigo 19.° e seguintes ou a imposição de quaisquer indemnizações ou penalizações ao consumidor que, nos termos do presente decreto-lei, tenha exercido tal direito;
f) A não restituição pelo prestador das quantias recebidas a título de pagamento de serviços dentro do prazo previsto no n.° 2 do artigo 24.°;
g) A cobrança de valores ao consumidor que exerça o direito de livre resolução, em violação do disposto no artigo 25.°;
h) O não cumprimento do dever de obediência dos prestadores de meios de comunicação à distância previsto no n.° 1 do artigo 28.°;
i) O não cumprimento da injunção prevista no n.° 2 do artigo 32.°;
j) A não restituição de quantias debitadas ao titular de cartão electrónico dentro do prazo previsto no n.º 2 do artigo 41.°.

Artigo 36.°
Sanções acessórias

Conjuntamente com as coimas, podem ser aplicadas ao responsável por qualquer das contra-ordenações previstas no artigo anterior as seguintes sanções acessórias em função da gravidade da infracção e da culpa do agente:

a) Apreensão e perda do objecto da infracção, incluindo o produto do benefício económico obtido pelo infractor através da sua prática;
b) Interdição do exercício da profissão ou da actividade a que a contra-ordenação respeita, por um período até três anos;
c) Inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, chefia e fiscalização em pessoas colectivas que, nos termos do presente decreto-lei, sejam prestadoras de serviços financeiros, por um período até três anos;
d) Publicação da punição definitiva, a expensas do infractor, num jornal de larga difusão na localidade da sede ou do estabelecimento permanente do infractor ou, se este for uma pessoa singular, na da sua residência.

Capítulo III
Disposições processuais

Artigo 37.°
Competência das autoridades administrativas

Sem prejuízo das competências específicas atribuídas por lei a outras entidades, a competência para o processamento das contra-ordenações previstas no presente título e para a aplicação das respectivas sanções é do Banco de Portugal, da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ou do Instituto de Seguros de Portugal, consoante o sector financeiro no âmbito do qual tenha sido praticada a infracção.

Artigo 38.°
Competência judicial

O tribunal competente para conhecer a impugnação judicial, a revisão e a execução das decisões proferidas em processo de contra-ordenação instaurado nos termos do presente título é o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa.

Título VI
Direito aplicável

Artigo 39.°
Direito subsidiário

À informação pré-contratual e aos contratos de serviços financeiros prestados ou celebrados à distância são subsidiariamente aplicáveis, em tudo o que não estiver disposto no presente decreto-lei, os regimes legalmente previstos, designadamente nos seguintes diplomas:

a) Decreto-Lei n.° 7/2004, de 7 de Janeiro, relativo à prestação de serviços da sociedade da informação;

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b) Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 486/99, de 13 de Novembro, e respectivas alterações, para os serviços financeiros nele regulados.

Artigo 40.º
Aplicação imediata

A escolha pelas partes da lei de um Estado não comunitário como lei aplicável ao contrato não priva o consumidor da protecção que lhe garantem as disposições do presente decreto-lei.

Título VII
Disposições finais e transitórias

Artigo 41.º
Utilização fraudulenta de cartão electrónico

1 - Nos casos de utilização fraudulenta de um cartão de crédito ou de débito para realização de pagamentos no âmbito de um serviço financeiro à distância o titular do mesmo pode solicitar à entidade emissora ou gestora do cartão electrónico a anulação das operações de pagamento efectuadas.
2 - Cessa o direito previsto no número anterior com o decurso do prazo de 30 dias sobre o conhecimento pelo consumidor da utilização fraudulenta em causa, competindo o respectivo ónus da prova à entidade emissora ou gestora do cartão electrónico.
3 - A restituição ao legítimo titular do cartão das quantias que lhe foram debitadas deve ser efectuada no prazo máximo de 60 dias após a apresentação do pedido de anulação, através de crédito em conta ou por qualquer outro meio adequado.
4 - O dever de restituição previsto no número anterior não prejudica o direito de regresso da entidade emissora ou gestora do cartão electrónico contra os autores da fraude ou contra o prestador do serviço, quando se demonstre que este conhecia ou, face às circunstâncias da operação, deveria conhecer a natureza fraudulenta do pagamento.

Artigo 42.°
Regime transitório

As normas do presente decreto-lei são aplicáveis aos prestadores estabelecidos em Estados-membros da União Europeia que prestem serviços financeiros a consumidores residentes em Portugal, enquanto o direito interno daquele Estado não previr obrigações correspondentes às constantes da Directiva n.º 2002/65, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002.

Artigo 43.°
Aplicação no tempo

O disposto no presente decreto-lei não se aplica aos contratos à distância de serviços financeiros celebrados com consumidores antes da sua entrada em vigor.

Artigo 44.°
Entrada em vigor

O presente decreto-lei entra em vigor no prazo de 30 dias após a data da sua publicação.

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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 77/X
CESSACÃO DA VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI N.º 129/2005, DE 11 DE AGOSTO

Com os fundamentos expressos no requerimento da apreciação parlamentar n.° 4/X, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentam o seguinte projecto de resolução:

A Assembleia da República, nos termos e para os efeitos do artigo 169.° da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 199.° e 203.° do Regimento da Assembleia da República, resolve revogar o Decreto-Lei n.º 219/2005, de 11 de Agosto, que "Altera o Decreto-Lei n.º 118/92, de 25 de Junho, que estabelece o regime de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos".

Palácio de S. Bento, 19 de Outubro de 2005.
Os Deputados do PSD: Regina Ramos Bastos - Carlos Andrade Miranda.

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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 78/X
CESSACÃO DA VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI N.º 129/2005, DE 11 DE AGOSTO

Com os fundamentos expressos no requerimento da apreciação parlamentar n.° 3/X, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte projecto de resolução:

A Assembleia da República, nos termos e para os efeitos do artigo 169.° da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 199.°, n.° 2 do 203.°, e 204.° do Regimento da Assembleia da República, resolve revogar o Decreto-Lei n.° 129/2005, de 11 de Agosto, que "Altera o Decreto-Lei n.º 118/92, de 25 de Junho, que estabelece o regime de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos". Nos termos do artigo 205.° do Regimento da Assembleia da República, a cessação de vigência implica a repristinação das normas dos artigos 2.° e 3.°, na redacção vigente até à alteração produzida pelo Decreto-Lei n.° 129/2005, de 11 de Agosto.

Assembleia da República, 19 de Outubro de 2005.
Os Deputados do PCP: Bernardino Soares - António Filipe.

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PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 2/X
(APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, O PROTOCOLO N.º 14 À CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS DO CONSELHO DA EUROPA, ABERTO À ASSINATURA EM ESTRASBURGO, EM 13 DE MAIO DE 2004)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas

Relatório

1 - Enquadramento

O Governo, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, apresentou a proposta de resolução n.º 2/X, tendo em vista a aprovação, para efeitos de ratificação, do "Protocolo n.º 14 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa, aberto à assinatura em Estrasburgo, em 13 de Maio de 2004" e assinado por Portugal nessa mesma data.
O texto do referido instrumento de direito internacional é apresentado através de cópias autenticadas nas versões em língua inglesa e francesa e respectiva tradução para língua portuguesa.
Por determinação do Sr. Presidente da Assembleia da República, a referida proposta de resolução baixou à Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas em 31 de Maio de 2005, bem como à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

2 - Resenha histórica

O Conselho da Europa foi criado em 1949, com sede em Estrasburgo (França), sendo por isso a mais antiga organização política do continente europeu. Actualmente, o Conselho da Europa agrupa 46 países, afirmando-se como uma instituição de referência internacional e mundial na defesa dos direitos do homem e da democracia parlamentar, do favorecimento da tomada de consciência da identidade europeia, como realidade intercultural e, em particular, da valorização do direito através da conclusão de acordos à escala do continente para harmonizar práticas sociais e jurídicas dos Estados-membros e para afirmar um património de valores comum.
De entre os textos jurídicos já adoptados no âmbito desta organização destaca-se, pela sua particular relevância enquanto Magna Carta Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, concluída em Roma em 4 de Novembro de 1950, de ora em diante abreviadamente denominada por "Convenção".
A aprovação desta Convenção, para efeitos de ratificação pelo Estado português, foi formalizada pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, tendo o respectivo instrumento de ratificação sido depositado em 9 de Novembro de 1978.
Desde a sua adopção em 1950 que a Convenção conheceu diversas alterações sob a forma de protocolos adicionais, de forma a aperfeiçoar os respectivos mecanismos de funcionamento e a reflectir, em cada momento, a evolução da sociedade e dos valores europeus, sem pôr em causa a respectiva matriz estruturante.
Decorrida mais de uma década sob a abertura à assinatura do Protocolo n.º 11, que introduziu em 1994 profundas alterações à Convenção, ao nível dos mecanismos de controlo, e no momento em que a quase totalidade dos países europeus é parte do Conselho da Europa, é chegado o momento de se proceder a novos aperfeiçoamentos, visando em particular a actualização do modo de funcionamento do Tribunal Europeu de Direitos do Homem, de modo a assegurar a manutenção do seu estatuto de garante do respeito pelos direitos humanos na Europa.

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3 - Objecto do Protocolo

Em termos substantivos, o "Protocolo n.º 14 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa", aberto à assinatura em Estrasburgo, em 13 de Maio de 2004, tem por objectivo o reforço da operacionalidade do Tribunal Europeu de Direitos do Homem, propondo um conjunto de alterações à Convenção-base.
Para além das alterações meramente formais, destacam-se, pelas suas implicações ao nível da operacionalidade do Tribunal Europeu, três objectivos:

- Reforço da capacidade de filtragem do Tribunal de forma a dar resposta às crescentes solicitações;
- Definição de novos critérios de admissibilidade nos casos em que o requerente não tenha sofrido um prejuízo ou uma afectação particularmente gravosa, prevendo-se, contudo, duas cláusulas de salvaguarda;
- Introdução de medidas destinadas a ultrapassar casos que correspondam a jurisprudência firmada em anteriores precedentes.

Assim, e em particular, cumpre destacar as seguintes alterações:

- Introdução da possibilidade de qualquer juiz singular, a título definitivo, poder declarar a inadmissibilidade ou o arquivamento de uma petição, situação que até aqui exigia a intervenção de um comité composto por três juízes. Esta alteração deverá saldar-se numa maior capacidade de filtragem de casos, pese embora a aparente diminuição de garantias ao nível da avaliação da decisão de admissibilidade;
- Atribuição de competência aos Comités compostos por três juízes para, declarada a admissibilidade de uma petição singular, proferirem, simultaneamente e por unanimidade, "uma sentença quanto ao fundo sempre que a questão subjacente ao assunto e relativa à interpretação ou à aplicação da Convenção ou dos respectivos Protocolos for já objecto de jurisprudência bem firmada do Tribunal" - cifra artigo 8.º do Protocolo, que altera a redacção do n.º 1 do artigo 28.º da Convenção;
- Introdução de um novo critério, que permite ao Tribunal declarar a inadmissibilidade de uma petição sempre que considere que "o autor da petição não sofreu qualquer prejuízo significativo, salvo se o respeito pelos direitos do homem garantidos na Convenção e nos respectivos Protocolos exigir uma apreciação da petição quanto ao fundo e contanto que não se rejeite, por esse motivo, qualquer questão que não tenha sido devidamente apreciada por um tribunal interno" - cifra artigo 12.º do Protocolo, que altera a redacção do n.º 3 do artigo 35.º da Convenção. Constata-se, assim, que, apesar de o novo critério de recusa de admissibilidade introduzido poder fazer supor uma redução nas garantias dos peticionantes, tal situação é temperada pela criação simultânea de mecanismos de controlo e de escape que permitem assegurar uma resposta, mesmo nos casos de menor relevância, desde que o sistema jurídico interno de uma Parte Contratante não tenha sido capaz de responder cabalmente às necessidades, em linha, aliás, com a melhor doutrina de protecção dos direitos do homem, sempre presente na filosofia de actuação do Conselho da Europa;
- Visando o aumento do nível de garantia de execução das sentenças definitivas emitidas pelo Tribunal, verifica-se um reforço do papel de supervisão do Comité de Ministros, atribuindo-se-lhe competência para, com maioria de dois terços, reenviar a questão ao Tribunal para efeitos de reinterpretação da decisão ou de apreciação quanto ao cumprimento, com manifestos ganhos em termos de força vinculativa das sentenças proferidas.

Conclusões

Atentos os considerandos que antecedem, conclui-se no seguinte sentido:

1 - O Governo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, apresentou a proposta de resolução n.º 2/X, visando a aprovação, para ratificação, do "Protocolo n.º 14 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa, aberto à assinatura em Estrasburgo, em 13 de Maio de 2004" e assinado por Portugal nessa mesma data.
2 - O presente Protocolo surge como uma decorrência da "Convenção Europeia dos Direitos do Homem", concluída em Roma em 4 de Novembro de 1950, que constitui a Magna Carta Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pelo Estado português pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro.
3 - Desde a sua adopção em 1950 que a Convenção conheceu diversas alterações sob a forma de protocolos adicionais, de forma a aperfeiçoar os respectivos mecanismos de funcionamento e a reflectir, em cada momento, a evolução da sociedade e dos valores europeus, sem pôr em causa a respectiva matriz estruturante.
4 - O presente Protocolo tem por objectivo o reforço da operacionalidade do Tribunal Europeu de Direitos do Homem, propondo um conjunto de alterações à Convenção-base, entre as quais se destacam, pelas suas implicações ao nível da operacionalidade do Tribunal Europeu, o reforço da capacidade de filtragem do Tribunal de forma a dar resposta às crescentes solicitações; a definição de novos critérios de admissibilidade nos casos em que o requerente não tenha sofrido um prejuízo ou uma afectação particularmente gravosa,

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prevendo-se, contudo, cláusulas de salvaguarda; e, finalmente, a introdução de medidas destinadas a ultrapassar casos que correspondam a jurisprudência firmada em anteriores precedentes.

Parecer

1 - A proposta de resolução n.º 2/X, apresentada pelo Governo, encontra-se em condições regimentais e constitucionais de ser agendada para apreciação pelo Plenário da Assembleia da República.
2 - Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República.

Assembleia da República, 8 de Julho de 2005.
A Deputada Relatora, Rosa Maria Albernaz - O Presidente da Comissão, José Luís Arnaut.

Nota: - As conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP e BE).

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PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 4/X
(APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, O TRATADO DE AMIZADE, BOA VIZINHANÇA E COOPERAÇÃO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA E POPULAR DA ARGÉLIA, ASSINADO EM ARGEL, EM 8 DE JANEIRO DE 2005)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas

I - Relatório

Nota preliminar

1 - Ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do n.º 1 do artigo 208.º do Regimento da Assembleia da República, o Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 4/X, tendo em vista a ratificação do "Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia, assinado em Argel, em 8 de Janeiro de 2005".

Objecto

2 - Este Tratado, que deverá vigorar por tempo indeterminado até que uma das Partes o denuncie nos termos definidos no artigo 20.º, é justificado através dos seguintes considerandos e objectivos:

- O desejo de estreitar os históricos laços de amizade e de cooperação entre Portugal e a Argélia;
- A pertença comum à mesma área geo-estratégica que representa o Mediterrâneo e a convergência de interesses existentes entre os dois países;
- A importância de aprofundar continuamente o nível de conhecimento recíproco;
- A vontade de iniciar uma nova etapa nas relações bilaterais de cooperação e de solidariedade, compatíveis com as aspirações das gerações futuras;
- A importância dos processos de integração política, económica e social que se desenvolvem na região mediterrânica, a nível regional e sub-regional;
- A necessidade de conjugação de esforços no sentido de promover e reforçar os processos de diálogo e cooperação na região mediterrânica, nomeadamente o processo Euro-Mediterrânico de Barcelona, o Diálogo 5+5 e o Fórum Mediterrânico, a fim de favorecer a paz, a estabilidade e o bem-estar na região;
- A existência de um Acordo de Associação entre a União Europeia e a Argélia, como instrumento de estímulo ao desenvolvimento mútuo e como contributo para a criação de uma Zona de Comércio Livre Euro-Mediterrânica;
- A intenção de fazer do Tratado o quadro apropriado para desenvolver novos domínios de cooperação e mútua compreensão.

3 - No Capítulo I são elencados os seguintes "Princípios Gerais" que deverão enquadrar as relações bilaterais entre Estados:

- Respeito pelo Direito Internacional - artigo 1.º;
- Igualdade de Soberania - artigo 2.º;
- Não ingerência nos Assuntos Internos - artigo 3.º;

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- Não recurso à ameaça ou ao emprego da força - artigo 4.º;
- Resolução pacífica de diferendos - artigo 5.º;
- Cooperação para o desenvolvimento mútuo - artigo 6.º;
- Respeito pelos Direitos Humanos e liberdades fundamentais - artigo 7.º; e
- Diálogo e compreensão entre culturas e civilizações - artigo 8.º.

4 - No quadro das relações políticas bilaterais, conteúdo do Capítulo II deste Tratado, são institucionalizados três tipos de contactos:

4.1. Reuniões de Alto Nível, em princípio com carácter anual, entre os Chefes de Governo das Partes;
4.2. Reuniões ministeriais entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros, sem que se especifique a regularidade e frequência;
4.3. Consultas regulares entre membros do Governo e altos funcionários dos dois países.

Salienta-se que, embora sem explicitar como, se afirma que o contacto e diálogo entre os Parlamentos e entidade privadas de ambos os países serão favorecidos.

5 - O Capítulo III do Tratado, respeitante às Relações de Cooperação, apresenta um conjunto de áreas específicas de cooperação relativamente às quais cumpre destacar as seguintes medidas:

5.1. Cooperação económica e financeira (artigo 10.º) - Encorajamento das relações entre os operadores dos dois países, nos sectores produtivos e de serviços, bem como a realização de projectos de investimento e a criação de sociedades mistas.
Particular atenção ao desenvolvimento dos projectos de infra-estruturas com interesse comum, nomeadamente nos domínios da energia, obras públicas, transportes, redes viárias e ferroviárias, telecomunicações, pólos tecnológicos, modernização industrial, pescas e protecção do ambiente.
5.2 Cooperação de carácter militar (artigo 11.º) - Cooperação entre as respectivas Forças Armadas, com especial atenção ao intercâmbio de pessoal, à realização de estágios de formação e aperfeiçoamento, à troca de experiências em operações de auxílio humanitário e manutenção da paz e em matéria de instrução, bem como realização de exercícios combinados.
Realização de programas comuns destinados à investigação, ao desenvolvimento e à produção de materiais e equipamentos de defesa, mediante troca de informações de carácter técnico, tecnológico e industrial.
5.3 Cooperação para o desenvolvimento sócioeconómico (artigo 12.º) - Estabelecimento de programas e projectos específicos em diferentes sectores, recorrendo a troca de informações de natureza económica, científica e técnica, bem como de informações relativas à experiência profissional, formação de recursos humanos e transferência de tecnologia.
Estímulo às actividades de cooperação trilateral.
5.4 Cooperação cultural, educacional, científica e tecnológica (artigo 13.º) - Promoção da cooperação nas áreas da educação, formação profissional, ensino, ciências e tecnologias através do intercâmbio de alunos, professores, formadores e investigadores de estabelecimentos de ensino superior. Incentivo à realização de projectos conjuntos e à troca de documentação científica e pedagógica.
Favorecimento do diálogo intercultural e inter-religioso e encorajamento das indústrias culturais e de turismo cultural, com especial ênfase para a valorização do património histórico e cultural comum.
De salientar a tónica colocada no estímulo recíproco ao ensino da Língua e Civilização da outra Parte Contratante (cfr. artigo 14.º), bem como à cooperação no âmbito do audiovisual (artigo 15.º).
5.5 Cooperação jurídica e judiciária (artigo 16.º) - Promoção da cooperação jurídica nas áreas do direito civil, comercial, penal e administrativo, bem como da cooperação judiciária em matéria civil e penal.
Divulgação recíproca dos respectivos quadros legislativos visando a cooperação empresarial e a integração nas respectivas economias.
Combate conjunto à grande criminalidade transnacional e ao terrorismo internacional.
5.6 Cooperação na área da Administração Pública visando a reforma e a modernização administrativa (artigo 17.º).
5.7 Cooperação em matéria de migração e de circulação de pessoas (artigo 18.º) no âmbito da qual avulta o estreitamento da cooperação interministerial e consular, bem como a implementação recíproca de condições adequadas de estada e trabalho das comunidades portuguesa e argelina nos respectivos países, de modo a permitir uma melhor integração dos cidadãos de cada uma das Partes no outro país. Implementação de medidas atinentes a prevenir o tráfico de pessoas e a imigração clandestina.

II - Parecer

Face ao exposto, tendo em conta que todos os preceitos constitucionais e regimentais são respeitados e dado que o presente Tratado pode contribuir para o reforço da cooperação portuguesa numa área de interesse

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geo-estratégico, bem como para o aprofundamento das relações bilaterais de cooperação e de solidariedade, a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas é de parecer que o "Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia, assinado em Argel, em 8 de Janeiro de 2005" preenche os requisitos necessários para ser apreciado em Plenário.

Palácio de São Bento, 10 de Outubro de 2005.
A Deputada Relatora, Isabel Vigia - O Presidente da Comissão, José Luís Arnaut.

Nota: - As conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP e BE).

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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