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0019 | II Série A - Número 002 | 21 de Setembro de 2006

 

português continua a manter a repressão penal do aborto, insistindo em tratar as mulheres que voluntariamente decidem interromper a sua gravidez como criminosas.
Esta criminalização do aborto colide frontalmente com a liberdade de que mulheres e homens devem dispor para fazer as suas escolhas no que respeita à sua saúde sexual e reprodutiva, bem como com o direito que, enquanto cidadãos, lhes assiste em exclusivo de decidir o momento de ter os seus filhos, de forma a garantir uma maternidade e uma paternidade responsável e consciente.
Ao persistir na manutenção da ilicitude da IVG, constituindo a negação do direito à vida privada, este quadro legal assume uma particular forma de repressão dirigida contra as mulheres, uma privação do seu direito de optar e, ainda, uma inadmissível ingerência do Estado numa matéria que, em exclusivo, à mulher ou ao casal compete decidir.
A nossa retrógrada legislação penal em matéria da interrupção voluntária da gravidez, que contrasta vivamente com o quadro legal europeu dominante, despenalizador da interrupção da gravidez, tem conduzido, ao contrário do que se verifica noutros países, à proliferação, em Portugal, do aborto clandestino, praticado sem regras, em condições de total insegurança e de enorme risco para as mulheres, que se tornam neste quadro, em especial as de menores recursos, as vítimas mais vulneráveis.
Os julgamentos de mulheres que viram a sua vida e a sua intimidade devassadas na praça pública, sob a acusação de terem feito um aborto, constituídas arguidas em processos-crime, representaram um enorme embaraço para o Estado e para a sociedade portuguesa e, simultaneamente, foram o mais claro desmentido em relação a quem, defendendo a continuação da criminalização do aborto em Portugal, afirmava que jamais veríamos mulheres a serem julgadas por esse facto.
A persistência inaceitável desta situação, que é forçoso encarar pelas consequências dramáticas no plano pessoal e social, que os julgamentos a que assistimos nos últimos tempos vieram cruamente pôr a nu, impõem-nos a responsabilidade de agir para a modificar.
É por isso fundamental, perante um drama que não pode ser ignorado, reclamar uma intervenção que se impõe ao Estado, a quem, numa sociedade democrática, não compete o poder de regular a consciência individual nem de penetrar na esfera da privacidade mas, sim, o dever de estar atento à realidade social e de intervir quando tal se impõe, como é o caso, no sentido de criar condições para a prática segura de aborto para aquelas que, por decisão própria, o pretendam em determinadas condições praticar.
Com efeito, do que se trata e o que se reclama do Estado, numa sociedade livre como a nossa se pretende, não é o poder de julgar, que manifestamente lhe não cabe, sobre o acto em si (a interrupção de uma gravidez) ou o poder de condenar aquela que o pretenda praticar (a mulher), à luz de uma qualquer moralidade oficial ou de interditos filosóficos, religiosos ou outros.
O papel que se reclama do Estado, em sociedades democráticas, livres e respeitadoras dos valores humanistas, e, nos mesmos termos, aliás, que a Recomendação do Parlamento Europeu, de Junho de 2002, sobre "Os direitos em matéria de saúde sexual e reprodutiva" preconiza, é que se abstenha de agir judicialmente contra as mulheres que tenham feito abortos ilegais, a fim de salvaguardar a saúde reprodutiva e os direitos das mulheres. Igualmente que permita a interrupção voluntária da gravidez de forma legal, segura e universalmente acessível.
É, pois, este o sentido da presente iniciativa política de Os Verdes ao pretender pôr termo a uma lei iníqua, socialmente injusta, que ignora a dramática realidade do aborto clandestino e que se tem revelado inútil para o fim pretendido.
Um projecto de lei no sentido da despenalização em nome da liberdade de escolha e dos direitos das mulheres e que se justifica, ainda, pelos resultados positivos em termos da redução da prática do aborto que alcançou nos países que a adoptaram.
Uma medida cuja urgência é óbvia em Portugal, tendo presente a dimensão e gravidade do problema de saúde pública, resultante dos mais de 20 000 abortos, estima-se, realizados anualmente em condições de enorme insegurança e identificados como a segunda causa de morte materna no País. O drama do aborto clandestino é uma realidade que já dura há tempo demais em Portugal!
Uma questão cujo debate se reveste, como a esmagadora maioria dos cidadãos portugueses o reconhece, da maior importância e oportunidade política e que, em nosso entendimento, não faz sentido manter refém da consulta, de carácter não vinculativo, realizada há mais de oito anos.
Os Verdes continuam a considerar totalmente inaceitável que se pretenda continuar a negligenciar este gravíssimo problema de saúde pública, adiando a resolução de um dos maiores dramas da nossa actual sociedade, e descartando as responsabilidades legislativa, política e ética deste Parlamento, como se fez na anterior sessão legislativa com duas tentativas frustradas de marcação de um referendo, que não só não é obrigatório como acaba por ser apenas o triste pretexto para o contínuo arrastar duma situação extremamente grave para as mulheres portuguesas, por mais um ano e meio desde que os partidos que assumiram o compromisso de despenalizar a IVG obtiveram a maioria parlamentar.
Os Verdes consideram, aliás, em rigor, ser esta uma questão não referendável. Porque se trata de uma questão que deve estar na dependência do critério da consciência individual de cada pessoa, não sendo possível pretender sujeitar e condicionar essa tomada de decisão, já de si tão penosa e dolorosa, à vontade de terceiros alheios a cada uma das situações individualmente consideradas.

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