O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3 | II Série A - Número: 063 | 13 de Janeiro de 2011

9 — Muito problemática é, também, a ausência de critérios para a emissão do relatório clínico. De facto, sendo o requerimento acompanhado unicamente desse relatório e não dispondo o conservador de possibilidade de controlo substancial do mesmo, impunha-se que a lei fosse muito exigente quanto às condições para a sua emissão.
Ora, nos termos do regime aprovado, o relatório ç elaborado por ‘equipa multidisciplinar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro’.
Admite-se, pois, que profissionais sem a necessária especialização ou qualquer tipo de preparação para o acompanhamento de casos desta natureza, em regra muito complexos, possam constituir uma equipa multidisciplinar — cuja composição o Decreto em apreço não especifica — e emitam certificados que serão, obrigatoriamente, seguidos pelo conservador para o efeito da mudança de sexo e nome no registo.
Com efeito, a sexologia clínica não corresponde a uma especialidade médica reconhecida em Portugal e o Decreto é igualmente omisso quanto à qualificação profissional específica do psicólogo que integre a referida equipa.
Ainda mais grave, o mesmo relatório pode ser emitido em estabelecimento de saúde, público ou privado, estrangeiro, por clínicos cujas habilitações não são reconhecidas ou sequer controladas pelas autoridades portuguesas — ao contrário do que sucede, por exemplo, nas leis em vigor em Espanha ou no Reino Unido.
Assim, não existe qualquer possibilidade de sujeitar esses profissionais ao cumprimento mínimo de regras éticas e deontológicas, com claro prejuízo para o interesse público e para os direitos e interesses daqueles que pretendem efectuar a mudança de sexo.
10 — Não são, ainda, negligenciáveis os efeitos negativos deste regime na ordem jurídica, designadamente na confiança que inquestionavelmente deve estar associada ao sistema público de registo.
Na verdade, o registo tem por objectivo dar publicidade a determinados factos. Por esta razão, o regime do Decreto n.º 68/XI prevê a alteração do averbado no registo civil de modo a tornar o género registado conforme com a aparência demonstrada pela pessoa.
Ora, pelas razões mencionadas, a completa ausência de densidade normativa (v.g., na definição do conceito de perturbação de identidade de género ou dos critérios de diagnóstico) torna o registo, indesejavelmente, fonte de insegurança e de incerteza jurídicas. Permitir a mudança de sexo em casos não comprovados ou cujo diagnóstico se revele insuficiente será muito prejudicial para a confiança pública no sistema registal.
11 — Assim, o regime a aprovar nesta matéria não deve, de modo algum, pelas suas deficiências técnicojurídicas e pela sua ausência de clareza e densidade, contribuir para agravar a situação de quem possui perturbação de identidade de género, uma situação que, importa afirmá-lo, se reveste frequentemente de contornos dramáticos do ponto de vista da auto-realização individual e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade.
12 — Por último, numa matéria deste melindre e complexidade, em que existe um grande desconhecimento do que verdadeiramente está em causa — na essência, uma perturbação de índole clínica —, importa que a comunidade compreenda o sentido e o alcance das intervenções do legislador, as quais devem primar pelo seu apuro técnico-jurídico e por uma real preocupação de salvaguarda dos interesses e direitos das pessoas.
Ora, tal não ocorre, manifestamente, com o Decreto n.º 68/XI, razão pela qual entendi devolvê-lo, sem promulgação, à Assembleia da República, de modo a que esta matéria seja objecto de uma análise mais aprofundada por parte dos Srs. Deputados, com vista a uma adequada ponderação dos interesses que comprovadamente se mostrem merecedores de tutela pelo Direito.

Com elevada consideração,

Palácio de Belém, 6 de Janeiro de 2011 O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

———

Páginas Relacionadas
Página 0002:
2 | II Série A - Número: 063 | 13 de Janeiro de 2011 DECRETO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º
Pág.Página 2