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0020 | II Série A - Número 002 | 21 de Setembro de 2006

 

Infelizmente, continua a persistir na lei esta situação: a interrupção voluntária da gravidez não constitui matéria do foro íntimo e privado da consciência de cada mulher, como deveria ser, para que esta possa, de forma livre e responsável, decidir não só sobre o seu corpo ou a sua saúde reprodutiva mas sobre a sua vida social e familiar e o seu direito a uma maternidade com condições, consciente, livre e desejada. Com efeito, a actual lei penal, relativamente ao aborto, impõe a toda a comunidade e a todas as mulheres uma visão impregnada de valores e concepções que estão longe de serem pacíficas, quer entre a comunidade científica quer no seio da nossa própria sociedade.
É altura de ter a coragem política para acabar com esta situação perfeitamente ultrajante para as mulheres portuguesas e perfeitamente escabrosa em termos de saúde pública, de sofrimento e de vergonha para todas as mulheres que são diariamente forçadas a entrar na clandestinidade, onde, sem condições, se vêem entregues a uma roleta russa onde jogam a própria vida. É por demais evidente que nenhuma mulher toma uma decisão dessas de ânimo leve, com espírito de leviandade ou de desrespeito pela vida.
Continuamos a afirmar que a Assembleia da República deve assumir, mais do que nunca, na 2.ª Sessão Legislativa desta X Legislatura, o dever e a missão de não virar as costas a esta situação e a estas mulheres e encarar as suas responsabilidades enquanto órgão legislativo por excelência e guardião da democracia, liberdade e dos valores sociais e humanos que enformam a nossa sociedade e estão consagrados na nossa Lei Fundamental, tomando a dianteira na resolução desta questão, alterando a actual lei penal injusta e desfasada da realidade.
A actual composição do Parlamento português, reflectindo a clara mudança de política ansiada e expressa pelos portugueses nas últimas eleições, conferindo uma clara maioria de mandatos aos partidos que, na sua totalidade e sem qualquer excepção, apresentaram e defenderam projectos de lei durante a anterior legislatura com vista a despenalizar a interrupção voluntária da gravidez, atribui-lhe ainda maiores responsabilidades neste domínio, às quais não se pode furtar.
Porque este é um problema que a todos respeita e apela a uma solução legal urgente, adequada à salvaguarda dos direitos da mulher, ao respeito pelos seus direitos sexuais e reprodutivos, à garantia da sua liberdade de opção, que ponha termo a uma lei inútil, a uma criminalização hipócrita, cuja manutenção constitui uma violência e uma humilhação intoleráveis;
Porque a existência de um processo de alteração legislativa iniciado na 1.ª Sessão Legislativa, que se quer terminado o mais rapidamente possível, exige a participação de todos os que estão realmente interessados em mudar a face da realidade do aborto clandestino em Portugal;
Justifica-se plenamente a reapresentação deste projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes nesta 2.ª Sessão Legislativa, o qual, em síntese, propõe:

- A exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez quando realizada nas 12 primeiras semanas a pedido da mulher. Esta proposta justifica-se por se considerar não dever ser penalizada a interrupção da gravidez que a mulher pretenda fazer sempre que está em causa a preservação da sua integridade moral, a dignidade social ou o seu direito a uma maternidade responsável e consciente;
- O alargamento de 16 para 24 semanas do prazo dentro do qual pode ser interrompida a gravidez, nos casos em que da mesma possam resultar motivos seguros para crer que o nascituro virá a sofrer de forma incurável de doença grave, aí incluída a possibilidade de infecção pelo vírus de imunodeficiência humana ou malformação congénita. Esta proposta radica na existência de vários estudos científicos realizados a nível nacional e internacional, que apontam para o facto de só ser possível determinar com segurança a evolução ou a existência de malformação a partir da 16.ª semana. Assim, ao contrário do que uma leitura simplista poderia supor, trata-se de uma proposta pró-natalista, dado que este alargamento de prazo permite evitar decisões de interrupção baseadas em meros índices de risco que, com o evoluir da gestação, podem vir a não se confirmar;
-- O alargamento do prazo de 16 para 24 semanas dentro do qual a interrupção voluntária da gravidez pode ser praticada sem punição a menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica quando tenham sido vítimas de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual. Considera-se que as situações de crimes contra a liberdade sexual praticadas contra menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica justificam um alargamento do prazo para a interrupção voluntária da gravidez por se tratarem de situações complexas e de enorme melindre, condicionadoras e inibitórias do comportamento da vitima, o que conduz, consequentemente, a uma maior morosidade na decisão de interrupção voluntária da gravidez;
- Garante-se o direito de objecção de consciência aos médicos e profissionais de saúde e, simultaneamente, o dever dos serviços de saúde se organizarem de modo a respeitá-lo e assegurar à mulher a interrupção lícita e voluntária, nos prazos e condições legalmente previstos;
- Propõe-se, em articulação com os serviços de saúde competentes, o posterior encaminhamento da mulher em termos de planeamento familiar. Visa-se, assim, prevenir novas gravidezes não planeadas e assegurar o efectivo acesso a informação em matéria de direitos sexuais e reprodutivos;
- Assegura-se o dever de sigilo dos médicos e demais profissionais de saúde relativamente a todos os actos, factos ou informações de que tenham conhecimento no exercício das suas funções e relativos à prática voluntária e lícita da interrupção da gravidez.

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