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Sábado, 28 de Janeiro de 2006 II Série-A - Número 81

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

S U M Á R I O

Resoluções:
- Comemoração dos 20 anos da aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo.
- Aprova, para ratificação, o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e a República Tunisina, assinado em Tunis, em 17 de Junho de 2003. (a)
- Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e a República da Turquia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa, em 11 de Maio de 2005. (a)

Propostas de lei (n.os 55 e 56/X):
N.º 55/X - Procede à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2004/80/CE, do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa à indemnização das vítimas da criminalidade.
N.º 56/X - Aprova o regime da responsabilidade extracontratual civil do Estado e demais entidades públicas.

(a) São publicadas em suplemento a este número.

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RESOLUÇÃO
COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS DA APROVAÇÃO DA LEI DE BASES DO SISTEMA EDUCATIVO

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, o seguinte:

1 - Promover, conjuntamente com o Governo, um debate nacional sobre a educação que, simultaneamente, proceda à avaliação das duas últimas décadas e à identificação das linhas estratégicas para os próximos 10 anos;
2 - Mandatar o Conselho Nacional de Educação para a organização do referido debate nacional, devendo o Conselho, no prazo de 20 dias, apresentar uma proposta que contenha, nomeadamente:

a) Estrutura organizativa;
b) Áreas temáticas em torno das quais o debate se organizará;
c) Calendário de debates e eventos associados à iniciativa;
d) Estudos e relatórios que deverão ser produzidos;
e) Orçamento e financiamento.

3 - Considerar competente a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura para o acompanhamento e para a tomada de decisões complementares necessárias à concretização do debate nacional.

Aprovada em 19 de Janeiro de 2006.
O Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.

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PROPOSTA DE LEI N.º 55/X
PROCEDE À QUARTA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 423/91, DE 30 DE OUTUBRO, TRANSPONDO PARA A ORDEM JURÍDICA NACIONAL A DIRECTIVA N.º 2004/80/CE, DO CONSELHO, DE 29 DE ABRIL DE 2004, RELATIVA À INDEMNIZAÇÃO DAS VÍTIMAS DA CRIMINALIDADE

Exposição de motivos

Com a presente proposta de lei procede-se à transposição da Directiva n.º 2004/80/CE, do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa à indemnização das vítimas de criminalidade, propondo-se, para tal, a alteração do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, que criou um regime de indemnização, por parte do Estado português, às vítimas de crimes violentos.
A Directiva n.º 2004/80/CE impõe que todos os Estados-membros da União Europeia assegurem que a sua legislação nacional preveja a existência de um regime de indemnização, por parte do Estado, às vítimas de crimes dolosos violentos praticados nos respectivos territórios. É ainda objectivo da directiva estabelecer um sistema de cooperação entre os Estados-membros, que minore as dificuldades práticas e linguísticas que podem sobrevir em situações transfronteiriças, no sentido de garantir que, no espaço europeu, as vítimas de criminalidade possam recorrer a uma autoridade no seu Estado-membro de residência para aceder a uma indemnização justa e adequada, ainda que o crime tenha ocorrido no território de outro Estado-membro.
Uma vez que a ordem jurídica interna já dispõe de um regime de indemnização, por parte do Estado, às vítimas de crimes violentos, a transposição da referida directiva implica apenas a criação de regras relativas ao acesso à indemnização em situações transfronteiriças.
Para tal, propõe-se, por um lado, a alteração do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, no sentido de facultar às vítimas de crimes violentos praticados no território de outro Estado-membro da União Europeia a possibilidade de apresentarem o seu pedido de indemnização à comissão portuguesa de protecção às vítimas de crimes, desde que tenham a sua residência habitual em Portugal. Neste caso, e de acordo com o disposto na directiva, a concessão da indemnização cabe ao Estado-membro em cujo território o crime foi cometido, competindo à comissão portuguesa de protecção às vítimas de crimes colaborar com a autoridade competente daquele Estado-membro na instrução do pedido.
Por outro lado, no caso de actos intencionais de violência praticados em território português ou a bordo de navios ou aeronaves portuguesas, propõe-se que se passe a permitir que a vítima de lesões corporais graves ou, em caso de morte, a pessoa a quem a lei civil concede direito a alimentos ou que, nos termos da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, vivesse em união de facto com a vítima apresente pedido de indemnização perante a autoridade competente do Estado-membro da União Europeia em que tenha a sua residência habitual. Este pedido é transmitido por aquela autoridade à comissão portuguesa de protecção às vítimas de crimes, que realiza, com a colaboração daquela autoridade, a instrução do pedido. A indemnização é arbitrada e paga pelo Estado português.

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Na tarefa de transposição das regras relativas às formalidades e línguas de transmissão dos pedidos de indemnização, as opções adoptadas seguem de perto a disciplina vertida na directiva.
Para além das alterações que se impõem em virtude da necessidade de transpor a Directiva n.º 2004/80/CE, aproveita-se o ensejo para propor a correcção de determinados aspectos que os vários anos de vigência do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, demonstraram poder ser melhorados.
Assim, propõe-se a alteração do artigo 1.º, no sentido de, por um lado, assegurar os direitos das pessoas que vivessem em união de facto com a vítima, afastando a aplicação remissiva do regime mais exigente e apertado do artigo 2020.º do Código Civil; por outro, adita-se um novo n.º 6, determinando que, nos casos em que o acto intencional de violência consubstancie um crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, pode ser dispensada a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1. Esta alteração prende-se com o facto de, neste tipo de crimes, não ocorrer, por regra, uma incapacidade permanente ou uma incapacidade temporária e absoluta para o trabalho de pelo menos 30 dias ou a morte da vítima, justificando-se, ainda assim, e dada a gravidade do crime em causa, a atribuição pelo Estado de uma indemnização.
Propõe-se ainda a alteração do artigo 4.º, relativo aos prazos de caducidade, determinando que o menor à data do acto intencional de violência pode apresentar o pedido de concessão da indemnização por parte do Estado até um ano depois de atingida a maioridade ou ser emancipado. Pretende-se, deste modo, obviar uma possível incúria dos representantes legais do menor.
As alterações propostas aos artigos 2.º e 5.º prendem-se com a necessidade de reforçar mecanismos objectivos que permitam aferir, de modo justo e adequado, o montante da indemnização que, em cada caso, deve ser arbitrado.
Assim, mos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei altera o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, alterado pelas Leis n.º 10/96, de 23 de Março, n.º 136/99, de 28 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22 de Março, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2004/80/CE, do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa à indemnização das vítimas da criminalidade.

Artigo 2.º
Alteração do Decreto-Lei n.º 423/91 de 30 de Outubro

Os artigos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, alterado pelas Leis n.º 10/96, de 23 de Março, n.º 136/99, de 28 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22 de Março, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 1.º
(…)

1 - As vítimas de lesões corporais graves resultantes directamente de actos intencionais de violência praticados em território português ou a bordo de navios ou aeronaves portuguesas, bem como, no caso de morte, as pessoas a quem, nos termos do n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil, é concedido um direito a alimentos e as que, nos termos da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, vivessem em união de facto com a vítima podem requerer a concessão de uma indemnização pelo Estado, ainda que não se tenham constituído ou não possam constituir-se assistentes no processo penal, verificados os seguintes requisitos:

a) (…)
b) Ter o prejuízo provocado uma perturbação considerável do nível de vida da vítima ou, no caso de morte, do requerente;
c) (...)

2 - (…)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - Quando o acto intencional de violência configure um crime contra a liberdade e autodeterminação sexual pode ser dispensada a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 se circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas assim o aconselharem.

Artigo 2.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)

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4 - (…)
5 - (…)
6 - A fixação da indemnização por lucros cessantes tem como referência as declarações fiscais de rendimentos referidas na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º.
7 - No caso de não ter sido concedida qualquer indemnização no processo penal ou fora dele por facto unicamente imputável ao requerente, nomeadamente por não ter deduzido pedido de indemnização cível ou por dele ter desistido, o limite máximo do montante da indemnização a conceder pelo Estado é reduzido para metade, salvo quando circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas aconselhem o contrário.

Artigo 4.º
(…)

1 - (…)
2 - O menor à data do acto intencional de violência pode apresentar o pedido de concessão da indemnização por parte do Estado até um ano depois de atingida a maioridade ou ser emancipado.
3 - Se tiver sido instaurado processo criminal, os prazos referidos nos números anteriores podem ser prorrogados e expiram após decorrido um ano sobre a decisão que lhe põe termo.
4 - (anterior n.º 3)
5 - (anterior n.º 4)

Artigo 5.º
(…)

1 - (...)
2 - O requerimento deve ser acompanhado de todos os elementos úteis justificativos, nomeadamente:

a) (…)
b) Cópia da declaração fiscal de rendimentos da vítima relativa ao ano anterior à prática dos factos, bem como, no caso de morte, da do requerente;
c) (...)

3 - (...)
4 - (...)"

Artigo 3.º
Aditamento ao Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro

São aditados ao Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, alterado pelas Leis n.º 10/96, de 23 de Março, n.º 136/99, de 28 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 62/2004, de 22 de Março, os artigos 12.º-A, 12.º-B, 12.º-C e 12.º-D, com a seguinte redacção:

"Artigo 12.º-A
Requerentes com residência habitual noutro Estado-membro da União Europeia

1 - Nos casos referidos no n.º 1 do artigo 1.º, quando o requerente tenha a sua residência habitual noutro Estado-membro da União Europeia e tenha apresentado à autoridade competente desse Estado pedido de concessão de indemnização a pagar pelo Estado português, incumbe à comissão referida no artigo 6.º:

a) Receber o pedido transmitido pela autoridade competente do Estado-membro da residência habitual do requerente;
b) Acusar, no prazo de 10 dias, a recepção do pedido ao requerente e à autoridade competente do Estado-membro da sua residência habitual e comunicar os contactos da comissão e o prazo provável da decisão do pedido;
c) Instruir o pedido;
d) Comunicar ao requerente e à autoridade competente do Estado-membro da sua residência habitual a decisão do Ministro da Justiça sobre a concessão da indemnização.

2 - Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, a comissão pode, se necessário:
a) Solicitar à autoridade competente do Estado-membro da residência habitual do requerente que promova a audição deste ou de qualquer outra pessoa, designadamente uma testemunha ou um perito, bem como o envio da respectiva acta de audição;
b) Ouvir directamente o requerente ou qualquer outra pessoa, por videoconferência, solicitando à autoridade competente do Estado-membro da residência habitual do requerente a colaboração necessária.

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Artigo 12.º-B
Indemnização a ser concedida por outro Estado-membro da União Europeia

1 - No caso de ter sido praticado um crime doloso violento no território de um outro Estado-membro da União Europeia o pedido para a concessão de indemnização a pagar por aquele Estado pode ser apresentado à comissão referida no artigo 6.º, desde que o requerente tenha a sua residência habitual em Portugal.
2 - Apresentado o pedido, incumbe à comissão:

a) Informar o requerente sobre o modo de preenchimento do formulário do pedido de indemnização e sobre os documentos comprovativos necessários;
b) Transmitir o formulário e os documentos referidos na alínea anterior, no prazo de 10 dias, à autoridade competente do Estado-membro em cujo território o crime foi praticado;
c) Auxiliar o requerente na resposta aos pedidos de informação suplementares solicitados pela autoridade competente do Estado-membro em cujo território o crime foi praticado, transmitindo as respostas, a pedido do requerente, directamente àquela autoridade;
d) Providenciar, a solicitação da autoridade competente do Estado-membro em cujo território o crime foi praticado, a audição do requerente ou de qualquer outra pessoa, transmitindo a acta da audição àquela autoridade;
e) Colaborar com a autoridade competente do Estado-membro em cujo território o crime foi praticado sempre que esta opte pela audição directa do requerente ou de qualquer outra pessoa, em conformidade com a legislação daquele Estado, nomeadamente através de telefone ou videoconferência;
f) Receber a decisão sobre o pedido de indemnização transmitida pela autoridade competente do Estado-membro em cujo território o crime foi praticado.

3 - A comissão não efectua qualquer apreciação do pedido.
4 - A indemnização não é arbitrada nem paga pelo Estado Português.

Artigo 12.º-C
Formalidades na transmissão dos pedidos

1 - Os pedidos e as decisões referidos nos artigos 12.º-A e 12.º-B são transmitidos através de formulários normalizados aprovados por decisão da Comissão Europeia, publicados no Jornal Oficial da União Europeia.
2 - Os formulários e os documentos apresentados nos termos dos artigos 12.º-A e 12.º-B estão dispensados de legalização ou de qualquer outra formalidade equivalente.
3 - Os serviços solicitados e prestados pela comissão referida no artigo 6.º, ao abrigo do disposto nos artigos 12.º-A e 12.º-B não dão lugar a qualquer pedido de reembolso de encargos ou despesas.

Artigo 12.º-D
Idioma em situações transfronteiriças

1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os formulários e outros documentos transmitidos pela comissão referida no artigo 6.º, para efeitos do disposto nos artigos 12.º-A e 12.º-B, são redigidos numa das seguintes línguas:

a) Língua oficial do Estado-membro da União Europeia ao qual aqueles formulários e documentos são enviados;
b) Outra língua desse Estado-membro, desde que corresponda a uma das línguas das instituições comunitárias;
c) Outra língua, desde que corresponda a uma das línguas das instituições comunitárias, e aquele Estado-membro a tenha declarado aceitar, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º da Directiva n.º 2004/80/CE, do Conselho, de 29 de Abril de 2004.

2 - O texto integral da decisão e a acta de audição, referidos, respectivamente, na alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º-A e na alínea d) do n.º 2 do artigo 12.º-B, podem ser transmitidos em português ou inglês.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a comissão pode recusar a recepção dos formulários e documentos transmitidos para efeitos do disposto nos artigos 12.º-A e 12.º-B quando os mesmos não estejam redigidos em português ou em inglês.
4 - A comissão não pode recusar a recepção da acta de audição referida no n.º 2 do artigo 12.º-A, desde que a mesma esteja redigida numa língua que corresponda a uma das línguas das instituições comunitárias.
5 - A comissão não pode recusar a recepção da decisão referida na alínea f) do n.º 2 do artigo 12.º-B, desde que a mesma esteja redigida numa língua prevista na legislação do Estado-membro que a transmite."

Artigo 4.º
Republicação

É republicado, em anexo, que é parte integrante da presente lei, o Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, com a redacção actual.

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Artigo 5.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Janeiro de 2006.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - O Ministro da Presidência, Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira - O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Ernesto Santos Silva.

Anexo

Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro

Artigo 1.º
Indemnização, por parte do Estado, às vítimas de crimes violentos

1 - As vítimas de lesões corporais graves resultantes directamente de actos intencionais de violência praticados em território português ou a bordo de navios ou aeronaves portuguesas, bem como, no caso de morte, as pessoas a quem, nos termos do n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil, é concedido um direito a alimentos e as que, nos termos da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, vivessem em união de facto com a vítima podem requerer a concessão de uma indemnização pelo Estado, ainda que não se tenham constituído ou não possam constituir-se assistentes no processo penal, verificados os seguintes requisitos:

a) Da lesão ter resultado uma incapacidade permanente, uma incapacidade temporária e absoluta para o trabalho de pelo menos 30 dias ou a morte;
b) Ter o prejuízo provocado uma perturbação considerável do nível de vida da vítima ou, no caso de morte, do requerente;
c) Não terem obtido efectiva reparação do dano em execução de sentença condenatória relativa a pedido deduzido nos termos dos artigos 71.º a 84.º do Código de Processo Penal ou, se for razoavelmente de prever que o delinquente e responsáveis civis não repararão o dano, sem que seja possível obter de outra fonte uma reparação efectiva e suficiente.

2 - O direito de indemnização mantém-se mesmo que não seja conhecida a identidade do autor dos actos intencionais de violência ou, por outra razão, ele não possa ser acusado ou condenado.
3 - Podem igualmente requerer uma indemnização as pessoas que auxiliaram voluntariamente a vítima ou colaboraram com as autoridades na prevenção da infracção, perseguição ou detenção do delinquente, verificados os requisitos constantes das alíneas a) a c) do n.º 1.
4 - A concessão da indemnização às pessoas referidas no número anterior não depende da concessão de indemnização às vítimas de lesão.
5 - Não haverá lugar à aplicação do disposto no presente diploma quando o dano for causado por um veículo terrestre a motor, bem como se forem aplicáveis as regras sobre acidentes de trabalho ou em serviço.
6 - Quando o acto intencional de violência configure um crime contra a liberdade e autodeterminação sexual pode ser dispensada a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 se circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas assim o aconselharem.

Artigo 2.º
Montante da indemnização

1 - A indemnização por parte do Estado é restrita ao dano patrimonial resultante da lesão e será fixada em termos de equidade, tendo como limites máximos, por cada lesado, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação, para os casos de morte ou lesão corporal grave.
2 - Nos casos de morte ou lesão de várias pessoas em consequência do mesmo facto, a indemnização por parte do Estado tem como limite máximo o montante correspondente ao dobro da alçada da relação para cada uma delas, com o máximo total do sêxtuplo da alçada da relação.
3 - Se a indemnização for fixada sob a forma de renda anual, o limite máximo é de um quarto da alçada da relação por cada lesado, não podendo ultrapassar três quartos da alçada da relação quando sejam vários os lesados em virtude do mesmo facto.
4 - Será tomada em consideração toda a importância recebida de outra fonte, nomeadamente do próprio delinquente ou da segurança social; todavia, com respeito a seguros privados de vida ou acidentes pessoais, só na medida em que a equidade o exija.
5 - Nos casos a que se refere o n.º 3 do artigo 1.º, haverá igualmente lugar a uma indemnização por danos de coisas de considerável valor, tendo como limite máximo o montante correspondente à alçada da relação.
6 - A fixação da indemnização por lucros cessantes tem como referência as declarações fiscais de rendimentos referidas na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º.

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7 - No caso de não ter sido concedida qualquer indemnização no processo penal ou fora dele por facto unicamente imputável ao requerente, nomeadamente por não ter deduzido pedido de indemnização cível ou por dele ter desistido, o limite máximo do montante da indemnização a conceder pelo Estado é reduzido para metade, salvo quando circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas aconselhem o contrário.

Artigo 3.º
Exclusão ou redução da indemnização

A indemnização por parte do Estado poderá ser reduzida ou excluída tendo em conta a conduta da vítima ou do requerente antes, durante ou após a prática dos factos, as suas relações com o autor ou o seu meio, ou se se mostrar contrária ao sentimento de justiça ou à ordem pública.

Artigo 4.º
Caducidade e concessão de provisão

1 - Sob pena de caducidade, o pedido de concessão da indemnização por parte do Estado deve ser apresentado no prazo de um ano a contar da data do facto.
2 - O menor à data do acto intencional de violência pode apresentar o pedido de concessão da indemnização por parte do Estado até um ano depois de atingida a maioridade ou ser emancipado.
3 - Se tiver sido instaurado processo criminal, os prazos referidos nos números anteriores podem ser prorrogados e expiram após decorrido um ano sobre a decisão que lhe põe termo.
4 - Em qualquer caso, o Ministro da Justiça pode relevar o requerente do efeito da caducidade quando justificadas circunstâncias morais ou materiais tiverem impedido a apresentação do pedido em tempo útil.
5 - Em caso de urgência, pode ser requerida a concessão de uma provisão por conta da indemnização a fixar posteriormente, de montante não superior a um quarto do limite máximo.

Artigo 5.º
Requerimento e documentos anexos

1 - A concessão de indemnização por parte do Estado depende de requerimento das pessoas referidas no artigo 1.º ou do Ministério Público.
2 - O requerimento deve ser acompanhado de todos os elementos úteis justificativos, nomeadamente:

a) Indicação do montante da indemnização pretendida;
b) Cópia da declaração fiscal de rendimentos da vítima relativa ao ano anterior à prática dos factos, bem como, no caso de morte, da do requerente;
c) Indicação de qualquer importância já recebida, bem como das pessoas ou entidades públicas ou privadas susceptíveis de, no todo ou em parte, virem a efectuar prestações em relação com o dano.

3 - Se tiver sido deduzido pedido de indemnização no processo penal ou fora dele, nos casos em que a lei o admite, o requerimento deve informar se foi concedida qualquer indemnização e qual o seu montante.
4 - Em caso de falsidade da informação a que se refere o número anterior, o Estado tem direito ao reembolso da quantia eventualmente paga aos requerentes, devendo exercê-lo por meio de acção cível no prazo de um ano a contar da data em que tiver conhecimento da falsidade.

Artigo 6.º
Competência e instrução do pedido

1 - A concessão da indemnização é da competência do Ministro da Justiça.
2 - A instrução do pedido compete a uma comissão constituída por um magistrado judicial designado pelo Conselho Superior da Magistratura, que preside, por um advogado ou advogado estagiário designado pela Ordem dos Advogados e por um funcionário superior do Ministério da Justiça, designado pelo Ministro.
3 - Não podem constituir a comissão pessoas que tenham intervindo em qualquer processo instaurado pelo facto que der origem ao pedido de indemnização.

Artigo 7.º
Poderes da comissão

1 - A comissão a que se refere o artigo anterior procede a todas as diligências úteis para a instrução do pedido e, nomeadamente:

a) Ouve os requerentes e os responsáveis pela indemnização;

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b) Requisita cópias de denúncias e participações relativas aos factos criminosos e de quaisquer peças de processo penal instaurado, ainda que pendente de decisão final;
c) Requisita informações sobre a situação profissional, financeira ou social dos responsáveis pela reparação do dano a qualquer pessoa, singular ou colectiva, e a quaisquer serviços públicos.

2 - Mediante autorização do Ministro da Justiça, a comissão pode ainda solicitar as informações que repute necessárias à administração fiscal ou a estabelecimentos de crédito, quando o responsável pela indemnização recuse fornecê-las e existam fundadas razões no sentido de que o mesmo dispõe de bens ou recursos que pretende ocultar.
3 - Às informações solicitadas não é oponível o sigilo profissional ou bancário.
4 - As informações obtidas dos números anteriores não podem ser utilizadas para fins diferentes da instrução do pedido, sendo proibida a sua divulgação.

Artigo 8.º
Prazos

1 - A instrução é concluída no prazo de três meses, salvo prorrogação autorizada pelo Ministro da Justiça, por motivos atendíveis e com base em proposta fundamentada da comissão.
2 - Concluída a instrução, o processo é enviado ao Ministro da Justiça, acompanhado de parecer sobre a concessão da indemnização e respectivo montante.
3 - Antes de concluída a instrução, pode a comissão sugerir ao Ministro da Justiça a concessão de uma provisão nos termos do n.º 4 do artigo 4.º.

Artigo 9.º
Sub-rogação

O Estado fica sub-rogado nos direitos dos lesados contra o autor dos actos intencionais de violência e pessoas com responsabilidade meramente civil, dentro dos limites da indemnização prestada.

Artigo 10.º
Reembolso

1 - Quando a vítima, posteriormente ao pagamento da provisão ou da indemnização, obtiver, a qualquer título, uma reparação ou uma indemnização efectiva do dano sofrido, deve o Ministro da Justiça, mediante parecer da comissão referida no artigo 6.º, exigir o reembolso, total ou parcial, das importâncias recebidas, com ressalva do disposto no n.º 2 do artigo 2.º.
2 - O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que, tendo sido entregue a provisão, se averiguar ulteriormente que a indemnização não foi concedida por falta dos requisitos referidos no artigo 1.º.
3 - Das decisões referidas nos números anteriores cabe recurso contencioso, nos termos gerais.

Artigo 11.º
Informações falsas

Quem obtiver ou tentar obter uma indemnização nos termos do presente diploma com base em informações que sabe serem falsas ou inexactas é punível com prisão até três anos ou multa, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 5.º.

Artigo 12.º
Aplicação no espaço

Se os factos referidos no artigo 1.º tiverem sido praticados no estrangeiro, aplicam-se as disposições do presente diploma quando a pessoa lesada for de nacionalidade portuguesa, desde que não tenha direito a indemnização pelo Estado em cujo território o dano foi produzido.

Artigo 12.º-A
Requerentes com residência habitual noutro Estado-membro da União Europeia

1 - Nos casos referidos no n.º 1 do artigo 1.º, quando o requerente tenha a sua residência habitual noutro Estado-membro da União Europeia e tenha apresentado à autoridade competente desse Estado pedido de concessão de indemnização a pagar pelo Estado português incumbe à comissão referida no artigo 6.º:

a) Receber o pedido transmitido pela autoridade competente do Estado-membro da residência habitual do requerente;

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b) Acusar, no prazo de 10 dias, a recepção do pedido ao requerente e à autoridade competente do Estado-membro da sua residência habitual e comunicar os contactos da comissão e o prazo provável da decisão do pedido;
c) Instruir o pedido;
d) Comunicar ao requerente e à autoridade competente do Estado-membro da sua residência habitual a decisão do Ministro da Justiça sobre a concessão da indemnização.

2 - Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, a comissão pode, se necessário:

a) Solicitar à autoridade competente do Estado-membro da residência habitual do requerente que promova a audição deste ou de qualquer outra pessoa, designadamente uma testemunha ou um perito, bem como o envio da respectiva acta de audição;
b) Ouvir directamente o requerente ou qualquer outra pessoa, por videoconferência, solicitando à autoridade competente do Estado-membro da residência habitual do requerente a colaboração necessária.

Artigo 12.º-B
Indemnização a ser concedida por outro Estado-membro da União Europeia

1 - No caso de ter sido praticado um crime doloso violento no território de um outro Estado-membro da União Europeia, o pedido para a concessão de indemnização a pagar por aquele Estado pode ser apresentado à comissão referida no artigo 6.º, desde que o requerente tenha a sua residência habitual em Portugal.
2 - Apresentado o pedido, incumbe à comissão:

a) Informar o requerente sobre o modo de preenchimento do formulário do pedido de indemnização e sobre os documentos comprovativos necessários;
b) Transmitir o formulário e os documentos referidos na alínea anterior, no prazo de 10 dias, à autoridade competente do Estado-membro em cujo território o crime foi praticado;
c) Auxiliar o requerente na resposta aos pedidos de informação suplementares solicitados pela autoridade competente do Estado-membro em cujo território o crime foi praticado, transmitindo as respostas, a pedido do requerente, directamente àquela autoridade;
d) Providenciar, a solicitação da autoridade competente do Estado-membro em cujo território o crime foi praticado, a audição do requerente ou de qualquer outra pessoa, transmitindo a acta da audição àquela autoridade;
e) Colaborar com a autoridade competente do Estado-membro em cujo território o crime foi praticado sempre que esta opte pela audição directa do requerente ou de qualquer outra pessoa, em conformidade com a legislação daquele Estado, nomeadamente através de telefone ou videoconferência;
f) Receber a decisão sobre o pedido de indemnização transmitida pela autoridade competente do Estado-membro em cujo território o crime foi praticado.

3 - A comissão não efectua qualquer apreciação do pedido.
4 - A indemnização não é arbitrada nem paga pelo Estado português.

Artigo 12.º-C
Formalidades na transmissão dos pedidos

1 - Os pedidos e as decisões referidos nos artigos 12.º-A e 12.º-B são transmitidos através de formulários normalizados aprovados por decisão da Comissão Europeia, publicados no Jornal Oficial da União Europeia.
2 - Os formulários e os documentos apresentados nos termos dos artigos 12.º-A e 12.º-B estão dispensados de legalização ou de qualquer outra formalidade equivalente.
3 - Os serviços solicitados e prestados pela comissão referida no artigo 6.º, ao abrigo do disposto nos artigos 12.º-A e 12.º-B, não dão lugar a qualquer pedido de reembolso de encargos ou despesas.

Artigo 12.º-D
Idioma em situações transfronteiriças

1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os formulários e outros documentos transmitidos pela comissão referida no artigo 6.º, para efeitos do disposto nos artigos 12.º-A e 12.º-B, são redigidos numa das seguintes línguas:
a) Língua oficial do Estado-membro da União Europeia ao qual aqueles formulários e documentos são enviados;
b) Outra língua desse Estado-membro, desde que corresponda a uma das línguas das instituições comunitárias;
c) Outra língua, desde que corresponda a uma das línguas das instituições comunitárias, e aquele Estado-membro a tenha declarado aceitar, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º da Directiva 2004/80/CE, do Conselho, de 29 de Abril de 2004.

2 - O texto integral da decisão e a acta de audição, referidos, respectivamente, na alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º-A e na alínea d) do n.º 2 do artigo 12.º-B, podem ser transmitidos em português ou inglês.

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3 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a comissão pode recusar a recepção dos formulários e documentos transmitidos para efeitos do disposto nos artigos 12.º-A e 12.º-B quando os mesmos não estejam redigidos em português ou em inglês.
4 - A comissão não pode recusar a recepção da acta de audição referida no n.º 2 do artigo 12.º-A, desde que a mesma esteja redigida numa língua que corresponda a uma das línguas das instituições comunitárias.
5 - A comissão não pode recusar a recepção da decisão referida na alínea f) do n.º 2 do artigo 12.º-B, desde que a mesma esteja redigida numa língua prevista na legislação do Estado-membro que a transmite.

Artigo 13.º
Encargos

1 - Os encargos resultantes da execução do presente diploma serão considerados gastos de justiça e suportados através de uma verba especial inscrita anualmente no orçamento do Ministério da Justiça, capítulo "Gabinetes dos membros do Governo e serviços de apoio".
2 - Enquanto as correspondentes verbas não forem inscritas no Orçamento do Estado, serão as mesmas suportadas pelo Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça.
3 - Em todas as sentenças de condenação em processo criminal, o tribunal condenará o arguido a pagar uma quantia equivalente a 1% da taxa de justiça aplicável, a qual será considerada receita própria do Cofre Geral dos Tribunais.

Artigo 14.º
Aplicação no tempo

A caducidade estabelecida no artigo 4.º não pode ser invocada relativamente a factos praticados após 1 de Janeiro de 1991, sob condição de o pedido de indemnização ser apresentado no prazo de seis meses a contar da data da entrada em vigor do presente diploma.

Artigo 15.º
Isenção de preparos e custas e gratuitidade de documentos

1 - Os processos para concessão de indemnização por parte do Estado são isentos de preparos e custas.
2 - Os documentos necessários à instrução do pedido são gratuitos e deles deve constar expressamente que são emitidos para execução do disposto no presente diploma.

Artigo 16.º
(...)

(Alteração ao artigo 508.º do Código Civil)

Artigo 17.º
(...)

(Alteração ao artigo 82.º do Código de Processo Penal)

Artigo 18.º
Regulamentação

O recrutamento do pessoal de apoio da comissão a que se refere o artigo 6.º, a remuneração dos seus membros e, bem assim, a sua instalação e funcionamento serão objecto de decreto regulamentar.

Artigo 19.º
Entrada em vigor

O presente diploma, com excepção do disposto no artigo anterior, entra em vigor na data da publicação do decreto regulamentar naquele referido.

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PROPOSTA DE LEI N.º 56/X
APROVA O REGIME DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL CIVIL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS

Exposição de motivos

O XVII Governo Constitucional assumiu o compromisso de consagrar um novo regime de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas públicas, na sequência de iniciativas anteriormente tomadas e que, por razões que se repetiram, não deram lugar a um texto legal.
Com efeito, na VIII legislatura o XIV Governo Constitucional levou a cabo o propósito de elaborar um diploma que regulasse globalmente a matéria da responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades públicas, por danos resultantes do exercício das funções política e legislativa, jurisdicional e administrativa, pela primeira vez na nossa ordem jurídica.
Para o efeito promoveu a realização de um processo de participação pública, no âmbito do qual foram debatidas as grandes questões que neste domínio se colocam, tendo sido reunidos em livro os textos das intervenções realizadas. Diversos contributos para a reforma foram posteriormente apresentados, com destaque para o da Ordem dos Advogados, que divulgou um texto, elaborado por uma comissão de reputados especialistas, no qual apresentou, sob a forma de articulado, as suas propostas sobre a matéria.
Assim, em 30 de Novembro de 2001, a Assembleia da República aprovou, na generalidade e com o voto favorável de todos os partidos representados, a proposta de lei n.º 95/VIII, apresentada pelo Governo em Julho de 2001, sobre o regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.
A referida proposta de lei não chegou, no entanto, a ser aprovada na especialidade pela Assembleia da República, por força da demissão do Governo, que implicou a sua caducidade e obrigou ao recomeço de um novo procedimento legislativo.
Iniciada nova legislatura, um grupo de Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou, em 16 de Outubro de 2002, um novo projecto de lei de responsabilidade civil extracontratual do Estado (projecto de lei n.º 148/IX), que se baseou na proposta de lei n.º 95/VIII. Esse projecto de lei também foi aprovado por unanimidade, na generalidade, em Novembro de 2002.
Em Setembro de 2003 o XV Governo Constitucional apresentou à Assembleia da República a proposta de lei n.º 88/IX, que foi igualmente aprovada na generalidade pela Assembleia da República.
À semelhança do que sucedera em 2001 com a proposta de lei n.º 95/VIII, as referidas propostas de lei não chegaram a ser votadas na especialidade, em virtude da demissão do Governo, o que determinou, uma vez mais, a sua caducidade, obrigando ao recomeço de novo procedimento legislativo.
O Governo apresenta agora novamente à Assembleia da República uma proposta de lei que regula o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, na esteira dos projectos apresentados pelo XIV Governo Constitucional e pelos Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Os diversos contributos recolhidos no decurso deste longo processo foram tidos em conta na elaboração da presente proposta de lei, com destaque para as propostas contidas no texto apresentado pela Ordem dos Advogados, cujo articulado foi, em grande medida, retomado, na medida em que pareceu deverem ser partilhados muitos dos considerandos em que ele se baseou e que, nesta exposição de motivos, por isso mesmo se subscrevem.
Pode dizer-se que se afigura correcta a opção de partir para a redefinição do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, pelo menos no que ao exercício da função administrativa se refere, do regime estatuído no Decreto-Lei n.º 48 051 e às soluções que, ao longo dos tempos, em seu torno foram sendo gizadas pela jurisprudência portuguesa. Daí ter sido considerado útil incorporar na lei soluções que, tendo vindo a afirmar-se na prática jurisprudencial, a consagração normativa permitirá consolidar.
É o que sucede com alguns dos preceitos que integram as disposições gerais, bem como com algumas das normas em matéria de responsabilidade pelo exercício da função administrativa - com destaque para a consagração, com alcance geral, do entendimento, já assumido pela jurisprudência administrativa, de que a eventual não utilização da via processual adequada à eliminação de um acto jurídico lesivo, só por si, não põe em causa o direito à indemnização, apenas podendo relevar no quadro do instituto da culpa do lesado.
O novo diploma procura, entretanto, dar, finalmente, resposta à necessidade, de há muito sentida, de adaptar o regime legal da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas às exigências ditadas pela Constituição da República. Neste sentido aperfeiçoa-se o regime da responsabilidade pelo exercício da função administrativa, estendendo o campo de aplicação do regime da responsabilidade solidária ao domínio das condutas praticadas com culpa grave; estabelece-se, pela primeira vez em Portugal, um regime geral de responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional; e introduz-se um regime inovador em matéria de responsabilidade pelo exercício das funções política e legislativa. De não menor alcance é a opção de consagrar, nos mais amplos termos, o dever de o Estado e demais pessoas colectivas de direito público indemnizarem todo aquele a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, sem circunscrever o regime ao exercício da função administrativa.

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Trata-se, em qualquer destes domínios, de dar cumprimento aos imperativos do Estado de direito, assegurando a adequada tutela de quem é lesado pela actuação ilícita das entidades públicas e, do mesmo passo, promovendo a qualidade e a responsabilidade no exercício dos poderes públicos. Neste último sentido se inscreve a transformação do direito de regresso, quando exista, num poder de exercício vinculado.
Antes de mais, opta-se, no presente diploma, por manter a diferenciação que, na ordem jurídica portuguesa, tem sido estabelecida entre actuações administrativas que dão lugar a uma responsabilidade regida por disposições de direito público e actuações administrativas que dão lugar a uma responsabilidade regida por disposições de direito privado, circunscrevendo o âmbito do diploma à definição do regime de direito público da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas.
Considera-se, na verdade, que não são qualitativamente idênticas e, por isso, indiferenciáveis as condutas que as entidades públicas desenvolvem como se fossem entidades privadas e aquelas que elas adoptam no exercício de poderes públicos de autoridade ou, em todo o caso, ao abrigo de disposições e princípios de direito público, institutivos de deveres ou restrições especiais, de natureza especificamente administrativa, que não se aplicam à actuação das entidades privadas. E que, dentro dessa perspectiva, ainda permanecem válidas as razões que, historicamente, levaram a associar a esta distinção uma diferenciação de regimes, admitindo que, quando está em causa o exercício de funções públicas, a responsabilidade directa do titular de órgão, funcionário ou agente e o direito de regresso sobre ele apenas devem existir quando tenha havido dolo ou culpa grave da sua parte.
Trata-se, na verdade, de reconhecer que as obrigações funcionais dos agentes públicos podem ser vastas e complexas, o que os pode levar a cometer um maior número de faltas sem culpa grave, e de admitir que a exposição do agente, nestes casos, ao pagamento de indemnizações de montante muito superior aos proventos que a função lhe proporciona pode fazer com que o receio de ser responsabilizado por culpa leve o iniba nas suas iniciativas, prejudicando a serenidade e a independência dos seus juízos.
Opta-se, assim, por delimitar o âmbito material das actuações abrangidas pelo regime de responsabilidade segundo o critério do regime jurídico substantivo ao abrigo do qual elas foram adoptadas.
Num momento histórico de reconhecida e crescente indefinição no que diz respeito à delimitação de conceitos como o de "Administração Pública" ou mesmo de "entidades públicas", não faltando quem neles inclua as pessoas colectivas que, tendo sido criadas segundo formas de instituição regidas pelo direito privado e funcionando fundamentalmente ao abrigo de regras de direito privado, são, no entanto, detidas por entidades públicas, gerem recursos públicos e prosseguem finalidades de interesse público, houve também o propósito de evitar ambiguidades quanto à determinação da extensão em que o presente diploma se aplica a tais entidades, "entidades públicas sob formas privadas". Por este motivo se recorre à clássica contraposição entre "pessoas colectivas de direito público" e "pessoas colectivas de direito privado" para esclarecer que tanto a responsabilidade de umas como a de outras só se rege por este diploma quando resulte de actuações reguladas por disposições e princípios específicos de direito administrativo, segundo o critério material de delimitação que já foi exposto.
Ainda no que se refere à responsabilidade civil da Administração, as principais alterações propostas consistem no já referido alargamento da regra da solidariedade, em conformidade com a Constituição, ao domínio das condutas praticadas com culpa grave; a consagração legal da responsabilidade objectiva da Administração pelo funcionamento anormal dos seus serviços; e a introdução de um regime de presunção de culpa, nos casos em que os danos são causados por actos jurídicos, o que compreende actos administrativos e actos de conteúdo normativo.
Com a introdução desta presunção de culpa, aproxima-se, finalmente, o quadro normativo legislado da prática dos nossos tribunais administrativos, que - em sintonia com a tradição firmada nos países do sul da Europa, com particular destaque para a França, e, por influência desta, no direito comunitário -, já de há muito vinham entendendo que a culpa é inerente à prática de actos jurídicos ilegais por parte da Administração. Do mesmo passo, dá-se, assim, satisfação às exigências impostas pela Directiva n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, a que se veio juntar a Directiva 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro, que, embora no domínio específico das consequências da anulação de actos relativos à formação de certo tipo de contratos, se fazem eco da orientação, de matriz francesa, que tem inspirado o Tribunal de Justiça das Comunidades no domínio da responsabilidade por actos administrativos ilegais e que precisamente assenta no entendimento de que a culpa se encontra ínsita na ilegalidade cometida, sem carecer, por isso, de demonstração.
Avança-se, por outro lado, no sentido do alagamento da responsabilidade civil do Estado por danos resultantes do exercício da função jurisdicional, fazendo, para o efeito, uma opção arrojada: a de estender ao domínio do funcionamento da administração da justiça o regime da responsabilidade da Administração, com as ressalvas que decorrem do regime próprio do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que os magistrados respondam directamente pelos ilícitos que cometam com dolo ou culpa grave, pelo que não se lhes aplica o regime de responsabilidade solidária que vale para os titulares de órgãos, funcionários e agentes administrativos, incluindo os que prestam serviço na administração da justiça.
No que se refere ao regime do erro judiciário, para além da delimitação genérica do instituto, assente num critério de evidência do erro de direito ou na apreciação dos pressupostos de facto, entendeu-se dever limitar a possibilidade de os tribunais administrativos, numa acção de responsabilidade, se pronunciarem sobre a

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bondade intrínseca das decisões jurisdicionais, exigindo que o pedido de indemnização seja fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
De especial alcance é a opção de avançar para a consagração de um regime geral de responsabilidade do Estado e das regiões autónomas por acções ou omissões ilícitas cometidas no exercício das funções política ou legislativa.
Pese embora a delicadeza da matéria e a incipiência da prática jurisprudencial, entendeu-se não dever o legislador manter silêncio sobre os elementos constitutivos da responsabilidade que, neste domínio, se revestem de alguma especificidade e cuja definição, por isso mesmo, se torna mais difícil.
Neste sentido se identificam as situações de ilicitude por referência à ofensa de direitos fundamentais, quando esteja em causa a violação evidente do dever da sua protecção, bem como a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, quando resulte da violação de normas constitucionais, de direito internacional ou comunitário, ou de normas de valor reforçado.
Reconhecendo, com a doutrina, que o conceito civilístico de culpa se coaduna mal com a liberdade de conformação inerente à função política e com o contraditório inerente ao pluralismo parlamentar, mas que ao mesmo tempo se impõe alguma exigência na determinação dos critérios a adoptar neste domínio, opta-se por evitar o apelo, neste contexto, a um conceito de culpa, para se reconhecer a necessidade de apreciar o contexto que rodeou a conduta lesiva, determinando se a actuação do legislador abstracto correspondeu aos padrões objectivamente exigíveis em função das circunstâncias do caso.
Concorda-se em que se justifica admitir a possibilidade de o tribunal limitar a indemnização quando os lesados por uma acção ou omissão legislativa ilícita e culposa forem em tal número que se justifique, por razões de interesse público de excepcional relevo, uma tal solução.
Harmoniza-se, entretanto, o disposto no Estatuto do Ministério Público com o que hoje se encontra definido no Estatuto dos Magistrados Judiciais quanto aos pressupostos de que depende o exercício do direito de regresso do Estado sobre os magistrados, circunscrevendo o âmbito de exercício desse direito aos casos de dolo ou culpa grave.
Foram ouvidos o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Conselho Superior do Ministério Público, a Ordem dos Advogados, a Câmara dos Solicitadores e o Conselho dos Oficiais de Justiça.
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º
Aprovação

É aprovado o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, que se publica em anexo à presente lei e que dela faz parte integrante.

Artigo 2.º
Regimes especiais

1 - O disposto na presente lei salvaguarda os regimes especiais de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa.
2 - A presente lei prevalece sobre qualquer remissão legal para o regime de responsabilidade civil extracontratual de direito privado aplicável a pessoas colectivas de direito público.

Artigo 3.º
Pagamento de indemnizações

1 - Quando haja lugar ao pagamento de indemnizações devidas por pessoas colectivas pertencentes à administração indirecta do Estado ou à administração autónoma e a competente sentença judicial não seja espontaneamente executada no prazo máximo de 30 dias, o crédito indemnizatório só pode ser satisfeito por conta da dotação orçamental inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) a título subsidiário quando, através da aplicação do regime da execução para pagamento de quantia certa regulado na lei processual civil, não tenha sido possível obter o respectivo pagamento junto da entidade responsável.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de o interessado solicitar directamente a compensação do seu crédito com eventuais dívidas que o onerem para com a mesma pessoa colectiva, nos termos do artigo 170.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem necessidade de solicitar previamente a satisfação do seu crédito indemnizatório através da aplicação do regime da execução para pagamento de quantia certa previstas na lei processual civil.
3 - Nas situações previstas no n.º 1, caso se mostrem esgotadas as providências de execução para pagamento de quantia certa previstas na lei processual civil sem que tenha sido possível obter o respectivo pagamento através da entidade responsável, a secretaria do tribunal notifica imediatamente o CSTAF para

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que emita a ordem de pagamento da indemnização, independentemente de despacho judicial e de tal ter sido solicitado, a título subsidiário, na petição de execução.
4 - Quando ocorra a satisfação do crédito indemnizatório por via do Orçamento do Estado, nos termos do n.º 1, o Estado goza de direito de regresso, incluindo juros de mora, sobre a entidade responsável, a exercer mediante uma das seguintes formas:

a) Desconto nas transferências a efectuar para a entidade em causa no Orçamento do Estado do ano seguinte;
b) Tratando-se de entidade pertencente à administração indirecta do Estado, inscrição oficiosa no respectivo orçamento privativo pelo órgão tutelar ao qual caiba a aprovação do orçamento; ou
c) Acção de regresso a intentar no tribunal competente.

Artigo 4.º
Alteração ao Estatuto do Ministério Público

O artigo 77.º do Estatuto do Ministério Público passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 77.º
(…)

Fora dos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efectivada, mediante acção de regresso do Estado, em caso de dolo ou culpa grave."

Artigo 5.º
Norma revogatória

São revogados o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, e os artigos 96.º e 97.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção da Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.

Artigo 6.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no prazo de 30 dias após a data da sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 7 de Dezembro de 2005.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - O Ministro da Presidência, Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira - O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Ernesto Santos Silva.

Anexo

Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas

Capítulo I
Disposições gerais

Artigo 1.º
Âmbito de aplicação

1 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público, por danos resultantes do exercício das funções política e legislativa, jurisdicional e administrativa, rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo o que não esteja previsto em lei especial.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
3 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, o presente diploma regula também a responsabilidade civil dos titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos, por danos decorrentes de acções ou omissões adoptadas no exercício das funções administrativa e jurisdicional e por causa desse exercício.
4 - As disposições do presente diploma são ainda aplicáveis à responsabilidade civil dos demais trabalhadores ao serviço das entidades abrangidas, considerando-se extensivas a estes as referências feitas aos titulares de órgãos, funcionários e agentes.
5 - As disposições que, no presente diploma, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do

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exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.

Artigo 2.º
Danos ou encargos especiais e anormais

Para os efeitos do disposto no presente diploma consideram-se especiais os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas, e anormais os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito.

Artigo 3.º
Obrigação de indemnizar

1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
2 - A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível ou não repare integralmente os danos.
3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.

Artigo 4.º
Culpa do lesado

Quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Artigo 5.º
Prescrição

O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionários e agentes, bem como o direito de regresso, prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.

Artigo 6.º
Direito de regresso

1 - O exercício do direito de regresso, nos casos em que este se encontra previsto na presente lei, é obrigatório, sem prejuízo do procedimento disciplinar a que haja lugar.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, a secretaria do tribunal que tenha condenado a pessoa colectiva remete certidão da sentença, logo após o trânsito em julgado, à entidade ou às entidades competentes para o exercício do direito de regresso.

Capítulo II
Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa

Secção I
Responsabilidade por facto ilícito

Artigo 7.º
Responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas colectivas de direito público

1 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
2 - É concedida indemnização às pessoas lesadas por violação de norma ocorrida no âmbito de procedimento de formação dos contratos referidos no artigo 100.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos termos da presente lei.

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3 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.
4 - Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos.

Artigo 8.º
Responsabilidade solidária em caso de dolo ou culpa grave

1 - Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo.
2 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respectivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as acções ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
3 - Sempre que satisfaçam qualquer indemnização nos termos do número anterior, o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público gozam de direito de regresso contra os titulares de órgãos, funcionários ou agentes responsáveis, competindo aos titulares de poderes de direcção, de supervisão, de superintendência ou de tutela adoptar as providências necessárias à efectivação daquele direito, sem prejuízo do eventual procedimento disciplinar.

Artigo 9.º
Ilicitude

1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado, e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º.

Artigo 10.º
Culpa

1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.
3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.
4 - Quando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil.

Secção II
Responsabilidade pelo risco

Artigo 11.º
Responsabilidade pelo risco

1 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público respondem pelos danos decorrentes de actividades, coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos, salvo quando, nos termos gerais, se prove que houve força maior ou concorrência de culpa do lesado, podendo o tribunal, neste último caso, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização.
2 - Quando um facto culposo de terceiro tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos, o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público respondem solidariamente com o terceiro, sem prejuízo do direito de regresso.

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Capítulo III
Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional

Artigo 12.º
Regime geral

Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.

Artigo 13.º
Responsabilidade por erro judiciário

1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.

Artigo 14.º
Responsabilidade dos magistrados

1 - Sem prejuízo da responsabilidade criminal em que possam incorrer, os magistrados judiciais e do Ministério Público não podem ser directamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos actos que pratiquem no exercício das respectivas funções, mas, quando tenham agido com dolo ou culpa grave, o Estado goza de direito de regresso contra eles.
2 - A decisão de exercer o direito de regresso sobre os magistrados cabe ao órgão competente para o exercício do poder disciplinar, a título oficioso ou por iniciativa do Ministro da Justiça.

Capítulo IV
Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício das funções política e legislativa

Artigo 15.º
Responsabilidade no exercício das funções política e legislativa

1 - O Estado e as regiões autónomas são civilmente responsáveis pelos danos anormais causados aos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos por actos que, no exercício da função política ou legislativa, pratiquem em desconformidade com a Constituição, o direito internacional, o direito comunitário ou acto legislativo de valor reforçado.
2 - A decisão do tribunal que se pronuncie sobre a inconstitucionalidade ou ilegalidade de norma jurídica ou sobre a sua desconformidade com convenção internacional, para efeitos do número anterior, equivale, para os devidos efeitos legais, a decisão de recusa de aplicação ou a decisão de aplicação de norma cuja inconstitucionalidade, ilegalidade ou desconformidade com convenção internacional haja sido suscitada durante o processo, consoante o caso.
3 - O Estado e as regiões autónomas são também civilmente responsáveis pelos danos anormais que, para os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, resultem da omissão de providências legislativas necessárias para tornar exequíveis normas constitucionais, de direito internacional ou de direito comunitário, ou normas contidas em acto legislativo de valor reforçado, bem como daqueles que resultem da violação evidente do dever de protecção de direitos fundamentais.
4 - A existência e a extensão da responsabilidade prevista nos números precedentes são determinadas atendendo às circunstâncias de cada caso e, designadamente, ao grau de clareza e precisão da norma violada e ao facto de terem sido adoptadas ou omitidas diligências susceptíveis de evitar a situação de ilicitude.
5 - A constituição em responsabilidade fundada na omissão de providências legislativas necessárias para tornar exequíveis normas constitucionais depende da prévia verificação de inconstitucionalidade por omissão pelo Tribunal Constitucional.
6 - Quando os lesados forem em tal número que, por razões de interesse público de excepcional relevo, se justifique a limitação do âmbito da obrigação de indemnizar, esta pode ser fixada equitativamente em montante inferior ao que corresponderia à reparação integral dos danos causados.

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0018 | II Série A - Número 081 | 28 de Janeiro de 2006

 

Capítulo V
Indemnização pelo sacrifício

Artigo 16.º
Indemnização pelo sacrifício

O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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0002 | II Série A - Número 081 | 28 de Janeiro de 2006   RESOLUÇÃO COMEMO

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