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Sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013 II Série-A — Número 83

XII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2012-2013)

S U M Á R I O

Projetos de lei [n.os

353 a 358/XII (2.ª)]:

N.º 353/XII (2.ª) — Revoga a transição para as carreiras gerais dos trabalhadores do IFAP, IP, e das direções regionais de agricultura e pescas (Revoga o Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro) (PCP).

N.º 354/XII (2.ª) — Extingue o Arsenal do Alfeite, SA, e determina a reintegração do Arsenal do Alfeite na orgânica da Marinha (PCP).

N.º 355/XII (2.ª) — Cria um programa extraordinário de combate à pobreza infantil e reforça a proteção dos direitos das crianças e jovens (PCP).

N.º 356/XII (2.ª) — Estabelece a obrigatoriedade de elaboração e apresentação de um relatório anual sobre os direitos da criança e a situação da infância em Portugal (PCP).

N.º 357/XII (2.ª) — Cria a comissão nacional dos direitos das

crianças e jovens (PCP).

N.º 358/XII (2.ª) — Estabelece a amnistia pelo incumprimento de pagamento de propinas universitárias por comprovada carência económica e introduz a isenção total de propinas no ano letivo de 2013/2014 (BE). Projetos de resolução [n.

os 616 a 618/XII (2.ª)]:

N.º 616/XII (2.ª) — Recomenda a valorização integrada do Campo Militar de São Jorge e a conclusão do respetivo Plano de Pormenor de Salvaguarda (PSD).

N.º 617/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo a valorização e reconhecimento da educação não formal (PS).

N.º 618/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo o estudo e a tomada de medidas urgentes a fim de dar sustentabilidade ao setor das empresas de diversão itinerante em Portugal (PS).

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PROJETO DE LEI N.º 353/XII (2.ª)

REVOGA A TRANSIÇÃO PARA AS CARREIRAS GERAIS DOS TRABALHADORES DO IFAP, IP, E

DAS DIREÇÕES REGIONAIS DE AGRICULTURA E PESCAS (REVOGA O DECRETO-LEI N.º 19/2013, DE

6 DE FEVEREIRO)

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro, que procede à transição dos trabalhadores

do IFAP, IP, para o Regime de Carreiras Gerais da Administração Pública, nos termos do referido decreto-lei,

o Governo determina que aos trabalhadores do IFAP, abrangidos pelo Acordo Coletivo de Trabalho (ACT)

para o Sector Bancário, esta convenção coletiva deixa de lhes ser aplicável.

Considerando que os trabalhadores do IFAP abrangidos pelo ACT para o Sector Bancário são detentores

de um conjunto de direitos laborais e sociais que não podem ser expropriados por imposição administrativa, à

revelia e contra a vontade das entidades outorgantes, a determinação do Governo configura uma flagrante

violação do direito constitucional de contratação coletiva e da própria Convenção nº 98 da Organização

Internacional do Trabalho.

Na verdade, o direito de contratação coletiva é um direito fundamental dos trabalhadores, consagrado no

artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa, cuja titularidade é atribuída aos trabalhadores, mas cujo

exercício é cometido às associações sindicais.

Sendo um direito fundamental que integra os direitos liberdades e garantias dos trabalhadores, aplica-se ao

direito de contratação coletiva o regime do artigo 18.º da Constituição, por força do artigo 17.º. O n.º 2 do

artigo 18.º faz depender a limitação ou restrição de direitos, liberdades e garantias de expressa previsão

constitucional e da observância dos requisitos da necessidade, adequação e proporcionalidade – as restrições

e limitações devem confinar-se ao mínimo requerido para salvaguardar outros direitos ou interesses

constitucionalmente protegidos.

Embora a Constituição devolva ao legislador a tarefa de delimitação do direito de contratação coletiva, a

margem de regulação de que este dispõe é limitada pela preservação e respeito pelo núcleo intangível do

direito fundamental, o qual tem que ser determinado, por via interpretativa, a partir dos próprios preceitos

constitucionais.

Ora, com este decreto-lei o Governo PSD/CDS, violando claramente a Constituição da República

Portuguesa, substitui-se às partes contratantes e determina que este ACT deixa de ser aplicável aos

trabalhadores do IFAP.

Este poder, de determinar o âmbito de aplicação ou o seu universo de trabalhadores abrangidos, sendo

uma norma essencial e consequente parte do núcleo essencial da contratação coletiva de trabalho, apenas

pode ser alterado por acordo entre os trabalhadores, por via das suas associações sindicais, e a entidades

patronais também por via das suas associações representativas.

Não é o caso, o Governo por iniciativa própria e há revelia destas associações representativas, determina,

por via de um decreto-lei, uma profunda alteração deste ACT e assim ferindo ao seu núcleo essencial.

Para o PCP, os direitos dos trabalhadores do IFAP, quer os abrangidos pelo ACT para o Sector Bancário

quer os que provieram de outros regimes contratuais, devem ser integralmente salvaguardados.

Face à ilegalidade deste ato legislativo do Governo, a única opção admissível será a anulação do mesmo.

Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP vem propor a revogação do Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de

fevereiro.

Artigo único

Revoga o Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro

É revogado o Decreto-Lei n.º 19/2013, de 6 de fevereiro, que procede à transição para as carreiras gerais

dos trabalhadores do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, e das direções regionais de

agricultura e pescas.

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Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2013.

Os Deputados do PCP: João Ramos — Jorge Machado — Miguel Tiago — Bernardino Soares — Jerónimo

de Sousa — António Filipe — Bruno Dias — Francisco Lopes — José Alberto Lourenço — João Oliveira —

Honório Novo — Paulo Sá — Carla Cruz — Rita Rato.

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PROJETO DE LEI N.º 354/XII (2.ª)

EXTINGUE O ARSENAL DO ALFEITE, SA, E DETERMINA A REINTEGRAÇÃO DO ARSENAL DO

ALFEITE NA ORGÂNICA DA MARINHA

Exposição de motivos

O Decreto-Lei n.º 32/2009, de 5 de fevereiro, extinguiu o Arsenal do Alfeite enquanto órgão de execução de

serviços da Marinha e procedeu à sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos (Arsenal do

Alfeite, SA), integrada na EMPORDEF.

No preâmbulo desse diploma, foi invocada a necessidade de melhorar a “capacidade de gestão autónoma

e flexível dos meios disponíveis e necessários para levar a cabo a reestruturação e modernização do seu

aparelho industrial, não só para satisfazer melhor as crescentes exigências técnicas e tecnológicas dos novos

meios navais, como também para pôr o seu conhecimento ao serviço de outros potenciais clientes nacionais e

internacionais, em termos competitivos”.

Acontece porém que, passados três anos sobre a criação da Arsenal do Alfeite, SA, o balanço é

marcadamente negativo. Na verdade, as melhorias que decorreriam da dita “empresarialização” não se

fizeram sentir, e bem pelo contrário, a evolução recente tem sido no sentido da degradação das capacidades

do Arsenal do Alfeite tendo em conta o objetivo central da sua existência.

Com efeito, a opção tomada em 2009 esquece a razão de existir do Arsenal do Alfeite, que é a sua relação

indissolúvel com a Marinha Portuguesa. O Arsenal do Alfeite, que sucedeu em 1937 ao Arsenal da Marinha

sedeado em Lisboa, foi criado para servir a Marinha Portuguesa, enquanto unidade industrial vocacionada

para a manutenção dos navios da Marinha, dotada de capacidade para a construção de navios de pequeno

porte, e com possibilidades de prestar serviços a entidades externas, nacionais e estrangeiras, quer públicas

(designadamente à marinha de outros Estados) quer do sector privado (designadamente marinha mercante e

de recreio).

Com a chamada “empresarialização”, o Arsenal passou a tratar a Marinha como um cliente. Ou seja,

deixou de existir fundamentalmente em função das necessidades da Marinha, para passar a funcionar em

função da estratégia traçada para a EMPORDEF em cujo universo foi incluído. Porém, a Marinha não pode ser

um mero cliente do Arsenal. Não apenas por ser quase o único, dado que a captação de outros clientes não

deu até à data os resultados que se anunciavam, mas fundamentalmente porque o Arsenal foi criado para a

Marinha. Não há Arsenal sem a Marinha e não há Marinha sem o Arsenal.

Por outro lado, o Arsenal do Alfeite não pode ser sacrificado ao sabor das crises que afetem a indústria da

construção naval ou ao sabor de estratégias de desindustrialização ditadas a nível nacional e/ou internacional.

E tendo presente o que se passou com a indústria aeronáutica, todos os receios são justificados. As Oficinas

Gerais de Material Aeronáutico, outrora pertencentes á Força Aérea Portuguesa foram transformadas em

sociedade anónima, para serem mais tarde privatizadas. Em resultado, deixaram de estar em mãos nacionais,

passando a Força Aérea Portuguesa a ser um mero cliente, o que obrigou este Ramo das Forças Armadas a

dotar-se dos seus próprios meios de manutenção de aeronaves. A OGMA, enquanto integrante do grupo

brasileiro EMBRAER, tem outros interesses que não a manutenção de aeronaves da Força Aérea Portuguesa.

Importa garantir em absoluto que o Arsenal do Alfeite não siga os passos das OGMA, e se mantenha ao

serviço da Marinha. E se é verdade que ainda ninguém ousou até à data pôr em causa a relação preferencial

do Arsenal com a Marinha, não é menos verdade que a situação atual é marcada por uma enorme incerteza.

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Essa incerteza, decorre por um lado, da insuficiente dotação financeira da Marinha, que põe em causa a sua

capacidade operacional e lhe nega os meios financeiros para proceder à renovação necessária e à

manutenção adequada dos navios de que dispõe. E decorre por outro, da incapacidade demonstrada até à

data pela Arsenal do Alfeite S.A., de obter receitas para além das que decorrem da manutenção dos navios da

Marinha. As consequências desta situação não deixam de se fazer sentir, com o défice financeiro e a perda de

capacidades do Arsenal, com a destruição de postos de trabalho e a criação de uma situação de instabilidade

e desmotivação dos trabalhadores. Sendo certo porém, que as capacidades do Arsenal são fundamentais para

a Marinha e que os trabalhadores do Arsenal têm dado provas notáveis de dedicação, qualificação e

profissionalismo.

O PCP considera que não há outra solução segura, para o Arsenal e para a Marinha, que não seja a sua

reintegração orgânica. O Arsenal do Alfeite deve voltar a ser da Marinha, como sempre foi até 2009. E esta

opção não constitui um retrocesso relativamente às medidas de modernização e de captação de clientes por

parte dessa estrutura empresarial. O Arsenal deve ser um estabelecimento fabril das Forças Armadas,

integrado na Administração Direta do Estado sob tutela do Ministério da Defesa Nacional e na orgânica da

Marinha.

O estatuto do pessoal do Arsenal do Alfeite deve igualmente ser salvaguardado. O pessoal do quadro

permanente das Forças Armadas que preste serviço no Arsenal deve fazê-lo em regime de comissão normal,

nos termos do Estatuto dos Militares das Forças Armadas. Quanto ao pessoal civil, deve ser-lhe aplicável o

regime de contrato de trabalho em funções públicas.

Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Extinção da Arsenal do Alfeite, SA

Pela presente lei, é extinta a sociedade anónima de capitais públicos “Arsenal do Alfeite, SA”, e

determinada a reintegração dessa estrutura empresarial no âmbito da Marinha.

Artigo 2.º

Processo de extinção

A extinção da “Arsenal do Alfeite, SA”, efetua-se com a transmissão de todo o património ativo e passivo da

sociedade para a Marinha.

Artigo 3.º

Natureza jurídica

1. O Arsenal do Alfeite é um estabelecimento fabril das Forças Armadas, integrado na administração direta

do Estado como órgão de execução de serviços da Marinha.

Artigo 4.º

Estatuto do pessoal

1. Os militares do quadro permanente, no ativo ou na situação de reserva na efetividade de serviço, podem

prestar serviço no Arsenal do Alfeite em comissão normal, nos termos do Estatuto dos Militares das Forças

Armadas.

2. O estatuto profissional dos trabalhadores civis do Arsenal do Alfeite rege-se pelo regime de contrato de

trabalho em funções públicas.

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Artigo 5.º

Regulamentação

O Governo, no prazo de 180 dias após a aprovação da presente lei, promove as alterações à Lei Orgânica

da Marinha necessárias à sua execução, ouvido o Chefe de Estado Maior da Armada.

Artigo 6.º

Norma revogatória

São revogados os Decretos-Leis n.os

32/2009 e 33/2009, de 5 de fevereiro.

Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2013.

Os Deputados do PCP: António Filipe — Bruno Dias — Francisco Lopes — José Alberto Lourenço —

Bernardino Soares — Miguel Tiago — Jorge Machado — João Oliveira — Honório Novo — Paulo Sá — Rita

Rato — Carla Cruz.

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PROJETO DE LEI N.º 355/XII (2.ª)

CRIA UM PROGRAMA EXTRAORDINÁRIO DE COMBATE À POBREZA INFANTIL E REFORÇA A

PROTEÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E JOVENS

Em Portugal, só a partir da Revolução de Abril de 1974, com a conquista e consagração legal de um sólido

corpo de direitos económicos e sociais, teve início o caminho de construção e garantia dos direitos das

crianças e jovens, nas suas múltiplas dimensões e de forma transversal.

A Declaração Universal dos Direitos da Criança foi proclamada pela Organização das Nações Unidas a 20

de setembro de 1959, e passados 20 anos foi celebrado o Ano Internacional da Criança. Contudo, só em

1989, com a adoção por parte da ONU da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (ratificada por

Portugal no ano seguinte), é que a Criança passou a ser considerada como cidadão dotado de capacidade

para ser titular de direitos.

Conforme consagrado na Constituição da República Portuguesa (Artigo 69.º), cabe ao Estado e à

sociedade proteger as crianças “com vista ao seu desenvolvimento integral”, designadamente contra todas “as

formas de abandono, de discriminação, e de opressão”.

A todas as crianças deve ser assegurado, o direito à proteção e a cuidados especiais, o direito ao amor e

ao afeto, ao respeito pela sua identidade própria, o direito à diferença e à dignidade social, o direito a serem

desejadas, à integridade física, a uma alimentação adequada, ao vestuário, à habitação, à saúde, à

segurança, à instrução e à educação.

Pese embora a vigência de direitos fundamentais em forma de lei, a vida quotidiana de milhares de

crianças no nosso país é hoje marcada por múltiplas formas negação de violência e discriminação.

A pobreza infantil tem especificidades próprias quanto à sua caracterização e aos seus contornos

materiais. Expressa-se em dimensões e indicadores que não se reportam a outras camadas etárias, tais como

as taxas de abandono e insucesso escolar ou a prevalência de determinado tipo de vulnerabilidades (maus

tratos, abusos e situações de exploração). Sobretudo, a pobreza das crianças tem efeitos e implicações

individuais e geracionais que são mais duramente repercussivos e continuados que noutras idades. Um dos

traços que melhor caracteriza a pobreza infantil é, sobretudo, a associação entre a escassez de recursos que

define a pobreza e a dependência que caracteriza a infância.

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Em Portugal, as causas estruturais da pobreza têm sido profundamente agravadas com mais de 36 anos

de políticas de direita, o processo de integração capitalista na União Europeia, a natureza do capitalismo e da

crise, e a aplicação das medidas do Pacto de Agressão da Troica.

De acordo com o Relatório «Medir a Pobreza Infantil» apresentado pela Unicef em 2012, 27% das crianças

portuguesas vivem em situação de carência económica, percentagem que se agrava para 46,5% no caso das

crianças que vivem em agregados monoparentais e mais ainda em famílias cujos pais estão desempregados

em que o índice de carência atinge os 73,6%. O Relatório conclui ainda que 14,7% das crianças portuguesas

até aos 16 anos vivem abaixo do limiar de pobreza, isto é em lares cujos rendimentos anuais por adulto estão

abaixo da mediana da distribuição dos rendimentos (cerca de €400/mês).

Note-se, porém, que este Relatório foi construído com base em indicadores de 2009, portanto anteriores ao

agravamento da situação de crise, à aplicação do Pacto da Troica e ao agravamento das políticas de

austeridade, o que significa que estes dados pecam por defeito.

Efetivamente, tudo indica que neste momento a situação da pobreza infantil é muito mais grave e, apesar

de ainda não existirem dados estatísticos atualizados que a permitam medir, os sinais vindos da sociedade

são muito preocupantes.

Em novembro de 2012, o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar reconhecia haver 13

000 crianças sinalizadas que chegavam com fome às escolas. A comunicação social noticiou vários casos de

crianças e jovens a desmaiarem em plena sala de aula, por falta de alimentação, e também situações em que

as direções das escolas suspenderam o fornecimento de refeições a crianças por falta de pagamento por parte

das famílias. As cantinas escolares passaram a estar abertas em períodos de férias letivas – e mais

recentemente algumas também ao fim de semana – por se saber que muitas crianças comem a sua única

refeição do dia na escola.

Também na área da saúde se poderão verificar retrocessos, com repercussões graves na saúde infantil, já

que segundo vários indicadores, o acesso à saúde em geral está ser dificultado, pelo aumento das taxas

moderadoras e redução das situações de isenção e pelo aumento dos preços dos medicamentos.

Cada vez mais famílias têm dificuldades em cumprir as necessidades básicas das crianças com

alimentação, vestuário, habitação, material escolar e cuidados de saúde. Há fome na escola, porque há fome

em casa. Falências e encerramento de empresas, salários em atraso, desemprego, cortes nos apoios sociais,

no subsídio de desemprego, abono de família, rendimento social de inserção, aumento do custo de vida. É

uma espiral de empobrecimento que arrasa a vida de largos milhares de famílias no nosso país.

A Sociedade Portuguesa de Pediatria denunciou recentemente que têm surgido nos hospitais casos que

não se registavam há 20 anos; mães que acrescentam água ao leite artificial, ou dão leite de vaca a bebés de

meses; crianças que na segunda-feira nos refeitórios escolares repetem tudo o que puderem; pais que não

têm condições de acompanhar os filhos no internamento hospitalar.

A Rede Europeia Anti Pobreza alerta para consequências do desemprego dos pais na vida das crianças:

situações de elevada instabilidade emocional e psicológica que influenciam as vivências das crianças e

provoca em muitos casos problemas de aprendizagem, de inserção no meio escolar, de discriminação,

violência.

Em Portugal, a taxa de risco de pobreza é superior à de alguns países com rendimentos mais baixos,

mesmo após a transferência dos valores das prestações sociais, o que torna claro a necessidade efetiva de

reforço dos mecanismos sociais de combate à pobreza e à exclusão social. Os cortes nas prestações sociais

são ainda mais injustos e chocantes, ao mesmo tempo que o Governo disponibiliza 12 mil milhões de euros

para os grupos económicos e financeiros.

Para além disto, o aumento do risco de pobreza está em estreita relação com a destruição, em curso, de

importantes funções sociais do Estado. Como é sabido, as transferências sociais têm um importante impacto

positivo na redução da pobreza e, assim sendo, a atual tendência no sentido da redução destas transferências

aponta para um previsível aumento da pobreza das famílias e consequentemente da pobreza infantil.

Com efeito, a redução generalizada das prestações sociais, em especial daquelas com maior incidência

nas famílias, como sejam o abono de família e o apoio da ação social escolar, mas também das prestações

substitutivas de rendimentos de trabalho perdidos, como as prestações de desemprego, as atribuídas em

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situação de maior carência, como o rendimento social de inserção, estão a contribuir fortemente para que, na

grave situação de crise económica e social em que nos encontramos, com elevadas taxas de desemprego,

aumentos brutais de impostos e do preço dos bens essenciais, aliados a uma redução generalizada dos

salários, se caminhe para um empobrecimento generalizado da população, o que significa que as pessoas

mais vulneráveis na sociedade, como é o caso das crianças, fiquem numa situação ainda mais difícil.

O Partido Comunista Português realizou no passado mês de Janeiro uma audição parlamentar sobre o

flagelo da pobreza infantil, onde diversas de organizações, associações, entidades e personalidades deram

um contributo precioso para a análise da pobreza infantil e ajudaram a apontar saídas efetivas para este

flagelo.

Reconhecemos que a realidade atual exige uma resposta efetiva a situações extremas de carência, mas

não pode ser orientada por princípios assistencialistas contrários à necessidade de erradicação profunda da

pobreza e da garantia da emancipação individual e coletiva dos cidadãos.

Aliás, defendemos que o combate à pobreza e à exclusão social é inseparável de um caminho mais geral

de crescimento económico, valorização do trabalho e dos trabalhadores, de uma política de aumento dos

salários e das pensões, de maior justiça na distribuição da riqueza, elevação das condições de vida do povo; a

aposta num sistema público de segurança social forte, num serviço nacional de saúde público, universal e

gratuito, e numa escola pública e democrática que garanta a igualdade de direitos e de oportunidades para

todos.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o

seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei cria o “Programa Extraordinário de Combate à Pobreza Infantil”, adiante designado

abreviadamente por Programa Extraordinário.

Artigo 2.º

Natureza

O Programa Extraordinário integra-se no quadro do aprofundamento das políticas de promoção dos direitos

da Criança e da cidadania plena, através do qual se materializam políticas e ação extraordinária e de natureza

integrada para garantir a inclusão social mais imediata e o superior interesse da Criança.

Artigo 3.º

Objetivos

O Programa Extraordinário concretizará os seguintes objetivos:

a) Desenvolver políticas integradas visando a garantia do bem-estar social da Criança;

b) Definir metas, instrumentos, dispositivos e ações específicas direcionadas para a inclusão social da

Criança;

c) Intervir nos diversos planos em que se decide a inclusão social da Criança, como seja os contextos

familiares, os espaços urbanos, a educação e a promoção da saúde, os espaços-tempos de lazer e no acesso

à cultura e à informação;

d) Prevenir as diferentes formas de negligências e de maus-tratos enquanto fatores decisivos nos

processos da exclusão social da Criança;

e) Orientar planos de informação, planeamento, adoção de medidas específicas para a infância e controlo

de execução e avaliação de programas de ação prioritária;

f) Perspetivar políticas redistributivas do rendimento e de desenvolvimento humano e social da Criança;

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g) Orientar para a mudança das condições estruturais que produzem a exclusão social e a pobreza da

Criança;

h) Apoiar no acesso da Criança a creches e educação pré-escolar, no cumprimento da escolaridade

obrigatória em condições de qualidade e igualdade de oportunidades;

i) Promover à Criança melhores condições habitacionais, possibilidades de mobilidade, integração

institucional e programação de atividades que lhes sejam destinadas.

Artigo 4.º

Execução

A direção e execução do Programa Extraordinário cabem ao Ministério da Solidariedade e Segurança

Social, em ligação com o Ministério da Educação e Ciência e Ministério da Saúde.

Artigo 5.º

Meios financeiros

O Orçamento do Estado garante, anualmente, as verbas necessárias à programação e execução do

Programa Extraordinário.

Artigo 6.º

Vigência

Os prazos de vigência do Programa Extraordinário, em função da evolução da realidade económica e

social, serão determinados pelo Responsável da tutela.

Artigo 7.º

Dever de fiscalização

No final de cada ano de vigência do Programa Extraordinário, o Governo envia à Assembleia da República

um relatório avaliativo sobre a implementação dos objetivos definidos pelo presente diploma.

Artigo 8.º

Regulamentação

A presente lei será objeto de regulamentação num prazo máximo de 90 dias após a sua publicação.

Artigo 9.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor após a publicação do Orçamento do Estado subsequente à sua

publicação.

Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2013.

Os Deputados do PCP: Rita Rato — Jorge Machado — Carla Cruz — João Oliveira — Miguel Tiago —

Honório Novo — Francisco Lopes — Jerónimo de Sousa — António Filipe — Bruno Dias — Bernardino Soares

— José Alberto Lourenço — João Ramos.

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PROJETO DE LEI N.º 356/XII (2.ª)

ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DE ELABORAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE UM RELATÓRIO

ANUAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA E A SITUAÇÃO DA INFÂNCIA EM PORTUGAL

Preâmbulo

Em Portugal, só a partir da Revolução de Abril de 1974, com a conquista e consagração legal de um sólido

corpo de direitos económicos e sociais, teve início o caminho de construção e garantia dos direitos das

crianças e jovens, nas suas múltiplas dimensões e de forma transversal.

A Declaração Universal dos Direitos da Criança foi proclamada pela Organização das Nações Unidas a 20

de Setembro de 1959, e passados 20 anos foi celebrado o Ano Internacional da Criança.

Contudo, só em 1989, com a adoção por parte da ONU da Convenção Internacional dos Direitos da

Criança (ratificada por Portugal no ano seguinte), é que a Criança passou a ser considerada como cidadão

dotado de capacidade para ser titular de direitos.

A todas as crianças deve ser assegurado, em igualdade de oportunidades, o direito à proteção e a

cuidados especiais, o direito ao amor e ao afeto, ao respeito pela sua identidade própria, o direito à diferença e

à dignidade social, o direito a serem desejadas, à integridade física, a uma alimentação adequada, ao

vestuário, à habitação, à saúde, à segurança, à instrução e à educação.

Estes direitos estão intimamente ligados à felicidade e ao bem-estar das famílias e dos que as rodeiam, isto

é, ao cumprimento efetivo dos direitos civis, sociais, económicos e culturais por parte do Estado, bem como

pelo assumir das responsabilidades para garantir na prática da vida das crianças, os princípios da Constituição

da República Portuguesa e outros princípios internacionais, como o da Convenção sobre os Direitos da

Criança, ratificado por Portugal no ano de 1990.

Pese embora a vigência destes direitos fundamentais em forma de lei, a vida quotidiana de milhares de

crianças no nosso país é hoje marcada por negação de direitos. As causas estruturais da pobreza em Portugal

têm sido profundamente agravadas com mais de 36 anos de políticas de direita, o processo de integração

capitalista na União Europeia, a natureza do capitalismo e da crise, e a aplicação das medidas do Pacto de

Agressão da Troika.

De acordo com o Relatório «Medir a Pobreza Infantil» apresentado pela Unicef em 2012, 27% das crianças

portuguesas vivem em situação de carência económica, percentagem que se agrava para 46,5% no caso das

crianças que vivem em agregados monoparentais e mais ainda em famílias cujos pais estão desempregados

em que o índice de carência atinge os 73,6%. O Relatório conclui ainda que 14,7% das crianças portuguesas

até aos 16 anos vivem abaixo do limiar de pobreza, isto é em lares cujos rendimentos anuais por adulto estão

abaixo da mediana da distribuição dos rendimentos (cerca de €400/mês).

Note-se, porém, que este Relatório foi construído com base em indicadores de 2009, portanto anteriores ao

agravamento da situação de crise, à aplicação do Pacto da Troika e ao agravamento das políticas de

austeridade, o que significa que estes dados pecam por defeito.

Efetivamente, tudo indica que neste momento a situação da pobreza infantil é muito mais grave e, apesar

de ainda não existirem dados estatísticos atualizados que a permitam medir, os sinais vindos da sociedade

são muito preocupantes.

“A situação da infância em Portugal (…) carece de meios de diagnóstico que sejam adequados e eficazes.

Não há nenhum espaço institucional de análise permanente e continuada sobre as crianças. Desde a extinção

da Comissão Nacional para os Direitos da Criança que em Portugal não se realizam estudos sobre a aplicação

da Convenção sobre os Direitos da Criança”1.

No nosso país, muitas são as crianças vítimas da subnutrição e da fome, da degradação dos serviços de

saúde materno-infantil, da insuficiência e degradação do sistema escolar, de abandono e insucesso escolar,

do trabalho infantil, da promiscuidade habitacional, de violência, de maus tratos, de mendicidade, de abandono

e de outras situações de risco.

1 Intervenção da Dr.ª Teresa Vasconcelos, Presidente da Mesa Redonda “Os Direitos da criança, intervenção precoce e necessidades da

comunidade”, 2008;

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No nosso país, existem ainda crianças mutiladas pelo trabalho, vítimas da prostituição juvenil, crianças da

rua, não obstante as tentativas de ocultação e de silenciamento da realidade, são chagas sociais clamorosas

que exigem adoção de medidas urgentes e de fundo no plano social.

O Estado deve garantir às famílias, especial proteção e assistência necessárias ao desempenho no seu

papel na comunidade, na formação e desenvolvimento das crianças. Para a efetivação dos direitos das

crianças é necessário que se cumpra a legislação e se realize uma política de erradicação da pobreza e de

uma mais justa distribuição da riqueza.

A pobreza infantil e a exiguidade dos dados disponíveis para o seu profundo conhecimento é revelador da

insuficiente atenção no tratamento e acompanhamento que os diversos organismos, poderes e instituições

públicas na análise das causas e respostas a este flagelo.

Neste sentido, para que se garanta a possibilidade de monitorização sistemática e de avaliação da situação

da Infância no nosso País, e para que se criem condições mais favoráveis à promoção e à defesa dos direitos

e à melhoria das condições de vida das crianças, propõe-se, através deste diploma, a obrigatoriedade de

elaboração por parte do Governo a apresentação à Assembleia da República um Relatório Anual sobre os

Direitos da Criança e a situação da Infância em Portugal.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o

seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objetivo

A presente lei define a obrigatoriedade do Governo de elaborar e apresentar à Assembleia da República

um Relatório sobre os Direitos da Criança e a situação da Infância em Portugal.

Artigo 2.º

Âmbito

1- O Relatório sobre os Direitos da Criança e a situação da Infância em Portugal abrange todas as áreas

da vida das crianças e explicita os resultados alcançados quanto aos direitos da Criança, designadamente

quanto ao diagnóstico da situação e da avaliação dos impactos das políticas públicas naquela que é a

realidade das condições de vida básicas das crianças.

2- O Relatório contém, designadamente, toda a informação estatística relevante sobre as realidades e a

sociologia da Infância, bem como os elementos distintivos da pobreza infantil e das políticas públicas para a

Infância, as dimensões específicas da pobreza infantil, considerando aspetos relativos aos domínios

económico, político, social e simbólico, mapeamentos dos rastos da pobreza nos trajetos da vida das crianças.

3- O relatório deve ainda conter os elementos semânticos caracterizadores do bem-estar infantil, a

caracterização das políticas públicas necessárias a uma mais exigente prática de cumprimento e respeito

pelos direitos da Criança e para a promoção do bem-estar infantil.

Artigo 3.º

Periodicidade

1- O Relatório sobre os Direitos da Criança e a situação da Infância em Portugal é elaborado pelo Governo

anualmente e entregue na Assembleia da República até ao final do mês de Fevereiro do ano imediato ao que

diz respeito.

2- Quando, em resultado da realização de eleições legislativas, não seja possível cumprir o prazo previsto

no número anterior, o Governo apresenta o Relatório à Assembleia da República até 90 dias após a aprovação

do Programa de Governo.

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Artigo 4.º

Regulamentação

A presente lei será regulamentada no prazo de 90 dias após a sua entrada em vigor

Artigo 5.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2013.

Os Deputados do PCP: Rita Rato — Jorge Machado — Carla Cruz — João Oliveira — Jerónimo de Sousa

— Miguel Tiago — Honório Novo — Bruno Dias — Francisco Lopes — António Filipe — Bernardino Soares —

José Alberto Lourenço — João Ramos.

———

PROJETO DE LEI N.º 357/XII (2.ª)

CRIA A COMISSÃO NACIONAL DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E JOVENS

Exposição de motivos

Vivem-se hoje dias de retrocesso objetivo na garantia e cumprimento dos direitos das crianças,

designadamente da parte do Estado, com expressão muito para lá dos números. A existência de um

diagnóstico é uma condição determinante para orientar uma intervenção estruturada e planificada de garantia

dos direitos das crianças e de erradicação da pobreza infantil em Portugal.

De acordo com o Relatório «Medir a Pobreza Infantil» apresentado pela UNICEF em 2012, 27% das

crianças portuguesas vivem em situação de carência económica, percentagem que se agrava para 46,5% no

caso das crianças que vivem em agregados monoparentais e mais ainda em famílias cujos pais estão

desempregados em que o índice de carência atinge os 73,6%. O Relatório conclui ainda que 14,7% das

crianças portuguesas até aos 16 anos vivem abaixo do limiar de pobreza, isto é em lares cujos rendimentos

anuais por adulto estão abaixo da mediana da distribuição dos rendimentos (cerca de €400/mês).

Note-se, porém, que este Relatório foi construído com base em indicadores de 2009, portanto anteriores ao

agravamento da situação de crise, à aplicação do Pacto da Troica e ao agravamento das políticas de

austeridade, o que significa que estes dados pecam por defeito.

Efetivamente, tudo indica que neste momento a situação da pobreza infantil é muito mais grave e, apesar

de ainda não existirem dados estatísticos atualizados que a permitam medir, os sinais vindos da sociedade

são muito preocupantes.

A pobreza infantil e a exiguidade dos dados disponíveis para o seu profundo conhecimento é revelador do

insuficiente cuidado no tratamento e acompanhamento que os diversos organismos, os poderes públicos e as

instituições na análise das causas e respostas a este flagelo.

Aliás, esta insuficiência era assinalada em março de 2011 pelo Conselho Nacional de Educação, através

da Recomendação “10.ª Recomendação – Fomentar o desenvolvimento da investigação – Considera-se

necessário criar um espaço de observação que permita “cartografar a situação das crianças portuguesas”: por

que não um Observatório sobre a Infância em Portugal.”1

Assim como em 2008, nesta data era afirmado que “A situação da infância em Portugal, apesar dos

significativos avanços nas últimas décadas, continua a ser pautada por um conjunto de indicadores

preocupantes como, por exemplo, o aumento percentual da pobreza infantil. A própria intervenção social com

1 http://www.cm-peniche.pt/_uploads/CPCJ/21-04 2011Recomendacao_ConselhoNacionalEducacao.pdf

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as crianças e as famílias carece de meios de diagnóstico que sejam adequados e eficazes. Não há nenhum

espaço institucional de análise permanente e continuada sobre as crianças. Desde a extinção da Comissão

Nacional para os Direitos da Criança que em Portugal não se realizam estudos sobre a aplicação da

Convenção sobre os Direitos da Criança e, em geral não existem dispositivos de análise e monitorização das

políticas públicas com impacto nas crianças. Assim, podemos afirmar que é necessário a criação de um

Observatório sobre a Infância e sobre as Crianças em Portugal de forma a congregar os dados existentes que

nos permitem cartografar a situação das crianças portuguesas assim como proporcionar o diagnóstico, estudo

e monotorização das políticas públicas para a infância (…).2”.

A Declaração Universal dos Direitos da Criança foi proclamada pela Organização das Nações Unidas a 20

de Setembro de 1959, e passados 20 anos foi celebrado o Ano Internacional da Criança.

Contudo, só em 1989, com a adoção por parte da ONU da Convenção Internacional dos Direitos da

Criança (ratificada por Portugal no ano seguinte), é que a Criança passou a ser considerada como cidadão

dotado de capacidade para ser titular de direitos.

A todas as crianças deve ser assegurado, o direito à proteção e a cuidados especiais, o direito ao amor e

ao afeto, ao respeito pela sua identidade própria, o direito à diferença e à dignidade social, o direito a serem

desejadas, à integridade física, a uma alimentação adequada, ao vestuário, à habitação, à saúde, à

segurança, à instrução e à educação.

Estes direitos estão intimamente ligados à felicidade e ao bem-estar das famílias e dos que as rodeiam, isto

é, ao cumprimento efetivo dos direitos civis, sociais, económicos e culturais por parte do Estado, bem como

pelo assumir das responsabilidades para garantir na prática da vida das crianças, os princípios da Constituição

da República Portuguesa e outros princípios internacionais, como o da Convenção sobre os Direitos da

Criança, ratificado por Portugal no ano de 1990.

Pese embora a vigência destes direitos fundamentais em forma de lei, a vida quotidiana de milhares de

crianças no nosso país é hoje marcada por negação de direitos. As causas estruturais da pobreza em Portugal

têm sido profundamente agravadas com mais de 36 anos de políticas de direita, o processo de integração

capitalista na União Europeia, a natureza do capitalismo e da crise, e a aplicação das medidas do Pacto de

Agressão da Troica.

Cada vez mais famílias têm dificuldades em cumprir as necessidades básicas das crianças com

alimentação, vestuário, habitação, material escolar e cuidados de saúde. Há fome na escola, porque há fome

em casa. Falências e encerramento de empresas, salários em atraso, desemprego, cortes nos apoios sociais,

no subsídio de desemprego, abono de família, rendimento social de inserção, aumento do custo de vida. É

uma espiral de empobrecimento que arrasa a vida de largos milhares de famílias no nosso país.

A Sociedade Portuguesa de Pediatria denunciou recentemente que têm surgido nos hospitais casos que

não se registavam há 20 anos; mães que acrescentam água ao leite artificial, ou dão leite de vaca a bebés de

meses; crianças que na segunda-feira nos refeitórios escolares repetem tudo o que puderem; pais que não

têm condições de acompanhar os filhos no internamento hospitalar.

A Rede Europeia Anti Pobreza alerta para consequências do desemprego dos pais na vida das crianças:

situações de elevada instabilidade emocional e psicológica que influenciam as vivências das crianças e

provoca em muitos casos problemas de aprendizagem, de inserção no meio escolar, de discriminação,

violência.

Em Portugal, a taxa de risco de pobreza é superior à de alguns países com rendimentos mais baixos,

mesmo após a transferência dos valores das prestações sociais, o que torna claro a necessidade efetiva de

reforço dos mecanismos sociais de combate à pobreza e à exclusão social. Para além disto, o aumento do

risco de pobreza está em estreita relação com a destruição, em curso, de importantes funções sociais do

Estado. Os cortes nas prestações sociais são ainda mais injustos e chocantes, ao mesmo tempo que o

Governo disponibiliza 12 mil milhões de euros para os grupos económicos e financeiros.

O PCP realizou no passado mês de Janeiro uma audição parlamentar sobre o flagelo da pobreza infantil,

onde diversas de organizações, associações, entidades e personalidades deram um contributo precioso para a

análise da pobreza infantil e ajudaram a apontar saídas efetivas para este flagelo.

2 Intervenção da Dr.ª Teresa Vasconcelos, Presidente da Mesa Redonda “Os Direitos da criança, intervenção precoce e necessidades da

comunidade”, 2008;

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Reconhecemos que a realidade atual exige uma resposta efetiva a situações extremas de carência, mas

não pode ser orientada por princípios assistencialistas contrários à necessidade de erradicação profunda da

pobreza e da garantia da emancipação individual e coletiva dos cidadãos.

Aliás, defendemos que o combate à pobreza e à exclusão social é inseparável de um caminho mais geral

de crescimento económico, valorização do trabalho e dos trabalhadores, de uma política de aumento dos

salários e das pensões, de maior justiça na distribuição da riqueza, elevação das condições de vida do povo; a

aposta num sistema público de segurança social forte, num serviço nacional de saúde público, universal e

gratuito, e numa escola pública e democrática que garanta a igualdade de direitos e de oportunidades para

todos.

Conscientes deste desígnio, somos contudo confrontados com a inexistência de um diagnóstico regular,

permanente, rigoroso e profundo sobra a situação da Criança no nosso país.

A proposta que fazemos neste diploma de criação da Comissão Nacional para os Direitos das Crianças e

Jovens pretende responder à inexistência e insuficiência de dados, à análise das especificidades da situação

nacional, apontando no caminho do desenvolvimento humano e social respostas efetivas para atender à

situação das crianças.

A criação da Comissão Nacional para os Direitos das Crianças e Jovens pretende dar corpo a uma das

responsabilidades do Estado nas suas obrigações e deveres face aos problemas da Criança e tudo quanto se

reporta à exigência de acompanhamento, análise e definição de medidas adequadas à evolução de

fenómenos sociais. Por isso mesmo, o “Comissão Nacional para os Direitos das Crianças e Jovens” não

poderá ser indiferente ao papel do Estado naquelas que são as suas funções e deveres sociais, de contribuir

para que se criem as condições de autonomia económica e social e a efetivação de direitos.

A “Comissão Nacional para os Direitos das Crianças e Jovens” deve reunir as diferentes instituições,

movimentos e parceiros sociais, favorecer a sistematização de um diálogo e de articulação interinstitucional,

assim como a concertação de estratégias que permitam rentabilizar os recursos já existentes e apresentar

novas soluções para os problemas sociais da Infância.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o

seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Criação

Com o presente diploma é criada a Comissão Nacional dos Direitos das Crianças e Jovens, com o objetivo

de acompanhar a história da defesa dos direitos da Criança em Portugal e os problemas de violação de

direitos humanos fundamentais, com particular destaque para a pobreza infantil.

Artigo 2.º

Funções

A Comissão Nacional dos Direitos das Crianças e Jovens Criança tem as seguintes funções:

a) Caracterizar e analisar a extensão e profundidade da violação dos direitos humanos no contexto da

Infância;

b) Monitorizar a evolução das desigualdades sociais, dos problemas da pobreza e da exclusão social e

seus impactos para a Infância;

c) Analisar as causas e fatores da multidimensionalidade da pobreza, promovendo um olhar sobre a

pobreza infantil;

d) Propor medidas de promoção do desenvolvimento com coesão económica e social e de afirmação de

uma cultura dos direitos da criança;

e) Acompanhar os impactos e a eficácia das políticas sociais implementadas em Portugal e suas

repercussões para a situação social da criança;

f) Dar pareceres sobre as políticas do Governo nesta matéria mediante prévia consulta;

g) Definir indicadores específicos para a caracterização dos universos das crianças excluídas socialmente;

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h) Proceder ao tratamento de dados e indicadores sociais enviados pelos serviços da Administração

Pública;

i) Colaborar com as entidades públicas e privadas competentes na promoção das crianças excluídas

socialmente;

j) Formular propostas de promoção da integração das crianças excluídas socialmente, designadamente

com vista à promoção oportunidades iguais ao nível da escolaridade na educação para a saúde e

acompanhamento das famílias mais carenciadas, na promoção de melhores condições habitacionais e quanto

à proteção às famílias;

k) Elaborar e publicar informações, estudos e relatórios;

l) Apresentar anualmente, até 31 de dezembro, um relatório sobre a situação social da infância e, em

especial, relativa à integração das crianças excluídas socialmente.

Artigo 3.º

Composição

A Comissão Nacional dos Direitos das Crianças e Jovens é composta pelas seguintes entidades:

a) Um representante do Instituto da Segurança Social, IP;

b) Um representante da ANMP – Associação Nacional de Municípios Portugueses;

c) Três representantes das Instituições Particulares de Solidariedade Social;

d) Um representante da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens;

e) Um representante de cada uma das centrais sindicais;

f) Um representante da Sociedade Portuguesa de Pediatria;

g) Um representante da CNASTI – Confederação Nacional de Ação Sobre o Trabalho Infantil;

h) Um representante do IAC – Instituto de Apoio à Criança;

i) Um representante das Associações de Solidariedade Social;

j) Cinco personalidades de reconhecido mérito com trabalho desenvolvido sobre a situação social da

Infância, indicadas pela Assembleia da República.

Artigo 4.º

Direção

1 – A Comissão Nacional dos Direitos das Crianças e Jovens elege, de entre os seus elementos, uma

Direção composta por um presidente e dois vogais.

2 – A Direção elabora, no prazo de sessenta dias, após a sua instalação, o respetivo regulamento interno.

3 – Os membros da Direção não recebem qualquer remuneração adicional decorrente do assumir destas

funções.

Artigo 5.º

Tutela

A Comissão Nacional dos Direitos das Crianças e Jovens funciona em instalações próprias, sob tutela do

Ministério responsável pelas políticas sociais, que lhe deverá atribuir os meios físicos, humanos e financeiros

necessários ao seu funcionamento e inclui-lo no respetivo orçamento.

Artigo 6.º

Instalação

A Comissão Nacional dos Direitos das Crianças e Jovens será instalada noventa dias após a entrada em

vigor da presente lei.

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Artigo 7.º

Regulamentação

A presente lei será regulamentadano prazo de sessenta dias após a sua publicação.

Artigo 8.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor após a publicação do Orçamento do Estado subsequente à sua

publicação.

Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2013.

Os Deputados do PCP: Rita Rato — Jorge Machado — Carla Cruz — João Oliveira — Jerónimo de Sousa

— João Ramos — Bernardino Soares — António Filipe — Bruno Dias — Honório Novo — José Alberto

Lourenço — Francisco Lopes — Miguel Tiago.

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PROJETO DE LEI N.º 358/XII (2.ª)

ESTABELECE A AMNISTIA PELO INCUMPRIMENTO DE PAGAMENTO DE PROPINAS

UNIVERSITÁRIAS POR COMPROVADA CARÊNCIA ECONÓMICA E INTRODUZ A ISENÇÃO TOTAL DE

PROPINAS NO ANO LETIVO DE 2013/2014

Exposição de motivos

Os números ainda preliminares de bolsas no ensino superior concedidas este ano letivo são dramáticos.

No final de janeiro de 2013, das 67 385 candidaturas analisadas (de um total de 76 439), 22 416 tinham já sido

indeferidas, ou seja, 33,3%, segundo os dados da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES).

A lamentável decisão deste governo de condicionar o acesso às bolsas de estudo mediante a situação

contributiva das famílias, algo a qual os estudantes não têm qualquer responsabilidade, representou por

exemplo, na Universidade do Porto (UP) e no Instituto Politécnico do Porto (IPP) entre 12% a 14% de

indeferimentos. Significa isto que, se esta tendência se verificar a nível nacional, mais de 3 mil estudantes

ficaram sem bolsa de forma injusta, sobretudo tendo em conta o contexto de empobrecimento deliberado, de

desemprego e de enorme aumento de impostos, onde rapidamente uma família entra em incumprimento fiscal.

Esta é uma situação para a qual o Bloco já apresentou, aliás, diversas soluções, nomeadamente com o

Projeto Resolução n.º 467/XII, que recomenda ao Governo que a atribuição de bolsa e outros apoios de ação

social escolar no ensino superior tenha em conta os rendimentos reais dos agregados familiares dos

estudantes. Ou seja, recomenda ao Governo sensatez e sentido de responsabilidade, a falta dos quais, no

entanto, se revela na maior causa para justificação de indeferimento: o aproveitamento universitário.

De facto, para efeitos de deferimento de pedido de bolsa, o atual ministro aumentou para 60% a valoração

dos critérios de aproveitamento e mérito. E, no entanto, não alterou os atrasos crónicos verificados nas

atribuições de bolsas que, no passado ano letivo, obrigaram os estudantes a aguardar até maio de 2012 para

receberem as bolsas devidas, com efeitos desastrosos no seu aproveitamento. Ora, são hoje precisamente

esses estudantes que veem os seus pedidos de bolsas indeferidos, sendo este já motivo de 30% dos

indeferimentos na UP, e 50% no IPP, uma tendência que significa 6 mil estudantes sem bolsa neste ano letivo

por falta de aproveitamento.

Contra critérios destes não há empreendedorismo que resista. A sangria do ensino superior significou

menos 11 mil estudantes no ano letivo de 2011/2012, e calculam-se já em mais de 20 mil os estudantes

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obrigados a desistir dos estudos por razões financeiras. O governo obrigou a ação social escolar a falhar na

altura em que é mais necessária. Exigem-se, por isso, respostas alternativas.

As propinas são hoje um dos maiores embustes à democracia e ao futuro das novas gerações. Marçal

Grilo, Ministro da Educação do XIII Governo Constitucional, diz hoje sem vergonha aquilo que não disse por

vergonha em 1997: [a introdução de propinas no ensino superior] era claramente inconstitucional. O

responsável máximo pela reintrodução das propinas segundo critérios ainda hoje utilizados admite que foi tudo

um truque de mau-gosto para enganar a Constituição, para enganar a democracia.

Olhemos por isso para o Acórdão n.º 148/94 – processo n.º 530/92, do Tribunal Constitucional (TC),

acórdão que permitiu ao então primeiro-ministro Cavaco Silva introduzir o sistema de propinas que hoje é

norma. Este acórdão é uma leitura da Constituição da República que o Bloco de Esquerda não sanciona mas

que, dada a sua centralidade nesta questão, merece análise atenta, pois revela que mesmo a análise

altamente permissiva dos conceitos de universalidade do ensino, gratuitidade progressiva e igualdade que o

TC adotou foi já largamente violada pelos sucessivos governos e pelo atual em particular.

O TC atribuiu reservas e limites vários ao aumento de propinas em 1993. Nomeadamente atribuiu um limite

ao esforço financeiro da respetiva universidade a que os estudantes poderiam ser submetidos e que não

deveria ultrapassar, no máximo, 25% dos custos correntes e de investimento da respetiva universidade. Aliás,

neste ponto em particular o TC declara que precisamente a possibilidade de as propinas ultrapassarem essa

relação percentual já em 1994/1995 era inconstitucional: (…) poderia ainda dizer-se que a percentagem assim

encontrada representa o limite razoável dentro do qual se poderá falar da lógica constitucional da possível

gratuitidade do ensino superior e não da lógica do pagamento parcial dos custos do ensino superior pelos

respetivos utentes.

Mas, se isto é assim, e para o ano letivo de 1992-1993 não traduz colisão com a norma constitucional em

causa, já há colisão para os anos letivos de 1993-1994, 1994-1995 e seguintes, mas apenas no ponto em que

a percentagem para a determinação do montante das propinas pode ser fixada acima de 25%. É o que

acontece no ano letivo de 1993-1994, em que a variação vai de 20% a 40%, e nos anos letivos de 1994-1995

e seguintes, em que a variação vai de 25% a 50%. Em tal segmento, e concluindo, a norma do artigo 6.º, n.º 2,

conjugado com o artigo 16.º, n.º 2, da Lei das Propinas, viola a norma do artigo 74.º, n.º 3, alínea e), da CRP.

Ou seja, o entendimento do TC não só não permite tornar os estudantes a fonte de financiamento principal

do ensino superior como não permite que as propinas representem mais do que 25% dos seus custos e

investimento.

Pode-se considerar que, até 2011, ano em que o Estado investiu €1093 milhões no ensino superior e

politécnico e recebeu 252 milhões em propinas, se tenha respeitado esta matriz constitucional com um rácio

de 23%. No entanto, em 2012, esse limite é ultrapassado por completo, sendo os estudantes responsáveis por

37% dos €859 milhões transferidos pelo Estado para as universidades e politécnicos, num total de €317

milhões de propinas pagas por estudantes. Não fosse a ironia uma constante, existem universidades que

financiam já 50% do seu orçamento através de propinas, nomeadamente a Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa.

De todos os erros e inconstitucionalidades que a imposição de propinas no ensino superior acarretou,

talvez o mais incompreensível e irracional seja a indexação do seu aumento à taxa de inflação, pois, em

tempos de crise a relação entre o rendimento disponível das famílias e os seus encargos torna-se impossível

de gerir.

Segundo o estudo Quanto custa estudar no Ensino Superior Português? orientado pela Professora Luísa

Cerdeira, no ano letivo 2010/2011, o rendimento mediano por agregado familiar em Portugal situa-se nos

€8.823. Paralelamente, os custos diretos (propinas) e indiretos (habitação, comida e transporte, etc.) de cada

estudante no ensino superior situava-se nos €1934,83 e €4,689,62 respetivamente. Ou seja, as famílias

usaram 22% do seu rendimento para pagar os custos diretos de educação universitária mais 53% para os

custos de vida, isto é, 75% do rendimento mediano das famílias portuguesas é absorvido pelos custos com

ensino superior.

E o quadro não melhora tomando em consideração os apoios sociais concedidos pelos serviços de ação

social que, em conjunto com as deduções fiscais no IRS, reduzem apenas para 63,6% o esforço financeiro das

famílias, longe dos 26,4% na Alemanha, dos 35,2% em França, dos 19,2% na Suécia ou os 38,5% na Letónia.

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Portugal é assim o terceiro país europeu com ensino superior público mais caro. Uma situação perigosa

tendo em conta que desde 2010 que as remunerações desceram quase 10%. Segundo o Instituto Nacional de

Estatística, no 3.º trimestre de 2012, o salário médio situava-se nos €805, mais de duzentos euros abaixo da

propina máxima que se prepara para subir mais €30 no próximo ano letivo, ano em que os rendimentos das

famílias irão novamente descer. Uma situação vergonhosa em termos europeus, tendo em consideração que

na Alemanha não só as propinas máximas são mais baixas do que as propinas mínimas em Portugal (€500

contra €630), como a grande maioria das famílias e estudantes alemães está isenta do seu pagamento.

Por outro lado, o desemprego afeta já 16,9% dos cidadãos, uma situação que, aliada aos cortes e

burocratização do acesso à Ação Social do Ensino Superior, atirou milhares de estudantes para o

incumprimento dos encargos com propinas e, em muitos casos, para a desistência dos cursos que

frequentavam.

Os números falam por si. Segundo dados tornados públicos pelo Conselho de Reitores das Universidades

Públicas, na Universidade do Porto, dos 32 mil estudantes, 1600 não conseguiram pagar propinas em

2011/2012; na Universidade do Minho, de 19 mil estudantes, 4 mil têm propinas em atraso; na Universidade de

Aveiro, cerca de 4 mil dos 15 mil estudantes estão na mesma situação; na Universidade de Coimbra, mil

estudantes têm propinas em atraso; na Universidade do Algarve, 14% dos 7 mil estudantes está em

incumprimento, dos quais 157 anularam já a matrícula em protesto contra as propinas.

Portugal é hoje um país onde o risco de pobreza afeta 42% da população antes de transferências e apoios

sociais. Números que se agravam de dia para dia e aos quais os estudantes não são alheios. Nesta

perspetiva, é importante afirmar que a isenção de propinas, sem prejuízo do investimento normal das

universidades, é uma arma central para a recuperação económica. Liberta recursos para as famílias e

estudantes e evita processos burocráticos insustentáveis.

Perante esta situação de emergência social exigem-se respostas claras que não tentem esconder e adiar o

problema. O Bloco de Esquerda propõe com esta iniciativa uma amnistia extraordinária, aplicável a todos os

estudantes cuja situação financeira não permita continuar os seus estudos e aos quais o governo tem

consistentemente falhado em dar respostas concretas. Não faz sentido exigir aquilo que manifestamente os

estudantes e as famílias não podem pagar, provocando única e exclusivamente um crescendo incontrolável de

incumprimentos e desistências. Importa realçar que a execução das medidas propostas não alteram os rácios

orçamentais nem exigem modificações de gastos que se revelam não comportáveis no quadro dos limites de

despesa aprovados.

Propõe também uma isenção das propinas a aplicar no ano letivo 2013/2014 a todos os estudantes

universitários, garantindo o reequilíbrio entre os rendimentos reais das famílias e o acesso sustentável das

novas gerações ao ensino universitário.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

1 – A presente lei define, com efeitos imediatos, a amnistia extraordinária para estudantes impossibilitados

de prosseguir e terminar os seus estudos superiores devido ao incumprimento no pagamento de propinas.

2 – A presente lei define, ainda, o regime de isenção das propinas, com efeitos a partir do próximo ano

letivo 2013/2014, com a possibilidade de ser prorrogado por decisão administrativa do Ministério da Educação

e Ciência.

3 – São abrangidas pela presente lei as instituições de ensino superior público, nos termos da Lei n.º

62/2007, de 10 de setembro, e os estudantes inscritos em cursos de especialização tecnológica e em ciclos de

estudos conducentes aos graus de licenciado ou de mestre, adiante designados, respetivamente, por

estudantes e cursos.

4 – São, ainda, abrangidos pela presente lei os titulares do grau de licenciado ou de mestre a que se refere

o artigo 46.º-B do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 107/2008, de 25 de

junho, e pelo Decreto-Lei n.º 230/2009, de 14 de junho.

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Artigo 2.º

Princípios gerais

À amnistia e à isenção das propinas aplicam-se os seguintes princípios:

a) O princípio da gratuitidade progressiva do ensino superior, previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 74.º

da Constituição;

b) O princípio de que o ensino superior contribui para a superação das desigualdades económicas, sociais

e culturais, previsto no n.º 2 do artigo 73.º da Constituição;

c) O princípio de que o Estado tem de garantir o acesso ao ensino superior a todos os cidadãos que

revelem possuir capacidade para tirar um curso superior, não podendo a insuficiência de meios económicos

constituir impedimento a esse acesso, previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 74.º da Constituição;

d) O princípio de que o regime de acesso ao ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a

democratização do sistema de ensino, previsto no n.º 1 do artigo 76.º da Constituição.

Artigo 3.º

Amnistia de incumprimento de pagamento de propinas

Consideram-se extintas as obrigações e são anuladas as dívidas com propinas acumuladas nos últimos 5

anos letivos em relação a todos os estudantes referidos no artigo 1.º e que se encontrem numa das seguintes

situações:

a) Tenham sido beneficiários de bolsa de estudo no âmbito da ação social escolar;

b) Tenham o respetivo pedido de bolsa para os anos letivos 2011/2012 e 2012/2013 indeferido devido a

irregularidades na situação tributária e/ou contributiva do respetivo agregado familiar;

c) Estejam desempregados e inscritos no Centro de Emprego;

d) Pertençam a um agregado familiar cujo rendimento per capita líquido não ultrapasse o dobro do valor do

Indexante de Apoios Sociais em vigor;

e) Sejam estudantes considerados agregados familiares unipessoais que não auferem rendimentos;

f) Em que o estudante seja considerado não elegível para efeitos de obtenção de bolsa de estudo

segundo os critérios de elegibilidade definidos nas alíneas e), f) e i), do artigo 5.º do Regulamento de

Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior, aprovado pelo Despacho n.º 8442-A/2012,

de 22 de junho.

Artigo 4.º

Isenção de propinas

A partir do ano letivo 2013/2014 consideram-se isentos de propinas todos os estudantes universitários,

podendo a isenção ser prorrogada anualmente por decisão administrativa do Ministério da Educação e

Ciência.

Artigo 5.º

Requerimento de amnistia

A amnistia prevista no atual diploma pode ser requerida junto dos serviços de ação social escolar das

instituições de ensino superior público a qualquer momento.

Artigo 6.º

Alteração da situação do estudante

1 – No caso do estudante, durante o ano letivo, passar a estar numa situação na qual deva beneficiar da

amnistia ou isenção de propinas, e caso esse estudante tenha efetuado o pagamento integral da propina, o

mesmo deve ser ressarcido do valor proporcional ao período em que se encontra em nova situação.

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2 – No caso da situação que permitiu a amnistia ou isenção do pagamento de propinas cessar, devem ser

pagas pelo estudante as prestações mensais relativas ao período da sua nova situação.

Artigo 7.º

Alteração de Rendimentos do Agregado Familiar

Quando, no âmbito das alíneas d) e e) do artigo 3.º o estudante pretender que seja considerado o

rendimento de um ano fiscal cujo apuramento não se encontre ainda efetuado pela Autoridade Tributária e

Aduaneira, o valor do rendimento deverá ser indicado em declaração própria, sob compromisso de honra do

estudante.

Artigo 8.º

Transferências do Estado para as instituições de ensino superior relativas ao valor das propinas

1 – É transferido para as instituições do ensino superior público o valor correspondente à propina,

multiplicada pelo número de estudantes beneficiários de amnistia e isenção, nos termos da presente lei, nos

prazos regulares de transferência do financiamento do Orçamento Geral do Estado para cada instituição.

2 – No caso de alterações da situação dos estudantes que lhes confiram o direito à amnistia e isenção do

pagamento de propinas, feita a sua comunicação pelas instituições de ensino superior público ao Ministério da

Educação e Ciência, este deve reembolsar as instituições no prazo de 30 dias.

Artigo 9.º

Regulamentação

A presente lei é regulamentada no prazo de 90 dias após a sua publicação.

Artigo 10.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor à data da sua aprovação.

Assembleia da República, 15 de fevereiro de 2013.

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: Luís Fazenda — Pedro Filipe Soares — Cecília

Honório — Ana Drago — Catarina Martins — Helena Pinto — João Semedo — Mariana Aiveca.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 616/XII (2.ª)

RECOMENDA A VALORIZAÇÃO INTEGRADA DO CAMPO MILITAR DE SÃO JORGE E A

CONCLUSÃO DO RESPETIVO PLANO DE PORMENOR DE SALVAGUARDA

O Campo Militar de São Jorge e terrenos envolventes têm vindo a beneficiar de um processo de

recuperação e valorização pelo facto de constituírem o local onde se travou a Batalha de Aljubarrota.

A classificação daquele local como monumento nacional, através do Decreto n.º 18/2010, de 28 de

dezembro, visou a proteção de um espaço relevante para a História do nosso país, dotando-o de um

tratamento específico, numa perspetiva de preservação dos aspetos paisagísticos, de acordo com a sua

importância histórica e arqueológica.

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Para o Grupo Parlamentar do PSD, o Campo Militar de São Jorge, pelo seu interesse científico, pedagógico

e cultural bem como pela preservação da memória coletiva, deve ser objeto de especial proteção e

valorização, através da criação de condições para a preservação dessa mesma memória, para a fruição de

espaços arqueológicos, museológicos, paisagísticos, económicos, e organizativos.

Consideramos mesmo no que concerne à Batalha de Aljubarrota, a sua classificação como monumento

nacional representa um momento decisivo de afirmação de Portugal como reino independente, marcando pela

sua força simbólica o imaginário de muitas gerações.

Recorde-se que a Batalha Real, como ficou conhecida, ocorreu num planalto entre a ponte do Boutaca,

concelho da Batalha, a norte, e o Chão da Feira, concelho de Porto de Mós, a sul, em dois pontos geográficos

que correspondem aos posicionamentos dos exércitos português e castelhano no dia 14 de agosto de 1385.

Este evento, para além da sua importância histórica, que assinalou o fim da crise sucessória de 1383-1385,

e coincidiu com a consolidação de D. João I como rei de Portugal, o primeiro da dinastia de Avis, e com uma

orientação geopolítica dirigida para a expansão territorial fora da Europa, foi igualmente pretexto para o

desenvolvimento de uma tática militar inédita, apurada na Guerra dos 100 Anos e posta em prática por D.

Nuno Álvares Pereira, de que é testemunho o complexo sistema defensivo, constituído por cerca de 800

covas-de-lobo e dezenas de fossos, posto a descoberto nas campanhas arqueológicas que decorrem desde

1958.

Verifica-se, assim, a extraordinária singularidade material deste conjunto, que inclui a capela trecentista

dedicada à Virgem Maria e a São Jorge e os vestígios arqueológicos da Batalha, testemunhos da vivência do

sítio ao longo dos tempos, como também da dimensão imaterial e memorial associada às implicações

simbólicas e políticas da Batalha de Aljubarrota.

Na defesa deste património sublinha-se o papel da Fundação Batalha de Aljubarrota, como entidade

dinamizadora do projeto do Centro de Interpretação Batalha de Aljubarrota (CIBA), elemento central na

salvaguarda e valorização do património referente ao Campo Militar de São Jorge.

Por outro lado, nos termos da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, que estabelece as bases da política e do

regime de proteção e valorização do património cultural, prevê-se a elaboração de um plano integrado, que

conduza ao estabelecimento de um plano de pormenor de salvaguarda para a área a proteger.

Esse plano de pormenor de salvaguarda visa disponibilizar um quadro jurídico e técnico de modo a garantir

uma gestão mais ágil, descentralizada e responsabilizadora das áreas protegidas e dos imóveis classificados,

garantindo, ao mesmo tempo, uma maior clareza de procedimentos na relação dos diferentes níveis de

administração entre si e o cidadão.

O referido plano de pormenor é um instrumento normativo da iniciativa do Município de Porto de Mós, em

parceria com o IGESPAR, enquanto administração central, que fixa princípios e regras quanto à ocupação, ao

uso e à transformação do solo na área por ele abrangida.

Nesse âmbito e pelo Aviso n.º 13321/2009 (publicado no DR, 2.ª série, n.º 144, 28.07. 2009), e nos termos

da legislação aplicável, a Câmara Municipal de Porto de Mós divulgava que na sua reunião de 25 de junho de

2009, «deliberou proceder à elaboração do Plano de Pormenor de S. Jorge, por se considerar necessário

permitir a salvaguarda do património existente».

No referido Aviso, a Câmara Municipal de Porto de Mós fazia juntar um mapa anexo relativo ao Plano

Pormenor de São Jorge e com a identificação da área suscetível de intervenção, ou seja, a considerar para

efeitos de medidas de salvaguarda e proteção que na sua configuração é coincidente com a delimitação fixada

para a atual especial de proteção (ZEP) do Campo Militar de S. Jorge de Aljubarrota, através da Portaria n.º

426/2012, de 10 de setembro de 2012.

Acresce referir que Câmara Municipal de Porto de Mós recebeu do Estado um apoio financeiro para a

concretização do referido Plano Pormenor de São Jorge, no entanto, por razões diversas o projeto nunca foi

concluído e assim os objetivos de planeamento integrado daquele território e a adequada compatibilização

com a salvaguarda dos valores patrimoniais estão ainda por realizar na componente municipal.

Por conseguinte, para a evolução deste projeto, o grupo parlamentar do PSD preconiza a colaboração

entre as autarquias locais, a sociedade civil, os proprietários dos imóveis abrangidos e a Fundação Batalha de

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Aljubarrota, fator de capital importância para o projeto de valorização integrada do Campo Militar de São

Jorge.

Consideramos também que este processo de classificação e planeamento da área do Campo Militar de

São Jorge irá contribuir para a valorização da qualidade de vida dos residentes, na medida em que será uma

oportunidade para melhorar a qualidade arquitetónica das futuras construções, e se procurará recuperar e

valorizar a respetiva paisagem.

Do mesmo modo, a recente aprovação de uma ZEP ao monumento classificado procura dignificar um local

de significado central na nossa História, impedindo que aí se continuem a desenvolver atividades não

conducentes com a sua importância, como a existência de vazadouro de entulhos, lixeiras ou depósitos de

sucatas de automóveis.

É nossa convicção que o reconhecimento da importância histórica deste local, que se consegue com a sua

classificação, proporcionará aos residentes locais importantes e significativas vantagens em termos de

atividades futuras de turismo cultural. Com efeito, vários campos de batalha importantes na Europa, com

Waterloo, Hastings, Azincourt ou Grundwald, são hoje exemplos de locais que prosperaram economicamente,

depois de terem tido as respetivas paisagens protegidas e recuperadas, e de aí se terem desenvolvido

atividades de turismo cultural. Estão entre estas atividades a reconstituição anual das respetivas batalhas, ou

o desenvolvimento de um comércio local associado a esse acontecimento histórico.

De fato, o desenvolvimento destas atividades, associado à proteção da respetiva paisagem, tornou possível

um assinalável aumento do nível de vida dos seus residentes, o que não teria acontecido se a importância

histórica desses locais continuasse a ser ignorada.

Com a classificação do Campo Militar de São Jorge, processo concretizado nos seus fundamentos

essenciais em 2001, tornou-se possível o início de um processo de desenvolvimento e valorização que

dignificará todos os portugueses, e que beneficiará a qualidade de vida dos residentes locais.

Assim, pelo que antecede, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os

Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, abaixo-assinados, apresentam o seguinte

projeto de resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República

Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1. No âmbito das suas competências de tutela e face ao acordo de parceria estabelecido entre o

IGESPAR, IP, (atual Direção-Geral do Património Cultural) e Município de Porto de Mós, diligencie no sentido

da conclusão do Plano de Pormenor de Salvaguarda do Campo Militar de São Jorge.

2. Promova a instalação e dinamização da Comissão de Acompanhamento do Plano de Pormenor de

Salvaguarda do Campo Militar São Jorge, nos termos previstos pelo Despacho n.º 29764/2007, de 27 de

dezembro, suscetível de revisão, tendo em conta o desenvolvimento do projeto da Fundação Batalha de

Aljubarrota e o envolvimento das populações e autarquias locais.

3. Empreenda a valorização do Campo Militar de São Jorge, pelo seu interesse científico, pedagógico,

cultural e económico, nomeadamente através da melhoria das condições de apoio à preservação do

monumento e no âmbito do Centro de Interpretação Batalha de Aljubarrota, para a melhor fruição coletiva dos

espaços arqueológicos, museológicos e paisagísticos.

Palácio de São Bento, 11 de fevereiro de 2013.

Os Deputados do PSD: Maria Conceição Pereira — Paulo Batista Santos — Pedro Pimpão — Amadeu

Soares Albergaria — Laura Esperança — Valter Ribeiro — Luís Montenegro — Fernando Marques — Emídio

Guerreiro.

———

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 617/XII (2.ª)

RECOMENDA AO GOVERNO A VALORIZAÇÃO E RECONHECIMENTO DA EDUCAÇÃO NÃO

FORMAL

Exposição de motivos

Enquadramento

O debate e o apelo ao reconhecimento da educação não formal enquanto forma de abordar a

aprendizagem ao longo da vida, têm sido impulsionados por organizações não-governamentais, movimentos

sociais, animadores em contexto socio educativo (youth workers) e por peritos em educação e pedagogia.

É justamente o associativismo, com especial relevância para o associativismo juvenil, que dá a

oportunidade aos jovens de participarem e contribuírem ativamente para a construção de uma sociedade mais

inclusiva, mais justa, mais solidária, e que guardam em si os valores da democracia e da intervenção cívica. É

no associativismo que milhares de jovens têm a oportunidade de desenvolver competências que lhes serão

úteis ao longo de toda a sua vida. O associativismo, nas suas mais variadas dimensões, promove a aquisição

de um largo leque de competências como as de organização, de gestão de projeto, de trabalho de equipa e de

liderança, de planeamento estratégico, resolução de conflitos, iniciativa, confiança, disciplina e

responsabilidade. Essas competências são adquiridas de forma paralela e complementar ao sistema formal de

ensino.

Porém, nem sempre esse trabalho, nem as competências adquiridas, na sua esmagadora maioria

concretizados através do voluntariado, são reconhecidas, quer política, quer socialmente.

Numa altura em que a taxa de desemprego em Portugal atingiu o valor de 16,5% e a taxa de desemprego

jovem se situa nos 38,3%, é amplamente propalada a necessidade cada vez maior de cada pessoa investir na

sua formação e experiência fora do ensino formal. As chamadas competências interpessoais (soft skills)são

efetivamente valorizadas pelo mercado de trabalho. De facto, a experiência associativa é uma fonte riquíssima

na aquisição daquelas competências, potenciando ganhos individuais no que diz respeito à empregabilidade,

ao desenvolvimento da personalidade e à criação de condições para a efetiva integração na vida ativa.

O desemprego atinge valores recorde, o país assiste a uma nova vaga de emigração e à fuga de cérebros

para o estrangeiro, a emancipação juvenil é cada vez mais tardia, e o regresso à casa dos pais é cada vez

mais uma realidade. Factos que prejudicam não só os índices relativos ao emprego, mas que também têm

consequência na participação cívica, social e eleitoral das pessoas, que vêm como miragem os sonhos, a

realização pessoal, a confiança e a felicidade através do estabelecimento de um plano de vida.

Por outro lado, o universo escolar e universitário ainda não se coadunam com o desempenho de qualquer

papel social ou associativo que extravase a realidade das aulas, dos trabalhos e dos exames. A ideia de

desenvolvimento de outras competências não encontra qualquer tipo de respaldo na relação com as

obrigações e objetivos que têm de ser cumpridos pelos estudantes. No mesmo sentido, a entrada no mercado

de trabalho não pode ser vista como o ponto em que a educação-não formal ou o associativismo deixam de ter

um papel essencial na construção do indivíduo enquanto cidadão. O associativismo e o reconhecimento das

competências adquiridas através da educação não formal devem ser promovidos durante toda a vida.

Boas Práticas

As plataformas de organizações juvenis, como o Conselho Nacional de Juventude e a Federação Nacional

das Associações Juvenis têm vindo, ao longo dos anos, a defender e a pugnar pelo efetivo reconhecimento da

Educação Não-Formal.

A nível Europeu, o Fórum Europeu de Juventude tem levado a cabo um amplo trabalho de estudo e defesa

da importância da Educação. Em 2008, a publicação “The sunshine report on non-formal education “

[Relatório sobre educação não-fornal]coligiu experiências e boas práticas no que toca à educação não-formal,

apontando boas práticas para o seu reconhecimento: Na Bélgica, com o Youth Diploma (Diploma da

Juventude) –em que as organizações de juventude são reconhecidas como agentes educativos, podendo

emitir diplomas oficiais para os jovens voluntários em associações, e que teve bons resultados ao nível do

aumento da empregabilidade dos jovens. Na Áustria, com condições especiais na atribuição e prazos de

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23

prorrogação das bolsas de estudo, assim como a conversão de trabalho associativo em ECTS para os

dirigentes das associações académicas, tendo como grande mais valia o reconhecimento daquelas estruturas

para o aprofundamento da democracia no sistema de ensino superior.

Mais recentemente, o Fórum Europeu da Juventude publicou o “Study on the impact of Non-Formal

Education in youth organisations on young people’s employability” [Estudo sobre o impacto da

educação não-formal em organizações de juventude sobre a empregabilidade dos jovens] o qual veio

demonstrar que o mercado de trabalho valoriza as competências adquiridas através do associativismo e da

educação não formal, mas que não há mecanismos que permitam apresentar essas competências de forma

cabal aos empregadores na fase de candidatura a um posto de trabalho.

Reconhecimento internacional da Educação Não Formal

O trabalho das instâncias europeias e internacionais na conceptualização e de reconhecimento dos

sistemas de educação não formal tem sido prolífico. A Educação não-formal tem sido reconhecida como forma

de complemento e de resposta aos desafios da sociedade hodierna aos quais a educação formal, por si só

não consegue responder. Foi exatamente neste sentido que, já em Dezembro de 1999, a Assembleia

Parlamentar do Conselho da Europa recomendou aos Governos dos Estados-membros que reconhecessem

a educação não formal como um parceiro de facto no processo de aprendizagem ao longo da vida e a

tornassem acessível a todos.

O Livro Branco da Comissão Europeia “Um novo impulso à juventude europeia” de 2001 veio também

apontar o caminho para a necessidade de acompanhamento comunitário da educação e da formação ao longo

da vida, reconhecendo que há um espaço de crescimento educação fora da escola ou da universidade.

A Recomendação 2003(8) do Comité de Ministros do Conselho da Europa veio apontar caminhos para

o reconhecimento da educação não-formal, designadamente através do apelo aos Estados-membros para

que reafirmassem que a educação não-formal hoje em dia constitui uma dimensão fundamental da

processo de aprendizagem ao longo da vida e que trabalhassem para o desenvolvimento de normas

eficazes de reconhecimento da educação não-formal como uma parte essencial da educação geral e

profissional formação.

Os Estados-membros foram ainda chamados a incentivar ativamente as experiências inovadoras de

educação não formal, apoiando a divulgação eficaz de documentação relevante sobre boas práticas,

métodos de formação e resultados da aplicação daquela, assim como a aproveitar o potencial da

educação não-formal enquanto meio complementar de integração dos jovens na sociedade, apoiando

o incremento da sua participação, e ainda, a integrar a educação não-formal enquanto elemento de

destaque nas políticas nacionais de juventude, alocando os recursos necessários para a implementação e

reconhecimento da educação não formal, programas de aprendizagem e respetivos resultados.

A União Europeia já reconheceu especificamente o tema na Resolução 2006/C168 do Conselho

[Resolução do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados-membros, reunidos no Conselho,

sobre o reconhecimento do valor da aprendizagem não formal e informal no domínio da juventude europeia]:

Entre várias recomendações, destaca-se o convite aos Estados-membros para reconhecer e apoiar, no âmbito

das respetivas competências, o contributo específico prestado pelas organizações juvenis e outras

organizações não-governamentais para a oferta de aprendizagem não formal e informal.

Esta recomendação encontra também expressão no Novo Quadro de Cooperação em matéria de

juventude (2010-2018) [Resolução do Conselho de 27 de novembro de 2009 sobre um quadro renovado para

a cooperação europeia no domínio da juventude], o qual prevê que, como complemento do ensino formal,

deve ser fomentada e reconhecida a aprendizagem não formal dos jovens, e devem ser desenvolvidos

melhores elos entre o ensino formal e a aprendizagem não formal.

A UNESCO colocou recentemente em marcha um sistema de validação das competências e dos esquemas

de educação não formal levados a cabo pelas organizações da Sociedade Civil, e a OCDE (através de dois

estudos recentes, Recognising non-formal and informal learning: outcomes, policies and practices, de 2010 e

Better skills, better jobs, better lives. A strategic approach to skills policies, de 2012) também tem reconhecido

o valor das competências adquiridas fora da escola como fonte de conhecimento e capacidades que o sistema

de ensino formal ainda não proporciona.

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Os documentos supra referidos indicam uma tendência que já remonta ao inicio da primeira década do

século XXI, e é tanto no seio do Conselho da Europa, como no seio da União Europeia, que se assistiu ao

maior desenvolvimento do enquadramento da Educação Não-formal, designadamente através dos Programas

Juventude em Ação e Grundtvig – Educação ao longo da Vida.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo

Parlamentar do Partido Socialista, apresentam o seguinte projeto de resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República

Portuguesa, recomendar ao Governo:

1- Que atue no sentido do reconhecimento efetivo da educação não-formal e da aprendizagem ao longo da

vida, prevendo a possibilidade de certificação das competências adquiridas através da participação ativa no

movimento associativo de cariz voluntário.

2- Que considere as boas práticas europeias no sentido de promover o reconhecimento formal das

associações juvenis como agentes educativos, de modo a que o trabalho associativo seja integrado na

valorização curricular.

3- Que leve a cabo uma estratégia nacional de promoção da cidadania, do associativismo e do

voluntariado que torne possível a devida conciliação entre o trabalho associativo e a vida escolar e

profissional.

Palácio de São Bento, 14 de fevereiro de 2013.

Os Deputados do PS: Rui Pedro Duarte — Pedro Delgado Alves — António Braga — Acácio Pinto —

Odete João — Carlos Enes — Miguel Coelho — Rui Jorge Santos — Duarte Cordeiro — Pedro Nuno Santos

— Elza Pais.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 618/XII (2.ª)

RECOMENDA AO GOVERNO O ESTUDO E A TOMADA DE MEDIDAS URGENTES A FIM DE DAR

SUSTENTABILIDADE AO SETOR DAS EMPRESAS DE DIVERSÃO ITINERANTE EM PORTUGAL

As empresas de diversão itinerante têm vindo a alertar o país para o impacto dramático da crise económica

no respetivo setor. A sua sustentabilidade económica, o garante de milhares de postos de trabalho e a sua

função cultural, dependem essencialmente da resolução de alguns aspetos para os quais urge encontrar

resposta.

Trata-se de um setor importante para o desenvolvimento local e regional do país, representando, só na

área das empresas de diversão itinerante, cerca de 200 pequenas empresas, na sua maioria, de caráter

familiar e representando postos de trabalho que em momentos de crise devem ser defendidos, em prol do

crescimento e desenvolvimento económico do país.

Face à importância desta atividade económica, com características muito específicas e sazonais, os

representantes deste setor têm apelado, nas diversas audições realizadas na Assembleia da República, para a

alteração do atual regime do CAE – Código de Atividade Económica que, não prevendo qualquer critério

igualitário, impedem uma uniformidade de procedimentos por parte dos técnicos oficiais de contas, da

segurança social e de outros organismos públicos e privados e geram automaticamente um tratamento injusto

e, muitas vezes, não correspondente à real atividade económica destas empresas.

Para além disso, o aumento do Imposto de Valor Acrescentado (IVA) para a taxa máxima (23%) que o

Orçamento de Estado para o ano de 2012 decretou também para este setor, constituiu mais um agravamento

das condições de sustentabilidade destas empresas, bem como, uma dificuldade acrescida na manutenção

dos respetivos postos de trabalho.

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Esta diversidade de critérios é ainda reforçada em matéria de licenciamento das diversões que,

encontrando-se dependente do aval das autarquias locais, conduz à inevitável incerteza da sua concretização

e permite práticas não estandardizadas que não defendem nem as empresas, nem os consumidores.

Se a este conjunto de fatores, associarmos os significativos investimentos, sem qualquer apoio público,

destas empresas no respeito pelos princípios da qualidade e segurança no serviço, facilmente

compreendemos a necessidade de encontrar uma solução adequada para salvaguardar uma atividade que

representa, em muitos casos, o mais sincero elo de ligação aos eventos de carater lúdico e cultural que

caracterizam os calendários festivos do nosso país.

Neste sentido, e ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido

Socialista apresenta o presente projeto de resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do disposto do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da

República Portuguesa, recomendar ao Governo o estudo e a tomada de medidas urgentes a fim de dar

sustentabilidade ao setor das empresas de diversão itinerante em Portugal, nomeadamente:

1) Criação de um único CAE para a atividade económica itinerante de diversão, como ferramenta de apoio

à aplicação de políticas adequadas ao sector ambulante, em eventos de caracter cultural;

2) Ponderação da aplicação da taxa intermédia do Imposto de Valor Acrescentado (IVA) neste sector;

3) Avaliação da redução do valor do Imposto Único de Circulação (IUC) para veículos afetos ao transporte

dos operadores de diversão ambulante, face ao grau de circulação/utilização dos mesmos;

4) Implementação de critérios uniformes, por parte das entidades licenciadoras dos recintos itinerantes, no

sentido de dar maior previsibilidade às empresas operadoras nos mesmos, permitindo em simultâneo, por fim

à diversidade de critérios utilizados;

5) Estudo das melhores práticas europeias na regulamentação deste setor, de forma a garantir a

sustentabilidade económica e financeira do mesmo.

Assembleia da República, 15 fevereiro 2013.

Os Deputados do PS: Carlos Zorrinho — Rui Pedro Duarte — Rui Paulo Figueiredo — António Braga —

Mota Andrade — Fernando Jesus — Basílio Horta — Odete João — João Paulo Pedrosa — Pedro Delgado

Alves.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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