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II SÉRIE-A — NÚMERO 71 8

Para além da posição assumida por Jorge Reis Novais, vários são os Constitucionalistas que defendem que

uma lei que permita a eutanásia ou o suicídio medicamente assistido não é inconstitucional, nomeadamente

Luísa Neto, Teresa Beleza e Faria Costa.

A discussão sobre inconstitucionalidade resulta de uma eventual violação do artigo 24.º da CRP. Ora, tal

interpretação apenas é possível se se entender que aquele artigo, ao estabelecer que a “vida humana é

inviolável”, interdita qualquer violação do direito à vida, independentemente do tipo de agressão em causa.

Todavia, ainda que se diga que a vida humana é inviolável ou que o direito à vida é um direito absoluto, tal

consideração, do ponto de vista estritamente jurídico, não é verdadeira. A admissibilidade de situações como a

possibilidade de matar em legítima defesa demonstram tal facto. O direito à vida, ainda que tendencialmente

absoluto, não tem, atualmente, a configuração de um direito absoluto.

Outra questão que se prende com esta está relacionada com a conceção que temos da função do

ordenamento jurídico. Numa situação de despenalização da morte medicamente assistida, o que poderia estar

em causa, eventualmente, seria o facto de o Estado, com uma lei deste tipo, deixar desprotegida a vida naquelas

circunstâncias por não a estar a proteger suficientemente. Mas, será isto verdade? Isto é, o Estado não está

nunca a desrespeitar o direito à vida: se recai sobre o Estado o dever de proteger a vida humana contra

agressões de terceiros, deverá este protegê-la também contra agressões do próprio? A este respeito,

subscrevemos a posição de Jorge Reis Novais, que defende que um Estado de Direito não é um Estado

paternalista e que, portanto, não é um Estado que se destine a proteger a pessoa contra si própria, que duvide

da capacidade e da autonomia da pessoa e que, por isso, a proteja, que se superiorize julgando saber qual é o

interesse que aquela pessoa tem e portanto se propõe protegê-lo mesmo quando a pessoa não quer ser

protegida. Uma vez que o Estado de Direito não funciona nesta base, o dever de proteção de uma pessoa contra

si própria é um dever exigente, no sentido em que o Estado apenas deve protegê-la em último caso. Em princípio,

o Estado reconhece autonomia às pessoas, partindo do pressuposto que as pessoas estão em condições de ter

autonomia.

Chegados aqui, facilmente se compreende que aquilo que deve ser garantido pelo Estado é que a

pessoa que toma a decisão é competente para o fazer. O Estado deve, assim, criar mecanismos que

permitam aferir se a vontade manifestada por determinada pessoa corresponde à sua vontade real, ou seja, se

a pessoa está lúcida e consciente.

Todavia, tem sido defendido que a despenalização da morte medicamente assistida introduzirá a ideia de

que há vidas que são dignas de serem vividas e vidas indignas de serem vividas. Não compreendemos este

argumento. Todas as vidas são dignas, independentemente do seu grau de autonomia ou de dependência,

independentemente de se tratar de alguém interdito por anomalia psíquica ou com plena consciência. A única

coisa que difere são as obrigações do Estado, porquanto o mesmo tem o dever de aferir se a pessoa está em

condições de formular a sua vontade, de forma consciente e lúcida, uma vez que, caso não esteja, o acesso à

morte medicamente assistida não é possível.

Outros argumentos têm sido apresentados contra a despenalização da morte medicamente assistida,

em especial a existência de cuidados paliativos e o argumento da “encosta escorregadia ou rampa deslizante”.

No entanto, o PAN entende que a despenalização da morte medicamente assistida não exclui nem conflitua

com os cuidados paliativos. Estes são de enorme importância, devendo por isso ser valorizados e continuamente

reforçados. Mas a verdade é que os cuidados paliativos não eliminam por completo o sofrimento em todos os

doentes nem impedem por inteiro a degradação física e psicológica, porque nem todo o sofrimento é tratável.

Para além disto, os efeitos associados a estes tratamentos, nomeadamente náuseas e alterações de

consciência, podem comprometer a autonomia e a qualidade de vida dos pacientes. Por este motivo, mas

também por outros, existem também doentes que não pretendem submeter-se aos cuidados paliativos.

É verdade que ainda muito há a fazer para a melhoria da qualidade e da acessibilidade dos cuidados

paliativos em Portugal. No entanto, isso não significa que apenas se possa permitir a morte medicamente

assistida quando tivermos melhores cuidados paliativos, até porque existem doentes que a eles não querem

recorrer. A vontade destes doentes deve ser respeitada e o Estado deve ter uma resposta alternativa para

aqueles que sofrem.

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