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69 | II Série A - Número: 081 | 14 de Abril de 2008


É o facto de a dimensão afectiva da vida se ter tornado tão decisiva para o bem-estar dos indivíduos que confere à conjugalidade particular relevo. Sendo esta decisiva para a felicidade individual, tolera-se mal o casamento que se tornou fonte persistente de mal-estar. Assim, é a importância do casamento e não a sua desvalorização que se destaca quando se aceita o divórcio. Daqui decorre também que importa evitar que o processo de divórcio, já de si emocionalmente doloroso, pelo que representa de quebra das expectativas iniciais, se transforme num litígio persistente e destrutivo com medição de culpas sempre difícil senão impossível de efectivar.
É neste intuito que se propõe o afastamento do fundamento da culpa para o divórcio sem o consentimento do outro abandonando, de resto, a própria designação de divórcio litigioso. Isso mesmo aconteceu já na maioria das legislações europeias visto que, como é expressamente assumido «(eliminar qualquer referência à culpa)» evita indesejável investigação quanto ao estado do casamento pela autoridade competente e respeita melhor a integridade e autonomia dos cônjuges» (in Boele-Woelki, K. et al, p. 55).
Não pode significar esta elisão que se desprotejam situações de injustiça ou desigualdade. Nas consequências do divórcio está prevista a reparação de danos, bem como a existência de créditos de compensação quando houver manifesta desigualdade de contributos dos cônjuges para os encargos da vida familiar. É decisivo, com efeito, observar rigor no domínio das consequências, quer relativamente aos filhos quer nas situações de maior fragilidade e desigualdade entre cônjuges. Demonstração dessa necessidade de ao eliminar a culpa evitar a desprotecção é, aliás, o facto de este projecto de lei consagrar, de forma muito inovadora relativamente à legislação anterior, que a violação dos direitos humanos, designadamente a violência doméstica, constituírem fundamento para requerer o divórcio. Não é nesta situação, aliás, necessário esperar pelo período de um ano de ruptura de facto, para o requerer, na medida em que se considera que esse tipo de violações persistentes evidencia de forma óbvia a ruptura da vida em comum.
Aliás, afastar o litígio e evitar arrastamentos ainda mais dolorosos das situações de divórcio é justamente o que os portugueses pela sua prática têm demonstrado fazer. Na verdade, os divórcios litigiosos têm vindo a diminuir drasticamente: de 38% em 1980, para 14% em 2000 e para uns residuais 6% em 2005.

1.2 — A individualização significa a liberdade de assumir para si, aceitando também para os outros, a escolha de modos próprios de encarar e viver a vida privada Como tendência valorativa que se afirma desde o século XIX, a gradual afirmação dos direitos dos indivíduos na esfera familiar aparece já como elemento central do que Durkheim considera ser a família conjugal moderna. Para reforçar este ponto de vista escrevia o autor, já nessa viragem do século XIX para o XX, que no tipo de família que então se começava a afirmar «os indivíduos são mais importantes do que as coisas»: ele valorizava assim no casamento o bem-estar individual e familiar em detrimento das lógicas patrimoniais. Mas o percurso dos processos de individualização ao longo do século XX vem ainda introduzir novos elementos. A afirmação da igualdade entre homens e mulheres é outro sinal da individualização que se reflecte de forma directa no casamento e o transforma numa ligação entre iguais.
Maior liberdade na vida privada, mais margem de manobra individual quanto à condução da vida conjugal e familiar, maior afirmação dos direitos individuais numa relação entre pares centrada fundamentalmente nas lógicas afectivas, são adquiridos da modernidade. É claro que o novo modelo traz também problemas novos. A maior ocorrência do divórcio é um deles, mas também se pode falar de forma genérica de aumento do risco, da incerteza, das tensões ou dos conflitos de lealdade. São as contrapartidas cujos efeitos importa atenuar, sobretudo quando as partes em conflito estão em situações de clara assimetria.
Vários são os indicadores revelando que as transformações referidas, designadamente os processos de sentimentalização e de individualização, ocorrem também na sociedade portuguesa. A aceitação do divórcio é praticamente generalizada. Num inquérito a nível nacional, aplicado em 1999, 83% consideram que quando há problemas na vida do casal se justifica o divórcio ou que este é a solução para um mau casamento e só 14% concordavam com a ideia da indissolubilidade do casamento. Já em 2002 essas posições aparecem reforçadas em respostas a outro inquérito, em que apenas 4% afirmam que «é melhor ter um mau casamento do que não estar casado/a» e 79% concordam com a ideia segundo a qual «quando um casal não consegue resolver os seus problemas o divórcio é a melhor solução». Mas mais significativo ainda é o facto de, no último inquérito referido, o qual foi aplicado em 15 países europeus, Portugal ser aquele em que tanto mulheres como homens assumem esta posição de forma mais inequívoca, à frente de países como a França, a Alemanha, a Grã-Bretanha ou a Suécia, entre outros.
A tendência cada vez mais acentuada de os divorciados voltarem à conjugalidade, sob qualquer das suas formas, mostra, por seu turno, que maiores taxas de divórcio não significam obrigatoriamente desvalorizar o casamento, mas antes, pelo contrário, que se considera este demasiado importante na vida de cada um para que seja mal vivido. Os números também aqui são eloquentes.
Resultados do inquérito social europeu, já atrás referido, revelam, com efeito, que estar divorciado tende a ser uma situação transitória, havendo na maioria dos países, para um mesmo ano, mais pessoas casadas que alguma vez se tinham divorciado, do que divorciados. Para Portugal as estatísticas demográficas do INE, Instituto Nacional de Estatística, mostram também o aumento constante e progressivo do número dos divorciados que se voltam a casar: eles passam de 13% dos casamentos que se realizaram em 2000 (8428 em 63752) a 20% (9842 em 47857) dos que se realizaram em 2006. Registe-se, aliás, que enquanto os

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