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Quinta-feira, 30 de Março de 2006 II Série-A - Número 98

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

S U M Á R I O

Projectos de lei (n.os 183, 221, 222, 223, 224, 232 e 233/X):
N.º 183/X [Arquitectura: um direito dos cidadãos, um acto próprio dos arquitectos (revogação parcial do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro)]:
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Trabalho e Segurança Social.
N.º 221/X (Altera a Lei Eleitoral da Assembleia da República, introduzindo o requisito da paridade):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Nº 222/X (Altera a Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais, introduzindo o requisito da paridade):
- Vide projecto de lei n.º 221/X.
N,.º 223/X (Altera a Lei Eleitoral do Parlamento Europeu, introduzindo o requisito da paridade):
- Vide projecto de lei n.º 221/X.
N.º 224/X (Lei da paridade: estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos):
- Vide projecto de lei n.º 221/X.
N.º 232/X - Cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges (apresentado pelo BE).
N.º 233/X - Altera o Decreto-Lei n.º 243/2001, de 5 de Setembro (Aprova normas relativas à qualidade da água destinada ao consumo humano), por forma a reforçar a informação sobre a qualidade da água ao público (apresentado por Os Verdes).

Proposta de lei n.º 56/X (Aprova o regime da responsabilidade extracontratual civil do Estado e demais entidades públicas):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Projecto de resolução n.º 118/X:
Recomenda ao Governo a adopção de procedimentos prioritários com vista ao tratamento de Resíduos Industriais Perigosos (apresentado pelo BE).

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PROJECTO DE LEI N.º 183/X
[ARQUITECTURA: UM DIREITO DOS CIDADÃOS, UM ACTO PRÓPRIO DOS ARQUITECTOS (REVOGAÇÃO PARCIAL DO DECRETO N.º 73/73, DE 28 DE FEVEREIRO)]

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Trabalho e Segurança Social

I - Relatório

1 - Nota prévia

Um grupo de 36 783 cidadãos tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da Republica o projecto de lei n.º 183/X - Arquitectura: um direito dos cidadãos, um acto próprio dos arquitectos (revogação parcial do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro.
A apresentação do projecto de lei n.º 183/X (iniciativa legislativa dos cidadãos) foi efectuada ao abrigo do disposto no artigo 167.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República e da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, reunindo os requisitos formais exigidos.
Esta é a primeira iniciativa legislativa apresentada por cidadãos eleitores junto da Assembleia da República, ao abrigo da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, que regula os termos e condições em que grupos de cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República.
Nos termos do citado diploma legal (cifra artigo 7.º), os cidadãos eleitores subscritores do projecto de lei n.º 187/X designaram entre si uma comissão representativa, composta pelos seguintes cidadãos:

1 - Arq.ª Helena Roseta, Presidente da Ordem dos Arquitectos;
2 - Arq.º Manuel Vicente, Vice-Presidente do Conselho Directivo Nacional;
3 - Arq.º João Afonso, Secretário do Conselho Directivo Nacional;
4 - Arq.º Tiago Mota Saraiva, Tesoureiro do Conselho Directivo Nacional;
5 - Arq.º Pedro Milharadas, Vogal do Conselho Directivo Nacional;
6 - Arq.º João Pedro Serôdio, Presidente do Conselho Directivo Regional Norte;
7 - Arq.ª Leonor Cintra Gomes, Presidente do Conselho Directivo Regional Sul;
8 - Arq.º Carlos Guimarães, Presidente da Mesa da Assembleia Geral;
9 - Arq.º João Belo Rodeia, Presidente do Conselho Nacional de Delegados;
10 - Dr. João Miranda, Assessor Jurídico do Conselho Directivo Nacional.

Através do despacho do Presidente da Assembleia da República de 19 de Dezembro de 2005, o projecto de lei vertente baixou à Comissão de Trabalho e Segurança Social, em razão de matéria, para efeitos de consulta pública junto das estruturas representativas dos trabalhadores e das associações patronais, bem como para efeitos de apreciação e elaboração do competente relatório e parecer.
A Comissão de Trabalho e Segurança Social dispõe, nos termos da aludida Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, de 30 dias para elaborar o competente relatório e parecer, prazo que se suspendeu durante o período fixado para a consulta pública obrigatória junto das estruturas representativas dos trabalhadores e das associações patronais (cifra artigo 9.º n.os 1 e 5].
Após o envio do presente relatório e parecer, o Presidente da Assembleia da República promoverá, nos termos da mencionada lei, o agendamento da iniciativa legislativa para uma das 10 reuniões plenárias seguintes para efeitos de apreciação e votação na generalidade (cifra artigo 10.º. n.º 1).

2 - Objecto e motivação

Através do projecto de lei n.º 183/X visam os respectivos proponentes promover a revogação parcial do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, estabelecendo que a elaboração, subscrição e apreciação de projectos de arquitectura compete exclusivamente aos arquitectos validamente inscritos na respectiva ordem profissional ou aos portadores de declaração emitida nos ternos do artigo 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 14/90, de 8 de Janeiro.
Para os restantes profissionais da construção que, ao abrigo do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, tinham competência para elaborar e subscrever projectos de arquitectura a iniciativa legislativa vertente prevê que o Governo deverá aprovar, no prazo de um ano a contar da data da entrada em vigor do diploma, e após consulta das associações representativas dos interesses de todos, um regime de qualificação profissional.
Transitoriamente, a iniciativa legislativa em análise permite que as câmaras municipais possam continuar a aceitar projectos de arquitectura não subscritos por arquitectos, num período de três anos a contar da data da entrada em vigor do diploma, desde que os respectivos autores provem que, à data da publicação do mesmo,

[DAR II série A 71 X/1 2005-12-23]

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já tinham apresentado nas câmaras onde se encontram inscritos, e por um período não inferior a cinco anos, projectos da mesma natureza por si subscritos, que mereceram aprovação.
De acordo com a exposição de motivos que antecede o projecto de lei n.º 183/X, as razões que levaram à aprovação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, que reconhece aos arquitectos, engenheiros civis, técnicos de engenharia e de minas, construtores civis diplomados e outros técnicos diplomados em engenharia ou arquitectura reconhecidos pelos respectivos organismos profissionais competência para subscrever projectos de arquitectura "(…) estão hoje ultrapassadas e foram substituídas por argumentos que justificam a rápida revogação do diploma, a qual, aliás, já esteve por diversas vezes prometida e mesmo oficialmente assumida (…)".
Na opinião dos autores do projecto de lei n.º 183/X, "o que está em causa, fundamentalmente, é devolver e reservar aos arquitectos as competências cujo exercício só a sua especial qualificação justifica e exige (…)".
Para fundamentar as soluções normativas consubstanciadas no projecto de lei n.º 183/X os seus autores recordam as razões históricas que estiveram na génese da aprovação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, e invocam razões sociais e jurídicas para sustentar a necessidade da sua revogação.
No plano das razões históricas que levaram à aprovação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, os proponentes alegam que durante o Estado Novo "o Governo desprezou a conservação do património construído destinado ao domicílio do cidadão comum, e apostou na realização de grandes obras públicas como símbolo do regime (…). A atenção aos aspectos arquitectónicos ficou circunscrita, por isso, aos edifícios públicos, aos monumentos nacionais (…) e às suas zonas de protecção. A construção e alteração destes imóveis devia estar subordinada a projectos obrigatoriamente assinados por arquitectos (maxime, se a obra tivesse reconhecido valor arquitectónico) ou por engenheiros civis, salvo se se tratasse de obras de arquitectura e construção simples (…)".
Fazendo alusão ao livro branco sobre a política da habitação em Portugal, os proponentes referem que "(…) os anos 60 assinalam, em Portugal, o despertar para a industrialização e o correlativo acelerar do processo de urbanização. A lógica deste processo impôs, a partir de finais da década, um discurso e medidas industriais a favor de uma política mais produtiva (…)". É neste contexto que surge o Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril, introduzindo novas regras sobre o licenciamento de obras particulares. "(…) A aceleração do procedimento de licenciamento passava, entre outras coisas, pela transmissão da responsabilidade pelo cumprimento de regras técnicas, gerais e específicas, das autarquias para os autores dos projectos (…)." Esta alteração, afirmava-se, significava um investimento de confiança nos autores dos projectos, que tinha correspondência na exigência de estabelecimento, por parte do Ministro das Obras Públicas, da qualificação oficial a exigir dos técnicos responsáveis pelos projectos, ouvido o Ministro da Educação Nacional e os organismos corporativos (…).
Finalmente, referem que "a pressão populacional (…), o rápido crescimento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, a que se juntou o progressivo afluxo dos "retornados" das ex-colónias, de uma banda, aliada ao reduzido número de arquitectos (em 1969 eram poucos mais de 500 os arquitectos inscritos no sindicato), de outra banda, forçou o legislador a baixar a fasquia da qualidade e a comprometer, assim, o resultado do voto de confiança que fizera em 1970. Estamos, obviamente, a referir-nos à aprovação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, fruto, simultaneamente, da crescente procura de habitações novas e da reduzida oferta daqueles profissionais que, com mais qualidade, lhes poderia corresponder. No essencial, através do Decreto n.º 73/73, o Governo "(…) alargou o espectro de profissionais aptos a subscrever projectos de construção e estudos de urbanização, com vista a garantir a existência de técnicos em número suficiente para corresponder ao referido aumento da procura (…)".
Quanto às razões sociais que, segundo os autores do projecto de lei n.º 183/X, aconselham a revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, são apontadas as seguintes:

i) O alargamento da oferta ao nível da formação académica;
ii) A generalização do interesse pelas questões relacionadas com a renovação urbana;
iii) A necessidade de credibilização dos profissionais do sector da construção.

No plano das razões jurídicas que aconselham a uma revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, os proponentes da iniciativa vertente alegam exaustivamente na exposição de motivos a sua desconformidade com normas inscritas na Constituição da República Portuguesa (artigo 66.º, n.º 2, alíneas b), c), e) e d)), no direito comunitário (Directiva n.º 85/384, de 10 de Junho) e na legislação ordinária (Decreto-Lei n.º 205/88, de 16 de Junho, Decreto-Lei n.º 292/95, de 14 de Novembro, Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Junho, e Decreto-Lei n.º 176/98, de 3 de Julho). A este propósito referem os proponentes que "se a Constituição e o direito comunitário se opõem à manutenção do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, não menos se revela a sua inadequação em face da legislação ordinária (…)", para de seguida concluírem no seguinte sentido:

"1) Só uma tomada de posição clara do legislador no sentido da revogação expressa do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, pode pôr cobro à situação de completa desarticulação legislativa que actualmente se vive;
2) A revogação do Decreto n.º 73/73, pelas implicações sócio-profissionais que terá, deverá ser acompanhada de medidas legislativas adequadas que assegurem aos profissionais que até agora, sem

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aptidão material para tanto mas a coberto de uma legislação permissiva, subscreviam projectos de construção a possibilidade de aplicarem a sua experiência em domínios nos quais esta seja admissível e útil".

Referindo-se à posição dos profissionais não qualificados detentores de "direitos adquiridos", em face da revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, os autores da iniciativa legislativa vertente afirmam que "a questão da revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, sempre tem merecido, por parte dos profissionais com outras qualificações que não as de arquitecto e engenheiro civil, forte contestação. São quase 30 anos de exercício profissional no ramo da construção, a coberto de um regime obsoleto, é certo, mas que foram consolidando uma prática que abrange um vasto número de pessoas. Resta saber se o mero decurso do tempo (…) legitima a invocação, por parte de profissionais sem formação específica em arquitectura, de um direito a executar tarefas (…) para cujo exercício o sistema jurídico reclama aptidões específicas. Vários são os argumentos que concorrem para a resposta negativa:

1 - A situação de carência de profissionais qualificados que se vivia no início dos anos 70 foi ultrapassada;
2 - É que não é admissível que quem tem formação não tenha trabalho, e quem não tem formação tenha trabalho;
3 - A manutenção do regime do Decreto n.º 73/73, muito para além do tempo da sua necessidade, conduziu a uma flagrante e continuada violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 2, da Constituição);
4 - Anote-se ainda mais uma inconstitucionalidade, que se traduz na incompatibilidade entre o regime do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, e o elenco das tarefas do Estado relativas à protecção do ambiente e do património. Partindo destas considerações concluem nos sentido de "(…) que não existem quaisquer direitos adquiridos a tutelar (…). E nem se diga, na falta de direitos adquiridos, que aos profissionais da construção devem ser reconhecidas legitimas expectativas a um longo período transitório até à cessão de aplicação do Decreto n.º 73/73, após a sua revogação (…). Porém, por um lado, a inexistência de um longo período transitório não equivale à ausência de um qualquer período de adaptação à nova realidade do mercado de trabalho. Uma tutela, ainda que reduzida, da continuidade das situações profissionais, é uma concretização do princípio da segurança jurídica, corolário do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição). Por outro, o estabelecimento desse tempo de adaptação não deve eximir o legislador de aprovar um regime de qualificação profissional no domínio da construção, a fim de reencaminhar os vários profissionais para as tarefas que estão materialmente aptos a desempenhar".
A exposição de motivos que antecede o projecto de lei n.º 183/X termina com uma alusão à Resolução da Assembleia da República n.º 52/2003, de 22 de Maio, que recomenda ao Governo que tenha em consideração as conclusões da petição n.º 22/IX (1ª) relativa à revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, e tome as medidas adequadas à sua concretização. Referem os proponentes que "esta recomendação, infelizmente, não teve ainda eco em medidas legislativas concretas. Tal inércia contribui para a agudização da anarquia urbanística em Portugal e compromete, interna e internacionalmente, o Estado. (…)".

3 - Antecedentes parlamentares

A discussão parlamentar em torno da revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, não é nova.
Com efeito, na IX Legislatura, 54 839 cidadãos apresentaram a petição n.º 22/IX (1ª) , através da qual apelavam à Assembleia da República para que tomasse as medidas legislativas que se impunham com vista à revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, salvaguardando o princípio de que os actos próprios da profissão de arquitecto competem exclusivamente a arquitectos; e que solicitasse ao Governo a definição, de modo compatível com a reserva da actividade de arquitecto aos arquitectos, do regime da qualificação profissional exigível aos restantes agentes no sector da construção, contribuindo-se, desse modo, para a regulação imprescindível de um sector de actividade de importância vital para o País.
O relatório final da petição n.º 22/IX (1.ª), cuja relatora foi a Deputada do CDS-PP Isabel Gonçalves, aprovado por unanimidade, em 8 de Abril de 2003, pela Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, fixou sete conclusões, das quais, pela sua importância, se destacam as seguintes:

"
1 - (...)
2 - O direito à arquitectura é uma consequência lógica dos direitos à habitação e urbanismo e ao ambiente e qualidade de vida consagrados na Constituição da República Portuguesa.
3 - A manutenção do regime transitório consagrado no Decreto n.º 73/73 implica a existência de uma incoerência técnico-profissional e jurídica, com uma demissão do Estado no que respeita à regulação do sector da construção e da qualidade arquitectónica para a protecção do ambiente e do património, impedindo o exercício da profissão de arquitecto num ambiente de concorrência legal.

[DAR II série B 27 IX/1 2003-01-11]

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4 - A manutenção do decreto é incompatível com a Directiva n.º 85/384, de 10 de Junho de 1985, e com o Decreto-Lei 176/98, de 3 de Julho, comprometendo a coerência de todo o sistema, sendo urgente um novo regime de qualificação profissional no domínio da construção para a regulação de um sector de actividade de importância vital para o País.
5 - Importa, por último, reflectir também sobre a posição dos profissionais com outras qualificações, que actualmente, salvaguardados pelo Decreto n.º 73/73, podem subscrever projectos de arquitectura, a quem deve ser conferido um tempo de adaptação e a possibilidade de serem reencaminhados para as tarefas que, de acordo com as respectivas qualificações, estão materialmente aptos a desempenhar.
6 - Não havendo direitos adquiridos nem expectativas legítimas a proteger, deverá, no entanto, recomendar-se que seja definido um período razoável de transição para reencaminhamento dos profissionais reconhecidos pelo Decreto n.º 73/73.
(…)"

A aludida petição, dado que era subscrita por mais de 4000 cidadãos, foi, nos termos legais e regimentais aplicáveis, discutida pelo Plenário da Assembleia da República, em 22 de Maio de 2003.
Na sequência da discussão da petição n.º 22/IX (1.ª) resultou a apresentação do projecto de deliberação n.º 17/IX (1.ª) , subscrito por Deputados de todos os grupos parlamentares, que, com base nas conclusões atrás referidas, recomendava ao Governo "(…) que as tenha em devida consideração e tome as medidas adequadas à sua concretização", tendo dado origem à Resolução da Assembleia da República n.º 52/2003 , relativa ao "Direito à arquitectura - revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro", cujo cumprimento não veio a ser dado.

4 - Enquadramento constitucional e legal

A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 66.º, normas atinentes à protecção do ambiente e da qualidade de vida. Nos termos do n.º 1 da citada norma constitucional, todos os cidadãos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, bem como o dever de o defender. O n.º 2 da referida norma estabelece, entre as incumbências do Estado para assegurar o direito ao meio ambiente e a um desenvolvimento sustentado, o direito de ordenar e promover o ordenamento do território e promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e de protecção de zonas históricas.
No plano legal, são vários os diplomas à luz dos quais deve ser analisada a iniciativa legislativa dos cidadãos, consubstanciada no projecto de lei n.º 183/X.
O Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, diploma cuja revogação parcial está patente na iniciativa legislativa objecto do presente relatório e parecer, aprovado num quadro de forte carência de profissionais qualificados em arquitectura, veio estabelecer quais os profissionais que podem elaborar e subscrever os projectos de obras sujeitas a licenciamento municipal. Nos termos do aludido diploma legal, podem subscrever os projectos os arquitectos, engenheiros civis, agentes técnicos de engenharia civil e de minas, construtores civis diplomados ou outros técnicos diplomados em engenharia ou arquitectura reconhecidos pelos respectivos organismos profissionais.
Para alem do aludido Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, importa fazer alusão a outros diplomas legais cujo objecto é conexo, na medida em que fazem referência à qualificação dos profissionais que subscrevem projectos, apontando para soluções distintas das que figuram no referido decreto.
O Decreto-Lei n.º 205/88, de 16 de Junho, relativo a "Projectos de arquitectura em imóveis classificados e respectivas zonas de protecção", apela expressamente, no seu preâmbulo, à alteração do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, considerando que o mesmo "carece de uma revisão profunda e ponderada, por se encontrar inadequado às actuais exigências de qualidade e rigor por que se deve pautar a qualificação oficial a exigir aos técnicos responsáveis pelo projecto de obras".
O Decreto-Lei n.º 292/95, de 14 de Novembro, que estabelece a qualificação oficial para a elaboração de planos de urbanização, de planos de pormenor e de projectos de operação de loteamentos, aponta para a necessidade de se promover o desenvolvimento urbano em consonância com preocupações de melhoria da qualidade de vida e de um adequado enquadramento das edificações. Defendendo no preâmbulo que "no limiar do século XXI não é aceitável que voltem a surgir zonas urbanas descaracterizadas, massificadas e sem qualidade", o legislador veio a exigir a formação de equipas multidisciplinares para a elaboração de planos de urbanização e de pormenor, integrando, em regra, pelo menos um arquitecto, um engenheiro civil ou um engenheiro técnico civil, um arquitecto paisagista, um técnico urbanista e um licenciado em direito, qualquer deles com experiência profissional efectiva de pelo menos três anos.
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho, que aprova o regime jurídico de instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos, consagra expressamente, no n.º 4 do artigo 10.º, que os

[DAR II série A 87 IX/1 2003-04-24]
[DR I série A 134 2003-06-11]

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estudos e projectos de empreendimentos turísticos devem ser subscritos por arquitecto ou por arquitecto em colaboração com engenheiro civil, devidamente identificados.
Também o Decreto-Lei n.º 176/98, de 3 de Julho, que aprova o Estatuto da Ordem dos Arquitectos, vai na mesma linha. Com efeito, o artigo 42.º, n.º 3, daquele Estatuto estabelece que "os actos próprios da profissão de arquitecto consubstanciam-se em estudos, projectos, planos e actividades de consultadoria, gestão e direcção de obras, planificação, coordenação e avaliação, reportadas ao domínio da arquitectura, o qual abrange a edificação, o urbanismo, a concepção e desenho do quadro espacial da vida da população, visando a integração harmoniosa das actividades humanas no território, a valorização do património construído e do meio ambiente". Também o artigo 43.º, alínea a), do aludido instrumento jurídico consagra como direito dos arquitectos "o direito de exercer a sua profissão, de acordo com a sua vocação, formação e experiência, sem interferência na sua autonomia técnica nem concorrência de profissionais sem formação adequada".
Finalmente, o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na sua actual redacção, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, consagra expressamente, no seu artigo 10.º, n.º 3, que "só podem subscrever os projectos os técnicos que se encontram inscritos em associação pública de natureza profissional e que façam prova da validade da sua inscrição aquando da apresentação do requerimento inicial, sem prejuízo do disposto no número seguinte".
O n.º 4 da mesma norma estabelece que "os técnicos cuja actividade não esteja abrangida por associação pública podem subscrever os projectos para os quais possuam habilitação adequada, nos termos do disposto no regime da qualificação profissional exigível aos autores de projectos de obras ou em legislação especial relativa a organismo público oficialmente reconhecido".
De referenciar, também, a Directiva n.º 85/384/CEE, do Conselho, de 10 de Junho de 1985, relativa ao reconhecimento mútuo de diplomas, certificados e outros títulos do domínio da arquitectura, incluindo medidas destinadas a facilitar o exercício efectivo do direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços, cujo artigo 2.º, inserido no Capítulo II relativo ao título profissional de arquitecto, estabelece que cada Estado-membro reconhecerá os diplomas, certificados e outros títulos mediante uma formação que satisfará determinados requisitos.
Por seu lado, o artigo 3.º da mencionada directiva impõe a intervenção do ensino de nível universitário de que a arquitectura constituirá o elemento principal, ensino esse que deverá manter um equilíbrio entre os aspectos teóricos e práticos da formação de modo a assegurar aquisição de capacidades e conhecimentos no domínio da arquitectura.
É, pois, com base neste vasto quadro normativo que deve ser analisada e equacionada a iniciativa legislativa dos cidadãos, importando, também, ter presente a intenção do XVII Governo Constitucional nesta matéria, que se encontra espelhada nas Grandes Opções do Plano.
Com efeito, na 3.ª Opção do referido documento, relativa a políticas essenciais para o desenvolvimento sustentável, pode ler-se que é intenção do Governo "rever o Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, definindo de forma clara quem pode ser projectista de um imóvel e quais as responsabilidades que lhe ficam associadas, quer em matéria de direitos de autor quer de responsabilidades".

5 - Consulta pública e processo de audições

5.1 - Da consulta pública:
O projecto de lei n.º 183/X - "Arquitectura: um direito dos cidadãos, um acto próprio dos arquitectos (revogação parcial do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro - foi, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, sujeito a consulta/discussão pública junto das estruturas representativas dos trabalhadores e dos empregadores, no período que decorreu entre 25 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 2006, tendo sido recebidos na Comissão de Trabalho e Segurança Social sete pareceres, dos quais três de associações, dois de confederações e dois de sindicatos. Foram igualmente recebidos 68 contributos de cidadãos com interesse na matéria objecto da iniciativa legislativa vertente.

5.2 - Do processo de audições:
Paralelamente ao processo de consulta pública que decorreu junto das estruturas representativas dos trabalhadores e empregadores, a Comissão de Trabalho e Segurança Social promoveu um vasto conjunto de audições em torno do projecto de lei n.º 183/X, nas quais participaram as entidades com interesse na matéria, algumas das quais fizeram a entrega de documentos consubstanciando as suas posições, que se encontram depositados nos serviços da Comissão.
Assim, em 24 de Janeiro de 2006, foi realizada a audição da comissão representativa dos cidadãos que apresentaram à Assembleia da República o projecto de lei n.º 183/X, conjuntamente com a Ordem dos Arquitectos, dado que os representantes de ambas as entidades eram os mesmos.
Numa breve exposição, a Sr.ª Arquitecta Helena Roseta explicou que o projecto de lei n.º 183/X surgiu na sequência de uma iniciativa da Ordem dos Arquitectos junto da Assembleia da República, concretizada através da petição n.º 22/IX (1.ª), no sentido da revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, a qual foi apreciada pela Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que aprovou, por unanimidade,

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em 8 de Abril de 2003, as conclusões e o parecer do relatório final, elaborado pela Sr.ª Deputada Isabel Gonçalves.
Lembrou que a Assembleia da República, com base nessas conclusões, aprovou, em 22 de Maio de 2003, a Resolução n.º 52/2003, na qual "recomenda ao Governo que as tenha em devida consideração e tome as medidas adequadas à sua concretização", a qual, até ao momento, não teve qualquer eco na adopção de uma medida legislativa concreta.
Referiu ainda que, tal como consta da exposição de motivos do referido projecto de lei, "o que está em causa, fundamentalmente, é devolver e reservar aos arquitectos as competências cujo exercício só a sua especial qualificação justifica e exige". Mencionou que a requalificação profissional no âmbito da construção consta como prioridade do Programa do Governo, razão pela qual, juntamente com a Ordem dos Engenheiros e a Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos (ANET), têm colaborado no âmbito do IMOPPI (Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário), entidade designada para o efeito pelo Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, na elaboração de um documento que estabeleça as linhas-mestras relativamente à competência de cada um em matéria de obras públicas.
Terminou a sua exposição fazendo referência à falta de bons profissionais intermédios no sector da construção, razão pela qual considerou necessário fazer um investimento sério nessa área.
Em 31 de Janeiro de 2006 foi realizada uma audição com a AECOPS (Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas), cujos representantes, Engenheiros Joaquim Fortunato e Ricardo Gomes, referiram já ter manifestado preocupação pela necessidade de revisão do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro.
Salientaram, contudo, parecer-lhes excessivo o prazo para a aplicação de um novo enquadramento, referindo-se ao disposto no projecto de lei n.º 183/X (iniciativa legislativa de cidadãos), que, em sua opinião, deveria ser de um ano, e consideraram que a revogação parcial do Decreto n.º 73/73 deveria constituir um primeiro passo na sequência do qual operar-se-ia a revisão, designadamente, do RGEU (Regulamento Geral de Edificações Urbanas) e do enquadramento geral da actividade de construção. Por último, comprometeram-se a enviar documentação considerada com relevância para a apreciação da matéria.
Em 31 de Janeiro de 2006 foi realizada uma audição com a Ordem dos Engenheiros. O Sr. Bastonário, Engenheiro Fernando Ferreira Santos, começou por dizer tratar-se de matéria da maior importância por ter a ver com a regulamentação da profissão. Esclareceu estar de acordo com o projecto de lei n.º 183/X, criticando-o por ser excessivamente restritivo, já que, em sua opinião, deveria ser tratado o produto final da construção.
Lembrou que, em 2004, a Ordem dos Engenheiros apresentou ao Executivo uma proposta de projecto de lei sobre a regulamentação da actividade de todos os intervenientes no processo de construção, na qual se avançava com a ideia da necessidade da criação de uma espécie de "fiscal público", isto é, o técnico responsável pelo licenciamento, até porque o Decreto-Lei n.º 555/99 é omisso quanto à definição do técnico responsável pela obra. Do mesmo modo, importava definir a qualificação profissional dos técnicos que podem dirigir obras.
Referiu-se igualmente a um projecto autónomo relativo à coordenação de segurança, quer em fase de projecto quer de obra, da responsabilidade da Ordem dos Engenheiros, que foi igualmente dado a conhecer ao Ministério das Finanças.
Também em 31 de Janeiro de 2006 foi realizada uma audição com a ANET (Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos), representada pelo seu Presidente, Engenheiro Augusto Ferreira Guedes, que referiu nada ter a opor relativamente ao projecto de lei n.º 183/X, bem pelo contrário, considera-o extemporâneo.
Clarificou que a ANET, juntamente com a Ordem dos Engenheiros e com a Ordem dos Arquitectos, já acordou na revisão do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, relativamente à qualificação dos diversos intervenientes, até por ser da maior importância pôr cobro à ideia de que em Portugal "toda a gente pode fazer tudo". Por outro lado, chamou a atenção para a necessidade de serem criados mecanismos para que não continuem as assinaturas de favor: se a arquitectura é para os arquitectos, importa que sejam estes, ou seja, quem sabe, a assinar os seus próprios projectos, até porque não deve ser o incauto cidadão a pagar os custos da má construção e o fenómeno da corrupção não pode continuar.
Concluindo disse que, mesmo que mais nada se faça, deve haver um diploma que estabeleça que a arquitectura é para os arquitectos. Questão diferente diz respeito à acreditação dos cursos e, neste domínio, se as ordens profissionais não alterarem as suas posições corporativas devem ser extintas.
Em 14 de Fevereiro de 2006 foi realizada uma audição com a AICCOPN (Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas), cujos representantes, Dr.ª Susana Gomes (Secretária-Geral) e o Eng. Branco Teixeira (responsável pelos serviços de engenharia), consideraram que a iniciativa era de louvar, apesar de entenderem que o respectivo âmbito devia ser mais centralizador, permitindo apurar não só a responsabilidade dos autores do projecto como regulamentar o sector em termos de competências e de intervenção dos diversos intervenientes bem como outros aspectos, designadamente os conexos com as obras públicas.
Em 14 de Fevereiro de 2006 foi realizada uma audição com a ANEOP (Associação Nacional de Empreiteiros de Obras Públicas), cujo representante, Manuel Agria, Vice-Presidente da Direcção, manifestou a sua concordância com a revisão do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, considerando mesmo justificar-se uma profunda revisão para além do que foi proposto. Observou que, em vez da actual permissividade, devia ser retomado o princípio do rigor e da responsabilidade, até porque o produto final, na maior parte dos casos, é a habitação.

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O representante da ANEOP deixou duas ideias: em primeiro lugar, que se procedesse ao alargamento do âmbito do diploma, de modo a incidir também nas obras públicas, onde está em causa a segurança; em segundo, por haver muitas empresas que têm por objecto social a concepção de projectos, importava distinguir entre o autor do projecto e a equipa projectista, não se justificando, por último, períodos de transição muito longos.
Ainda, em 14 de Fevereiro de 2006, foi realizada audição conjunta com ATAE (Associação dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia) e o Sindicato dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia.
O Presidente do Conselho Directivo Nacional da AATAE, Sr. Alexandre da Silva Carlos, começou por explicar já ter havido várias tentativas de revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, apesar de nunca ter havido entendimento das diversas partes, designadamente dos arquitectos.
Caracterizou aquele projecto de lei como elitista e defensor de interesses corporativos: os arquitectos pugnam por um mercado para o seu sector sem evidenciarem preocupações de âmbito nacional, a nível da segurança ou da qualidade da construção.
Referiu ser frequente ouvir dizer que os Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia não têm competência para exercer quando estão regulamentadas por lei as respectivas competências e não fazem qualquer sombra aos arquitectos. Terminou apelando para que tudo seja ponderado e avaliado, lembrando que o universo dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia cifra-se em cerca de 5000 profissionais, 20% dos quais laboram na área do projecto.
Por seu lado, o Sr. Presidente do Sindicato dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia (Timóteo Cordeiro) e o adjunto da direcção (Orlando Garcia) que começaram por referir que o projecto de arquitectura termina com a execução da obra e que poucos arquitectos estão preocupados com o seu acompanhamento.
Lembraram que, em Portugal, há pessoas muito capazes que gerem obras e que os Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia se sentem como se alguém lhes tivesse tirado o tapete, até por não constar que, no nosso país, haja obras da responsabilidade de agentes técnicos com problemas.
Explicaram o processo de formação dos agentes técnicos, concluindo que, tendo o Estado criado expectativas às pessoas, não se pode agora, por via administrativa, vir dizer que um profissional que era competente deixou de o ser.
Em 22 de Março de 2006 foi realizada uma audição com S. Ex.ª o Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, Dr. Paulo Campos, na qual informou a Comissão que o Governo vai proceder à revisão do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, como, aliás, consta das Grandes Opções do Plano, até por aquele diploma estar ultrapassado. Deu conta da complexidade do processo e fez saber que o Executivo está preocupado não só com a qualificação dos intervenientes como com a sua responsabilização, pelo que importa assegurar não apenas uma revisão global e coerente de todo o processo como uma transição adequada. Finalmente, deixou patente ser intenção do Governo apresentar na Assembleia da República uma proposta de lei relativa àquela matéria no prazo de 90 dias.
Importa, ainda, sublinhar que a Associação Nacional de Municípios Portugueses remeteu à Comissão de Trabalho e Segurança Social um parecer sobre o projecto de lei n.º 183/X, no qual menciona expressamente que "tem a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) defendido que os projectos devem ser elaborados e subscritos por técnicos qualificados para que se possa dar um passo em frente em matéria de urbanização e edificação. Tal passo prende-se com a responsabilização dos técnicos autores de projectos, que é uma realidade que importa acautelar e que contribuirá para a melhoria do sistema. Com efeito, as declarações dos técnicos que subscrevem projectos devem constituir garantia bastante de que foram cumpridas as normas técnicas, legais e regulamentares em vigor, dispensando-se os serviços municipais da sua análise. Contudo, tal só será verdadeiramente possível quando os profissionais ligados ao sector da construção forem qualificados. De seguida, conclui que "torna-se necessária uma alteração legislativa que propicie a revogação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, diploma que se revela anacrónico". Finaliza a ANMP referindo que "tal reforma deve ser paulatina evitando rupturas desnecessárias. Com efeito, face à carência de técnicos que se verifica no território de alguns municípios, deve tal reforma legislativa ter em conta essa realidade, criando um regime transitório que habilite outros profissionais, desde logo aqueles que neste momento subscrevem projectos, ao exercício dessas competências". Quanto ao regime transitório, a ANMP adianta que o mesmo "(…) deveria ser alvo de monitorização e análise constante, para que, em cada momento, seja possível aferir se se justifica ou não a sua manutenção (…)".

II - Conclusões

Atentos os considerandos que antecedem, conclui-se no seguinte sentido:

1 - Um grupo de 36 783 cidadãos tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da Republica o projecto de lei n.º 183/X - Arquitectura: um direito dos cidadãos, um acto próprio dos arquitectos (revogação parcial do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro;
2 - A apresentação do projecto de lei n.º 183/X (iniciativa legislativa dos cidadãos) foi efectuada ao abrigo do disposto no artigo 167.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República e da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, reunindo os requisitos formais exigidos;

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3 - Esta é a primeira iniciativa legislativa apresentada por cidadãos eleitores junto da Assembleia da República, ao abrigo da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, que regula os termos e condições em que grupos de cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República;
4 - Através do projecto de lei n.º 183/X visam os respectivos proponentes:

i) Promover a revogação parcial do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, estabelecendo que a elaboração, subscrição e apreciação de projectos de arquitectura compete exclusivamente aos arquitectos validamente inscritos na respectiva ordem profissional ou aos portadores de declaração emitida nos ternos do artigo 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 14/90, de 8 de Janeiro;
ii) Para os restantes profissionais da construção que, ao abrigo do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, tinham competência para elaborar e subscrever projectos de arquitectura a iniciativa legislativa vertente estabelece que o Governo deverá aprovar, no prazo de um ano a contar da data da entrada em vigor do diploma, e após consulta das associações representativas dos interesses de todos, um regime de qualificação profissional;
iii) Transitoriamente, as câmaras municipais poderão continuar a aceitar projectos de arquitectura não subscritos por arquitectos, num período de três anos a contar da data da entrada em vigor do diploma, desde que os respectivos autores provem que, à data da publicação do mesmo, já tinham apresentado nas câmaras onde se encontram inscritos, e por um período não inferior a cinco anos, projectos da mesma natureza por si subscritos, que mereceram aprovação;

5 - Para fundamentar as soluções normativas consubstanciadas no projecto de lei n.º 183/X os cidadãos eleitores subscritores recordam, na exposição de motivos que antecede a iniciativa, as razões históricas que estiveram na génese da aprovação do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro, e invocam razões sociais e jurídicas para sustentar a necessidade da sua revogação;
6 - O projecto de lei n.º 183/X foi, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, sujeito a consulta/discussão pública junto das estruturas representativas dos trabalhadores e dos empregadores, no período que decorreu entre 25 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 2006, tendo sido recebidos na Comissão de Trabalho e Segurança Social sete pareceres, dos quais três de associações, dois de confederações e dois de sindicatos. Foram igualmente recebidos 68 contributos de cidadãos com interesse na matéria objecto da iniciativa legislativa vertente;
7 - A Comissão de Trabalho e Segurança Social promoveu um vasto conjunto de audições em torno do projecto de lei n.º 183/X, nas quais participaram as entidades com interesse na matéria (comissão representativa dos autores do projecto de lei, Ordem dos Arquitectos, Associação de Empresas de Construção de Obras Públicas (AECOPS), Ordem dos Engenheiros, Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos (ANET), Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), Associação Nacional de Empreiteiros de Obras Públicas (ANEOP), Associação dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia, Sindicato dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia e o Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações), algumas das quais fizeram a entrega de documentos consubstanciando a suas posições, que se encontram depositados nos serviços da Comissão;
8 - Após aprovação do presente relatório e parecer, deverá o mesmo ser remetido ao Presidente da Assembleia da República para efeitos de agendamento na generalidade da iniciativa legislativa vertente, numa das 10 reuniões plenárias seguintes.

III - Parecer

a) O projecto de lei n.º 183/X, da iniciativa dos cidadãos eleitores - Arquitectura: um direito dos cidadãos, um acto próprio dos arquitectos (revogação parcial do Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro -, preenche, salvo melhor e mais qualificado entendimento, os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis para poder ser discutido e votado pelo Plenário da Assembleia da República;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República;
c) Nos termos regimentais aplicáveis, o presente relatório e parecer é remetido ao Sr. Presidente da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 28 de Março de 2006.
A Deputada Relatora, Maria José Gambôa - O Presidente da Comissão, Vítor Ramalho.

Nota: - O relatório foi aprovado.
As conclusões e o parecer foram aprovados por maioria, tendo-se registado a ausência do CDS-PP e BE.

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PROJECTO DE LEI N.º 221/X
(ALTERA A LEI ELEITORAL DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, INTRODUZINDO O REQUISITO DA PARIDADE)

PROJECTO DE LEI N.º 222/X
(ALTERA A LEI ELEITORAL PARA OS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS, INTRODUZINDO O REQUISITO DA PARIDADE)

PROJECTO DE LEI N.º 223/X
(ALTERA A LEI ELEITORAL DO PARLAMENTO EUROPEU, INTRODUZINDO O REQUISITO DA PARIDADE)

PROJECTO DE LEI N.º 224/X
(LEI DA PARIDADE: ESTABELECE QUE AS LISTAS PARA A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, PARA O PARLAMENTO EUROPEU E PARA AS AUTARQUIAS LOCAIS SÃO COMPOSTAS DE MODO A ASSEGURAR A REPRESENTAÇÃO MÍNIMA DE 33% DE CADA UM DOS SEXOS)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Conteúdo e objectivo das iniciativas legislativas

Seguindo métodos diferentes - o Bloco de Esquerda optou por apresentar três projectos de lei, alterando 3 leis eleitorais (a Lei Eleitoral para a Assembleia da República, a Lei Eleitoral para as Autarquias Locais e a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu), todas as iniciativas legislativas visam garantir a qualquer dos sexos nas listas de candidatura para aqueles órgãos uma quota mínima de 33,33%, definida como paridade.
Para tal, em cada lista a dois candidatos do mesmo sexo tem de seguir-se um candidato do outro sexo.
No projecto de lei do Partido Socialista faz-se mesmo uma referência às eleições em círculos uninominais.
O incumprimento da lei é cominado com a pena de rejeição da lista, conforme está expressamente estabelecido no projecto de lei do Partido Socialista.
Contudo, já o mesmo não sucederá segundo as propostas do BE.
Na base das iniciativas legislativas está a constatação da fraca representação do sexo feminino nos órgãos de poder, citando-se os indicadores constantes da base de dados da UIP relativamente ao número de Parlamentares eleitas.
Ligeiramente diferentes são os indicadores constantes da Base de Dados da Comissão Europeia, que podem referir-se já ao número de Deputadas depois de substituições de Deputados.
De facto, segundo a base de dados da Comissão Europeia, Portugal tinha 54 Deputadas (23%) e 175 Deputados (77%).
Portugal situava-se em 13.º lugar em 30 países da Europa, bem à frente da França (onde existe uma Lei da Paridade), que apenas conta com 13% de Deputadas.
Retornando à base de dados da UIP, é de salientar como dado relevante, para se averiguar das reais destinatárias das iniciativas legislativas em causa, a seguinte divisão de Deputadas e Deputados, em classes profissionais:

Repartição de mandatos segundo a profissão
Profissões jurídicas 71
Professores 64
Funcionários (incluindo os trabalhadores sociais e agentes de desenvolvimento 18
Assalariados (empresas/comércio/indústria, incluindo os quadros) 18
Economistas 15
Engenheiros/informáticos 11
Profissionais 6
Bancários / tesoureiros 5
Outros 5
Profissões médicas 5
Cientistas 5
Consultores (incluindo agentes imobiliários) 3
Profissões liberais (incluindo artistas, autores e desportistas profissionais) 1
Arquitectos 1
Agricultor/viticultor 1
Militares/forças de segurança 1

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Convirá ainda juntar aos indicadores constantes do preâmbulo do projecto de lei do Partido Socialista (que, quanto ao número de Deputadas, optou por indicar o que resulta já da substituição de Deputados) os dados relativos à participação de mulheres nos órgãos das autarquias locais.
O STAPE tem publicados dois estudos, datados de 1997 e 2001., que contêm já a análise da participação de mulheres nos órgãos autárquicos.
Diz-se no perfil do autarca 2001:

"Como já se referiu, a opção de caracterizar as mulheres eleitas isoladamente resulta, sobretudo, do facto de o seu reduzido número ser, numa análise conjunta, completamente anulado pelo universo masculino, impossibilitando-nos, assim, de traçar com exactidão o seu perfil.
Assim, para um conjunto de 52 511 eleitos apurados, temos um total de 7486 mulheres eleitas apuradas, o que significa, em termos percentuais, 14,3%.
Esta representação não é distribuída de forma homogénea pelos quatro órgãos autárquicos, sendo que a assembleia municipal é o órgão autárquico onde a participação feminina é mais acentuada (17,3%). Em contrapartida, a junta de freguesia é o órgão onde a participação feminina é menos expressiva (7,1%).
O valor da participação feminina na câmara municipal e na assembleia de freguesia aproxima-se, mais, do valor da média nacional, respectivamente, 13,6% e 15,3%.
Desta primeira análise podemos constatar que a participação feminina é maior nos órgãos deliberativos (assembleia municipal e assembleia de freguesia) do que nos órgãos executivos (câmara municipal e junta de freguesia)."

Acrescentaremos, nós, que as mulheres estão mais disponíveis para cargos que lhes permitam continuar a enfrentar as tarefas domésticas, as tarefas resultantes da vida familiar.
Mas continua o referido estudo:

"Distribuição partidária

A análise da distribuição feminina, pelas diversas forças políticas, revela que a sua distribuição não é homogénea, sendo que o PCP/Os Verdes continua, à semelhança de anos anteriores, a ser o partido que mais mulheres elege, no conjunto dos órgãos, com 22,5%.
Nos órgãos deliberativos este valor é, ainda, superado, com uma participação de mulheres na assembleia municipal de 25,4% e de 24,0% na assembleia de freguesia.
Todos os outros partidos têm percentagens muito idênticas e bastante mais próximas da média nacional, sendo o PPD/PSD aquele que menos mulheres elege no seu conjunto (12,9%)."

Na verdade, o Partido Socialista elegeu para o conjunto dos órgãos 14,3%, o CDS-PP elegeu 13,6% e na categoria outros regista-se a percentagem de 13,4%.
Ainda relevante parece-nos ser a caracterização socioprofissional das eleitas para os órgãos autárquicos.

Diz-nos o Perfil do autarca 2001:

"Estrutura socioprofissional

Analisa-se, agora, a estrutura socioprofissional das mulheres autarcas eleitas em 2001, um dos aspectos fundamentais para o perfil das mulheres eleitas.
Os quadros n.os 5 e 6 mostram que a maioria das autarcas se insere na categoria profissional de "Especialistas das profissões intelectuais e científicas" em todos os órgãos e para todos os cargos, facto este que é bastante mais visível nos órgãos do município, não obstante 43,8% das presidentes das câmaras municipais serem "Técnicas e profissionais de nível intermédio".
Relativamente às vereadoras, 58,7% são especialistas das profissões intelectuais e científicas.
Na assembleia municipal 45,5% das presidentes e 44,8% dos membros pertencem ao grupo profissional atrás mencionado.
Nos órgãos de freguesia, como já foi dito, a presença das especialistas das profissões intelectuais e científicas não é tão notória, embora sejam, igualmente, as mais representadas. Assim, na junta de freguesia 34,3% das suas presidentes e 23,9% das suas vogais pertencem àquela categoria profissional, bem como 34,5% das presidentes e 23,7% das membros da assembleia de freguesia.
A hierarquização da estrutura socioprofissional das mulheres autarcas é diferente conforme os órgãos que representam. No que respeita aos órgãos do município a segunda profissão mais significativa é a de "Técnicas e profissionais de nível intermédio", seguindo-se o "Pessoal administrativo e similares, pessoal dos serviços e vendedores".
No que concerne aos órgãos de freguesia, a hierarquização difere conforme os cargos. No cargo de presidente da junta de freguesia, a segunda categoria com maior representatividade é o pessoal administrativo e similares, pessoal dos serviços e vendedores e a terceira é a de técnicas e profissionais de nível intermédio.

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No cargo de vogal os grupos profissionais "Especialistas das profissões Intelectuais e científicas" e "Pessoal administrativo e similares, pessoal dos serviços e vendedores" têm exactamente o mesmo peso relativo, sendo a categoria de técnicas e profissionais de nível intermédio a categoria imediatamente a seguir com mais peso.
Na assembleia de freguesia, no cargo de presidente, o segundo grupo mais representado é o das "Técnicas e profissionais de nível intermédio", enquanto no cargo de membro é a de "Pessoal administrativo e similares, pessoal dos serviços e vendedores".

Nenhuma das iniciativas legislativas visa a paridade no Governo.
Fica, no entanto, o registo retirado da base de dados da Comissão Europeia e que é o seguinte:

Após as últimas eleições legislativas o Governo português contou apenas com a participação de menos de 17% de mulheres nos Ministros seniores muito abaixo da média da União Europeia (que é de pouco mais de 20%). Situa-se mesmo atrás da Irlanda, da Bulgária, da Letónia.
Relativamente aos chamados Ministros juniores, sendo a média da União Europeia ligeiramente superior á atrás apontada, Portugal situa-se mais uma vez abaixo da média, com cerca de 13%.
Em Portugal é visível a desproporção entre a percentagem de mulheres parlamentares e a percentagem de mulheres no Governo.

Dado interessante será também o seguinte:
No sector das infra-estruturas, não temos nenhum Ministro sénior. Duas mulheres preenchiam, neste sector, o quadro dos Ministros juniores.
A participação de mulheres no Governo em funções socioculturais é, em Portugal, de 60% contra 40% de homens. Situa-se aqui nos lugares dianteiros - em 7.º lugar.
No sector económico não há nenhuma participação feminina. E aí apenas 12 países em 30 países da Europa contam com a participação de mulheres nessa área, entre os quais países nórdicos - Finlândia e Suécia -, a Alemanha e a Espanha. Mas estes dois países apresentam 100% de participação de mulheres no Governo na área sociocultural.
Assim, em Portugal e mesmo nos países com grande participação de mulheres no Governo é evidente a existência de discriminação.
De facto, a tendência é a de continuar a considerar as mulheres preferencialmente vocacionadas para áreas muito interligadas com a função da maternidade, como se o seu cérebro registasse aptidões naturais.

II - Antecedentes legislativos e constitucionais

Na VII Legislatura o Governo apresentou na Assembleia da República a proposta de lei n.º 194
Segundo tal proposta de lei apresentada em 1998, "nos quatro actos eleitorais mais próximos, para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu, cada uma das listas de candidatura apresentadas não poderia conter nos lugares efectivos mais do que, sucessivamente:

a) 75% de candidatos de um dos sexos, no primeiro e no segundo acto eleitoral posterior à entrada em vigor da lei;
b) 66,7% de candidatos de um dos sexos, no terceiro e no quarto acto eleitoral posterior à entrada em vigor da lei.

Para cumprimento do disposto no número anterior, as listas não poderiam conter, sucessivamente, mais de três e mais de dois candidatos do mesmo sexo colocados consecutivamente na ordenação da lista.
No caso de uma lista não observar o disposto nos números anteriores o mandatário seria imediatamente notificado para que procedesse à correcção no prazo de três dias, sob pena de rejeição da lista."

Tratava-se de uma lei transitória, com um horizonte temporal claramente definido.
A lei foi rejeitada, tendo contando apenas com os votos a favor do Partido Socialista.
Na VIII legislatura o Governo apresentou a proposta de lei n.º 40/VIII, cujo conteúdo é agora reposto na totalidade.
O BE apresentou então o projecto de lei n.º 388/VIII - Medidas activas para um equilíbrio de género nos órgãos de decisão política.
Nos termos deste projecto de lei só podiam ser aceites listas candidatas às eleições para a Assembleia da República, assembleias legislativas regionais, Parlamento Europeu e autarquias locais que tivessem uma representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos, definindo-se paridade como a representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos nas listas de candidatura para a Assembleia da República, assembleias legislativas regionais, Parlamento Europeu e autarquias locais.

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Este projecto de lei previa ainda campanhas de sensibilização pela igualdade de género a promover nos anos de 2001 e 2002.
Sobre estas últimas iniciativas legislativas foram elaborados dois relatórios: um no âmbito da Comissão da Paridade, e outro, também elaborado pela relatora, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias.
Cumpre salientar uma diferença fundamental entre a proposta de lei da VII legislatura e as iniciativas legislativas da VIII Legislatura.
Enquanto naquela, como atrás se disse, as medidas eram transitórias, nestas duas últimas as leis não tinham qualquer horizonte temporal, permanecendo assim como definitivas.
Não houve votação destas últimas iniciativas.
Os autores das várias iniciativas apoiam-se, nomeadamente, no artigo 109.º e 9.º do texto constitucional.
Segundo alguns autores, como Vital Moreira, a inexistência de um mínimo de medidas de acção positiva a partir da Revisão Constitucional de 1997 constituirá uma inconstitucionalidade por omissão.
No mesmo artigo Vital Moreira afirma que antes da revisão constitucional de 1997 "era assaz problemática a licitude constitucional de medidas de acção positiva destinadas a favorecer o acesso de mulheres aos cargos políticos mediante medidas de discriminação positiva, nomeadamente através da obrigação de quotas mínimas".
Suportando a conclusão de que o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa "parece impedir do mesmo modo qualquer medida de favorecimento jurídico destinada a atenuar a desigualdade fáctica no acesso feminino aos cargos públicos, no exercício de direitos políticos, na esfera do trabalho e das profissões, na vida familiar, etc", o Professor Vital Moreira recorda que "logo na Assembleia Constituinte tinha sido rejeitada uma proposta de Deputados do PCP de aditamento de um número ao artigo 13.º, no sentido de impor ao Estado a incumbência de remover os obstáculos de natureza económica, social e cultural à realização da igualdade, proposta esta reiteradamente apresentada e de novo rejeitada em ulteriores revisões constitucionais.
Concluindo de imediato:

"Por isso, antes da revisão constitucional eram aparentemente desprovidas de suficiente esteio constitucional as posições doutrinais que sustentavam a possibilidade de medidas dessa natureza."
A redacção do artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa seria, assim, a autorização constitucional específica para medidas de acção positiva ou de discriminação positiva.
A doutrina (vide Professores Jorge Miranda e Vital Moreira) admite, no entanto, a liberdade de conformação do legislador.
Jorge Miranda anota nas conclusões do seu artigo "Igualdade e participação política da mulher", no que concerne aos aditamentos de 1997:

"A relativa abertura, podendo o legislador escolher entre vários meios ou formas de lhe conferir exequibilidade, desde que respeitados outros princípios e normas constitucionais, mormente o da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2), visto que certas imposições podem envolver restrições de direitos (antes de mais, o de livre escolha de candidatos pelos partidos políticos)".
Também o professor Vital Moreira conclui (vide conclusão 8.ª do seu artigo):

"A Constituição contém simultaneamente uma incumbência e uma autorização de acção legislativa, mas tanto os modos de realizar a primeira como de explorar a segunda pertencem á liberdade de conformação do legislador".

III - Questões de constitucionalidade

Inequivocamente que a proposta de lei n.º 194/VII, ainda que, eventualmente, pudesse não cumprir todos os requisitos das medidas de discriminação positiva, se apresentava como inscrevendo na ordem jurídica portuguesa essas medidas.
O seu carácter temporário, expressamente afirmado no diploma, claramente leva ao enquadramento das medidas propostas em acções positivas autorizadas pelo artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa. Ao que parece, as iniciativas legislativas em análise não se apresentam de tal forma, quer porque não há qualquer limitação de tempo na sua aplicação quer porque no âmago das propostas está a constatação de que a humanidade tem duas dimensões: o masculino e o feminino. E que, por isso, se justifica no sistema eleitoral a alteração resultante da constatação dessa dualidade. Ou seja, a introdução da paridade, ainda que garantida apenas na proporção de 33,3% para 66,7%.

Vide do Autor, in Democracia com mais cidadania - edição da INCM - o Artigo 109.º da CRP e a igualdade de homens e mulheres no exercício de direitos cívicos e políticos

Obra atrás citada

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Assim, parece-nos ser de concluir que, nas propostas apresentadas, não se prefiguram medidas de acção positiva que pretendam contrabalançar eventuais desvantagens de um dos sexos no acesso ao poder político.
E é aqui que se suscitam dúvidas de constitucionalidade que não se suscitavam relativamente à proposta de lei n.º 194/VII.
Com efeito, nesta as dúvidas apenas podiam levantar-se quanto ao respeito dos limites contidos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Isto é: importava saber se o sistema contido na proposta de lei respeitava os limites da adequação, da proporcionalidade e da necessidade. Nas iniciativas legislativas em análise parece que as questões de constitucionalidade se encontram acrescidas.
A leitura dos pareceres de constitucionalistas relativamente à solução encontrada na proposta de lei n.º 194/VII será bastante elucidativa (vide Democracia com mais cidadania, edição da Imprensa Nacional/Casa da Moeda, contendo pareceres de Jorge Miranda, Leonor Beleza, Lúcia Amaral, Luísa Duarte e Vital Moreira).
Na verdade, segundo o Professor Jorge Miranda, "A representação política moderna - contraposta à representação estamental e irredutível à representação de interesses - esteia-se na universalidade e unidade dos cidadãos, na unidade do povo ou comunidade política, acima de quaisquer categorias ou qualidades particulares de representados e representantes. No entanto, isso não impede que se considerem medidas, directas ou indirectas, tendentes a aproximar a composição dos órgãos representativos da composição real da comunidade, de tal sorte que a soberania do povo - una e indivisível (artigo 3.º da Constituição) - se traduza em cidadania assumida em plenitude por todos os seus membros. A esta luz, poderá entender-se que orientações, incentivos e prescrições nesse sentido, longe de conduzirem a um fraccionamento, poderão reforçar a unidade política. Tudo está em que sejam tomados estritamente em vista desse objectivo e só pelo tempo estritamente necessário, confiando-se depois na dinâmica social e cultural que se venha a desenvolver".
E salientava em nota de rodapé o Professor Jorge Miranda (vide o artigo 4.º, n.º 1, da Convenção sobre a discriminação contra as mulheres:

"A adopção pelos Estados partes de medidas temporárias visando acelerar a instauração de uma igualdade de facto entre homens e mulheres não é considerado um acto de discriminação; mas não deve, por nenhuma forma, ter como consequência a manutenção de normas desiguais ou distintas; e estas medidas devem ser postas de parte quando os objectivos em matéria de igualdade e de oportunidades e de tratamento tiverem sido atingidos."

A Convenção, anota o Professor Jorge Miranda, foi aprovada para ratificação em Portugal pela Lei n.º 23/80, de 26 de Julho.
Nas conclusões do seu parecer foi, assim, exarado:

"(...) importa notar

h) Sem embargo do carácter permanente da norma constitucional, o carácter temporário variável, em razão da necessidade, das normas legais de concretização nos moldes atrás referidos."

Também o Professor Vital Moreira considera no seu parecer que o artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa impõe a adopção de medidas de discriminação positiva, entre as quais coloca a adopção de um sistema de quotas, afirmando a tal respeito:

"Com efeito, é o próprio artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa, na sua nova redacção, que discrimina explicitamente a participação (…) de homens e mulheres na vida política, lá onde anteriormente se falava em participação dos cidadãos na vida política, expressão esta que ainda se encontra na rubrica do mesmo preceito, que permaneceu inalterada, como que para significar que para este efeito os cidadãos são homens e mulheres, em suma, que a cidadania passou a ter sexo. Torna-se evidente que, para este efeito - ou seja, que para efeito de acesso aos cargos políticos incluindo os cargos electivos -, a própria Constituição procede a uma diferenciação do demos em homens e mulheres, melhor dizendo em cidadãos e cidadãs".

Mas a dúvida continua a colocar-se: será que a diferenciação do demos não fica apenas autorizada enquanto forem necessárias as medidas de discriminação positiva?
Por isso é que no preâmbulo da proposta de lei n. 194/VII se afirmava:

"Não está em causa o direito de eleger ou o direito de ser eleito. Só estão em causa os requisitos de legitimidade procedimental para a sua propositura, o que é muito diferente. Nem se trata de fraccionar e tão somente de reforçar a unidade política. Tudo está em que os preceitos legais sejam tomados estritamente em vista desse objectivo e só pelo tempo estritamente necessário, confiando-se depois na dinâmica social e cultural que se venha a desenvolver. Não se trata de segregar, mas, pelo contrário, de integrar.

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As providências legislativas que o Governo agora submete à consideração do Parlamento são muito prudentes e pensadas tendo em conta a necessária harmonização de todos os princípios constitucionais."

Se é certo, como todos referem, inclusivamente o Professor Vital Moreira, que o artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa impõe medidas de discriminação positiva para a promoção da igualdade entre homens e mulheres no acesso aos cargos políticos; se é certo que as medidas de discriminação positiva infringem o princípio da igualdade constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa; se por isso mesmo não devem exceder o princípio da necessidade, não será verdade que a paridade - que consiste na divisão para sempre do demos em homens e mulheres - excede os limites a que devem obedecer as medidas de discriminação positiva? Não será verdade que a paridade ad aeternum acaba por violar o princípio da igualdade constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa?
Não será verdade que a Constituição só autorizará - sem prescindir dos limites do seu artigo 18.º, n.º 2 - a divisão do demos entre cidadãos e cidadãs apenas para o efeito da aplicação de medidas de discriminação positiva? Não será só assim que tem conciliação com o artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 3.º da Constituição da República Portuguesa, que proclama que a soberania é una e indivisível e que reside no povo, sem o dividir por sexos?
E não será só assim que se conciliam com o artigo 109.º, os artigos 48.º, 49.º e 50.º da Constituição da República Portuguesa não distinguem cidadãos e cidadãs?
E será mesmo que, ainda que com os cuidados enunciados na proposta de lei 194/VII, é possível estabelecer um regime em que o critério de escolha é apenas o sexo, sem qualquer outro critério adjuvante?
Será possível dessa maneira compatibilizar o artigo 109.º com o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
É que, a propósito de medidas de acção positiva relativamente ao acesso ao emprego e promoções na carreira, até o Acórdão Marshall do Tribunal de Justiça da União Europeia, apresentado pelo Professor Vital Moreira no artigo que vimos citando, foram declaradas como contrárias ao princípio da igualdade, quando na opção entre dois candidatos a emprego, ou a promoções na carreira, não tomem em conta, na atribuição da preferência, qualquer situação especial do candidato preferido.
O Tribunal reconheceu a possibilidade de medidas de discriminação positiva a favor das mulheres, desde que as candidaturas (no emprego) sejam objecto de uma apreciação objectiva que tenha em conta todos os critérios relativos à pessoa dos candidatos e afaste a prioridade concedida aos candidatos femininos, quando um, ou vários dos critérios façam pender a balança em favor do candidato masculino e tais critérios não sejam discriminatórios para os candidatos do sexo feminino.

IV - Sentido da imposição constitucional

A fraca representação das mulheres nos órgãos de decisão política tem conhecido duas soluções no sentido de aumentar a participação feminina: o modelo das quotas ou da paridade, e o modelo progressivo.
Este último é, aliás, o dos países nórdicos, que merecem uma referência especial no preâmbulo do projecto de lei do Partido Socialista.
Importa, assim, explicitar que nunca houve em qualquer país nórdico imposição legal de quotas para o sexo feminino.
E apenas a Suécia e a Noruega tinham quotas fixadas voluntariamente pelos partidos.
O modelo progressivo dos países nórdicos contrapõe-se, de facto, ao modelo de incrementação acelerada de participação das mulheres na política que leva o Rwanda ao 1.º lugar do ranking mundial à frente dos países nórdicos e o Burundi ao 16.º lugar, à frente, bem à frente de Portugal.
Melhorou, assim, a qualidade da democracia naqueles dois países?
O Rwanda, que tem um sistema legal de quotas desde 2003, está classificado, no Relatório sobre Desenvolvimento Humano 2005, e já beneficiando do índice sobre a introdução de quotas, no 159.º lugar!
Se as quotas, desde que respeitem os limites das medidas de discriminação positiva, não são inconstitucionais face à actual redacção do artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa, a verdade é que a realização desse preceito também pode passar pelo modelo de incrementação progressiva que exige medidas sociais, económicas e culturais que criem as condições para que as mulheres portuguesas estejam disponíveis para a causa pública.
Ora, se é verdade que as mulheres portuguesas conhecem inegáveis sucessos na área do ensino (em 2005, a percentagem de mulheres, com idade compreendida entre os 20 e 24 anos, com o ensino secundário completo atingia 56,6%;no ano lectivo 2003/2004 cerca de 65,9% dos diplomados eram mulheres), a verdade é que o abandono escolar das mulheres entre os 18 e os 24 anos atingiu ainda, em 2005, 30,1%.
As mulheres são as mais atingidas quer pelo desemprego quer pela precariedade. Em 2005, a taxa de desemprego oficial nas mulheres era de 9%, enquanto nos homens era de 7%.
Entre os anos de 2004 e 2005 o desemprego aumentou 15,7%, sendo de 422,3 mil o número médio de desempregados estimado para 2005. Cerca de 56% daquele aumento foi explicado pelo aumento do desemprego de mulheres.

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Entre 2001 e 2005 a percentagem de mulheres em situação de emprego precário aumentou de 22,7% para 33,3%, enquanto a percentagem de homens em idêntica situação subiu de 24,7% para 31,3% do total considerado.
Em 2004, segundo o Eurostat, na indústria e serviços a remuneração média das mulheres em Portugal representava 78% da dos homens, mas a remuneração média das mulheres declarada para a segurança social, no mesmo ano, representava apenas 74,5% da dos homens. Como consequência, em 2004, o subsídio médio de doença recebido pelas mulheres correspondia apenas a 60,1% do subsídio médio de doença recebido pelos homens; e o subsídio de desemprego médio recebido pelas mulheres correspondia apenas a 73,5% do subsídio médio de desemprego recebido pelos homens.
Existe em Portugal, como é salientado no último Relatório das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Humano, divulgado em Setembro de 2005, o maior fosso entre pobres e ricos tendo em conta a generalidade dos países da União Europeia. Em Portugal, os 10% mais ricos consomem 29,8% da riqueza do País. Os 10% mais pobres apenas 2%.
Segundo o último estudo conhecido do Eurostat, a ratio entre 20% mais rico e os 20% mais pobres tem na União Europeia a média de 4,6, enquanto em Portugal essa ratio, a maior da Europa dos 25, é de 7,4.
Também segundo o Eurostat, em estudo divulgado em 2005 sobre as privações materiais, coloca Portugal no lugar da frente na percentagem de pessoas afectadas por privações materiais e em risco de serem vítimas da mesma.
E esta situação abate-se especialmente sobre as mulheres. Sempre as mais afectadas pela pobreza.
Assim, colocar-se-á a questão de saber se a maioria das mulheres portuguesas estariam em condições de beneficiar de medidas de discriminação positiva como a de uma imposição legal de quotas, ainda que essas medidas se contivessem dentro dos parâmetros constitucionais.
Se é verdade que, depois da revisão constitucional de 1997, o artigo 109.º pode constituir assento para medidas de discriminação positiva, como as quotas, dentro dos parâmetros constitucionais, a verdade também é que o artigo 109.º não impõe essa solução.
O modelo de incrementação progressiva através da realização da democracia económica, social, cultural, concretizado através do cumprimento de comandos constitucionais no que toca a direitos sociais, pode constituir a aplicação do artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa.
A imposição de um sistema de quotas, sem mais, isto é, sem quaisquer outras medidas sociais, tornará bem evidente que, ainda que a lei se apresentasse como uma acção positiva, violava claramente o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, dado que infringia a proibição do excesso.
Os resultados da lei, mantendo a situação no que toca à grande maioria das mulheres portuguesas, não podem justificar que se infrinjam outros preceitos constitucionais como o artigo 13.º, nem os relativos aos partidos políticos.
De facto, uma maior participação das mulheres nos postos de decisão política não tem determinado, só por si, um estatuto de igualdade.
Veja-se o Relatório da Noruega (2003) perante a Comissão das Nações Unidas para a eliminação das desigualdades contra as mulheres (CEDAW)
Quanto aos sistemas eleitorais e à participação política das mulheres, vários estudos demonstram que o sistema de representação proporcional proporciona uma maior participação feminina
Segundo um estudo do Instituto Canadiano para a Democracia, no mundo os sistemas eleitorais maioritários a uma volta apenas permitiram a eleição de 11% de mulheres parlamentares, enquanto que sistemas de representação proporcional estiveram na base da eleição de 20% de mulheres parlamentares.
A forma da lei:
Nos termos dos artigos 166.º, n.º 2, e 164.º, alínea a) e primeira parte da alínea l), da Constituição da República Portuguesa, sempre que se trate de lei sobre a eleição de titulares de órgãos de soberania ou da eleição de titulares de órgãos de poder local a mesma reveste a forma de lei orgânica, devendo, por isso, ser votada na especialidade em Plenário.

Conclusões

a) Os projectos de lei do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda visam garantir para qualquer dos sexos a paridade nas candidaturas para a Assembleia da República, Parlamento Europeu e autarquias locais, definindo como paridade uma quota mínima de 33,33%;
b) O incumprimento da lei determinará, nos termos do projecto de lei do PS, a rejeição da lista apresentada;
c) Qualquer das iniciativas legislativas parte da constatação da insuficiente participação das mulheres nos órgãos de decisão política;
d) Qualquer das iniciativas legislativas assenta no pressuposto de que o universo eleitoral é composto por homens e mulheres, devendo garantir-se uma participação equilibrada de ambos os sexos;
e) As iniciativas legislativas não têm carácter transitório, ao contrário do que acontecia com a proposta de lei n.º 194/VII;

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f) Nos termos do artigo 4.º da Convenção sobre a Discriminação Contra as Mulheres, aprovada através Lei n.º 23/80, de 26 de Julho, não constituem acto de discriminação as medidas temporárias visando acelerar a instauração de uma igualdade de facto entre homens e mulheres;
g) As medidas positivas ou discriminações positivas têm ainda de respeitar o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, isto é, não podem infringir o princípio da proibição do excesso por desnecessárias, ineficazes e desproporcionadas (conclusão rejeitada, com os votos contra do PS, votos a favor do PSD e do PCP, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes, e encontrando-se a presidir o CDS-PP);
h) De facto, uma solução de imposição de uma quota legal nas candidaturas envolve restrições de direitos, nomeadamente decorrentes da não discriminação em razão do sexo (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) e também do estatuto constitucional dos partidos políticos; daí a aplicação do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República (conclusão rejeitada, com os votos contra do PS, os votos a favor do PSD e do PCP, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes, e encontrando-se a presidir o CDS-PP);
i) O artigo 109.º da Constituição permite medidas de discriminação positiva, nomeadamente a imposição legal de um sistema de quotas nas candidaturas, não impondo um determinado sistema, havendo liberdade de conformação do legislador (conclusão resultante da aprovação de uma proposta de substituição do PS, que mereceu os votos a favor do PS, votos contra do PSD e do PCP, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes, e encontrando-se a presidir o CDS-PP). A redacção original da conclusão, tal como proposta pela Deputada Relatora, era a seguinte:

"Se é verdade que o artigo 109.º da Constituição permite medidas de discriminação positiva, nomeadamente a imposição legal de um sistema de quotas nas candidaturas, respeitados os parâmetros atrás referidos, a verdade também é que não impõe um determinado sistema, havendo liberdade de conformação do legislador)";

j) Para além do modelo de quotas impostas legalmente, ou paridade, que constitui o modelo de incrementação acelerada, existe o modelo de incrementação progressiva seguido por alguns países, nomeadamente os países nórdicos;
l) As iniciativas legislativas suscitam problemas de constitucionalidade, quer por não serem temporárias quer porque, face à realidade social das mulheres portuguesas, os fins obtidos podem não justificar as restrições de direitos (conclusão rejeitada, com os votos contra do PS, votos a favor do PSD e do PCP, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes, encontrando-se a presidir o CDS-PP);
m) O sistema eleitoral de representação proporcional é o que permite uma maior participação de mulheres nos órgãos de decisão política;
n) Face aos artigos 166.º n.º 2, e 164.º, alínea a) e primeira parte da alínea l) da Constituição da República Portuguesa, as leis que visem as eleições dos titulares de órgãos de soberania e as eleições dos titulares de órgãos do poder local são leis orgânicas (conclusão rejeitada, com os votos contra do PS, votos a favor do PSD e do PCP, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes, e encontrando-se a presidir o CDS-PP).

Nestes termos, a Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias emite o seguinte

Parecer

(parecer resultante da aprovação de uma proposta de substituição do PS, que mereceu os votos a favor do PS, votos contra do PCP e do Sr. Deputado Pedro Quartin Graça, do PSD, e a abstenção do PSD, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes, e encontrando-se a presidir o CDS-PP).
A redacção original do parecer, tal como proposta pela Deputada Relatora, que foi rejeitada, com os votos contra do PS e votos a favor do PSD e do PCP, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes, e encontrando-se a presidir o CDS-PP, era a seguinte:

"Pese embora as dúvidas de constitucionalidade suscitadas, que merecem um debate aprofundado, as iniciativas legislativas em análise encontram-se em condições de serem apreciadas pelo Plenário da Assembleia da República."

As iniciativas legislativas em análise encontram-se em condições de serem apreciadas pelo Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 29 de Março de 2006.
A Deputada Relatora, Odete Santos - O Presidente da Comissão, Osvaldo Castro.

Nota - As conclusões a), b), c), d), e), f), j) e m) foram aprovadas por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE e de Os Verdes.

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PROJECTO DE LEI N.º 232/X
CRIA O REGIME JURÍDICO DO DIVÓRCIO A PEDIDO DE UM DOS CÔNJUGES

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Exposição de motivos

"O tema do divórcio é áspero, tem arestas. Sugere mal-estar, sofrimento. Representa o oposto da ideia positiva associada ao enamoramento e à paixão. Significa o fim de uma promessa, de um projecto, da partilha de um ciclo de vida. Julgo que ninguém duvida de que os processos de ruptura conjugal são emocionalmente dolorosos" (Anália Cardoso Torres, Divórcio em Portugal, Ditos e Interditos - Uma análise sociológica, Celta Editora, 1996, pág. 1).
Inseparável da evolução da concepção sócio-jurídica do casamento e da concepção jurídica da família em que aquela radica, o direito ao divórcio é modernizado e ganha nova dimensão com a filosofia das luzes e inscreve-se, legalmente, na sua expressão política, na Revolução Francesa. Esta inscrição inicia um processo radical de transformação da perspectiva de conjugalidade. Assim, a análise sociológica e jurídica do divórcio postula necessariamente a análise do casamento.
Historicamente, na generalidade dos países europeus, a doutrina do casamento é enformada pelo direito romano que o concebe numa base contratualista. "As núpcias são a união do homem e da mulher, um consórcio de toda a vida: uma comunhão de direito divino e humano" (Digesto, 23, 2.1). É somente no século XVI que se acentua a concepção religiosa do casamento, com o Concílio de Trento (1545-1563) a impor-lhe o princípio da sacramentalidade, que a reforma protestante negará retornando à natureza consensual primeira.
Mas o processo de secularização do casamento, com a intervenção directa do Estado em termos legislativos, inicia-se em França, que emerge da revolução 1789, o qual, dotando as mulheres de personalidade jurídica, anula a instituição matrimonial do antigo regime, instituindo o casamento civil e, pela Lei de 20 de Setembro de 1792, o divórcio: "a faculdade de divórcio resulta da liberdade individual, cujo compromisso indissolúvel seria a sua perda". De acordo com a legislação francesa, o casamento, porque concebido numa base estritamente contratual, pode ser rescindido pela vontade concordante dos cônjuges, maiores de 25 anos, após dois anos de união, ou seja, por divórcio por mútuo consentimento, consagrado como gratuito e declarado no prazo de dois meses, depois de consulta de uma assembleia de família. A lei consagra igualmente o divórcio litigioso (sur demande), admitindo 40 causas, a "incompatibilidade de humor" e "sete motivos determinados", nomeadamente a demência, crimes ou sevícias, a dissolução de costumes, o abandono do cônjuge durante dois anos e a emigração.
Esta legislação tão audaciosa, que somente na década de 70 do século XX encontra equivalente em reformas da legislação civil na Europa, é anulada pelo Código de Napoleão, que restabelece, na prática, a indissolubilidade do matrimónio "considerado não somente como um ideal, mas como uma regra cuja derrogação só se admite em casos muito excepcionais" (Tavares, José, Os princípios fundamentais do Direito Civil, Vol. I, Coimbra, Ed. 1922, pág. 743). Esta filosofia restritiva fundamentará a maior parte dos códigos civis europeus até meados do século XX.
Em Portugal a dessacralização e consequente secularização do casamento emerge no contexto do liberalismo, suscitando polémicas em que se distinguem Alexandre Herculano e o Visconde de Seabra. Vinga a concepção mais tradicionalista, influenciada pelo Código Napoleónico, no Código Civil de 1867, que define o casamento como "um contrato perpétuo feito entre duas pessoas de sexo diferente, com o fim de constituírem legitimamente a família" (artigo 1056.º), e estabelece o casamento católico a par do casamento civil: "Os católicos celebrarão os casamentos pela forma estabelecida na Igreja Católica. Os que não professarem a religião católica celebrarão o casamento perante o oficial do registo civil, com as condições e pela forma estabelecida na lei civil" (artigo 1057.º do Código Civil de 1867). Porém, o Código Civil de 1867 não resulta nem gera pacífica aceitação e, em 1900, o Deputado conservador Reboredo Sampaio apresenta ao Parlamento um projecto de lei sobre o divórcio que, no entanto, será recusada.
Só em 1910 o regime republicano, atendendo a fortes reivindicações das feministas da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, entre as quais se destaca Ana de Castro Osório, institui o divórcio, consagrando o casamento como contrato em que se mantém "a presunção de perpetualidade, sem prejuízo da sua dissolução por divórcio" (artigo 2.º do Decreto-Lei de 3 de Novembro de 1910). Consagra-se, assim, o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio litigioso, estabelecendo como suas causas legítimas o adultério da mulher, o adultério do homem, a condenação definitiva de um dos cônjuges a qualquer pena maior, as sevícias de origens graves, o abandono do domicílio conjugal por tempo não inferior a três anos, a ausência sem notícias, por tempo não inferior a quatro anos, a loucura incurável quando decorridos, pelo menos, três anos sob a sua verificação por sentença passada em julgado, a separação de facto livremente consentida, por 10 anos consecutivos, o vício inveterado do jogo de fortuna ou de azar, a doença contagiosa reconhecida como incurável e importante aberração sexual.
A mesma lei, numa lógica de separação da Igreja do Estado, consagra o casamento civil como o único válido e obrigatório, estabelecendo-se que, a partir de Fevereiro de 1911, os casamentos religiosos só poderão celebrar-se com a apresentação do documento comprovativo da celebração do casamento civil.
A doutrina corporativa do Estado Novo fundamentando-se na trilogia de "Deus, Pátria e Família", repudia a visão de simples contrato de direito, impondo uma concepção social do casamento como uma das mais importantes instituições sociais legitimando a intervenção do Estado na sua regulamentação. O casamento é

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definido como integrante da família já que esta, como base social do regime, território à escala micro-social do poder de chefe, consistia "no casamento e na filiação legítima" (artigo 13.º da Constituição de 1933).
A Concordata celebrada com a Santa Sé, a 7 de Maio de 1940 (Decreto-Lei n.º 30615, de 25 de Julho), consagra, a par do casamento civil, o casamento celebrado pela Igreja, segundo as leis canónicas, exclusivamente por elas regido, sujeito ao princípio da indissociabilidade. Criam-se, assim, dois regimes matrimoniais distintos, sendo apenas um, o civil, passível de divórcio. No entanto, a partir de 1946, é nítido o declínio da taxa de divórcios, quer porque a maioria da população portuguesa mantém a celebração matrimonial tradicional católica quer porque a doutrina e o discurso corporativistas estigmatizam intensamente o divórcio. A vigência da Concordata originará situações de ruptura conjugal não reconhecidas, mas evidentes na subida das separações judiciais de pessoas e bens e na imposição da ilegitimidade dos filhos das novas uniões irregulamentáveis pela lei. O Código Civil de 1966 impõe novas restrições, impedindo o divórcio por mútuo consentimento, em vigor desde a I República, aos casados civis.
A dimensão social das consequências da legislação do Estado Novo toma visibilidade depois do 25 de Abril de 1974. Dois meses após a revolução, o Movimento Pró-Divórcio, existente desde 1965, entrega ao governo provisório 51 000 assinaturas, às quais se acrescentam mais 50 000, reclamando a revogação da cláusula da Concordata e do articulado do Código Civil impeditivos da dissolução dos casamentos católicos. Na sequência de um vasto movimento social pelo divórcio, em Maio de 1974, com a ratificação do protocolo adicional à Concordata e o consequente Decreto-Lei n.º 261, retoma-se a unidade do regime matrimonial da legislação da I República, igualando o casamento católico e o casamento civil e admitindo o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio litigioso. O protocolo adicional à Concordata, que veio permitir o divórcio civil para os católicos, foi assinado pelo Vaticano a 13 de Fevereiro de 1975.
O sistema português, à semelhança de outros sistemas europeus, nos quais se verificam reformas na mesma década, caracteriza-se como "sistema misto", de compromisso entre o "divórcio-sanção" e o divórcio constatação da ruptura do casamento ou "divórcio-remédio". As alterações de 1975 não contêm ainda a amplitude da legislação republicana. Porém, o direito começa lentamente a reflectir as novas vivências do casamento e da família, consagrando um e outra como realidades distintas, ainda que em íntima conexão. Exemplo desta perspectiva moderna é o facto de, na Constituição de 1976, só a família ser objecto de garantia constitucional, não se enunciando o mesmo princípio de protecção para o casamento limitado pela Constituição a um direito individual fundamental.
Em 1994 e 1995 algumas alterações ao Código Civil introduzem pontualmente aligeiramentos no processo de divórcio. No entanto, apenas em 1997, com o projecto de lei n.º 399/VII, do PS, é proposta globalmente uma filosofia de liberalização do divórcio fundamentada nas profundas transformações da sociedade portuguesa e de uma maior valoração da conjugalidade e da família. A Lei n.º 47/98, baseada neste projecto, embora contendo alterações que facilitam o divórcio, fica aquém da proposta. Mais recentemente o Decreto-Lei n.º 272/2001 veio agilizar o processo de divórcio por mútuo consentimento, remetendo-o para a competência exclusiva dos conservadores do Registo Civil, libertando, assim, os tribunais, e acelerando o processo com a redução das tentativas de conciliação a uma apenas, o que elimina o compasso de espera de três meses, no mínimo, que decorria entre ambas as conferências.
Entretanto, o processo de mudança social que se reflecte em novas exigências de autonomia individual e de realização afectiva, traduzidas em novas expectativas face à conjugalidade, no aumento de rupturas conjugais e na diversidade de modelos familiares, apelam a um outro enquadramento jurídico, particularmente do "divórcio litigioso".
Tal como na evolução das concepções jurídicas, também sociologicamente a problemática do divórcio radica na do casamento.
A moderna vivência da conjugalidade emerge no século XIX, época em que o casamento se sentimentaliza e através da exigência da afectividade aparece a liberdade de escolha mútua. Foi também uma emergência resultante da crise. O romantismo, com incidência particular entre nós nos romances de Camilo Castelo Branco, espelha a crise da família patriarcal com a contestação da autoridade paterna, impondo o futuro cônjuge aos filhos e, em particular, às filhas.
Porém, a sentimentalização da família não encontra correspondência nem no campo do direito, onde permanecia consagrada a família hierarquizada, nem no campo económico, com a revolução industrial a intensificar a divisão sexual do trabalho.
O processo de mudança social, de que os anos 60 são charneira, faz eclodir a crise na hierarquização familiar e no esquema sexual de divisão do trabalho. Factores diversos interconjugam-se e, directa ou indirectamente, influenciam a subida de rupturas conjugais em crescendo até à actualidade. Destacam-se o aumento da esperança de vida e a radical alteração do estatuto da mulher, patente no aumento da escolaridade, do emprego e da participação social feminina e na generalização da contracepção dos anos 60, em novas vivências da sexualidade e numa maior simetria de género.
As transformações objectivas das últimas décadas do séc. XX reflectem-se em mutações culturais que provocam rupturas no quadro tradicional de valores e modelos de vida, manifestam-se na luta pelos direitos humanos, não simplesmente em termos holísticos, universais, não apenas relativamente ao "sujeito empírico" mas também ao indivíduo em si, como entidade autónoma no contexto social a que pertence. A noção de indivíduo concretiza-se em cada um, apropriada a consciência da individualidade única no "sujeito moral". O

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movimento feminista fazendo emergir no contexto público, político o que era considerado estritamente privado é um dos momentos da concepção moderna de individualidade. Neste percurso a igualdade formal e as declarações universais de direitos, se bem pré-valoradas, não bastam e o direito tem de ser apropriado, vivido na existência de cada um e por cada um.
Novas expectativas, novas exigências emergem no domínio social. Uma nova perspectiva axiológica e ética mais urgente surge no domínio mais íntimo de cada um: a afectividade e a busca da felicidade. É este impulso que se manifesta em novas formas de encarar a conjugalidade e na emergência de modelos familiares diversos.
Em síntese, o processo de mudança social traduz-se em transformações objectivas e subjectivas que favorecem uma mais ampla autonomia individual. É porque as dependências da mulher e do homem diminuem, é porque um e outro se tornam mais livres que o casamento tradicional entra em crise: o eu não se dissolve no "nós" conjugal e tende a tornar-se cada vez mais "o encontro de duas liberdades".
De instituição o casamento transforma-se em associação, fundamentada na ligação afectiva, através da qual duas pessoas buscam a felicidade e uma dimensão fundamental da realização pessoal. É porque o amor é valorizado, a resignação repudiada e a vida surge como um projecto, que o divórcio aumenta num contexto complexo de transformação da família cada vez mais polimorfa: família nuclear, famílias monoparentais, novas famílias resultantes de segundas núpcias, abrindo para modelos de parentesco alargado, os "novos" velhos casais que começam a surgir também no nosso país, no âmbito da terceira idade, ou simplesmente viver só toda a vida, ou viver só, coabitar, casar, romper, voltar a casar, voltar a viver só, segundo as decisões das pessoas.

"Independentemente dos juízos de valor que sobre estas realidades possam ser elaborados, o casamento, para muitos cidadãos, já não é vivido como um sacramento. Nesta medida, a conotação de dever que esse sentido transcendente também implicava tende a perder significado. Caminha-se hoje no sentido de uma visão mais laica, mais privada do casamento, e a ele se vai associando maior liberdade individual. Ao laço sagrado sobrepôs-se o laço profano, o dever de continuidade da instituição cede lugar à regra do bem-estar pessoal e ao desejo da persistência do amor. Sem ele, ou perante a sua erosão, há motivo suficiente para quebrar o laço. O sentimento amoroso é, nos nossos dias, a única aventura transcendente na relação conjugal e constitui, aparentemente, o seu fundamento universal e eticamente aceitável.
Amar, ser amado, sentir-se protegido, confortável, capaz, são desejos e vontades aparentemente simples mas difíceis de concretizar, como as histórias de divórcio também demonstram. (…)" (Anália Cardoso Torres, Divórcio em Portugal, Ditos e Interditos - Uma análise sociológica, Celta Editora, 1996, pág. 6).

Em entrevista para a XIS n.º 193 (revista suplemento do jornal Público), a socióloga Anália Cardoso Torres afirmava: "A maneira de encarar o divórcio mudou. O casamento deixou de ser uma instituição a preservar a qualquer custo. Mantém-se se é satisfatório, se produz alegria e bem-estar." Ainda no mesmo artigo, da autoria de Ana Vieira de Castro, publicado a 15 de Fevereiro de 2003, podemos ler: "A mudança de atitude face à união formalizada teve como consequência um aumento de divórcio, quando os elementos do casal chegam à conclusão de que o casamento deixou de cumprir o papel de felicidade, tranquilidade e satisfação emocional contidos na promessa inicial (…)".
Em 1997, na União Europeia, um em cada quatro casamentos terminava em divórcio, o que representa uma estimativa de 25% para os casais casados nesse ano, contra 14% das uniões conjugais em 1960. Mesmo constituindo menos de metade dos divórcios verificados nos EUA, é intenso o aumento dos divórcios no qual se verifica uma crescente precocidade de ruptura. Em Portugal o número de divórcios não cessa também de aumentar: 12 322 em 1995; 13 429 em 1996, 14 078 em 1977, 15 278 em 1998, 17 881 em 1999, 19 302 em 2000, 19 004 em 2001, 27 805 em 2002, 22 818 em 2003 e 23 348 em 2004. No ano de 2002 o aumento do número de divórcios, em relação ao ano anterior, atingiu os 46%. Em 1998 em cada 100 divórcios 26 foram litigiosos, em 2001 este número diminuiu para cerca de 12,8 %. À semelhança de outros países, a maior parte dos requerentes do divórcio litigioso são mulheres - 62% em 1998.
Entre 1970 e 1995 em todos os países da União Europeia assistimos a modificações profundas na legislação sobre o divórcio no sentido da sua facilitação, nomeadamente através da redução do tempo da sua declaração, acelerando o processo, e do aligeiramento da intervenção judicial. Estas reformas incidem particularmente no divórcio por mútuo consentimento. Apesar de alguns avanços, o divórcio litigioso permanece, com excepção da Alemanha e Suécia, e de alguns casos na Noruega, enquadrado num regime em que a culpa continua a constituir um elemento importante das condições de divórcio. É o caso de Portugal, em que o pedido do divórcio litigioso está sujeito à violação culposa dos deveres conjugais.
Historicamente, a consagração do divórcio litigioso, fundamentado somente na noção de culpa, constituiu um factor importante na defesa dos direitos dos cônjuges, particularmente das mulheres, na medida em que abrange a violência, a infidelidade, a ausência de respeito, cooperação e assistência e de coabitação por um tempo legalmente fixado.
Entre os anos 60 e 70 parte significativa do divórcio litigioso, requerido particularmente pelas mulheres, fundamentava-se na infidelidade do cônjuge. Tal facto tem de ser lido em relação ao processo de emancipação das mulheres e com a emergência de uma outra perspectiva da conjugalidade. Na realidade,

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quando o casamento era concebido como uma instituição na qual o interesse patrimonial ou outro secundarizavam o amor, as relações extra-matrimoniais, frequentemente impulsionadas por afectividade, verificavam-se num quadro de bases distintas das que asseguravam o casamento, e por isso, não o feriam. Nos anos 70, em plena época dita de libertação sexual, a infidelidade assume um outro significado e constitui um dos motivos mais frequentes de pedido de divórcio.
Porém, segundo a pesquisa das investigadoras norte-americanas Florence Kaslow e Lita Schwartz sobre o divórcio nos EUA, a partir dos anos 80 a falta de comunicação começa a ultrapassar a causa da infidelidade dos divórcios litigiosos, no qual as mulheres representam cerca de 60% dos requerentes.
Assim, também nos EUA deixa de ser considerada a culpa, à semelhança da Alemanha, Suécia e Noruega.
Na Alemanha, a lei de 14 de Junho de 1976, que modificou o Código Civil, aboliu o divórcio por culpa, prevendo como causa única de divórcio o fracasso do casamento: "Um casamento pode ser dissolvido quando fracassou" (artigo 156, n.º 1), entendendo-se o fracasso quando já não existe vida em comum e há improbabilidade de poder ser retomada. Em caso de mútuo consentimento, a separação deve durar há pelo menos um ano, mas este período pode ser abreviado se o requerente declarar que o casamento representa "uma duração que não pode exigir de si". No caso de divórcio litigioso a separação deve durar há três anos e exige-se do requerente a exposição de motivos.
Na Suécia a lei de 14 de Maio de 1987 reconhece um único motivo de divórcio, a vontade de um ou dos dois cônjuges de obter o divórcio, não podendo este ser impedido quando um dos cônjuges não o deseja. Não existe nenhum período prévio à declaração de um pedido de divórcio, mas exige-se um prazo de reflexão de seis meses quando só um dos cônjuges requer o divórcio e/ou quando um dos cônjuges tem a cargo um ou vários filhos menores de 16 anos. Findo o prazo de reflexão o pedido de divórcio deve ser de novo requerido. Em qualquer caso, o pedido de divórcio é julgado imediatamente se se trata de pedido de divórcio por mútuo consentimento e não há filhos menores de 16 anos; se os cônjuges vivem em separação de facto há, pelo menos, dois anos, se um dos cônjuges é bígamo ou em certos casos de casamento consanguíneo.
Na Noruega a Lei de 4 de Julho de 1991 consagra o direito ao divórcio para cada cônjuge sem ter de invocar um motivo preciso. Somente a violência e a bigamia foram conservadas como motivos específicos de divórcio, pelo facto da intensificação da primeira. Estabelece-se um ano, como período entre o acto de separação e o pedido do divórcio, findo o qual o divórcio é declarado no prazo de seis a oito semanas. Em caso de ruptura de vida em comum o prazo estabelecido de dois anos pode ser contestado pelo requerente e esta contestação examinada em tribunal. Não existe prazo estabelecido em caso de bigamia e em caso de violência o pedido de divórcio deve ser declarado nos seis meses seguintes ao facto do seu conhecimento, prescrevendo ao fim de dois anos.
Recentemente a França e a Espanha aprovaram alterações às suas legislações sobre divórcio. Assim, em França, desde 2005, o divórcio passou a poder ser declarado em quatro situações: mútuo consentimento, aceitação do princípio da ruptura do casamento independentemente dos factos que estão na sua origem, separação de facto e culpa.
Mais arrojada e contundente é, sem dúvida, a lei espanhola.
Em Espanha, com a aprovação da Ley 15/2005, de 8 de Julho, que altera o Código Civil, procedeu-se, entre outras, à primeira alteração em 24 anos do regime jurídico do divórcio, imbuída de um espírito de modernidade e assente, sobretudo, na vontade do indivíduo.
Como se pode ler na exposição de motivos, "La reforma que se acomete pretende que la libertad, como valor superior de nuestro ordenamiento jurídico, tenga su más adecuado reflejo en el matrimonio. El reconocimiento por la Constitución de esta institución jurídica posse una innegable trascendencia, en tanto que contribuye al orden político y la paz social, y es cauce a través del cual los ciudadanos pueden desarrolar su personalidad. En coherencia con esta razón, el artículo 32 de la Constitución configura el derecho a contraer matrimonio según los valores y principios constitucionales. De acuerdo con ellos, esta ley persigue ampliar el ámbito de libertad de los cónyuges en lo relativo al ejercicio de la facultad de solicitar la disolución de la relación matrimonial. Con este propósito, se estima que el respeto al libre desarrollo de la personalidad, garantizado por el artículo 10.1 de la Constitución, justifica reconocer mayor trascendencia a la voluntad de la persona cuando ya no desea seguir vinculado con su cónyuge. Así, el ejercicio de su derecho a no continuar casado no puede hacerse depender de la demostración de la concurrencia de causa alguna, pues la causa determinante no és más que el fin de esa voluntad expresada en su solicitud, ni, desde luego, de una previa e ineludible situación de separación".
Assim, o novo regime jurídico do divórcio consagra no seu artigo 86.º: "Se decretará judicialmente el divorcio, cualquiera que sea la forma de celebración del matrimonio, a petición de uno solo de los coyuges, de ambos o de uno con el consentimiento del otro (….)". O único requisito formal exigido para a apresentação do pedido de divórcio é o decurso de três meses após a celebração do casamento, prevendo-se a possibilidade de não observação desse prazo em caso de risco para a vida, para a integridade física ou para a liberdade ou autodeterminação sexual do cônjuge ou dos filhos de ambos ou de qualquer um dos cônjuges.
No regime jurídico português a vontade dos cônjuges é algo que só releva no acto do casamento, ou quando se trata de uma vontade mútua de divórcio, ignorando por completo a necessidade de uma vontade mútua para manter o casamento.

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A permanência da noção de culpa torna o divórcio mais intensamente doloroso. A noção de culpa em que o ónus da prova pertence ao requerente induz situações eticamente enfermas na medida em que obriga à exposição da intimidade e não raramente à provocação e "construção de factos" que constituam prova da violação dos deveres conjugais.
Enquanto se acentua uma concepção moderna contratualista, fundamentando na afectividade e na vontade individual de cada um dos cônjuges, o regime jurídico do divórcio permanece, ignorando a manifestação unilateral da vontade.
Aliás, o próprio conceito de divórcio litigioso comporta em si mesmo uma carga dramática que só contribui para o agudizar e intensificar de conflitos e constitui mais uma aresta ao difícil processo, em termos pessoais, que é o divórcio.
Nenhum casamento é celebrado sem existir uma vontade expressa de ambos os nubentes nesse sentido. Também não faz sentido que se obrigue alguém a manter-se casado ainda que contra a sua vontade, ou a cometer actos masoquistas, para obter o divórcio, como violar um dos deveres conjugais e esperar que o outro cônjuge não lhe perdoe, ou abandonar o lar e viver separado de facto durante um lapso de tempo, e a culminar todo este doloroso e longo processo, a coroa de glória um longo, penoso e devassador divórcio litigioso.
Como pode alguém ser considerado culpado de um divórcio só porque deixou de amar o cônjuge, ou já não se sente feliz ou realizado com aquela relação? Como é possível que se continuem a julgar, a fazer juízos de valor, sobre os sentimentos das pessoas?
Tal como noutros momentos históricos, o direito não acompanhou totalmente as mudanças sociais. Urge, pois, que comece a reflectir os valores sociais tornados fundamentais como a individualidade, a afectividade, e a felicidade e consagre um processo de divórcio, a par dos já existentes que contemple estas mudanças sociais.
Assim sendo, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Divórcio a pedido de um dos cônjuges

O cônjuge que não deseje manter-se casado pode a qualquer momento requerer o divórcio, declarando ser essa a sua vontade.

Artigo 2.º
Requisitos

1 - O divórcio a pedido de um dos cônjuges deverá ser requerido na conservatória do registo civil.
2 - Se existirem filhos menores, previamente ao requerimento do divórcio, deverá ser requerida a regulação do exercício do poder paternal no tribunal competente, excepto se este já se encontrar judicialmente regulado.

Artigo 3.º
Processo de divórcio a pedido de um dos cônjuges

1 - O processo de divórcio a pedido de um dos cônjuges é instaurado mediante requerimento assinado pelo cônjuge requerente, ou seu procurador, na conservatória do registo civil, do qual deve constar a declaração expressa de que não deseja manter-se casado.
2 - O pedido é instruído com uma certidão de cópia integral do registo de casamento e certidão da convenção antenupcial se a houver.
3 - Existindo filhos, menores, o cônjuge requerente juntará ao processo, até à data da conferência prevista no número seguinte, certidão da pendência ou sentença de acção de regulação do exercício do poder paternal, sob pena de não se realizar a conferência.

Artigo 4.º
Primeira conferência

1 - Recebido o requerimento, o conservador convoca os cônjuges para uma conferência em que tenta conciliá-los.
2 - Se a conciliação não for possível, o conservador adverte o requerente que deverá renovar o pedido de divórcio após um período de reflexão de três meses a contar da data da conferência, e dentro do ano subsequente à mesma data, sob pena do requerimento de divórcio ser considerado sem efeito.

Artigo 5.º
Segunda conferência

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1 - Se um dos cônjuges mantiver o propósito de se divorciar, e renovar o pedido de divórcio, o conservador convoca ambos os cônjuges para uma nova conferência, em que tentará conciliá-los.
2 - O conservador verifica o preenchimento dos pressupostos legais, podendo determinar para esse efeito a prática de actos e a produção de prova eventualmente, e declara o divórcio, procedendo, de seguida, ao correspondente registo.

Artigo 6.º
Adiamento da conferência

1 - Qualquer uma das conferências apenas poderá ser adiada uma vez, por um prazo não superior a 10 dias, em caso de ausência justificada de um dos cônjuges sem que se tenha feito representar através de procurador.
2 - Tratando-se da segunda conferência, e sendo designada nova data, nos termos do número anterior, o divórcio é decretado se o cônjuge requerente reafirmar a sua vontade de se divorciar ainda que o cônjuge requerido não esteja presente nem se faça representar; ou, se faltar o cônjuge requerente e não se fizer representar, se o cônjuge requerido por si ou através do seu procurador declarar que tem interesse no divórcio.

Artigo 7.º
Conversão em divórcio por mútuo consentimento

Em qualquer momento do processo poderão os cônjuges converter o divórcio a pedido de um dos cônjuges em divórcio por mútuo consentimento, desde que apresentem os acordos relativos à regulação do exercício do poder, relação dos bens comuns do casal e respectivos valores, e destino da casa de morada de família, assinados por ambos, seguindo-se os demais termos legais e processuais previstos para aquela forma de divórcio.

Artigo 8.º
Competência do conservador, substituição e incompatibilidades

É aplicável ao divórcio a pedido de um dos cônjuges o disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, com as devidas adaptações.

Artigo 9.º
Actos de mero expediente

O prazo para a prática de actos de mero expediente pelos funcionários da conservatória de registo no âmbito do processo de divórcio a pedido de um dos cônjuges é de cinco dias.

Artigo 10.º
Legislação subsidiária

É subsidiariamente aplicável ao processo de divórcio a pedido de um dos cônjuges:

a) O Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro;
b) O Código do Processo Civil.

Artigo 11.º
Apoio judiciário

É aplicável ao processo de divórcio a pedido de um dos cônjuges o disposto no artigo 300.º do Código do Registo Civil e o regime de apoio judiciário em vigor, com as necessárias adaptações.

Artigo 12.º
Deveres conjugais

Os deveres conjugais cessam no momento da entrada do requerimento de divórcio na conservatória do registo civil.

Artigo 13.º
Alterações ao Código Civil

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Os artigos 1773.º, 1790.º, 1791.º e 2016.º do Código Civil passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 1773.º
(…)

1 - O divórcio pode ser por mútuo consentimento, litigioso ou a pedido de um dos cônjuges.
2 - (…)
3 - (…)
4 - O divórcio a pedido de um dos cônjuges pode ser requerido por qualquer um dos cônjuges, que não deseje permanecer casado, na conservatória do registo civil.

Artigo 1790.º
(…)

1 - (anterior corpo do artigo)
2 - Em caso de divórcio a pedido de um dos cônjuges, nenhum deles pode receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de bens adquiridos, excepto se ambos estiverem de acordo.

Artigo 1791.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)
3 - Em caso de divórcio a pedido de um dos cônjuges, estes perdem todos os benefícios recebidos ou a receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado, quer a estipulação seja anterior ou posterior à celebração do casamento, salvo se ambos estiverem de acordo quanto à sua partilha e o terceiro a ela não se opuser.
4 - Existindo filhos menores, os benefícios recebidos de terceiro, referidos no número anterior, poderão reverter a favor daqueles mediante o acordo do terceiro.

Artigo 2016.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - Em caso de divórcio a pedido de um dos cônjuges, terá direito a alimentos o cônjuge que dependa economicamente do outro, se essa dependência tiver resultado da sua colaboração para a vida e economia comum do casal".

Artigo 14.º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro

O artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, que opera a transferência de competências em processos de carácter eminentemente registral dos tribunais judicias para os próprios conservadores de registo, passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 12.º
(…)

1 - (…)

a) (…)
b) A separação, divórcio por mútuo consentimento e divórcio a pedido de um dos cônjuges, excepto nos casos resultantes de acordo obtido no âmbito de processo de separação;
c) (…)

2 - (…)
3 - (…)

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4 - (…)
5 - (…)"

Artigo 15.º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro

O artigo 18.º do Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 18.º
(…)

1 a 6.3 - (…)
6.4 - Pelo processo de divórcio e separação judicial de pessoas e bens por mútuo consentimento e pelo processo de divórcio a pedido de um dos cônjuges (…) 250 €.
6.5. a 12.7 - (…)"

Artigo 16.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor três meses após a sua publicação.

Assembleia da República, 7 de Março de 2006.
As Deputadas e os Deputados do BE: Fernando Rosas - Ana Drago - Alda Macedo - Helena Pinto - João Semedo - Francisco Louçã - Luís Fazenda.

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PROJECTO DE LEI N.º 233/X
ALTERA O DECRETO-LEI N.º 243/2001, DE 5 DE SETEMBRO (APROVA NORMAS RELATIVAS À QUALIDADE DA ÁGUA DESTINADA AO CONSUMO HUMANO), POR FORMA A REFORÇAR A INFORMAÇÃO SOBRE A QUALIDADE DA ÁGUA AO PÚBLICO

Nota justificativa

A forma de publicitação dos resultados obtidos nas análises de aferição de conformidade da água com a sua utilização, neste caso para consumo humano, tem demonstrado que a informação não chega de forma eficaz aos consumidores, principais interessados na garantia da qualidade da água que sai das torneiras de suas casas.
Torna-se, por isso, importante que essa informação chegue a todo público interessado de forma directa. E não há forma mais directa do que através da factura da água que chega com regularidade assegurada a todos os utentes dos sistemas de abastecimento. É, pois, esta a forma que Os Verdes propõem que passe a constituir a base do método de publicitação dos resultados obtidos nas análises à conformidade da água nos parâmetros exigidos por lei.
E porque a informação sobre a qualidade da água deve ser amplamente divulgada, esse é também um dos objectivos da proposta de Os Verdes, mantendo, cumulativamente, a forma de publicitação que actualmente está prevista na lei, isto é, através de edital. Actualmente a lei prevê, ainda, uma forma alternativa de publicitação, que é através da imprensa regional. Os Verdes propõem que essa publicitação não seja feita em alternativa mas, sim, de novo de forma cumulativa, sendo que à entidade gestora cabe definir se essa publicação, cumulativa à factura da água e ao edital, se faz por via do boletim municipal ou de imprensa regional.
Os Verdes entendem que, para além da informação ao público, este projecto de lei vai contribuir para a responsabilização da entidade gestora no que se refere à obrigatoriedade de avaliação da conformidade da água para consumo humano, bem como à totalidade dos parâmetros obrigatórios de análise, que, conforme consta do relatório anual do controlo da qualidade da água para consumo humano, é objecto de uma percentagem significativa de incumprimento. Com a necessidade de informação ao público de uma forma tão directa e objectiva, as entidades responsáveis pela avaliação da conformidade da água terão certamente um maior cuidado em cumprir aquilo a que a legislação obriga.
É com estes propósitos que, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar de Os Verdes apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo único

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O n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 243/2001, de 5 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 8.º

1 - A fim de garantir a qualidade da água distribuída, e sem prejuízo do disposto nos restantes artigos do presente diploma, constituem obrigações da entidade gestora:

a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (…)
h) Publicitar bimensalmente, no caso de água fornecida a partir de uma rede de distribuição, por via da factura que é remetida aos consumidores, os resultados obtidos nas análises de demonstração de conformidade, acompanhados da referência à presente lei e de elementos informativos detalhados, claros e compreensíveis que permitam avaliar do grau de cumprimento das normas de qualidade constantes do Anexo I;
i) A publicitação referida na alínea anterior é igualmente prestada, com a mesma regularidade, por meio de editais afixados nos locais próprios e por publicação no boletim municipal ou na imprensa regional.

Palácio de São Bento, 22 de Março de 2006.
Os Deputados de Os Verdes: Heloísa Apolónia - Francisco Madeira Lopes.

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PROPOSTA DE LEI N.º 56/X
(APROVA O REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Nota preliminar

O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei n.º 56/X, que aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
Esta apresentação foi efectuada nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do mesmo Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República de 25 de Janeiro de 2006, a iniciativa vertente baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do respectivo relatório, conclusões e parecer.
No âmbito da apreciação da referida iniciativa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias procedeu às audições do Conselho Superior do Ministério Público, do Conselho Superior da Magistratura, do Sr. Ministro da Justiça, da Ordem dos Advogados, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, da Câmara dos Solicitadores e do Conselho dos Oficiais de Justiça (foi esta a ordem pela qual as entidades foram ouvidas).
Foi, entretanto, recebido parecer do Governo Regional da Madeira, cuja Secretaria Regional do Equipamento Social e Transportes se pronunciou no sentido de nada ter a opor à proposta de lei em apreço, explicitando que esta "retoma versões anteriores de propostas de lei aprovadas na Assembleia da República, na generalidade, por unanimidade, incorpora soluções de há muito preconizadas pela jurisprudência portuguesa e dá satisfação a exigências impostas por legislação comunitária".
A discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 56/X encontra-se agendada para o próximo dia 31 de Março de 2006.

II - Do objecto, motivação e conteúdo da iniciativa

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A proposta de lei sub judice revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, e procura dar resposta à necessidade de se adaptar o regime legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas às exigências ditadas pelo artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa.
Neste sentido, a iniciativa vertente propõe-se regular a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas não apenas por danos decorrentes do exercício da função administrativa, mas também pelos prejuízos resultantes do exercício das funções jurisdicional, política e legislativa.
Em traços gerais, são propostas as seguintes modificações:

a) É aperfeiçoado, em diversos aspectos, o regime da responsabilidade pelo exercício da função administrativa;
b) É introduzido, pela primeira vez em Portugal, um regime geral de responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional;
c) É estabelecido um regime inovador em matéria de responsabilidade pelo exercício da função política e legislativa;
d) É consagrado, em termos amplos, o dever de o Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarem todo aquele a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, sem circunscrever o regime ao exercício da função administrativa.

1 - Do corpo da proposta de lei:
A proposta de lei n.º 56/X compõe-se de seis artigos.
O artigo 1.º prevê a aprovação, em anexo, do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
O artigo 2.º salvaguarda os regimes especiais de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa (n.º 1) e estabelece que a presente lei prevalece sobre qualquer remissão legal para o regime de responsabilidade civil extracontratual de direito privado aplicável a pessoas colectivas de direito público (n.º 2).
O artigo 3.º determina o modo como se processa o pagamento de indemnizações devidas por pessoas colectivas pertencentes à administração indirecta do Estado ou à administração autónoma:

- Em derrogação do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 170.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a proposta de lei estabelece que o crédito indemnizatório só poderá ser satisfeito por conta da dotação orçamental inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) a título subsidiário, ou seja, só depois de se mostrarem esgotadas as providências de execução para pagamento de quantia certa, reguladas na lei processual civil, sem que tenha sido possível obter o pagamento junto da entidade responsável (n.º 1);
- Não fica, contudo, prejudicada a possibilidade de o interessado poder solicitar directamente a compensação do seu crédito com eventuais dívidas que o onerem para com a mesma pessoa colectiva, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 170.º do CPTA (n.º 2);
- Esgotadas as providências de execução para pagamento de quantia certa, reguladas na lei processual civil, sem que tenha sido possível obter o pagamento da indemnização através da entidade responsável, a secretaria do tribunal notifica imediatamente o CSTAF para que emita a ordem de pagamento da indemnização, independentemente de despacho do juiz e de tal ter sido solicitado, a título subsidiário, na petição de execução (n.º 3);
- Quando o pagamento da indemnização ocorra por conta da dotação orçamental inscrita a favor do CSTAF, o Estado fica com direito de regresso, incluindo juros de mora, sobre a entidade responsável, que pode exercer ou através de descontos nas transferências a efectuar para a entidade em causa no Orçamento do Estado do ano seguinte, ou, tratando-se de entidade pertencente à administração indirecta do Estado, através de inscrição oficiosa no respectivo orçamento privativo pelo órgão tutelar ao qual caiba a aprovação do orçamento, ou acção de regresso a intentar no tribunal competente (n.º 4).

O artigo 4.º propõe uma alteração ao artigo 77.º do Estatuto do Ministério Público por forma a harmonizá-lo com o novo regime previsto para a responsabilidade dos magistrados (artigo 15.º do anexo à proposta de lei) e com o que hoje se encontra definido no n.º 3 do artigo 5.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais quanto aos pressupostos de que depende o exercício do direito de regresso do Estado sobre os magistrados. Deste modo, o direito de regresso do Estado sobre os magistrados do Ministério Público passa a confinar-se aos casos de dolo ou culpa grave.
O artigo 5.º prevê a revogação expressa do Decreto-Lei n.º 48091, de 21 de Novembro de 1967, e dos artigos 96.º e 97.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.
Por último, o artigo 6.º estabelece que a lei agora proposta entra em vigor "30 dias após a data da sua publicação".

2 - Do anexo à proposta de lei: regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas:

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O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, proposto no anexo da presente proposta de lei, encontra-se estruturado da seguinte forma:

Capítulo I - Disposições gerais (artigos 1.º a 6.º);
Capítulo II - Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa (artigos 7.º a 11.º);
Capítulo III - Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional (artigos 12.º a 14.º);
Capítulo IV - Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício das funções política e legislativa (artigo 15.º);
Capítulo V - Indemnização pelo sacrifício (artigo 16.º).

a) Das disposições gerais:
Na esteira do comando constitucional, a proposta de lei em apreço tem um âmbito material muito mais alargado do que o Decreto-Lei n.º 48051, de 27 de Novembro de 1967.
Na verdade, enquanto o diploma em vigor estabelece o regime da responsabilidade da administração por actos de gestão pública, a iniciativa vertente contempla a "responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas públicas, por danos resultantes do exercício das funções politica e legislativa, jurisdicional e administrativa" (artigo 1.º, n.º 1).
Todavia, apesar de suprimir a expressão "actos de gestão pública" , a proposta de lei ora em análise acaba por manter a distinção entre actuações administrativas que dão lugar a uma responsabilidade regida por disposições de direito público e aquelas que fundamentam a responsabilidade ao abrigo de normas de direito privado, circunscrevendo o âmbito do diploma à definição do regime de direito público da responsabilidade civil extracontratual do Estado e da entidades públicas.
Assim se compreende que a iniciativa em apreço determine serem geradoras de responsabilidade civil da administração "as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo" (artigo 1.º, n.º 2).
No entendimento do Governo "(...) não são qualitativamente idênticas e, por isso, indiferenciáveis as condutas que as entidades públicas desenvolvem como se fossem entidades privadas e aquelas que elas adoptam no exercício de poderes públicos de autoridade ou, em todo o caso, ao abrigo de disposições e princípios de direito público, institutivos de deveres ou restrições especiais, de natureza especificamente administrativa, que não se aplicam à actuação das entidades privadas", pelo que "(...) dentro dessa perspectiva ainda permanecem válidas as razões que, historicamente, levaram a associar a esta distinção uma diferenciação de regimes (…).
Optou-se, assim, por manter a delimitação do âmbito material das actuações abrangidas pelo regime de responsabilidade segundo o critério do regime jurídico substantivo ao abrigo do qual elas foram adoptadas.
A iniciativa vertente apresenta igualmente alterações relativas ao âmbito subjectivo de aplicação do regime da responsabilidade em causa.
Com efeito, a proposta de lei n.º 56/X regula não apenas a responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas públicas e dos titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos, como também se estende à responsabilidade civil dos demais trabalhadores ao serviço das entidades abrangidas pelo diploma (n.os 1 e 3 do artigo 1.º) e, bem assim, das "pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, quando estejam no exercício de prerrogativas de poder público ou se trate de actuações reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo" (n.os 4 e 5 do artigo 1.º).
Em sede de disposições gerais, a proposta de lei n.º 56/X define ainda o que são danos ou encargos especiais e anormais (artigo 2.º), em que consiste a obrigação de indemnizar (artigo 3.º), como se processa a responsabilidade em caso de culpa do lesado (artigo 4.º), quais as regras da prescrição (artigo 5.º) e do exercício do direito de regresso (artigo 6.º).
Importa realçar o esforço de concretização dos conceitos abstractos da especialidade e anormalidade do dano e do prejuízo (artigo 2.º), o que facilitará a aplicação do regime da responsabilidade pelo exercício das funções política e legislativa, previsto no artigo 15.º, e da indemnização pelo sacrifício, previsto no artigo 16.º.
Destaque ainda para a consagração legal do entendimento jurisprudencial de que a eventual não utilização da via processual adequada à eliminação de um acto jurídico lesivo não põe em causa, por si só, o direito à indemnização, apenas podendo relevar no quadro do instituto da culpa do lesado (artigo 4.º). Esta é uma relevante alteração já que no regime em vigor o direito de intentar uma acção de indemnização fundada em acto ilícito danoso da administração apenas não está dependente da prévia utilização da acção de impugnação do respectivo acto se, por este meio, não for possível afastar ou diminuir os danos por ele causados.

O Decreto-Lei n.º 48051, de 27 de Novembro de 1967, balizava a aplicação do regime nele estatuído à "responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública" (sublinhado nosso) - cfr. artigo 1º.

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Assume também particular importância o estabelecimento da obrigatoriedade do exercício do direito de regresso nos casos em que o mesmo se encontra previsto (artigo 6.º, n.º 1).

b) Da responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa:
O regime da responsabilidade pelo exercício da função administrativa é redefinido a partir do regime estatuído no Decreto-Lei n.º 48051, de 27 de Novembro de1967, e das soluções que, ao longo dos tempos, têm sido gizadas pela jurisprudência portuguesa.
Nessa medida, a proposta de lei mantém a distinção entre:

- Responsabilidade da administração por facto ilícito;
- Responsabilidade da administração pelo risco.

i) Responsabilidade civil por facto ilícito
Uma das grandes inovações introduzidas em matéria de responsabilidade da administração por facto ilícito prende-se com o alargamento da regra da solidariedade ao domínio das condutas praticadas com culpa grave (cifra artigo 8.º). Trata-se de uma importante alteração se atendermos a que, até ao momento, a regra da solidariedade se limita às actuações dolosas e que, em caso de culpa grave, há responsabilidade exclusiva da administração com possibilidade de direito de regresso.
Inovatória é também a instituição de uma responsabilidade de natureza objectiva da administração pelo funcionamento anormal dos seus serviços. Há muito que a jurisprudência portuguesa admite que, quando a culpa não possa ser imputada a um autor determinado, mas o deva ser ao serviço público globalmente considerado (a chamada faute de service), há responsabilidade exclusiva da administração. Ora, este entendimento foi transposto para o texto da proposta de lei. Assim, quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão, mas esses danos devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço, a administração é exclusivamente responsável por tais danos (cifra artigo 7.º, n.os 3 e 4).
Outras das novidades é a introdução de um regime de presunção de culpa. Passa-se a presumir a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos (cifra artigo 10.º, n.º 2), acolhendo na lei um entendimento que, desde há muito, tem vindo a ser seguido pela jurisprudência portuguesa, que é o de considerar que a culpa é inerente à prática de actos administrativos ilegais e, por isso, não carece de demonstração. De igual modo se inverte o ónus da prova quanto à culpa no incumprimento de deveres de vigilância, presumindo a existência de culpa leve nestas situações (cifra artigo 10.º, n.º 3).
A proposta de lei introduz ainda um novo critério para apurar a culpa dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes da administração: a culpa passa a ser apreciada "pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário agente zeloso e cumpridor", ao invés do critério constante do artigo 487. do Código Civil, para o qual remete o diploma ora em vigor ("iligência do bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso".
A proposta de lei em apreço mantém a responsabilidade exclusiva da administração em caso de culpa leve (artigo 7.º, n.º 1), dessa forma protegendo os servidores da administração contra o risco de pequenas faltas desculpáveis. Por outro lado, passa a prever expressamente a concessão de indemnização aos lesados por actos ilícitos no domínio dos procedimentos pré-contratuais (artigo 7.º, n.º 2).
A proposta de lei mantém também a responsabilidade solidária da administração em caso de procedimento doloso (artigo 8.º, n.os 1 e 2), mas, nestes casos, o exercício do direito de regresso passa a ser obrigatório (cifra artigo 8.º, n.º 2, ex vi artigo 6.º, n.º 1).

ii) Responsabilidade pelo risco:
A proposta de lei mantém a responsabilidade objectiva da administração por danos decorrentes de certas actividades, coisas ou serviços administrativos perigosos. É, no entanto, de assinalar a nova delimitação destas actividades, coisas ou serviços administrativos decorrentes da substituição da expressão "excepcionalmente perigosos" para "especialmente perigosos", o que implica, por si só, um aumento das situações potencialmente geradoras de responsabilidade.
A proposta de lei mantém também a exclusão desta responsabilidade se se provar que o prejuízo resultou de força maior.
Havendo culpa do lesado, a proposta de lei passa a prever, de forma expressa, a redução ou exclusão da responsabilidade da administração.
Havendo culpa de terceiro, a proposta de lei consagra inovatoriamente a responsabilidade solidária da administração. Assim sendo, quando um terceiro tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos, o particular lesado pode exigir a totalidade da indemnização ao Estado e demais entidades públicas, que ficam com direito de regresso sobre o terceiro. Há, pois, um alargamento subjectivo da responsabilidade da administração atendendo a que, no regime vigente, a interferência de terceiro na produção ou agravamento dos danos apenas releva no quadro do instituto de concorrência de culpas, servindo, assim, para delimitar o

A fórmula legal inclui, portanto, actos administrativos e actos de conteúdo normativo.

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grau de culpa dos causadores do dano, possibilitando a limitação/exclusão da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas.

c) Da responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional:
A proposta de lei em apreço estabelece, pela primeira vez em Portugal, um regime geral de responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional.
Nesta senda, esta iniciativa estende ao domínio do funcionamento da administração da justiça o regime da responsabilidade civil da administração, com as ressalvas que decorrem do regime do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que os magistrados respondam directamente pelos ilícitos que cometam, sem prejuízo do direito de regresso em caso de dolo ou culpa grave.
Institui-se, assim, como regime geral, o de que é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, como é o caso da violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa (artigo 12.º).
Excepciona-se, porém, desta regra a responsabilidade por erro judiciário (artigo 13.º) e a responsabilidade dos magistrados (artigo 14.º).

i) Responsabilidade por erro judiciário:
Consagra-se a responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto, sendo pressuposto desta responsabilidade a prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente (artigo 13.º).
Fora deste regime fica a obrigação de indemnizar nos casos de sentença penal condenatória injusta ou de privação injustificada da liberdade, que mantém o regime especial previsto no Código de Processo Penal.

ii) Responsabilidade dos magistrados:
A especificidade da responsabilidade dos magistrados judiciais e do Ministério Público decorre da impossibilidade de estes responderem directamente pelos danos que causarem no exercício das respectivas funções. Ou seja, não se lhes aplica o regime de responsabilidade solidária que vale para os titulares de órgãos, funcionários e agentes da administração, incluindo os que prestam serviço na administração da justiça.
Assim, em caso de dolo ou culpa grave dos magistrados, há responsabilidade exclusiva do Estado, com direito de regresso, cabendo a decisão de exercer o direito de regresso sobre os magistrados ao órgão competente para o exercício do poder disciplinar, a título oficioso ou por iniciativa do Ministro da Justiça (artigo 14.º).

d) Da responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função política e legislativa:
A proposta de lei n.º 56/X avança para a consagração de um regime geral de responsabilidade do Estado e das regiões autónomas por acções ou omissões ilícitas cometidas no exercício das funções política ou legislativa (artigo 15.º).
As situações de ilicitude são identificadas por referência à ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, quando tal resulte da violação da Constituição, do direito internacional, do direito comunitário ou de normas de valor reforçado.
Identicamente, é causa de responsabilidade a omissão de providências legislativas necessárias para tornar exequíveis essas normas, bem como a omissão evidente do dever de protecção de direitos fundamentais.
De referir que a responsabilidade fundada na omissão de providências legislativas necessárias para tornar exequíveis normas constitucionais está, porém, dependente da prévia verificação, pelo Tribunal Constitucional, de inconstitucionalidade por omissão.
A proposta de lei evitou o apelo a um conceito de culpa, preferindo que seja apreciado o contexto que rodeou a conduta lesiva, em termos de verificar se a actuação do legislador abstracto correspondeu, ou não, aos parâmetros objectivamente exigíveis em função das circunstâncias do caso.
Pressuposto da responsabilidade pelo exercício da função política e legislativa é a existência de danos anormais, sendo que estes são, nos termos do artigo 2.º da proposta de lei, "os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito". Assim sendo, só são ressarcíveis os danos anormais resultantes de actos ou omissões que, no exercício da função política e legislativa, o Estado e as regiões autónomas pratiquem ou omitam em desconformidade com a Constituição, o direito internacional, o direito comunitário ou acto legislativo de valor reforçado.
A proposta de lei prevê a possibilidade de o tribunal poder limitar a indemnização quando os lesados forem em tal número elevado que se justifique, por razões de interesse público de excepcional relevo, uma tal solução.

e) Da indemnização pelo sacrifício:
A proposta de lei n.º 56/X prevê ainda a indemnização pelo sacrifício, que corresponde, com profundas alterações, à responsabilidade por facto lícitos prevista no Decreto-Lei n.º 48 051, de 27 de Novembro de 1967.

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A grande inovação trazida pela proposta de lei é a do alargamento do direito de indemnização pelo sacrifício às situações de lesão decorrentes do exercício de todas as funções estaduais. Deixa, assim, de ser apenas a actividade administrativa a única a gerar responsabilidade por acto lícito.
E mesmo no que concerne à função administrativa, eliminada a referência aos "actos administrativos legais ou actos materiais lícitos", dissipa-se a discussão em torno da questão de saber se os actos jurídicos da administração estão ou não incluídos neste regime de responsabilidade, já que a proposta de lei toma unicamente como padrão para a indemnização a imposição de encargos ou danos especiais e anormais.

III - Enquadramento constitucional

A matéria da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas encontra-se da seguinte forma consagrada no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa:

"O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem."

A fórmula constitucional abrange, assim, tanto a responsabilidade subjectiva como a objectiva, a responsabilidade por acção e por omissão, a responsabilidade fundada na ilicitude e a baseada em comportamento lícito e, ainda, a responsabilidade decorrente do exercício de qualquer função estadual (administrativa, jurisdicional, política e legislativa).
É, pois, necessário adaptar-se o regime legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas às exigências ditadas pelo artigo 22.º da Lei Fundamental, desde logo porque o regime legal vigente (Decreto-Lei n.º 48 051, de 27 de Novembro de 1967) não contempla, nomeadamente, a responsabilidade civil em virtude do exercício das funções jurisdicional, política e legislativa.
Sublinhe-se que, como afirmam os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, "o princípio da responsabilidade do Estado é um dos princípios estruturantes do Estado de direito democrático, enquanto elemento do direito geral das pessoas à reparação dos danos causados por outrem ".
Tem também enquadramento constitucional a responsabilidade dos funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas. Com efeito, o artigo 271.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que:

"1 - Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a acção ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica.
2 - É excluída a responsabilidade do funcionário ou agente que actue no cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, se previamente delas tiver reclamado ou tiver exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito.
3 - Cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime.
4 - A lei regula os termos em que o Estado e as demais entidades públicas têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes."

IV - Enquadramento legal

1) Evolução histórica:
Até 1930 o Estado era, em regra, irresponsável. Com efeito, resultava do Código Civil de 1867 que nem o Estado nem os funcionários públicos eram responsáveis pelas perdas e danos que causassem no desempenho das obrigações que lhes fossem impostas por lei, excepto se excedessem ou não cumprissem de algum modo as disposições da mesma lei, caso em que responderiam pessoalmente como qualquer cidadão (artigos 1399.º e 1400.º).
Foi só com o Decreto-Lei n.º 19 126, de 16 de Dezembro de 1930, que na nossa ordem jurídica passou a vigorar o princípio da responsabilidade do Estado por prejuízos causados por actos ilícitos praticados no contexto de gestão pública. Este diploma, que procedeu à revisão do Código Civil, consagrou a responsabilidade solidária do Estado com os seus agentes por actos praticados por estes no exercício das suas funções.
Mais tarde, o Código Administrativo 1936-40 veio estatuir, nos seus artigos 366.º e 367.º, a responsabilidade civil das autarquias locais.
O Código Civil de 1966 nada consagraria relativamente à responsabilidade do Estado por actos de gestão pública, mas apenas quanto à gestão privada.

In "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª ed., Coimbra, 1993, em anotação aos artigos 22º e 2º, respectivamente, p. 168 e 63

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Surge, então, o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, que fixa o quadro legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas no domínio dos actos de gestão pública.
2) Regime em vigor:
Coexistem hoje, no ordenamento jurídico português, dois regimes de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas:

- O regime de responsabilidade por actos de gestão privada, que se encontra regulado no artigo 500.º do Código Civil, em conjugação com o artigo 501.º;
- O regime de responsabilidade por actos de gestão pública, previsto no Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, e, no tocante às autarquias locais, nos artigos 96.º e 97.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.

a) Responsabilidade por actos de gestão privada:
Da articulação do disposto nos artigos 500.º e 501.º do Código Civil resulta que, nos casos de prejuízo causado por actos de gestão privada, o Estado e demais pessoas colectivas públicas são solidariamente responsáveis com os seus órgãos, agentes ou representantes, pelos danos por estes causados aos particulares no exercício das suas funções.
Trata-se de uma responsabilidade objectiva, já que o Estado e demais entidades públicas respondem, independentemente de culpa, pelos danos causados pelos órgãos, agentes ou representantes no exercício das suas funções.
Se tiverem satisfeito o pagamento da indemnização ao lesado, o Estado e demais entidades públicas gozam de direito de regresso contra o autor do facto danoso, excepto se houver também culpa da sua parte, caso em que o direito de regresso existe na medida das respectivas culpas (que se presumem iguais).

b) Responsabilidade por actos de gestão pública:
À luz do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública reveste três modalidades:

- Responsabilidade por facto ilícito culposo (artigos 2.º e 3.º);
- Responsabilidade pelo risco (artigo 8.º);
- Responsabilidade por facto lícito (artigo 9.º).

A responsabilidade da administração por factos ilícitos culposos funciona hoje, em síntese, nos seguintes termos:

Se o facto danoso tiver sido praticado pelo titular do órgão ou agente administrativo fora do exercício das suas funções, ou durante o exercício delas mas não por causa desse exercício, há responsabilidade pessoal exclusiva do autor (artigo 3.º n.º 1);
Se o facto danoso tiver sido praticado pelo titular do órgão ou agente administrativo no exercício das suas funções e por causa desse exercício, há que distinguir três situações:

- Em caso de procedimento doloso (quando há intenção de praticar o dano ou quando tal foi previsto e aceite pelo autor do acto), há responsabilidade solidária da administração e do autor (artigo 3.º n.º 2);
- Em caso de culpa grave (quando o facto é praticado com diligência ou zelo manifestamente inferiores aos exigidos em razão do cargo), há responsabilidade exclusiva da administração, com direito de regresso (artigo 2.º, n.os 1 e 2);
- Em caso de culpa leve, há responsabilidade exclusiva da administração, sem direito de regresso (artigo 2.º, n.º 1).

De referir que idêntico regime consta, para as autarquias locais, dos artigos 96.º e 97.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro (Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias).
Quanto à responsabilidade fundada no risco, prevê o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, que o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondam pelos prejuízos causados por actividades, coisas ou serviços administrativos excepcionalmente perigosos. Só não há responsabilidade se se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades. Se o lesado ou um terceiro tiver concorrido para a produção dos danos, a responsabilidade é determinada segundo a culpa de cada um.
No que se refere à responsabilidade por acto lícito, dispõe o artigo 9.º do mesmo diploma que o Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizam os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.

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V - Antecedentes parlamentares

Na VII Legislatura o XIV Governo Constitucional assumiu a reforma do contencioso administrativo como uma das prioridades no âmbito da justiça, tendo promovido uma ampla discussão pública sobre o tema, nomeadamente com debates promovidos nas universidades, que culminou com a apresentação, na Assembleia da República, de três propostas de lei:

- Proposta de lei n.º 92/VIII - Aprova o Código de Processo nos Tribunais (revoga o Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho);
- Proposta de lei n.º 93/VIII - Aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (revoga o Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril);
- Proposta de lei n.º 95/VIII - Aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado (revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967).

As propostas de lei n.os 92/VIII e 93/VIII viriam a dar origem, respectivamente, às Leis n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, e n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Já a proposta de lei n.º 95/VIII, apesar de ter sido aprovada por unanimidade na generalidade, em 30 de Novembro de 2001, viria a caducar em virtude da dissolução da Assembleia da República em 19 de Janeiro de 2002.
Na IX Legislatura o PS retomou integralmente aquela proposta de lei, apresentando, em 10 de Outubro de 2002, o projecto de lei n.º 148/IX - Lei da responsabilidade civil extracontratual do Estado (revoga o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967), o qual foi aprovado por unanimidade na generalidade, em 21 de Novembro de 2002.
Em 15 de Setembro de 2003 o XV Governo Constitucional apresentou na Assembleia da República a proposta de lei n.º 88/IX - Aprova o regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado, a qual foi igualmente aprovada por unanimidade, em 30 de Outubro de 2003.
A proposta de lei n.º 88/IX viria a caducar com a demissão do XV Governo Constitucional, em 6 de Julho de 2004; enquanto que o projecto de lei n.º 148/IX, do PS, viria a caducar com a dissolução da Assembleia da República em 22 de Dezembro de 2004.

VI - Direito comparado

Em Espanha, o artigo 106.º, n.º 2, da Constituição de 1978 consagra o direito de os particulares serem indemnizados de toda a lesão que sofram a qualquer dos seus bens e direitos, salvo em caso de força maior, sempre que a lesão seja consequência do funcionamento dos serviços públicos.
A norma constitucional foi depois densificada na Ley n.º 30/1992, de 26 de Novembro, alterada pela Ley n.º 4/1999, de 13 de Janeiro, relativa ao Régimen Jurídico de las Administraciones Públicas y del Procedimiento Administrativo Común, cujo Título X, composto pelos artigos 139.º a 146.º, regula a responsabilidade das administrações públicas e suas autoridades, funcionários e agentes.
Trata-se de um sistema unitário de responsabilidade, já que o regime legal espanhol se aplica a todas as administrações públicas sem excepção, quer actuem sob a égide do direito administrativo quer nos termos do direito privado. Este é, aliás, um aspecto que distingue claramente Espanha de Portugal, porquanto temos dois regimes de responsabilidade civil extracontratual do Estado fundados na dicotomia gestão pública/gestão privada.
A responsabilidade da administração pelos danos derivados pelo funcionamento dos serviços é directa, no sentido de que a administração responde sempre perante o particular, gozando, depois, de direito de regresso sobre os seus funcionários ou agentes.
A administração responde não só por factos ilícitos e culposos, incluindo pelo funcionamento anormal dos serviços, como também por actividades administrativas lícitas, quer decorrentes de situações de risco quer pela imposição de sacrifícios especiais.
Por outro lado, o artigo 121.º da Constituição espanhola estabelece que os danos causados por erro judicial, assim como os que são consequência do funcionamento anormal da administração da justiça, dão direito a uma indemnização por parte do Estado, nos termos da lei.
Os artigos 292.º a 297.º da Ley Orgânica n.º 6/1985, de 1 de Julho, relativa ao poder judicial, regula, por sua vez, a responsabilidade do Estado pelo funcionamento da administração da justiça, prevendo a responsabilidade por erro judicial, pelo funcionamento anormal da administração da justiça e pela prisão preventiva ilegítima.
No Luxemburgo a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas encontra-se prevista na loi du 1er septembre 1988 relative à la responsabilité civile de l,Étdat et des collectivités publiques, que regula tanto a responsabilidade pelo exercício da função administrativa, como a responsabilidade pela função jurisdicional.
Na Suíça o artigo 146.º da Constituição Federal consagra a responsabilidade da Confederação pelos danos causados pelos seus órgãos no exercício das respectivas funções.
A matéria encontra-se, depois, especificamente regulada na loi fédérale sur la responsabilté de la Confédération, des membres de ses autorités et deses fonctionnaires, de 14 de Março de 1958.

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0034 | II Série A - Número 098 | 30 de Março de 2006

 

De referir que se trata de uma responsabilidade pelo exercício de funções públicas, já que a responsabilidade da Confederação pelas actividades desempenhadas em termos de direito privado é regulada pelo direito privado.
A Confederação responde sempre perante o lesado pelos danos causados pelos seus funcionários no exercício das respectivas funções, gozando, depois, de direito de regresso sobres estes, quando actuem com dolo ou culpa grave.
Pese embora o empenhamento da Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar (DILP), que aqui se regista, na pesquisa de mais elementos de direito comparado, nomeadamente do direito francês e alemão, não foi possível localizar, até ao momento, nenhuma outra legislação para além da supra referenciada.
Foi, todavia, encontrado um quadro comparativo dos regimes da responsabilidade civil dos magistrados, elaborado pelo Centre de Ressources de l´École Nacionale de la Magistrature , que, pela sua relevância, se anexa ao presente relatório.
A propósito desta matéria, importa referir que o Conselho Superior de Magistratura informou a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de que, em Itália, há um limite quantitativo em relação ao montante indemnizatório que o Estado pode exigir dos magistrados em acção de regresso, limite este que está fixado em um terço do vencimento anual do magistrado.

VII - Das audições

Tal como consta da nota preliminar, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias procedeu à audição de um conjunto de entidades que se pronunciaram sobre o teor da proposta de lei n.º 56/X.
A avaliação efectuada pelas entidades ouvidas foi globalmente positiva, pese embora tivessem sido apontados alguns aspectos particulares que merecem ser, eventualmente, ponderados em sede de especialidade, como é o caso, por exemplo, da redacção do artigo 14.º da proposta de lei, clarificando o sentido da norma, nomeadamente quanto ao seu n.º 2.
Comum a todas as audições, sobretudo às do Conselho Superior do Ministério Público e do Conselho Superior de Magistratura, ficou o alerta para o facto de o novo regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado potenciar um aumento da litigiosidade, para o qual os tribunais não estarão devidamente preparados em termos de meios humanos e materiais, tendo sido sugerido que a reforma do regime da responsabilidade deveria ser precedida e acompanhada das medidas que conduzissem à melhoria da eficácia do sistema de justiça.

Conclusões

1 - O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei n.º 56/X, que aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
2 - Esta apresentação foi efectuada nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do mesmo Regimento.
3 - A proposta de lei n.º 56/X, revogando o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, procura dar resposta à necessidade de se adaptar o regime legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas às exigências ditadas pelo artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa.
4 - Neste sentido, a proposta de lei propõe-se regular a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por danos resultantes do exercício de todas as funções estaduais, a saber funções política e legislativa, jurisdicional e administrativa.
5 - A proposta de lei n.º 56/X aperfeiçoa, em diversos aspectos, o regime da responsabilidade pelo exercício da função administrativa, sendo de destacar o alargamento da regra da solidariedade ao domínio das condutas praticadas com culpa grave, a responsabilização objectiva da administração pelo funcionamento anormal dos serviços e a introdução de um regime de presunção de culpa.
6 - Por outro lado, a proposta de lei introduz, pela primeira vez em Portugal, um regime geral de responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional, estendendo ao domínio do funcionamento da administração da justiça o regime da responsabilidade civil da administração, com as ressalvas que decorrem do regime do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que os magistrados respondam directamente pelos ilícitos que cometam, sem prejuízo do direito de regresso em caso de dolo ou culpa grave.
7 - A proposta de lei estabelece ainda um regime geral de responsabilidade do Estado e das regiões autónomas por acções ou omissões ilícitas cometidas no exercício das funções política e legislativa, da qual resultem danos anormais.
8 - Por último, a proposta de lei consagra, em termos amplos, o dever de o Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarem todo aquele a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, sem circunscrever o regime ao exercício da função administrativa.
9 - A proposta de lei n.º 56/X constitui a retoma, com pontuais alterações, do projecto de lei n.º 148/IX, do PS.

Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte

http://www.enm.justice.fr/centre_de_ressources/dossiers_reflexions/responsabilite/annexe14.htm

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Parecer

A proposta de lei n.º 56/X, apresentada pelo Governo, reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutida e votada em Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

Palácio de São Bento, 29 de Março de 2006.
O Deputado Relator, José Pedro Aguiar Branco - O Presidente da Comissão, Osvaldo Castro.

Nota: - As conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência De Os Verdes.

Anexo

Responsabilidade civil dos magistrados

(Fonte: http://www.enm.justice.fr/centre_de_ressources/dossiers_reflexions/responsabilite/annexe14.htm

Régime général Actes susceptibles d'engager la responsabilité civile
Conséquences disciplinaires
FRANCE 2 cas : responsabilité pour fonctionnement défectueux du service de la justice responsabilité des magistrats pour faute personnelle Condition : preuve d'une faute lourde ou déni de justice,
Substitution de la responsabilité de l'État à celle des magistrats, action récursoire possible (jamais mise en œuvre) Actes judiciaires et actes d'administration accomplis par les autorités judiciaires ou leur délégués.
La responsabilité du fait d'une décision juridictionnelle n'est pas définitivement tranchée. Pas de transmission du dossier au CSM
LUXEMBOURG Loi du 1er sept. 1988 sur la responsabilité des collectivités publiques : responsabilité de l'État du fait du fonctionnement défectueux des services judiciaires ; régime de droit commun basé sur la simple faute, absence d'action récursoire, possibilité pour les particuliers de prendre à partie les juges (art. 505 et suiv. du Code de procédure civile). Fautes et négligences commises par les auxiliaires de justice (police) ;
actes préparatoires et consécutifs aux jugements, et activité juridictionnelle.
Perte d'un dossier, procès non évacué dans un délai raisonnable, mise en mouvement de l'action publique ou refus d'y procéder, laisser prescrire l'action, actes de procédure et d'instruction. Impossibilité de remettre en cause ce qui est couvert par l'autorité de la chose jugée. Aucun texte ne prévoit de sanction disciplinaire à l'encontre d'un magistrat dont l'activité a engagé la responsabilité civile de l'État.
ESPAGNE Dol ou faute lourde. L'État répond des dommages avec possibilité d'action récursoire. Les magistrats souscrivent une assurance civile professionnelle. Activité juridictionnelle mais sans remise en cause de la décision préjudiciable et à condition de prouver que le plaignant a tenté en temps utile de s'opposer à cette décision. Transmission obligatoire au parquet des décisions définitives pour d'éventuelles poursuites pénales. L'existence d'une condamnation civile a un effet sur la carrière du magistrat concerné.

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ALLEMAGNE L'État est responsable à raison du fonctionnement du service public de la justice ; en cas de négligence grossière, possibilité d'action récursoire, si caractère intentionnel.
La juridiction administrative peut condamner l'État, l'indemnisation sera prononcée par la juridiction civile de droit commun
ITALIE Dol, faute lourde ou déni de justice ; substitution de la responsabilité de l'État à celle du magistrat ; action récursoire en cas de faute personnelle se rattachant au service. Activité juridictionnelle ou administrative Une faute personnelle peut être à l'origine de poursuites disciplinaires.
PAYS-BAS Pas de responsabilité personnelle des magistrats. Action contre l'État ; absence de mécanisme récursoire Possibilité de prise de connaissance d'office car ce sont des données publiques, notamment pour l'état de faillite personnelle, curatelle ou sursis de paiement. Le licenciement peut être prononcé (pas d'exemple depuis 50 ans).

---

PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 118/X
RECOMENDA AO GOVERNO A ADOPÇÃO DE PROCEDIMENTOS PRIORITÁRIOS COM VISTA AO TRATAMENTO DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS PERIGOSOS

Os resíduos industriais, resultado da actividade produtiva, pela sua quantidade e/ou nocividade, levantam problemas ambientais, de qualidade de vida e saúde pública das populações, que serão tanto mais graves se a sua gestão não for adequada às aquisições do conhecimento que sobre eles existe e, sobretudo, se o objectivo político não for definido a partir de uma preocupação de qualidade ambiental.
A definição e implementação de sistemas de gestão de resíduos, por fluxos e com objectivos, prioridades e responsabilidades claras, tem sido, assim, um dos desafios centrais da política ambiental.
O Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro, estabelece as regras a que fica sujeita a gestão de resíduos, nomeadamente a sua recolha, transporte, armazenagem, tratamento, valorização e eliminação, consagrando como objectivos gerais a preferência pela "prevenção ou redução da produção ou nocividade dos resíduos, nomeadamente através da reutilização e da alteração dos processos produtivos, por via da adopção de tecnologias mais limpas, bem como da sensibilização dos agentes económicos e dos consumidores". Subsidiariamente, estatui-se que a gestão de resíduos visa assegurar a valorização dos mesmos, nomeadamente através da reciclagem e regeneração, limitando as quantidades a submeter a eliminação.
Existe, portanto, uma hierarquia clara no tratamento dos resíduos: prevenção e reutilização, reciclagem e regeneração, valorização energética e eliminação.
O referido diploma determina ainda que a responsabilidade pela gestão dos resíduos "é de quem os produz, sem prejuízo da responsabilidade de cada um dos operadores na medida da sua intervenção no circuito de gestão desses resíduos" e "os custos de gestão dos resíduos são suportados pelo respectivo produtor".

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De entre todos os resíduos produzidos anualmente em Portugal os classificados como perigosos (RIP), pelo risco potencial que representam para a saúde humana e a segurança ambiental, devem ter uma atenção prioritária na aplicação dos objectivos definidos para a gestão dos resíduos em geral. Esta prioridade coloca-se como uma condição indispensável para um desenvolvimento nacional sustentável e com elevados padrões de qualidade, evitando e minimizando riscos.
Segundo estudos de universidades, produzem-se anualmente mais de 250 000 toneladas de RIP, dados validados pelos estudos realizados pelos diversos consórcios no âmbito do concurso dos Centros Integrados de Recuperação Valorização e Eliminação de Resíduos (CIRVER).
Dentro destes a larga maioria é passível de ser regenerada e reciclada, restando cerca de 10 a 15%, dos quais 2% não podem ser nem co-incinerados nem abandonados em aterros, o que significa que devem ser exportados para incineração dedicada. A co-incineração de 8% a 13% dos RIP produzidos no País só pode ser admitida como medida de fim de linha.
Os centros integrados de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos, os CIRVER, cujo regime jurídico de licenciamento e exploração é regulado pelo Decreto-Lei n.º 3/2004, de 3 de Janeiro, pretendem tratar, por fileiras, parte substancial dos resíduos industriais perigosos. Está prevista a entrada em funcionamento de dois CIRVER no concelho da Chamusca ainda em 2006.
De fora dos CIRVER ficam os óleos minerais usados e os solventes, que ocupam uma proporção assinalável no conjunto dos RIP e detêm elevado valor energético, factor que os torna mais apetecíveis para as cimenteiras.
Para os óleos usados o Decreto-Lei n.º 153/2003, de 11 de Julho, estabelece o regime jurídico de gestão, tendo sido licenciada em 2005 a entidade gestora Sogilub para a organização e condução do sistema integrado de gestão.
A inexistência de uma unidade de regeneração de óleos em Portugal, cujo estudo de viabilidade, a realizar pela Sogilub, tem de ser apresentado somente no fim de 2006, contraria a forma de valorização preconizada como preferencial pela legislação nacional e comunitária, se técnica e economicamente possível. Condiciona também a concretização das metas estabelecidas na licença atribuída à Sogilub (recolha de 85% dos óleos, com reciclagem de 50% e regeneração de 25%, destinando-se os restantes à valorização energética, até fim de 2006), que devem ser, progressivamente mas com toda a urgência devida, mais exigentes quanto à regeneração.
Note-se que as empresas licenciadas para o tratamento dos óleos apenas o realizam com vista à valorização energética directa ou indirecta (como a transformação em combustível, o que incorrectamente conta para as metas da reciclagem), não procedendo a qualquer processo de regeneração.
Entretanto, os restantes óleos recolhidos têm vindo a ser exportados, o que confere uma limitada viabilidade económica ao processo devido aos custos de transporte e poderá empurrar os óleos usados para a queima industrial, muito provavelmente para a co-incineração em cimenteiras, o que contraria o espírito da legislação em vigor.
Para os solventes ainda não existe qualquer enquadramento legal para a sua gestão adequada, apesar de já se realizar no País o tratamento e regeneração de uma parte dos solventes produzidos, sendo o restante exportado.
Impõe-se o estabelecimento de um sistema de gestão, com correspondente entidade gestora, para o qual é importante quantificar os solventes colocados no mercado e os resíduos de solventes produzidos, de forma a avaliar a sua estrutura e sustentação financeira.
Colocar a co-incineração no cerne da política sobre RIP significa comprometer a prazo uma orientação no sentido da regeneração, já que existe um problema de escala quando se coloca a questão da viabilidade de empresas de regeneração.
Além dos resíduos perigosos que são produzidos todos os anos pela indústria, existe ainda uma quantidade significativa de resíduos, há décadas espalhados pelo País, seja a contaminar solos e águas ou armazenados, o que representa um passivo ambiental que urge solucionar. Muitos destes resíduos, pela sua natureza ou estado de degradação ou mistura, não podem ser recuperados por regeneração ou reciclagem. Deve, no entanto, para cada um dos casos, ser estudada a melhor solução possível, privilegiando-se a hierarquia para as operações de gestão de resíduos estabelecida na legislação vigente.
Como está estabelecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 85/2005, de 28 de Abril, a incineração e co-incineração, para um tratamento adequado dos resíduos, são soluções de "fim de linha". Assim sendo, estas soluções só podem ser consideradas após garantir-se que todos os resíduos passíveis de serem regenerados e/ou reciclados o são de facto.
No caso dos resíduos industriais perigosos e do passivo ambiental, pelas suas quantidades e nocividade, este considerando torna-se indispensável tendo em vista a protecção da saúde humana e do ambiente.
Trata-se, ao fim e ao cabo, de respeitar e cumprir os princípios e objectivos da legislação vigente, garantindo-se que só se destinam à co-incineração os resíduos perigosos que não tenham melhor solução de tratamento, como a regeneração e/ou reciclagem.
Por outro lado, a desconfiança das populações face ao processo de co-incineração de resíduos perigosos é amplamente justificada quando se toma em atenção que as populações que vivem na vizinhança de cimenteiras têm sido longamente afectadas pelos poluentes emitidos por estas unidades industriais.

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Demonstram-no os resultados do estudo efectuado pela Administração Regional de Saúde do Centro, que revela uma prevalência de patologias respiratórias, tumorais e cardíacas em Souselas e Maceira.
Uma decisão de fazer avançar a co-incineração em cimenteiras escolhidas, apenas por inércia em relação a decisões anteriormente tomadas, particularmente em relação ao despacho do então Ministro do Ambiente, José Sócrates, em Abril de 2001, seria um erro da maior gravidade.
A escolha das cimenteiras não pode obedecer a critérios equívocos, como o que foi recentemente anunciado pelo Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional. O facto de as cimenteiras de Souselas e Outão contarem já com a instalação de filtros de mangas não é razão suficiente para a escolha incidir sobre cimenteiras que são à partida um problema, elas mesmas. Souselas, mesmo com a instalação dos referidos filtros, constitui um risco para a saúde das populações. Outão é uma cimenteira inserida em contexto de Parque Natural e representa, pela actividade de extracção de inertes que lhe está associada, uma fonte de degradação para a qualidade da morfologia do PNA.
Lamentavelmente, o estudo encomendado pelo Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional à Comissão Científica Independente omite a consideração de vantagens e desvantagens das diferentes cimenteiras existentes no País e opta por justificar, de forma nada convincente, a razão da escolha destas cimenteiras. Outra lacuna deste estudo incide na justificação para a escolha do número de cimenteiras a proceder a co-incineração. Havendo uma prioridade real à regeneração e reciclagem de resíduos industriais, o volume que sobra para co-incinerar não justifica a necessidade de haver duas unidades industriais a proceder a co-incineração.
A prometida constituição de Comissões de Acompanhamento Local não resolve por si mesma os problemas que as cimenteiras de Outão e Souselas representam, mas deve ser uma condição imprescindível, seja qual for a cimenteira a levar a cabo a co-incineração de resíduos industriais. As Comissões de Acompanhamento Local devem ser dotadas de legitimidade para entrarem a qualquer altura nas instalações de co-incineração e de meios financeiros para fazerem as suas próprias análises e contratarem os seus consultores, uma vez que se trata de questões complexas do ponto de vista técnico.
Nos termos regimentais e constitucionais, a Assembleia da República, reunida em Plenário, resolve recomendar ao Governo que:

Só admita dar início à co-incineração de resíduos perigosos quando:

1 - Garantir que todos os óleos usados passíveis de serem regenerados o são de facto, nomeadamente pela instalação de uma unidade de regeneração de óleos usados em Portugal;
2 - Garantir a recolha de todos os solventes usados e a regeneração dos passíveis de serem regenerados, através do funcionamento efectivo de um sistema de gestão e correspondente entidade gestora, para o qual deve elaborar todos os estudos prévios necessários à sua criação;
3 - Garantir que os CIRVER estão efectivamente a funcionar, aplicando as melhores soluções de tratamento às fileiras de resíduos nas quantidades susceptíveis de aí serem tratadas;
4 - Garantir a constituição de Comissões de Acompanhamento Local junto dos locais onde se realize a co-incineração, com autonomia organizativa, financeira e técnica.

Palácio de São Bento, 23 de Março de 2006.
As Deputadas e os Deputados do BE: Alda Macedo - Mariana Aiveca - João Semedo - Francisco Louçã - Ana Drago.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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