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68 | II Série A - Número: 190 | 6 de Junho de 2012

Reconhecendo não estarmos perante uma situação inédita, constatamos todavia o desenhar de uma tendência de agravamento, ratificada pelos dados referentes ao primeiro trimestre, de acordo com os quais 27.800 famílias contribuíram para o aumentar do crédito malparado, o que representa um acréscimo de 4,1% face a dezembro e traduz-se em 306 novos incumprimentos diários.
No que se refere ao crédito à habitação, se em 2011 apenas 34 pessoas entraram em incumprimento, este número ascende vertiginosamente para 8841 pessoas nos primeiros três meses de 2012, chegando a um total, no final de março, de 150 mil famílias com prestações em atraso.
Atualmente, de acordo com a Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, 15,3% dos portugueses com créditos contraídos encontram-se nesta difícil situação. Ainda segundo a mesma fonte, do montante total de dinheiro emprestado pelos bancos às famílias, o valor percentual de 3,53% corresponde a créditos de cobrança duvidosa, pertencendo à habitação 1,94% do total, enquanto no consumo a taxa de malparado representa mais de 10% do concedido.
Neste contexto de reconhecido endividamento e crítico cumprimento, dados relativos ao ano de 2011 revelam números de entregas de casas superiores a 6900 casos, correspondendo a um aumento de 17,7% em relação ao ano anterior, que corresponde a um ritmo de quase 19 casas entregues em dação em cumprimento, estimando-se que, em 2012, este número ascenda às 25 casas por dia.
Se como referimos supra a situação de sobre-endividamento das famílias portuguesas não é nova, independentemente de podermos falar de um agravamento, a verdade é que, olhando para estes dados, é possível concluir estarmos, no momento, perante um fenómeno distinto.
Os números apresentados, quando analisados numa perspetiva de identificação das causas, obrigam-nos a proceder a uma interpretação que ultrapassa o entendimento sufragado nos últimos anos e que se reconduz de forma redutora à existência de famílias cujas dívidas excedem a capacidade de cumprimento e que, na sequência dessas opções, nem sempre tomadas, há que reconhecer, com ampla liberdade, suportam assim as respetivas consequências.
O que estes números revelam, com frieza e difícil contestação, é a existência de muitas famílias que, mercê das consequências de uma conjuntura de crise, veem-se impossibilitadas, ou constrangidas, a cumprir os compromissos de crédito assumidos, nomeadamente e, em particular, atendendo não apenas ao objeto da presente iniciativa, mas à natureza distinta do bem em causa, do crédito relativo à sua habitação permanente.
Sem prejuízo, como referido supra, da necessidade de ponderação quanto ao contexto em que as opções foram tomadas, existe na verdade uma diferença entre o sobre-endividamento causado por desacertadas opções familiares, algumas com consequências antecipáveis, e, por outro lado, o sobre-endividamento causado por um não antecipável agravamento das condições de vida das famílias, de tal sorte que estas se veem impossibilitadas de, como até aqui, conseguir cumprir com os seus compromissos de crédito.
Importa por isso olhar para esta realidade de forma distinta: não estamos perante consequências de desacertadas opções tomadas pelas famílias, que justamente apenas podem ser imputadas às próprias, mas perante as dramáticas consequências de uma crise provocada por más políticas públicas que agora se abatem sobre as famílias. Foram as décadas de despesa e endividamento públicos que conduziram muitas destas famílias a esta difícil situação.
Perante as inerências dramáticas dos factos da era contemporânea, não é possível virar as costas à realidade, nem excluir da sua análise um responsável enquadramento institucional e político.
Esta incontestável herança do passado e imposição do presente têm conduzido, pública e politicamente, a um conjunto de propostas direcionadas precisamente para as famílias que se encontram em situação de incumprimento e que, nomeadamente, verificado um conjunto de pressupostos, passam, pela aplicação do instituto da dação em cumprimento como forma de extinção da dívida.
O CDS acompanha a necessidade de participar neste esforço legislativo, reconhecendo a necessidade de definir uma posição esclarecida, politicamente realista e eticamente correta, perante a inevitabilidade da austeridade, nas circunstâncias particulares em que a mesma pode vir a operar-se nos próximos anos.
Assim, há que ponderar a necessidade de garantir a concretização de um importante equilíbrio entre custos económicos e sociais, direitos e interesses das diversas partes intervenientes, bem como eventuais efeitos perversos que as propostas possam surtir no mercado do crédito à habitação ou no historial de crédito dos mutuários.