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48 | II Série A - Número: 005 | 19 de Setembro de 2014

Assembleia da República, 19 de setembro de 2014.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda, Cecília Honório — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua — Helena Pinto — Catarina Martins — Luís Fazenda — João Semedo — Mariana Aiveca.

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PROJETO DE LEI N.º 664/XII (4.ª) ALTERA A PREVISÃO LEGAL DOS CRIMES DE VIOLAÇÃO E COAÇÃO SEXUAL NO CÓDIGO PENAL

Exposição de motivos

O crime de violação atinge, sobretudo, mulheres e crianças. Apesar da neutralidade prevista no tipo legal de violação quanto ao género da vítima, este crime é uma hedionda forma de violência de género, e uma das mais invisíveis.
A violação é um atentado aos direitos humanos das mulheres, à sua integridade física e emocional, à sua liberdade e autodeterminação sexual, sem esquecer que tantas das suas vítimas são menores. No entanto, e face aos recentes sinais do seu impacto nas sociedades modernas, sublinhe-se que a média europeia de condenações é de 14%.
Se bem que muitas lacunas se encontrem nos sistemas de prevenção e nas visões sedimentadas de género, que continuam a alimentar-se da dicotomia entre “sexo forte” e “sexo fraco”, ao quadro legal vigente impõe-se, hoje, que dê sinais inequívocos da condenação deste crime.
Em Portugal, no ano de 2012 (segundo dados do RASI), foram apresentadas 375 queixas às forças de segurança - 25% contra membro da família, 34% contra conhecidos das vítimas e 24% contra estranhos. A esmagadora maioria de agressores, enquadrada em relações de proximidade familiar ou de conhecimento, contribui para desfazer a falsa ideia de que o crime de violação é cometido por estranhos. Segundo a mesma fonte, no ano de 2013 foram apresentadas 344 queixas. A atermo-nos, contudo, ao número de inquéritos abertos (cf. p. 68), os números aumentam em relação aos crimes de violação e de coação sexual.
Neste quadro, sublinha-se a débil neutralidade da nossa lei penal que interioriza a noção instalada de ser o violador um estranho, que só assim é reconhecido pelo recurso da violência e da ameaça (cf. Clara Sottomayor, “O conceito legal de violação: um contributo para a doutrina penalista”, Revista do Ministçrio Põblico, 128, dezembro de 2011, p. 275). Acresce o “ónus de resistência da vítima, como se a vítima, se não defender o seu corpo e a sua autonomia com energia, agredindo o violador, merecesse ser violada ou a sua liberdade sexual deixasse de ser tutelada pelo direito penal” (cf. Idem, pp. 274-275).
Eis as condicionantes atuais que norteiam a exigência de fazer reconhecer que um ato sexual sem consentimento é um crime de violação ou de coação sexual. É no não consentimento que radica a violência do ato e a natureza do crime. Neste sentido, a existência de violência ou ameaça grave não devem ser meios típicos de constrangimento, mas circunstâncias agravantes da pena.
Com efeito, a exigência de um processo cumulativo de violência (o agressor que só o é quando exerce violência, a vítima que só o é quando dá provas de lhe resistir, preferencialmente com violência) destitui o cerne da sua natureza: um ato sexual não consentido ç, de per si, um ato de violência. É pois no “não consentimento” que se configura o atentado á autodeterminação e liberdade sexual, e as demais formas de violência usadas para a consecução do ato só podem ser entendidas como agravantes.
É neste sentido que se configura o Artigo 36.º da Convenção de Istambul, com a epígrafe, “Violência sexual, incluindo violação”, ao propor a revisão dos quadros legais no sentido da criminalização de todas as condutas intencionais que impliquem penetração (vaginal, anal ou oral) não consentida, bem como de outros atos, de caráter sexual, não consentidos. A advertência estende-se à necessidade de criminalizar estes atos quando praticados por cônjuges, ex-cônjuges ou outros parceiros.
A presente proposta do Bloco de Esquerda dá corpo às recomendações da Convenção de Istambul. O crime de violação é avaliado pelo não consentimento, e extirpado de todas as tipificações que ocultam, hoje, a sua verdadeira dimensão, onerando as vítimas. E, apesar do debate sobre a necessidade de validar a

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